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O marco inicial da contagem do prazo decadencial sob a sistemática da Lei 9.099/1995

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30/07/2012 às 15:25
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4 .DA FASE PRELIMINAR

4.1.Do Termo Circunstanciado de Ocorrência

A autoridade policial, que tomar conhecimento do fato delituoso, lavrará Termo Circunstanciado de Ocorrência e, se for o caso, providenciará os devidos exames periciais. Após, promoverá o encaminhamento das peças imediatamente para o competente Juizado Criminal, procedendo, ainda, a apresentação do autor do fato e da vítima para a audiência preliminar. Em transcrições práticas, quando uma autoridade policial tomar conhecimento de um fato tido como delituoso, terá que, por incumbência, lavrar Termo Circunstanciado de Ocorrência, no qual conterá, necessária e imprescindivelmente, as declarações da suposta vítima e do suposto infrator sobre a suposta infração, de eventuais testemunhas e, se for o caso, promoverá as requisições de perícias técnicas ou exames periciais.

O artigo 69, parágrafo único, da Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, prescreve que:

Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.

A regra no Processo Penal brasileiro é a investigação através do inquérito policial (art. 5º do Código de Processo Penal) a cargo da autoridade policial judiciária (Delegado de Polícia). Porém, a lei que rege os Juizados Especiais Criminais trouxe novos moldes no que tange ao procedimento administrativo policial. Para enriquecer ainda mais o esposado, sábias são as palavras de Marcellus Polastri Lima, ao aduzir que:

Com o advento, entretanto, da Lei 9.099/95, pode-se dizer que, apesar de continuarmos adotando o sistema da duplicidade de instrução, a primeira fase, concernente à investigação, em nome dos princípios da celeridade e informalidade, foi reduzida de tal forma que a Autoridade Policial só deverá colher os elementos existentes no clamor do fato, de forma sucinta, lavrando-se o que se denomina termo circunstanciado, que nada mais é do que uma coleta abreviada das versões dos envolvidos, indicação de testemunhas e outros dados relevantes, constando o registro de requisição do exame de corpo de delito e outras perícias. Trata-se, evidentemente, de verdadeira exceção à regra geral do art. 5º, § 5º, do Código de Processo Penal pelo art. 69 da Lei 9.099/95, pois, em se tratando de delito de menor potencial ofensivo, não há que se falar em instauração de inquérito, e sim de termo circunstanciado. (LIMA, 2005, p. 66)

Ademais,

Esse termo circunstanciado de ocorrência, sem formalidades, abreviado pela sigla TCO, substitui o inquérito policial e o auto de prisão em flagrante. O termo circunstanciado não é o mesmo que o boletim de ocorrência (BO), que é um termo simples, bem simples, feito tão-somente para registrar a queixa (queixa não no sentido técnico de queixa-crime, e sim de reclamação). É com base no termo circunstanciado que o Ministério Público formará sua opinio delicti[19]. (TOURINHO NETO, 2010, p. 539)

Para Tourinho Neto (2010) o Termo Circunstanciado de Ocorrência significa um documento policial que conterá todas as particularidades de como ocorreu o fato, com a demonstração da existência de um ilícito penal, de suas circunstâncias e de sua autoria, constando ainda o resumo do interrogatório do autor do fato, dos depoimentos da vítima e de suas testemunhas. Esses depoimentos não serão tomados por termo, faz-se um resumo. Caso haja necessidade de realização de diligências, como, por exemplo, exame de corpo de delito, mencionar-se-á o fato no boletim circunstanciado e, depois de realizadas, serão, o mais rápido possível, encaminhadas ao Juizado Especial em aditamento ao boletim circunstanciado.

4.1.1        Do Termo Circunstanciado de Ocorrência

O que se vê na prática é totalmente oposto à letra da lei, daí o brocardo: “na prática a teoria é outra”. A Autoridade Policial, após lavrar o Termo Circunstanciado de Ocorrência, designa previamente a audiência preliminar para data futura, intimando, na Delegacia, o suposto infrator e a suposta vítima para que compareçam ao Juizado Criminal; posteriormente, o Termo Circunstanciado é remetido ao Juizado. Veja-se que os envolvidos não são encaminhados imediatamente ao Juizado Criminal.

