Resumo: O texto analisa a compatibilidade e as dificuldades práticas na aplicação do instituto da recuperação judicial a empresa concessionária de serviço público de distribuição de energia elétrica.
Palavras-chave: Recuperação judicial; concessão de serviço público; distribuição de energia elétrica.
Sumário: 1. Introdução. 2. O instituto da recuperação judicial. 3. O serviço público de distribuição de energia elétrica no Brasil. 4. Dificuldades na aplicação da recuperação judicial às concessionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica. 5. Conclusão. Referências.
1. Introdução
O pedido de recuperação judicial formulado pelas Centrais Elétricas do Pará S.A. – CELPA, em 28 de fevereiro de 2012, perante o Poder Judiciário do Estado do Pará, certamente entrará para a história do setor de energia elétrica por ter sido o primeiro caso relativo a concessionária de serviço público de distribuição.
Em razão do ineditismo, o pedido da CELPA trouxe à tona várias dúvidas a respeito da compatibilidade do instituto da recuperação judicial com as empresas concessionárias de serviço público essencial prestado em regime de monopólio natural.
É que, em se tratando de serviço essencial em regime de monopólio natural, a principal preocupação é com a continuidade de sua prestação, a qual deve ser colocada mesmo à frente do direito dos credores.
Também é importante ressaltar que a receita bruta da distribuidora não é integralmente de sua titularidade, visto que a tarifa de energia contém componentes que são destinados a terceiros, como é o caso dos encargos tarifários e dos valores relativos à compra e ao transporte de energia. Nesse particular, a distribuidora atua como agente arrecadador. A distribuidora também recebe recursos públicos para executar políticas governamentais direcionadas ao consumidor, os quais não podem ser desviados de sua finalidade. Essa situação, quando não o inviabiliza completamente, inspira cuidados no que diz respeito à aprovação do plano de recuperação judicial.
Por fim, pretende-se demonstrar que a recuperação judicial, em razão das restrições impostas pelas peculiaridades da situação da distribuidora de energia elétrica, revela-se ineficaz para promover a satisfação dos credores, além de pôr em risco a regular prestação do serviço.
2. O instituto da recuperação judicial
A recuperação judicial tem a finalidade de viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor. Busca-se manter, ao mesmo tempo, a fonte produtora, o emprego dos trabalhadores e os interesses dos credores, conforme previsto no artigo 47 da Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.
Diferentemente da falência, que se destina a afastar o devedor de suas atividades com o objetivo de se aperfeiçoar a satisfação dos credores, a recuperação judicial tem por propósito manter a execução das atividades empresariais por parte do devedor por se entender que esta é a melhor forma de se recuperar a saúde financeira do empreendimento, e, assim, de se promover a satisfação dos credores[1].
Com fundamento nesse propósito de manter a atividade produtiva em funcionamento, o artigo 49 dispõe que farão parte da recuperação judicial apenas os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. Os créditos constituídos a partir da data do pedido não se sujeitam ao instituto.
Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
A razão para a exclusão do processo de recuperação judicial dos créditos constituídos posteriormente ao pedido é exatamente possibilitar que a empresa continue a operar normalmente.
De fato, caso assim não fosse, a empresa não poderia continuar a atividade produtiva, visto que não encontraria fornecedor disposto a com ela contratar e seus empregados também não estariam dispostos a trabalhar sem receber salário.
Essa, portanto, além de literal, é a interpretação que se faz do artigo 49 da Lei n. 11.101/2005 em consonância com os objetivos do instituto da recuperação judicial.
A posição da doutrina pátria é exatamente nesse sentido. Para Almeida (2010, p. 321),
[...] os créditos constituídos após o pedido de recuperação judicial não se sujeitam à recuperação – e nem poderia ser de outra forma. Estes devem ser pagos nas datas fixadas para o seu vencimento. São exatamente os créditos de fornecedores que, após a distribuição do pedido de recuperação, continuaram dando sua contribuição para o soerguimento da empresa.
Coelho (2007, p. 130), além de pontuar que “os credores cujos créditos se constituírem depois de o devedor ter ingressado em juízo com o pedido de recuperação judicial estão absolutamente excluídos dos efeitos deste”, registra que “esses credores, por terem contribuído com a tentativa de reerguimento da empresa em crise, terão seus créditos reclassificados para cima, em caso de falência (art. 67)”.
Nesse sentido também tem se posicionado a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, por meio da Segunda Seção, competente para matéria de direito empresarial, conforme se observa do acórdão abaixo, proferido no julgamento dos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no CC 105.345/DF, em 9 de novembro de 2011:
[...]
