6. Conclusão
A redação do artigo 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal peca pelo pouco tecnicismo jurídico, principalmente por ignorar princípios estruturantes do ordenamento jurídico brasileiro.
Em primeiro lugar, fere a forma federativa de Estado ao obrigar que o ente que não queira ser privado de transferências voluntárias, institua todos os impostos que lhe foi atribuída competência para tanto. A federação é parte integrante do rol de matérias consideradas cláusulas pétreas, isto é, imodificáveis se esta alteração for tendente a sua abolição. Por isso, uma norma criada pela União, ainda que geral por se tratar de lei nacional, não pode interferir na autonomia dos outros entes federados fora das situações previstas na Carta Magna, pois esta característica é intrínseca ao conceito de federação.
Em segundo lugar, já no plano do Sistema Tributário Nacional, a competência tributária de instituir e arrecadar tributos é de exercício facultativo, ou seja, somente o próprio ente federativo pode exercê-la, não havendo qualquer autorização legal ou constitucional para sua substituição pelo não-exercício. Não há, inclusive, prazo para tanto. Depende apenas da necessidade e conveniência vislumbrada por cada pessoa jurídica de direito público.
A inconstitucionalidade, neste diapasão, é evidente. A interpretação simplesmente gramatical leva o intérprete menos atencioso a aplicar o artigo 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal indistintamente. Ocorre, contudo, que não é desse modo que o intérprete deve proceder. Deve também levar em conta outros métodos hermenêuticos, além do contexto do momento para haver a avaliação se é aplicável a sanção política do parágrafo único. Através de um enfoque sistemático e teleológico, foi possível neste estudo encontrar interpretação que se coaduna com o ordenamento jurídico brasileiro vigente.
A norma, para não incorrer em inconstitucionalidade, deve ser interpretada a partir da necessidade e conveniência da instituição do tributo pelo ente federativo. Havendo necessidade ou conveniência de sua instituição, é certo que o ente está descumprindo sua obrigação de perseguir e tentar efetivar o interesse público. Por isso, a sanção política do parágrafo único do artigo 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal deve ser aplicada. Todavia, caso não exista real necessidade ou conveniência de sua instituição, já que as políticas públicas estão sendo implementadas regularmente ainda que ausente o imposto o qual o ente federado tem competência para instituir, não é o caso de aplicação da sanção, pois a persecução do interesse público está sendo realizada regularmente.
Referências
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SABBAG, Eduardo. Manua
Notas
[1] Além das Constituições anteriores a de 1988, também se pode mencionar o Código de Contabilidade da União, o Decreto n.º 4.536, de 28-1-1922, regulamentado pelo Decreto n.º 15.783 de 8-11-1922 e a
Lei 4.320, de 17 de março de 1964.
[2] Interessante comentário faz Francisco Eduardo Carrilho Chaves (2009, p. 95) ao afirmar que “... se ambos fossem imaginados como pessoas naturais, o TCU teria os mesmos problemas existenciais do Ministério Público da União. Ambos detêm autonomia funcional, administrativa, financeira e orçamentária, bem como a Constituição não os integrou de forma expressa à estrutura administrativa de nenhum dos Poderes, mas é indiscutível que não são Poderes.”
[3] Sérgio Resende de Barros traz clara diferenciação entre leis nacionais e leis federais. Diz que “Ambas – norma federativa e norma nacional – são transitivas. Partem da mesma origem: a União. Mas com destinos diferentes: a Federação e a Nação, transitam por duas órbitas diferentes, a do Estado Federal e a do Estado Nacional, embora dentro de um só e mesmo sistema: o do Estado. Pelo que, ainda que se cruzem ou tangenciem aqui ou acolá, não coincidem em toda a compreensão e extensão. Portanto, há motivo e critério para distingui-las. Ainda mais porque as leis federativas são de ordem pública, ao passo que as leis nacionais são de ordem pública ou privada”.
[4] Importante frisar a ressalva que a doutrina costuma fazer acerca do ICMS, entendendo ser excepcionalmente de instituição obrigatória, dado o imperativo constitucional de aplicação uniforme em todo o território nacional. Referido posicionamento é baseado nos dispositivos constitucionais que tratam da competência do Senado para editar resoluções que fixem faixas limítrofes de alíquotas do ICMS (artigo 155, §2º, V) e, mediante convênios, a reserva de regulação de certas matérias atinentes ao ICMS à deliberação conjunta dos Estados (artigo 155, §2º, XII, g), mantendo desse modo a unidade da tributação e evitando as chamadas "guerras fiscais". Ainda assim, como defende Roque Antonio Carrazza (2003, p. 598-599), o ordenamento jurídico não contempla qualquer regra expressa que obrigue a pessoa jurídica de direito público omissa a legislar ou que atribua tal competência a outro ente.
[5] Note que o Supremo Tribunal Federal, na Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.238-5/DF, decidiu pela constitucionalidade do artigo 11, parágrafo único da Lei de Responsabilidade Fiscal somente em face do artigo 160 da Constituição Federal. Não houve, portanto, qualquer manifestação acerca da sua inconstitucionalidade frente os argumentos aqui expostos. Em trecho da extensa ementa, diz: “X - Art. 11, parágrafo único: por se tratar de transferências voluntárias, as restrições impostas aos entes beneficiários que se revelem negligentes na instituição, previsão e arrecadação de seus próprios tributos não são incompatíveis com o art. 160 da Constituição Federal.”