Na Comarca de Palmas, Estado do Tocantins, o processo virtual já é uma realidade. Todo o sistema é integrado entre a Secretaria de Segurança Pública (Polícia Civil), Ministério Público, Advogados e Poder Judiciário. Nesse passo, a Delegacia de Polícia envia o Termo Circunstanciado via sistema E-proc[20], com a data da audiência preliminar previamente designada e documento anexo contendo a intimação dos envolvidos (suposta vítima e suposto infrator), cabendo apenas à secretaria do Juizado Criminal agendá-la na pauta de audiência do conciliador judicial ou do juiz togado.

A Lei nº. 9.099/1995, em seu artigo 70, ressalta que “comparecendo o autor do fato e a vitima, e não sendo possível a realização imediata da audiência preliminar, será designada data próxima, da qual ambos sairão cientes”. Já o artigo 71, da mencionada lei, leciona que “na falta do comparecimento de qualquer dos envolvidos, a Secretaria providenciará sua intimação e, se for o caso, a do responsável civil, na forma dos arts. 67 e 68 desta lei[21].

Porém, na realidade prática, não comparecendo o suposto infrator, sendo constatado que ele foi devidamente intimado na Delegacia de Polícia, alguns juízes vêm determinando a expedição de mandado de condução coercitiva. Inversamente, se a suposta vítima estiver devidamente intimada para a audiência de conciliação e não comparecer, tampouco justificar sua ausência, alguns juízes vem promovendo o arquivamento dos autos, nos termos do Enunciado 99 do FONAJE (TRIBUNAL JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS. 2010. p. 76), cujo inteiro teor reflete no sentido que “nas infrações penais em que haja vítima determinada em caso de desinteresse desta ou de composição civil, deixa de existir justa causa para ação penal”.

4.1.2        O termo circunstanciado como representação do ofendido

O artigo 75, caput, da Lei nº. 9.099/1995 dispõe que, não obtida a conciliação entre as partes, a representação se dará em juízo; por conseguinte, a representação, para os delitos de pequeno potencial ofensivo, não pode ser feita na Delegacia de Polícia. Muito embora o parágrafo 4º do artigo 5º do Código de Processo Penal aduz que “o inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado”, a Lei dos Juizados, face ao princípio da especialidade[22], dispôs de modo diferente.

Não se pode olvidar que o Termo Circunstanciado de Ocorrência, nos crimes de competência dos Juizados Criminais, substitui o Inquérito Policial. Ademais, se a representação fosse realizada na Polícia, o representante do Ministério Público já se acharia legitimado para oferecer a eventual denúncia, o que impediria a composição dos danos. Noutra situação, se o ofendido for levado à Delegacia de Polícia e não quiser que sejam tomadas providências, caberá à autoridade policial tomar por escrito essa manifestação. (TOURINHO NETO, 2010)

Há que se ponderar que o legislador secundário foi extremamente inteligente ao direcionar o momento da representação para a audiência preliminar, quando não for obtida a conciliação. Isso é de extrema significação, tendo em vista que, se fosse feita na delegacia, o Ministério Publico já estaria autorizado a propor a transação penal ou, não sendo possível, oferecer denúncia contra o suposto autor do fato.  Tal circunstância inviabiliza não só a composição dos danos ou o acordo civil, mas também a pacificação social do conflito. 

Assim considerando, o Ministério Público estaria obrigado, se preenchidos os requisitos legais, a fazer proposta de transação penal, mesmo sem a presença da vítima, e a oferecer denúncia, se ausente o autor do fato. Ocorre que a prática demonstra, na quase totalidade dos casos, que a vítima deixa de comparecer à audiência preliminar quando não tem interesse em representar, por já ter transigido com o autor do fato, perdoado-o, etc. Da mesma forma, o autor do fato deixa de comparecer à audiência preliminar em razão de acordo eventualmente entabulado com o ofendido. Por isto, a se considerar com representação a simples lavratura do TCO, estar-se-ia impingindo ao autor do fato a transação penal ou dando início à ação penal pública condicionada, sem que a vítima, titular da condição de procedibilidade, pretendesse tal consequência. Esse entendimento tem, ainda, o inconveniente de estimular a ausência do ofendido na audiência preliminar, tornando esse ato judicial inócuo, descaracterizando a finalidade da lei que é a composição entre os sujeitos do ato infracional. (LIMA JÚNIOR; NOGUEIRA, 2002, online, grifo no original)