4. O artigo 49 da LFR tem como objetivo, também, especificar quais os créditos, desde que não pagos e não inseridos nas exceções apontadas pela própria lei, que se submeterão ao regime da recuperação judicial e aqueles que estarão fora dele. Isso, porque, como se sabe, na recuperação judicial, a sociedade empresária continua funcionando normalmente e, portanto, negociando com bancos, fornecedores e clientes. Nesse contexto, se, após o pedido de recuperação judicial, os débitos contraídos pela sociedade empresária se submetessem a seu regime, não haveria quem com ela quisesse negociar.
[...].
Após a publicação do deferimento do pedido, a empresa tem 60 dias para a apresentação do plano de recuperação, sob pena de transformação em falência. Além da avaliação de seus bens e ativos, o plano deverá descrever os meios de recuperação a serem empregados[2].
De acordo com o artigo 50, vários meios podem ser utilizados para se alcançar a recuperação judicial, podendo ser destacados a concessão de prazos e condições especiais para pagamento de obrigações, a venda parcial de ativos e o aumento de capital social[3].
O estado de crise da empresa pode ser econômico, financeiro ou patrimonial. A crise econômica decorre da perda de mercado; a financeira significa que o fluxo de caixa da empresa é deficitário, ou seja, a empresa não possui condições de honrar todas as suas obrigações porque as despesas são maiores que as receitas; por fim, a patrimonial significa que as obrigações da empresa são maiores do que a totalidade do ativo, correspondente à soma dos direitos reais e pessoais (SALOMÃO e SANTOS, 2012, p. 10).
Considerando as especificidades de sua crise, se econômica, financeira e/ou patrimonial, a empresa deve demonstrar que sua recuperação é viável e mais benéfica para os credores do que a promoção da imediata liquidação de seus bens.
A finalidade é que se obtenha ‘solução de mercado’, seja por meio da concessão de prazos maiores para pagamento das dívidas por parte dos credores, seja por meio do aporte de capital na empresa por investidores.
Caso não se encontre essa ‘solução de mercado’, o plano de recuperação judicial será rejeitado pelos credores e o juiz decretará a falência da empresa, conforme previsão dos artigos 56, § 4°, e 73[4]. Decretada a falência, os bens são arrecadados e avaliados, ficando sob a guarda do administrador judicial ou do próprio falido, na qualidade de depositário. Posteriormente, os bens serão alienados e o seu produto entrará para a massa falida.
Com a falência, encerra-se a atividade empresarial e promove-se a arrecadação e alienação de todos os bens para se honrarem, na medida do possível, as dívidas existentes.
Um ponto que merece ser destacado é que as empresas estatais – empresas públicas e sociedades de economia mista – que prestam serviço público não se sujeitam à Lei n. 11.101/2005, conforme expressa previsão do artigo 2°:
Art. 2º Esta Lei não se aplica a:
I – empresa pública e sociedade de economia mista;
II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.
Segundo o entendimento da doutrina, e apesar da literalidade do texto normativo, essa excepcionalidade apenas atinge as empresas estatais que prestam serviço público, preservando-se a aplicação da lei àquelas que exercem atividade econômica em sentido estrito.
De acordo com Mello (2010, p. 206),
Quando se tratar de exploradoras de atividade econômica, então, a falência terá curso absolutamente normal, como se de outra entidade mercantil se tratara. É que, como dito, a Constituição, no art. 173, § 1°, II, atribuiu-lhes sujeição ‘ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais (...)’. Disto se deduz, também, que o Estado não poderia responder subsidiariamente pelos créditos de terceiros que ficassem a descoberto, pois se o fizesse, estaria oferecendo-lhes um respaldo de que não desfrutam as demais empresas privadas.
Ainda para Mello (2010, p. 206), a razão da não aplicação da recuperação judicial e da falência para as empresas estatais que prestem serviço público é que “[...] os bens afetados ao serviço e as obras em questão são bens públicos e não podem ser distraídos da correspondente finalidade, necessários que são ao cumprimento dos interesses públicos a que devem servir”.
Portanto, existe expresso afastamento da aplicação dos institutos da recuperação judicial e da falência às empresas estatais que prestam serviço público.
3. O serviço público de distribuição de energia elétrica no Brasil
A Constituição Federal de 1988 dispõe que compete à União explorar, diretamente ou mediante concessão, autorização ou permissão, os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água. Também é de sua competência legislar privativamente sobre energia.
Art. 21. Compete à União:
[...]
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
[...]
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;
[...]
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
[...]
IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;
[...]
No setor elétrico, a Lei n. 9.074, de 7 de julho de 1995, dispôs que a atividade de distribuição de energia elétrica é serviço público, a ser prestada mediante concessão ou permissão (artigos 4°, 22 e 23).
