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Recuperação judicial de empresa concessionária de serviço público de distribuição de energia elétrica

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03/09/2012 às 13:32
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4. Dificuldades na aplicação da recuperação judicial às concessionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica

Como já demonstrado nos itens anteriores, a receita decorrente da tarifa de energia elétrica não se destina em sua integralidade à concessionária de distribuição para a operação e manutenção de suas instalações, para a remuneração do capital investido e para a realização de investimentos.

Uma parcela considerável da tarifa se destina a terceiros: Orçamento da União, contas gerenciadas pela Eletrobrás, concessionárias de transmissão e empresas de geração, funcionando a distribuidora como mera arrecadadora e repassadora desses valores.

Diante dessa peculiaridade da tarifa de energia elétrica, os valores arrecadados na tarifa e que não são de titularidade da concessionária, como é o caso dos itens que integram a Parcela A, não podem ser utilizados para o pagamento de credores no plano de recuperação judicial ou no procedimento de falência. Além disso, mesmo na receita oriunda da Parcela B, há uma parte que é absolutamente essencial à prestação do serviço, como os valores destinados a custos de operação e investimentos.

Para se demonstrar a participação das Parcelas A e B na tarifa em uma situação real, segue gráfico com os dados específicos da tarifa atualmente vigente para CELPA. Nele se percebe que apenas 30,6% da tarifa da CELPA correspondem à Parcela B (o custo de distribuição). A Parcela A corresponde ao restante da receita (encargos setoriais, custo da transmissão, custo da geração e tributos).

Ora, se os valores da Parcela A não são de titularidade da concessionária, nem a ela de qualquer forma se destinam, são prestações indisponíveis, necessárias à prestação e à continuidade de atividades inerentes ao serviço público de distribuição de energia (compra de energia, transporte, programas governamentais, etc.).

Assim, esses valores não podem ser utilizados para a satisfação de credores no plano de recuperação judicial, sob pena de incurso em verdadeira apropriação indébita por parte da concessionária. A utilização dos recursos da Parcela A no plano de recuperação judicial significaria saldar dívidas com recursos de terceiros.

Deve-se repisar que a receita da atividade de distribuição de energia se restringe à Parcela B da tarifa. Portanto, na recuperação judicial, a satisfação dos credores deverá estar focada exclusivamente na Parcela B.

Mas deve-se ter presente que não é toda a receita oriunda da Parcela B que pode ser comprometida com a recuperação da empresa. Com efeito, a satisfação dos custos operacionais e a realização dos investimentos, que integram a Parcela B, não podem ser afetados pela recuperação judicial, sob risco de se comprometer a continuidade da prestação do serviço público.

Como já visto, os custos operacionais incluem os custos com gestão de pessoas (administrativo e de operação e manutenção), infraestrutura física (edificações, móveis, sistema de informática), materiais e serviços terceirizados, que são essenciais à continuidade da adequada prestação do serviço público de distribuição de energia. Daí que os custos operacionais correntes devem continuar a ser satisfeitos, sob risco de interrupção no fornecimento de energia elétrica.

A continuidade da realização dos investimentos é essencial para se manter a atualidade do serviço. Sem investimentos, as instalações se tornam obsoletas e a prestação do serviço também fica comprometida.

Para que se obtenha o montante de recursos a ser destinado à satisfação dos credores na recuperação judicial, deve-se considerar apenas a Parcela B, dela abatendo-se a despesa relacionada a todos os custos operacionais e investimentos indispensáveis ao serviço público de distribuição de energia elétrica.

Observa-se, então, que a concessionária de distribuição de energia tem muito pouco espaço para poder transigir com seus credores, visto que a maior parte de sua receita é vinculada.

Ademais, como já demonstrado, os bens reversíveis, que são aqueles relacionados diretamente à prestação do serviço de distribuição de energia, não podem ser alienados para satisfação dos credores.

Assim, um dos principais instrumentos para se atingir a recuperação da empresa, que é a venda de parte dos ativos, é impossível quando se trata de concessionária de serviço público.


5. Conclusão

Diante do exposto, uma primeira conclusão que pode ser alcançada é que a recuperação judicial de concessionária de serviço público de distribuição de energia elétrica, a não ser que se destine apenas a obter anuência dos credores quanto à concessão de maior prazo para pagamento das dívidas, revela-se absolutamente ineficaz para a superação da situação de crise.

Ademais, caso não se observem as restrições apontadas, a recuperação judicial pode comprometer seriamente a continuidade da prestação do serviço público, colocando o direito dos credores à frente do direito da coletividade.

Sob o ponto de vista de uma análise de custo-benefício, o procedimento da recuperação judicial é muito arriscado para a concessão e poucos benefícios traz para os credores.

Cabe ressaltar que é um paradoxo possibilitar a aplicação da recuperação judicial e da falência às concessionárias de serviço público, e, ao mesmo tempo, excluir de seu alcance as empresas estatais que prestam serviço público.

O paradoxo se torna mais patente ao se observar o argumento da exclusão das empresas estatais prestadoras de serviço público do âmbito de aplicação da lei: impossibilidade de desvio dos bens reversíveis de sua finalidade.

Ora, nos sistemas jurídicos de origem romano-germânica, confere-se repercussão interpretativa ao brocardo latino “ubi eadem ratio, ibi idem jus” (“quando a razão for a mesma, aplica-se o mesmo direito”). Vide, por exemplo, julgados proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça no AgRg no REsp 1142065/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, e AgRg no REsp 1231689/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, entre muitos outros.

