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O juiz deve receber o advogado?

31/08/2012 às 15:16
Leia nesta página:

A atenção ao advogado só não deve custar ao magistrado a interrupção de audiência, de sentença ou de despacho, mesmo porque não tem lei complementar alguma que estabelece esse absurdo de suspender o trabalho para prestar atendimento a quem quer que seja, salvo em situação de absoluta necessidade.

O jurisdicionado tem enfrentado alguma dificuldade para ter acesso ao magistrado, através de seu advogado, profissional competente para reclamar  eventuais violações ao seu direito; ao magistrado, na condição de Estado/Juiz, cabe apreciar o pedido para dirimir os conflitos que lhe são submetidos.

O debate prende-se em saber se constitui obrigação de o juiz receber o advogado em seu gabinete ou somente deve assim proceder em casos de urgência.

A Lei federal n. 8.906/94, Estatuto dos Advogados, art. 7º, enumera entre os direitos do advogado o seguinte:

“VIII – dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observado-se a ordem de chegada”.

A mesma lei assegura que não há hierarquia entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, colocando aqueles no mesmo nível de necessidade para a administração da justiça.

Por outro lado, a Constituição Federal, pela primeira vez, consagra a indispensabilidade do advogado para a distribuição de justiça.

O Código de Ética da Magistratura, de 6/6/2008, ao tempo em que proíbe o tratamento desigual às partes, pelo magistrado, assegura que não se trata de ato discriminatório “a audiência concedida a apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se assegure igual direito à parte contrária, caso seja solicitado”.

Por sua vez, a LOMAN, Lei Orgânica da Magistratura, não dispõe especificamente sobre o assunto, mas o art. 35, que trata dos deveres, diz que o magistrado é obrigado a “... atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quando se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência”.

O Juiz de Direito da Comarca de Mossoró, RN, fez consulta ao CNJ sobre a obrigação de o juiz receber advogado em seu gabinete. Daí originou-se a decisão do Conselheiro Marcus Faver, juiz de carreira, nos seguintes termos:

“não pode o magistrado reservar período durante o expediente forense para dedicar-se com exclusividade, em seu gabinete de trabalho, à prolação de despachos, decisões e sentenças, omitindo-se de receber profissional advogado quando procurado para tratar de assunto relacionado a interesse de cliente”.

Mais adiante diz o ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“O magistrado é sempre obrigado a receber advogados em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento durante o expediente forense, independentemente da urgência do assunto, e independentemente de estar em meio à elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença, ou mesmo em meio a uma reunião de trabalho. Essa obrigação se constitui em um dever funcional previsto na LOMAN e a sua não observância poderá implicar em responsabilização administrativa”.      

Todavia, a AMB, através de Pedido de Providências questionou a decisão do CNJ, de 2007, especificamente sobre a afirmação de que o juiz tem a obrigação de atender aos advogados a qualquer momento, mesmo que implique na suspensão de despachos, audiências ou sentenças.

O plenário do CNJ definiu que a decisão de Faver, por ser monocrática, restringia-se apenas ao juiz de Mossoró, RN, que fez a consulta, com efeitos inter partes, como dispõe o art. 28 da Lei n. 9.784/99, que rege o processo administrativo. Portanto, o decisório que criou tanta celeuma, não pode ser estendido a todos os magistrados, fundamentalmente porque decorrente de decisão monocrática.

Contrariando a decisão monocrática do juiz de carreira, então Conselheiro, o desembargador paulista, Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda, defendeu tese no sentido de que o magistrado não tem a obrigação de receber advogado em seu gabinete, vez que não há lei para assegurar esse direito e nem a Constituição tratou da matéria. Assegura que o gabinete não é espaço publico de livre ingresso, como se fosse uma repartição ou praça públicas, mas espaço público privado do Estado, como se fosse o carro, bem de uso do desembargador, ambos privativos.

Por outro lado, a ministra Nancy Andrighi baixou Ordem Interna n. 1/2007, que disciplinava procedimento a ser cumprido pelos advogados para realização de audiência pessoal no gabinete, a exemplo de petição e comunicação pela Secretaria ao defensor da outra parte.

Levado ao conhecimento do STJ, por meio de Mandado de Segurança, relatado pelo ministro Francisco Peçanha Martins, sobre a legalidade da portaria, decidiu-se que o Juiz não pode fixar horário específico, mediante ato, para atendimento a advogados; diante disso, a ministra cumpriu imediatamente a decisão, revogando a portaria e passando a atender aos advogados independentemente de agendamento. 

Em outros momentos, o STJ manifestou no mesmo sentido, definindo que o magistrado não pode estabelecer horário para atendimento a advogados, porque esse ato viola as regras de convivência profissional harmônica e recíproca entre advogados e magistrados. 

A Corregedoria das Comarcas do Interior da Bahia baixou a Instrução Normativa n. 002/2012 que proíbe a edição de atos, no âmbito das comarcas do interior, tendentes a restringir ou delimitar o atendimento de advogados por Juízes de primeiro grau. 

Em tempos remotos, os desembargadores e juízes não tinham gabinetes de trabalho, motivo pelo qual os processos eram-lhes conduzidos para suas residências e os advogados limitava-se em deixar nos cartórios ou secretarias os memoriais.

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Na verdade, o entendimento que deve prevalecer é o de que os advogados, nesses encontros em gabinete, não tratam de interesses pessoais, mas prestam informações de natureza complexa, esclarecem pontos substanciais de suas petições, documentos juntados, porquanto se torna mais difícil para o magistrado repassar mil folhas ou mais nos autos do processo. Enfim, o advogado atua sempre em defesa dos cidadãos que reclamam a prestação jurisdicional, tarefa do Judiciário.

Evidente, que essa atenção ao advogado não deve custar ao magistrado a interrupção de audiência, de sentença ou de despacho, mesmo porque não tem lei complementar alguma que estabelece esse absurdo de suspender o trabalho para prestar atendimento a quem quer que seja, salvo em situação de absoluta necessidade. 

De qualquer forma, o atendimento ao advogado pode contribuir para melhor estudo e análise dos atos do processo, além de alicerçar-lhe com eventuais argumentos de quem lhe procura, restando apenas a verificação das motivações da outra parte que não pode ou não quis está no gabinete para esclarecimento.

Se a prestação jurisdicional não atrasasse o advogado certamente não teria motivos para procurar o juiz em seu gabinete; todavia, a morosidade e o acúmulo de serviço dos magistrados provocam no advogado o desejo de encontrar a solução da demanda com a maior brevidade possível, em atenção ao seu constituinte, contribuindo para ajudar o magistrado na presteza da prestação jurisdicional. Afinal, também o advogado presta serviço de natureza social.  

Sem servir para justificar, alguns juízes temem acusações infundadas simplesmente pelo fato de receber em seu gabinete uma parte ou um advogado, daí a cautela de alguns, convidando um dos servidores para assistir à conversa com o advogado. É que se registram casos de propostas ilícitas ao juiz para o pronto desenlace do litígio.

Evidente que há situações nas quais não é necessário qualquer esclarecimento, porque o processo mostra-se de fácil solução, mas nunca suficiente para barrar o atendimento ao advogado.

Pessoalmente, como juiz, desembargador ou corregedor, sempre atendi e atendo aos advogados e também às partes.   

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Sobre o autor
Antonio Pessoa Cardoso

Ex-Corregedor das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça da Bahia. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Antonio Pessoa. O juiz deve receber o advogado?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3348, 31 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22529. Acesso em: 22 dez. 2024.

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