Nos termos do artigo 14 da Lei n. 9.427, de 26 de dezembro de 1996, assim como dos contratos de concessão, a receita de uma concessionária de serviço público de distribuição de energia elétrica provém da contraprestação pecuniária paga pelos consumidores, fixada no regime do serviço pelo preço, acrescentando-se apenas as receitas advindas de atividades complementares, como é o caso do compartilhamento de infraestrutura.
Em vista de se tratar de serviço público com característica de monopólio natural, e não de atividade econômica em sentido estrito, a contraprestação pecuniária assume a qualidade de “preço regulado”, ou tarifa, e não de preço livremente estabelecido pelo mercado.
Quando da fixação da tarifa de energia, a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (competência prevista nos artigos 14 e 15 da Lei n. 9.427/1996) estabelece o valor suficiente para que a distribuidora preste o serviço com qualidade naquela área de concessão e obtenha uma taxa de retorno.
Nos termos do contrato de concessão, a tarifa de uma concessionária de serviço público de distribuição de energia é dividida em duas parcelas.
De um lado, há a Parcela A, que se presta a arrecadar recursos que a concessionária repassará a terceiros, como contas governamentais para implementação de políticas no setor de energia (arrecadação de encargos setoriais), Orçamento da União (arrecadação da taxa de fiscalização) e agentes da área de geração (compra de energia) e de transmissão (transporte de energia em alta tensão).
A Parcela A é considerada não gerenciável, visto que sobre ela a distribuidora não possui qualquer gerência, atuando simplesmente como agente arrecadador. Dessa forma, a receita oriunda da Parcela A não se destina a fornecer recursos para a prestação do serviço público de distribuição de energia. Em razão da titularidade da receita oriunda da Parcela A ser de terceiros, ela é indisponível por parte da distribuidora, que assume apenas os riscos inerentes às variações de demanda.
De outro lado, há a Parcela B, que fornece à distribuidora os recursos necessários e suficientes para a prestação do serviço público. A Parcela B constitui a verdadeira receita do serviço e é dimensionada a partir da consideração dos custos operacionais (operação e manutenção das instalações), da remuneração do capital investido e da amortização dos investimentos realizados.
Segue, abaixo, detalhamento da composição das Parcelas A e B da tarifa de energia.
3.1 A parcela A da tarifa de energia
De acordo com o contrato de concessão, a Parcela A possui a seguinte composição:
Parcela A: parcela da receita correspondente aos seguintes custos: Cota da Reserva Global de Reversão - RGR; cotas da Conta de Consumo de Combustíveis - CCC, valores relativos à taxa de fiscalização do serviço público de distribuição concedido; compra de energia elétrica em função do Mercado de Referência, que inclui o montante de energia elétrica decorrente dos empreendimentos próprios de geração distribuída; contribuições ao ONS; compensação financeira pela utilização de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica, quando aplicável; encargos de conexão e uso das instalações de transmissão e distribuição de energia elétrica; encargos de serviços de sistema; Conta de Desenvolvimento Energético – CDE; cotas do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica – PROINFA; Pesquisa e Desenvolvimento – P&D e Eficiência Energética.
Os custos que compõem a Parcela A podem ser agregados da seguinte forma: (i) compra de energia elétrica, (ii) encargos setoriais, (iii) encargos de serviços de sistema – ESS, (iv) acesso e uso do sistema de transmissão e (v) tributos.
3.1.1 Compra de energia
A compra de energia é o meio pelo qual a distribuidora adquire o insumo que lhe permitirá prestar o serviço a que está obrigada. Quando compra energia, a distribuidora firma contratos com as empresas de geração (relações contratuais bilaterais e sinalagmáticas).
A compra de energia pode se dar no Sistema Interligado Nacional ou nos Sistemas Isolados, a depender da localização geográfica das instalações da distribuidora. No caso da CELPA, por exemplo, enquanto uma parcela da sua área de concessão está interligada, outra permanece isolada, de sorte que a concessionária paraense adquire energia para os consumidores situados no Sistema Interligado Nacional e para os consumidores situados nos Sistemas Isolados.
No Sistema Interligado Nacional, a compra de energia pelas distribuidoras se processa por meio de leilões, previstos no artigo 2º da Lei n. 10.848, de 15 de março de 2004, no qual participam os geradores e distribuidores interessados.
Nesses leilões, as distribuidoras apenas apresentam o montante de energia necessário para o atendimento ao seu mercado e são selecionados, para a contratação, aqueles geradores com os preços de venda mais baixos até o montante total requerido pelo conjunto de distribuidoras.
A formalização da compra de energia se dá por meio dos denominados Contratos de Compra de Energia no Ambiente Regulado – CCEARs. Tais contratos são firmados pela concessionária de distribuição com cada um dos geradores que se sagraram vencedores no leilão.