Para além da ineficácia da recuperação judicial à situação das concessionárias de serviço público, propõe-se interpretação, para o caso, aderente ao brocardo mencionado, qual seja, excluir-se as concessionárias de serviço público do âmbito de aplicação da Lei n. 11.101/2005, por aplicação analógica da hipótese do artigo 2°, I, do mesmo diploma.

Não se pretende, com essa solução interpretativa, promover a continuidade do serviço público à custa do sacrifício dos direitos dos credores. Pretende-se viabilizar as condições para que o Poder Concedente promova a declaração de caducidade (extinção da concessão), com a consequente indenização da parcela ainda não amortizada dos bens reversíveis. Aí, sim, os credores terão numerário de titularidade do devedor para promover a satisfação de suas dívidas, o que ocorrerá sem prejuízo da prestação do serviço.


Referências

AGUILLAR, Fernando Herren. Serviços públicos: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Saraiva, 2011.

ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 321.

BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova lei de recuperação e falências comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e recuperação de empresas.  São Paulo: Saraiva, 2007, p. 130.

CRETELLA NETO, José. Nova lei de recuperação judicial e falências. Rio de Janeiro: GZ, 2012.

JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. Dialética: São Paulo, 2003.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010.

MILANI, Mario Sergio. Lei de recuperação judicial, recuperação extrajudicial e falência comentada. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 64.

SALOMÃO, Luis Felipe; SANTOS, Paulo Penalva. Recuperação judicial, extrajudicial e falência: teoria e prática. Forense: Rio de Janeiro, 2012, p. 14.


Notas

[1] A regra, portanto, é buscar salvar a empresa, desde que economicamente viável. O legislador colocou, à disposição dos atores principais, no cenário da empresa em crise, as soluções da recuperação extrajudicial e judicial.

A medida extrema da falência só deve ser decretada quando for inviável preservar a atividade.

(SALOMÃO E SANTOS, 2012, p. 14).

[2] Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter:

I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo;

II – demonstração de sua viabilidade econômica; e

III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.

Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credores sobre o recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de eventuais objeções, observado o art. 55 desta Lei.

[3] Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:

I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;

II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;

III – alteração do controle societário;

IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;

V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;

VI – aumento de capital social;

VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;

VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;

IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;

X – constituição de sociedade de credores;

XI – venda parcial dos bens;

XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;

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XIII – usufruto da empresa;

XIV – administração compartilhada;

XV – emissão de valores mobiliários;

XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.

§ 1º Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.

§ 2º Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada como parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação judicial.

[4] Art. 56. Havendo objeção de qualquer credor ao plano de recuperação judicial, o juiz convocará a assembléia-geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação.

§ 1º A data designada para a realização da assembléia-geral não excederá 150 (cento e cinquenta) dias contados do deferimento do processamento da recuperação judicial.

§ 2º A assembléia-geral que aprovar o plano de recuperação judicial poderá indicar os membros do Comitê de Credores, na forma do art. 26 desta Lei, se já não estiver constituído.

§ 3º O plano de recuperação judicial poderá sofrer alterações na assembléia-geral, desde que haja expressa concordância do devedor e em termos que não impliquem diminuição dos direitos exclusivamente dos credores ausentes.

§ 4º Rejeitado o plano de recuperação pela assembléia-geral de credores, o juiz decretará a falência do devedor.

[...].

Art. 73. O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial:

I – por deliberação da assembléia-geral de credores, na forma do art. 42 desta Lei;

II – pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo do art. 53 desta Lei;

III – quando houver sido rejeitado o plano de recuperação, nos termos do § 4º do art. 56 desta Lei;

IV – por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do § 1º do art. 61 desta Lei.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não impede a decretação da falência por inadimplemento de obrigação não sujeita à recuperação judicial, nos termos dos incisos I ou II do caput do art. 94 desta Lei, ou por prática de ato previsto no inciso III do caput do art. 94 desta Lei.

[5] Cláusula Quarta. Expansão e ampliação dos sistemas elétricos.

A concessionária obriga-se a implantar novas instalações e a ampliar ou modificar as existentes, de modo a garantir o atendimento da atual e futura demanda de seu mercado de energia elétrica, observadas as normas e recomendações dos órgãos gerenciadores do Sistema Elétrico Nacional, do Poder Concedente e da ANEEL.

Primeira Subcláusula – As ampliações dos sistemas de distribuição e dos respectivos sistemas de transmissão de âmbito próprio da concessionária deverão obedecer aos procedimentos legais específicos e às normas do Poder Concedente e da ANEEL. As novas instalações, as ampliações e as modificações das instalações existentes, desde que autorizadas ou aprovadas pela ANEEL, incorporar-se-ão às respectivas concessões, regulando-se pelas disposições deste Contrato e pelas normas legais e regulamentares da prestação do serviço público de energia elétrica.

[...]

Terceira Subcláusula – A concessionária deverá organizar, e manter permanentemente atualizado, o cadastro dos bens e instalações de distribuição e dos sistemas de transmissão de âmbito próprio, vinculados aos respectivos serviços, informando a ANEEL as alterações verificadas.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Luiz Eduardo Diniz. Recuperação judicial de empresa concessionária de serviço público de distribuição de energia elétrica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3351, 3 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22539. Acesso em: 5 nov. 2024.

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