Todavia, o entendimento que prevalece na jurisprudência e doutrina é de que a representação pode ser feita na Delegacia de Polícia. Desta feita, colhida a representação na Pólicia, caberá à ofendida, caso não queira entrar na fase judicial, retratar-se ao seu direito de representação. Fazendo parte dessa corrente majoritária, a Desembargadora Genecéia da Silva Alberton, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, verbera que a representação feita em juízo não significa, necessariamente, que ela seja desnecessária na fase policial, isso por que, uma vez demonstrada pela suposta vítima o seu desinteresse em dar prosseguimento à instauração da demanda penal, ela poderá se retratar nos moldes do artigo 25 do Código de Processo Penal, ou seja, sua retratação poderá ocorrer a qualquer momento antes do oferecimento a denúncia. (ALBETON apud TOURINHO NETO, 2010)

4.2         Das audiências preliminares

O legislador, ao editar a Lei nº. 9.099/1995, textualizou que na audiência preliminar deverá estar presente o representante do Ministério Público, o suposto infrator, seu defensor, a suposta vítima e, se for o caso, o representante legal dessa. Ademais, para Tourinho Neto (2010), é na audiência preliminar que o juiz, ou o conciliador, colocará ao entendimento das partes a possibilidade da composição dos danos civis que a infração causou, ou de um acordo civil – pacificação social pela reconciliação – em face das circunstâncias sociais ensejaram as supostos delitos.

Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

Em que pese a Lei nº. 9.099/1995 ter determinado, em face do princípio da economia e celeridade processual, a realização de uma única audiência preliminar, que compreende tanto a transação civil (composição dos danos e acordo civil) quanto a transação penal, na prática isso se torna quase impossível, porquanto a demanda é muito grande e há um número significativo de audiências preliminares a se realizarem em um único dia. Em virtude desses desdobramentos, fica inviável proceder à realização de todos os atos (transação civil e penal) em uma só audiência preliminar.

Nesse contexto, muitos Juizados Criminais vêm promovendo o fracionamento da referida audiência preliminar para conseguir suprir a demanda. Com isso, nos crimes de ação pública condicionada à representação, haverá uma audiência preliminar de conciliação e, restando essa infrutífera, será designada nova data para a realização da audiência preliminar de transação penal, com a participação do representante do Ministério Público para proposta de transação penal. Posteriormente, não havendo proposta de transação penal, ou o suposto infrator não aceitá-la, bem como se não houver a necessidade de diligências imprescindíveis, o promotor de justiça imediatamente oferecerá denúncia oral, que será reduzida a termo e uma cópia será entregue ao acusado – agora sim estará, efetivamente, na qualidade de acusado –, o qual ficará cientificado e citado para a designada audiência de instrução e julgamento.

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Já nos crime de ação penal privada, haverá uma audiência preliminar de conciliação e, restando-se essa infrutífera, os autos aguardaram em cartório para posterior interposição de queixa-crime no prazo decadencial de 06 (seis) meses. Havendo a interposição da queixa-crime tempestivamente, será designada audiência de conciliação, instrução e julgamento, onde o juiz, antes de receber a queixa, irá tentar novamente uma conciliação entre as partes. Não havendo novamente a possibilidade de conciliação, o juiz dará início ao procedimento sumaríssimo.

4.2.1        Da audiência preliminar de conciliação

O conciliador judicial poderá presidir, sob orientação do juiz togado, a audiência preliminar de conciliação. Tourinho Neto (2010, p. 556), no mesmo sentido, discorre que “a audiência de conciliação pode ser exercida sem a presença do juiz. Talvez melhor que seja assim, pois evita a possibilidade de um prejulgamento ou mesmo de uma má vontade do julgador ante a resistência do autor do fato a acordar”.

Art. 73. A conciliação será conduzida pelo juiz ou por conciliador sob sua orientação.