Além dos CCEARs, ainda vigem alguns contratos bilaterais, firmados antes da publicação da Lei n. 10.848/2004, quando ainda não existia a obrigatoriedade de as distribuidoras adquirirem energia nos leilões regulados. Na época, a distribuidora tinha liberdade para contratar energia da forma que lhe aprouvesse, devendo a entidade reguladora impor apenas um limite de repasse para as tarifas.
Nos Sistemas Isolados, a aquisição de energia sempre se deu por aquisição direta da distribuidora com o gerador, ou, então, pela geração própria da distribuidora. Com a publicação da Lei n. 12.111, de 9 de dezembro de 2009, foi estabelecida a necessidade de licitação para a compra de energia também para os Sistemas Isolados.
Os custos com a compra de energia se situam na Parcela A porque a distribuidora não possui ingerência sobre o preço do produto. Sua função é meramente arrecadar, via tarifa, os valores correspondentes ao montante da energia consumida e repassá-los diretamente às empresas de geração.
Portanto, no modelo de comercialização atual, a distribuidora não deve ganhar nem perder dinheiro com a compra de energia. O verdadeiro negócio da distribuidora é a operação e manutenção das redes de baixa tensão, cuja remuneração, como se verá, está alocada na Parcela B.
3.1.2 Encargos setoriais
Os encargos setoriais são obrigações pecuniárias criadas por lei e destinadas ao custeio da promoção de alguma finalidade pública. A concessionária de distribuição os arrecada por meio da tarifa e os repassa para que as entidades responsáveis pela sua gestão possam realizar os objetivos traçados legalmente.
A Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis – CCC, conforme o artigo 3º da Lei n. 12.111/2009, presta-se a reembolsar a diferença entre o custo total de geração da energia para o atendimento nos Sistemas Isolados e o custo médio da potência e energia comercializadas no Sistema Interligado Nacional. A energia gerada nos Sistemas Isolados é mais cara, pois o processo produtivo se utiliza de derivados do petróleo. Assim, a lei impôs que os consumidores do Sistema Interligado Nacional subsidiem a energia consumida nos Sistemas Isolados. A CCC é uma conta gerida pelas Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – ELETROBRÁS, devendo a distribuidora nela depositar os valores arrecadados via tarifa para que a entidade responsável pela sua gestão realize a finalidade determinada pela lei.
A Conta de Desenvolvimento Energético – CDE se destina ao desenvolvimento energético dos Estados e da competitividade da energia produzida a partir de fontes específicas, promover a universalização do serviço de energia elétrica e custear a subvenção econômica do Baixa Renda. Parte dos recursos da CDE é oriunda da cobrança de encargo tarifário, veiculado nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão ou de distribuição. A disciplina do encargo em tela está disposta no artigo 13 da Lei n. 10.438, de 26 de abril de 2002. A CDE é uma conta movimentada pela ELETROBRÁS, conforme o artigo 13, § 6º, da Lei n. 10.438/2002. À distribuidora compete apenas arrecadar o valor e depositá-lo na conta, para que as entidades competentes promovam a política governamental correlata.
A Reserva Global de Reversão foi instituída pela Lei n. 5.655, de 20 de maio de 1971, e sua finalidade é prover recursos para reversão, encampação, expansão e melhoria dos serviços públicos de energia elétrica. Os recursos arrecadados por meio da tarifa são depositados mensalmente pelas concessionárias na conta corrente da ELETROBRÁS, a quem compete gerir as quotas anuais de reversão.
O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica – PROINFA tem por finalidade aumentar a participação da energia elétrica produzida por empreendimentos a partir de fonte eólica, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa no Sistema Interligado Nacional, segundo o preconizado pelo artigo 3° da Lei n. 10.438/2002. A cota do PROINFA é calculada a partir do valor pago pela energia elétrica adquirida por força do programa, adicionada dos custos administrativos, financeiros e encargos tributários incorridos pela ELETROBRÁS na contratação. De outro lado, o peso econômico do PROINFA será suportado por todas as classes de consumidores finais atendidas pelo Sistema Interligado Nacional, proporcionalmente ao consumo verificado, com a exclusão da subclasse residencial baixa renda cujo consumo seja igual ou inferior a 80 kWh/mês. O PROINFA, portanto, destina-se a subsidiar a energia adquirida pela distribuidora de geradores de fonte eólica, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa. O recurso é repassado aos geradores, não sendo apropriado pela concessionária de distribuição.
As empresas concessionárias, permissionárias e autorizadas do setor de energia elétrica são obrigadas a realizar investimentos em pesquisa e desenvolvimento e em eficiência energética. Tal obrigação decorre do artigo 1º da Lei n. 9.991, de 24 de julho de 2000. Os recursos a serem investidos em pesquisa e desenvolvimento, de acordo com o art. 4º da mesma lei, serão distribuídos da seguinte forma: (i) 40% para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT, criado pelo Decreto-Lei n. 719/1969, e restabelecido pela Lei n. 8.172/1991, (ii) 40% para projetos de pesquisa e desenvolvimento, segundo regulamentos estabelecidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL e (iii) 20% para o MME, a fim de custear os estudos e pesquisas de planejamento da expansão do sistema energético, bem como os de inventário e de viabilidade necessários ao aproveitamento dos potenciais hidrelétricos.
3.1.3 Encargos de serviços de sistema - ESS
As regras de comercialização da energia elétrica no Sistema Interligado Nacional contemplam o pagamento de encargo destinado à cobertura do custo dos serviços do sistema.
O ESS representa o custo incorrido para se manter a confiabilidade e a estabilidade do Sistema Interligado Nacional para o atendimento do consumo. Esse custo é apurado mensalmente pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE e é pago pelos agentes da categoria consumo aos agentes de geração. A maior parte desse encargo diz respeito ao pagamento para geradores que receberam ordem de despacho do Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS, para atendimento a restrições de transmissão.
O Decreto n. 5.163, de 30 de julho de 2004, que regulamentou a Lei n. 10.848/2004, determinou que a ANEEL contemplasse, a partir de 1º de janeiro de 2006, no reajuste ou revisão tarifária das distribuidoras, a previsão dos custos com o ESS para os doze meses subsequentes.
A Resolução Normativa ANEEL n. 109, de 26 de outubro de 2004, instituiu a Convenção de Comercialização de Energia Elétrica, a qual incorpora os comandos do Decreto n. 5.163/2004 e define a incidência do ESS sobre todo o volume da energia elétrica consumida pelos Agentes da Categoria de Distribuição, pela parcela de energia de consumo próprio dos Autoprodutores e pelos Agentes da Categoria de Comercialização, exceto o consumo dos agentes importadores.
3.1.4 Acesso e uso do sistema de transmissão
Outro item que compõe a chamada Parcela A da receita da concessionária de distribuição engloba os chamados encargos de uso das redes elétricas. Assim como os demais itens que compõem a Parcela A, esses encargos são custos que não são gerenciáveis pela distribuidora, uma vez que servem para remunerar o uso que a distribuidora faz do sistema de transmissão disponível no país. Em outras palavras, esses encargos refletem os custos que a distribuidora é obrigada a arcar para se utilizar de um sistema próprio de transmissão para receber, em sua rede de distribuição, a energia produzida pelos geradores.
Os valores que são gastos pela distribuidora para fazer uso desse sistema de transporte de energia servem para compor a receita que deve ser paga a quem presta o serviço público de transmissão, ou seja, às transmissoras.
A rigor, a remuneração do uso do ativo acessado é devida sempre pelo usuário, ou seja, por quem realmente utiliza a infraestrutura. Há, pois, nítida preocupação do regulador em alocar os ônus de conexão e uso da instalação de transmissão ao acessante, de forma a não irradiar efeitos financeiros a quem não participa da relação jurídica contratual de acesso.
O segmento da transmissão é serviço público prestado por concessionários, sendo remunerado por preços regulados, ou seja, por uma tarifa denominada de Receita Anual Permitida – RAP. Ou seja, trata-se de serviço público delegado a pessoas jurídicas de direito privado, por meio de licitação, na modalidade de leilão.
A distribuidora, a fim de possibilitar a distribuição de energia elétrica aos seus consumidores e para fazer uso do sistema de transmissão disponível no país, é obrigada a celebrar determinados contratos que regulam justamente o uso e a sua conexão ao sistema de transmissão.
De acordo com Lei n. 9.427/1996, alterada pela Lei n. 10.848/2004, compete ao Poder Concedente (União) a elaboração do plano de outorgas, bem como a definição das diretrizes para os procedimentos licitatórios, cabendo à ANEEL, por delegação do Poder Concedente, promover as licitações destinadas à contratação de concessionários de transmissão de energia elétrica, bem como exercer as atividades de gestão dos contratos e de fiscalização das concessões e permissões dos serviços de energia elétrica.
Após a realização do leilão, a concessão para exploração do serviço público de transmissão de energia elétrica é outorgada por decreto do Presidente da República, e, em seguida, a empresa vencedora na licitação e o Poder Concedente celebram o contrato de concessão de serviço público de transmissão, mediante convocação da ANEEL.
Os encargos em questão são calculados com base nos montante de uso contratados ou verificados de acordo com uma tarifa associada a um determinado ponto de conexão. A rigor, a ANEEL, com fundamento na competência que lhe foi outorgada pelo artigo 7°, do Decreto n. 2.655/1998, editou a Resolução Normativa n. 281/1999, que estabelece as condições gerais de contratação do acesso, uso e conexão, aos sistemas de transmissão e distribuição de energia elétrica.