Ademais, é extremamente importante e imprescindível, nessa audiência, a presença de todos os envolvidos, para que possa ser tentada a composição dos danos civis ou o acordo civil (reconciliação). Instalada a audiência, o conciliador judicial, demonstrando paciência, serenidade e respeito, tentará, através do diálogo, encurtar a distância existente entre as partes, com fito de solucionar o conflito social que ensejou na lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência. Nesse liame, Tourinho Neto (2010, p. 556) é mais incisivo ao dizer que “deverá o juiz, ou o conciliador, permitir que as partes conversem entre si, debatam e façam contrapropostas, para chegarem a um denominador comum”.

É aí que se dá o relevante papel dos conciliadores, que irão auxiliar o Juiz de Direito, togado, a obter a conciliação entre as partes, fazendo a aproximação preliminar e instruindo as partes, e mesmo o responsável civil, sobre as vantagens da conciliação, para após, uma vez obtida, se dar a homologação e a extinção da punibilidade pela renúncia, podendo o conciliador, para maior celeridade, na impossibilidade da presença do Juiz togado, dar andamento à conciliação, mas nunca será possível que se manifeste sobre a homologação, que é ato privativo [por ser um ato indelegável, a terminologia correta é exclusivo] do Juiz togado. (LIMA, 2005, p. 77, grifo no original)

Frisa-se que a audiência preliminar de conciliação é uma audiência em que não se estará adentrando no mérito do fato delituoso. O conciliador judicial, sempre estimulando o diálogo, ouvirá atentamente o que as partes têm a dizer e, com muita calma, ajudá-las-á a resolver o conflito, tanto na via judicial quanto, e principalmente, na esteira extrajudicial.

Obtendo o Juiz ou conciliador o devido êxito quanto à satisfação dos danos, urge reduzir o acordo a escrito, cabendo ao juiz homologá-lo. Nesse caso, lavra-se um termo de audiência preliminar, consignando-se dia, local e hora e a presença dos envolvidos, do Juiz e, se for o caso, do Promotor de Justiça e responsável civil. Em seguida, após registrada [...], segue a homologação pelo Juiz. (TOURINHO FILHO, 2007, p. 96)

Uma vez obtida a composição civil dos danos ou o acordo civil, o conciliador judicial redigirá, no termo de audiência preliminar de conciliação, os atos havidos por necessários e, posteriormente, encaminhará os autos para o juiz proceder com a homologação, pois é ato exclusivo do magistrado.

4.2.2        Renúncia ao direito de representação ou queixa

Segundo Nucci (2012, p. 590), “renúncia é a desistência de propor a ação penal privada”. Doutro lado, Tourinho Neto (2010, p. 565) aduz que “somente haverá desistência quando já estiver intentada a ação penal privada”. Nesse esteio, vislumbra-se que a renúncia sempre ocorrerá antes do ajuizamento da ação. Em se tratando do microssistema dos Juizados Especiais Criminais, havendo um acordo entre as partes, a suposta vítima estará renunciando ao seu direito de queixa, nos crimes de ação penal privada, como também ao seu direito de representação, quando se tratar de ação penal pública condicionada.

É notório que o parágrafo único do artigo 74, da Lei dos Juizados Especiais, trouxe duas exceções à regra ao aduzir que: “tratando de ação penal de iniciativa privada ou de ação pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação”. Assim, no âmbito dos Juizados Criminais, diferentemente do disposto no art. 104[23], parágrafo único, do Código Penal, a composição civil dos danos implicará não só à renúncia tácita ao direito de queixa, como também, tratando-se de uma inovação, a renúncia tácita ao direito de representação.