O artigo 14, da Resolução Normativa n. 281/1999, prevê que os encargos pelo uso do sistema de transmissão resultam da multiplicação da tarifa de uso do sistema de transmissão atribuída ao usuário pelo montante do uso contratado pelo usuário. Como se nota, o pagamento pelo acesso ao sistema de transmissão por um determinado usuário é devido tanto pelo uso contratado, quanto pelo uso verificado. Esta sistemática de pagamento pelos encargos de uso do sistema de transmissão é reflexo da maneira pela qual a concessionária de transmissão passa a ter direito ao recebimento da receita prevista no seu contrato de concessão.
De acordo com os contratos de concessão firmados pela ANEEL, a concessionária de transmissão passa a fazer jus ao recebimento de sua receita, ou seja, a RAP, a partir da efetiva disponibilidade para operação comercial de suas instalações de transmissão. Isto é, a RAP, que é calculada segundo a metodologia descrita em cláusulas do contrato de concessão, poderá ser cobrada dos usuários tão logo as instalações estejam disponíveis para uso.
Desse modo, a entrada em operação comercial das instalações de transmissão é condição para que a própria transmissora inicie a exploração do seu negócio e possa, com isso, auferir o lucro esperado. É necessário que o serviço a ser prestado pela concessionária de transmissão esteja em condições de funcionamento e operação para que ela, então, possa ser devidamente remunerada. Afinal, o objeto do contrato de concessão de transmissão é a efetiva disponibilidade das instalações com capacidade de transporte regulada.
A forma de arrecadação da receita das concessionárias de transmissão difere do mecanismo de remuneração das distribuidoras. Nos serviços de transmissão, as concessionárias disponibilizam ao Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS as instalações integrantes da Rede Básica via Contrato de Prestação de Serviços de Transmissão – CPST. Desse contrato constam as condições da prestação do serviço e também a delegação da concessionária ao ONS para que este a represente na celebração dos contratos de uso do sistema de transmissão – CUST a ser feita com os usuários da Rede Básica. Essa delegação gera um sistema de contratação em que cada usuário da Rede Básica tem, na prática, um contrato com cada concessionária de transmissão e vice-versa. A apuração e a contabilização dos encargos de uso do sistema de transmissão são feitas mensalmente pelo ONS, que emite Avisos de Débito – AVD aos usuários e Avisos de Crédito – AVC às transmissoras, informando os valores a serem faturados. Com base nesses Avisos, as concessionárias de transmissão enviam as faturas aos usuários, que devem liquidá-las.
O recebimento da RAP é, portanto, a garantia contratual do concessionário de transmissão, que fará jus ao recebimento desde que implemente e disponibilize suas instalações para utilização do SIN, eis que a implementação e operação dessas instalações representam custos que devem ser ressarcidos por aqueles que delas se beneficiam, o que engloba geradores, distribuidores e consumidores livres.
A remuneração de acesso e de uso dos sistemas de transmissão, portanto, tem causa contratual, e segue o regime jurídico pelo preço, e não pelo custo.
Todas as contratações de uso do sistema de transmissão no âmbito da Rede Básica afetam as relações de pagamentos de todos os usuários, seja no segmento geração, seja no consumo, pois não existe a possibilidade de se alterarem as receitas permitidas (RAP) vinculadas às instalações de transmissão disponibilizadas aos usuários.
3.1.5 Tributos
Alguns tributos incidem sobre a atividade de fornecimento de energia elétrica. São eles a Taxa de Fiscalização dos Serviços de Energia Elétrica – TFSEE, o ICMS, o PIS e a COFINS. A TFSEE é calculada “por dentro” do valor da tarifa, ou seja, o valor do MWh homologado pela ANEEL já considera percentual da TFSEE. Em contrapartida, o ICMS, o PIS e a COFINS não se encontram na tarifa homologada pela ANEEL, sendo lançados pela distribuidora na sistemática “por fora”.
A Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica – TFSEE é voltada ao custeio da fiscalização da prestação dos serviços de energia elétrica realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica e pelas agências delegadas. Como tributo vinculado, o seu cálculo leva em conta a potência instalada para os serviços de geração, transmissão e distribuição. Ou seja, a taxa é dimensionada conforme os custos em que incorrerá a ANEEL na fiscalização da prestação dos serviços de energia elétrica (art. 12 da Lei n. 9.427, de 26 de dezembro de 1996).
A distribuidora promove a arrecadação dos valores relativos à TFSEE e os repassa ao Orçamento da União.
3.2 Parcela B da tarifa de energia
A Parcela B da tarifa compreende a cobertura das despesas inerentes à prestação da atividade de distribuição de energia elétrica.
A realização dessas despesas está sujeita diretamente ao controle e influência das práticas gerenciais adotadas pela distribuidora. Por essa razão, os itens da Parcela B são chamados de “custos gerenciáveis”.
É na Parcela B que se localiza a margem de gerência da distribuidora, e, assim, a possibilidade de perdas ou ganhos econômicos. Como qualquer empresa, a distribuidora também está sujeita a sucessos e insucessos da vida empresarial.
São três os tipos de custos que compõem a receita da distribuidora na Parcela B: (i) custos operacionais, (ii) custos de capital e (iii) cota de reintegração regulatória.
Os custos operacionais são os necessários para a empresa prover o serviço de distribuição de energia, incluindo os custos com gestão de pessoas (administrativo e de operação e manutenção), infraestrutura física (edificações, móveis, sistema de informática), materiais e serviços terceirizados.
Os custos de capital incluem o montante investido ainda não depreciado, chamado de base de remuneração. A base de remuneração é multiplicada pela taxa de retorno para determinar o total de remuneração do capital investido pela distribuidora. Já a taxa de retorno é calculada usando o custo médio ponderado de capital ou Weighted Average Cost of Capital (WACC). No cálculo do WACC considera-se que as empresas podem financiar as suas atividades com capital próprio e capital de terceiros e que os custos de cada alternativa de financiamento são diferentes.
Também é adicionada ao cálculo da receita requerida uma cota de reintegração regulatória nos custos de capital, composta das quotas de depreciação e de amortização, e que representa a forma de recomposição dos investimentos realizados para prestação do serviço ao longo da vida útil desses bens ou direitos.
Outro item que é adicionado ao custo de capital são os tributos indiretos a ele associados, de forma a assegurar que a remuneração efetivamente auferida pela empresa regulada seja suficiente para o pagamento do Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica – IPRJ e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL.
A fixação da Parcela B por um período pré-determinado, geralmente um ciclo de quatro a cinco anos, a depender do contrato de concessão, é a garantia de que o esforço de redução de custos além do fixado pelo regulador será recompensado dentro do ciclo tarifário, constituindo-se em incentivo para a busca de gestão eficiente dos custos da distribuidora.
Na medida em que o estabelecimento da tarifa se dá durante um período de tempo predeterminado, a remuneração do capital investido na prestação do serviço não é pré-determinada, mas pode ser superior à remuneração regulatória, como resultado, por exemplo, da redução dos custos, de gestão mais eficiente por parte da empresa e do aumento do mercado.
Quando da realização de nova revisão tarifária, a Parcela B é reavaliada a fim de se capturarem os ganhos obtidos pelas empresas de forma que os usuários sejam beneficiados pela maior eficiência que a concessionária teve a oportunidade de obter no ciclo que se encerra.
Como exemplo, a figura a seguir ilustra o efeito do regime de preços máximos sobre as Parcelas A e B.
Figura 1: Reposicionamento Tarifário
Para simplificar, supõe-se que as variações do índice de preço, que reajusta anualmente a Parcela B, sejam iguais a zero. Igualmente, a variação dos custos da Parcela A entre os ciclos tarifários é nula. A tarifa, inicialmente fixada em T1, permanece com valor fixo no período tarifário, ou seja, até a próxima revisão tarifária periódica. Isso significa que a concessionária tem a oportunidade de, reduzindo custos de operação além do reconhecido regulatoriamente ou aumentando seu mercado, incrementar sua remuneração ao longo desse período.
Se a concessionária for eficiente, poderá se apropriar do aumento da remuneração resultante de sua gestão ao longo do período. As novas tarifas são estabelecidas no nível T2, sendo aplicadas ao novo ciclo tarifário.
No que diz respeito à aplicação do Fator X (destinado ao compartilhamento de ganhos de eficiência empresarial), também previsto no contrato, uma vez que as tarifas tenham sido reposicionadas segundo a metodologia que leva em consideração os ganhos de eficiência auferidos pela concessionária, no ciclo anterior, são estimados os ganhos de produtividade para o período tarifário subsequente. Esses ganhos são compartilhados com os usuários no próprio ciclo tarifário, mediante a aplicação de um redutor ao índice de preços que atualiza a Parcela B nos reajustes tarifários.
Na figura a seguir, os ganhos de produtividade estimados correspondem à área verde e as novas tarifas máximas do próximo período tarifário corresponderão à curva pontilhada.
Figura 2: Aplicação do Fator X
Assim, a concessionária tem fortes incentivos para obter maior eficiência, já que poderá se apropriar da diferença entre os custos eficientes definidos na revisão tarifária periódica e os efetivamente alcançados. Portanto, quanto maior o ganho de eficiência da concessionária em relação ao valor regulatório, maior será seu lucro. A área em amarelo da figura anterior corresponde aos lucros que podem ser auferidos pela concessionária ao realizar uma trajetória de custos ainda mais eficiente do que a considerada no reposicionamento tarifário.