Insta acentuar que o parágrafo único do artigo sob comentário trouxe duas novidades, em se tratando de infrações penais de menor potencial ofensivo: 1ª) Se se cuidar de ação penal privada, a conciliação quanto à satisfação dos danos, devidamente homologado, implica renúncia ao direito de queixa, contrariando a regra do art. 104 do Código Penal, no sentido de a composição dos danos não implica renúncia tácita ao direito de queixa. E, assim, na hipótese de conciliação, restará ao Juiz julgar extinta a punibilidade pela renúncia tácita, com fulcro no parágrafo em exame c/c o art. 107, V, do CP; 2ª) Cuidando-se de ação pública condicionada à representação, aplica-se a mesma regra: o acordo celebrado entre as partes e devidamente homologado pelo Juiz implica “renúncia” tácita ao direito de representação, devendo o Juiz, também nesse caso, julgar extinta a punibilidade. A renúncia ao direito de queixa em virtude da satisfação dos danos. [...] No processo penal comum, o recebimento pelo ofendido da importância alusiva à satisfação dos danos não implica renúncia ao direito de queixa, conforme dispõe a última parte do art. 104 do Código Penal. Já no Juizado Especial Criminal a regra é diferente. Para facilitar ao máximo o acordo quanto à satisfação do dano e estimular o autor do fato a fazê-lo, dispôs-se de modo diverso. E essa circunstância deve ser bem lembrada. A homologação do acordo atinente à satisfação do dano implica renúncia ao direito de queixa, devendo o Juiz, por óbvio, julgar extinta a punibilidade com fulcro no parágrafo único do art. 74 da Lei n. 9.099/95 c/c o art. 107, V, do Código Penal. A renúncia ao direito de representação em razão da composição civil. [...] No Juizado Especial Criminal, o instituto da representação foi mitigado. No obstante a regra do art. 39 do CPP, a “representação” somente poderá ser feita no Juizado, ou, onde não houve, perante o Juiz Criminal. Há um momento próprio para o seu exercício: após o insucesso nas tentativas de um acordo quanto à satisfação dos danos. Uma vez obtido o acordo e após a sua homologação, seu titular não mais poderá fazê-la, visto que o legislador no parágrafo único do art. 74 da lei sob comento estabeleceu, como forma de estimular a transação, que o acordo quanto à satisfação dos danos implica renúncia ao direito de representação. (TOURINHO FILHO, 2007, p. 97-99, grifo do autor)

Nessa mesma contextualização, Lima (2005, p. 79) assevera que havendo composição dos danos civis, homologado pelo juiz, “haverá renúncia ao direito de queixa ou representação, porquanto a lei criou nova hipótese de extinção de punibilidade não elencada no rol do art. 107 do Código Penal, criando, por outro lado, a figura da renúncia ao direito de representação”. Assinala-se, ainda, que o artigo 25[24], do Código de Processo Penal, expõe rigidamente que, havendo representação, não poderá a suposta vítima retratar-se.

No entanto, face à regra de que o Código Penal e de Processo Penal terão aplicação subsidiária, assim como ao fato de a determinação contida no mencionado artigo não se coadunar com os princípios orientadores dos Juizados Especiais, o princípio da irretratabilidade não se aplica no rito especial dos Juizados Criminais. O ilustre jurista Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho detém o seguinte entendimento:

“Não parece deva-se adotar essa regra em uma legislação que se funda em outros princípios, não conhecidos pelo Código de Processo. Diferentemente deste, a Lei 9.099/1995 elegeu a reparação do dano com um dos princípios fundamentais da nova legislação. E, como dissemos antes, a pacificação social ou familiar é o bem maior que deve ser buscado pelo direito, insculpindo-se como uma forma de reparação do dano. Assim, havendo retratação da representação, deve-se considerá-lo como causa para a extinção da punibilidade, por analogia ao artigo 107, V, do Código Penal, que autoriza a extinção de punibilidade pela renúncia do direito de representação”. (CARVALHO apud TOURINHO NETO, 2010, p. 565)

Marcellus Polastri Lima ressalta que:

Com efeito, se antes já era prevista a possibilidade de renúncia ao direito de queixa (arts. 104 e 107, V, do CP), não era possível haver, em se tratando de ação penal condicionada, renúncia da representação, já que, neste caso, ou se representava ou não se representava. O que era possível e previsto era a retratação da representação antes da denúncia. Frisa-se que, no caso de ação penal privada, existe verdadeira “renúncia tácita legal”, ocorrendo, nos crimes em tela, derrogação ou exceção ao disposto do parágrafo único do art. 104 do Código Penal, que não permitia a consideração da reparação do dano. Note-se que tal composição terá efeito de extinguir a punibilidade não só quando realizada anteriormente à denúncia, como também no decorrer do processo, provendo o art. 79 nova tentativa no curso do processo. No trâmite do processo, no caso de ação penal pública condicionada, se dá verdadeira exceção à regra da irretratabilidade da ação da representação após o oferecimento da denúncia e da indisponibilidade ou irretratabilidade da ação penal pública (art. 42 do CPP), com derrogação do princípio geral, antes também aplicável às leis especiais, do art. 102 do Código Penal, no que tange aos delitos de menor potencial ofensivo. (LIMA, 2005, p. 79)

Dessa forma, pode-se dizer que a Lei nº. 9.099/1995, por ser uma lei de cunho especial, fez exsurgir, no Processo Penal brasileiro, inúmeras inovações processuais. Notadamente, ao mesmo tempo em que criou a figura da renúncia ao direito de representação, também possibilitou a retratação após o oferecimento da denúncia. Essas exceções foram criadas em função de um bem maior que o microssistema processual dos Juizados Especiais tanto enaltece: a conciliação entre partes com vistas à pacificação social.

4.2.3        O oferecimento da representação verbal nos crimes de ação privada e pública condicionada

A expressão “representação” deve ser entendida no sentido de procedibilidade, ou seja, compreende a manifestação da suposta vítima em querer prosseguir com o feito em desfavor do suposto autor do fato. Cinge-se aduzir que, frustrada a conciliação, será, imediatamente, dada oportunidade à suposta vítima de exercer seu direito de representação ou queixa, o qual se dará verbalmente e redigido inequivocamente no termo de audiência preliminar de conciliação. Nota-se que o legislador foi extremamente claro e incisivo ao disciplinar que a representação, no âmbito do Juizado Especial Criminal, dar-se-á na audiência preliminar, quando não for obtida a conciliação entre as partes. Veja-se a letra da lei, in verbis:

Art. 75. Não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo.

Linard (2007, online) externa que, apesar de a cabeça do artigo 75, da lei em comento, reportar-se expressamente somente ao direito de representação, pode-se, perfeitamente, estendê-lo ao exercício do direito de queixa, ainda mais por que o parágrafo único do artigo 74 abrange igualmente à representação e à queixa. Compartilhando do mesmo entendimento, Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance e Luiz Flávio Gomes assinalam que:

Frustrada, por qualquer razão, a tentativa de composição dos danos civis, o ofendido [...] terá a imediata oportunidade de oferecer representação oral, que será reduzida a termo. Embora o dispositivo se refira exclusivamente ao exercício imediato do direito de representação, a mesma faculdade deve ser estendida ao ofendido, em caso de queixa. Trata-se de aplicação analógica do dispositivo, em benefício não só da vítima, mas também da rapidez e eficiência da prestação jurisdicional [...].  (FERNANDES; GOMES; GOMES FILHO; GRINOVER, 1997, p. 125-126)

Portanto, não havendo acordo entre as partes, o juiz togado ou o conciliador judicial dará a oportunidade de a suposta vítima exercer seu direito de representação, seja nos crimes de ação pública condicionada, seja nos crimes de ação privada.  O direito de representação consiste na oportunidade em que a suposta vítima manifestará seu desejo em prosseguir com o feito em desfavor do suposto autor do fato. Todavia, conforme preconizado no parágrafo único do artigo em comento, o não oferecimento da representação na audiência preliminar não implica decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em lei.

Mas qual o momento que começará a contar o prazo decadencial? Ante a tal indagação, vislumbra-se que o marco inicial do prazo decadencial é o ponto central do presente trabalho, conforme será demonstrado a seguir.

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Sobre o autor
Julvan Andrade Modesto

Bacharel em Direito, pala Faculdade Católica do Tocantins, e Conciliador Judicial, com atuação no Juizado Especial Criminal da Região Central de Palmas, capital do Estado do Tocantins.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MODESTO, Julvan Andrade. O marco inicial da contagem do prazo decadencial sob a sistemática da Lei 9.099/1995. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3316, 30 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22288. Acesso em: 25 abr. 2024.

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