Em resumo, a distribuidora obterá lucro quando, na prestação do serviço, incorrer em custos menores do que os estimados pela ANEEL na revisão tarifária periódica, sendo, portanto, mais eficiente do que o modelo regulatório.
Em contrapartida, a distribuidora sofrerá prejuízo quando tiver custos maiores do que os estimados pela ANEEL na revisão tarifária periódica, sendo menos eficiente do que o modelo regulatório.
Portanto, a margem para o sucesso ou insucesso empresarial da distribuidora deve estar atrelada à Parcela B da tarifa de energia.
3.3 Os bens afetos ao serviço
A prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica exige, além da capacidade humana, a conjugação física de bens móveis e imóveis (instalações de energia).
A concessionária possui a obrigação contratual[5] de investir continuamente nas instalações, de modo a garantir a atualidade do serviço, assim como o atendimento da expansão da demanda.
Os investimentos realizados nas instalações que se revelem essenciais à prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica são remunerados pela tarifa, e, assim, incorporam-se à concessão.
Ao final do prazo da concessão, caso o investimento realizado pelo concessionário nas instalações não tenha sido integralmente amortizado, o Poder Concedente deverá pagar indenização equivalente ao montante não amortizado, conforme prevê o artigo 36 da Lei n. 8.987/1995, e, ao mesmo tempo, assumirá a titularidade dos bens utilizados na prestação do serviço (reversão). Daí que esses bens são nominados de reversíveis.
Art. 36. A reversão no advento do termo contratual far-se-á com a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido.
Para Mello (2010, p. 754),
A razão principal da reversão reside precisamente nisto, a saber: dado o caráter público do serviço, isto é, a atividade havida como de extrema relevância para a continuidade, sua paralisação ou suspensão é inadmissível, por ofensiva a valores erigidos socialmente como de superior importância. O Poder Público, como guarda e responsável pela defesa dos interesses públicos, não pode permitir que estes sejam sacrificados ou postergados em nome de objetivos ou interesses particulares, individuais. Por isso, é assente na doutrina o princípio da continuidade do serviço público, o qual supõe a reversão como meio de dar seguimento à prestação da atividade, quando extinta a concessão do serviço.
Finalmente, é bem de ver que, no ato da concessão, os prazos fixados, quando longos, e as tarifas estabelecidas – que não são, já se viu, imutáveis, mas constituem elementos para composição da equação econômico-financeira –, ao delinearem o conteúdo patrimonial do acordo, são estabelecidos em vista não só de proporcionar lucro ao concessionário, mas também de amortizar-lhe o capital, paulatinamente. Por isso, quando a concessão se extingue por expiração de prazo, os bens aplicados ao serviço já estarão amortizados e o lucro esperado já terá sido fruído (salvo quando hajam ocorrido inversões em época próxima à do advento do termo previsto para ela). Segue-se, então, que a reversão do equipamento é consequência natural, pois o concessionário já haverá extraído da concessão tudo o que patrimonialmente podia esperar dela: lucro e compensação do capital investido, cuja equivalência haverá percebido ao longo do período de exploração do serviço.
Os bens reversíveis submetem-se a regime jurídico próprio. Com efeito, eles não se encontram à disponibilidade do concessionário, que não pode utilizá-los a não ser para promover a prestação do serviço.
Nesse sentido, em relação ao serviço público de distribuição de energia elétrica, o artigo 14, V, da Lei n. 9.427/1996 dispõe que os bens reversíveis são indisponíveis pelo concessionário.
Art. 14. O regime econômico e financeiro da concessão de serviço público de energia elétrica, conforme estabelecido no respectivo contrato, compreende:
[...]
V – indisponibilidade, pela concessionária, salvo disposição contratual, dos bens considerados reversíveis.
O regime jurídico especial se destina a proteger a prestação do serviço público. Segundo Justen Filho (2003, p. 330),
A essencialidade do bem à prestação do serviço produz sua submissão a esse regime jurídico próprio e inconfundível, dotado de características e peculiaridades próprias. Todos os bens passam a ter um regime próprio de direito público, ainda que se trate de bens de propriedade original do concessionário. A afetação do bem à satisfação da necessidade coletiva impede a aplicação do regime de direito privado comum. Não é possível, por isso, o concessionário invocar o seu domínio para dar ao bem o destino que bem lhe aprouver. Nem poderia pretender usar e fruir do bem como bem entendesse. Portanto e ainda que se configurem bens privados, não é possível cogitar sua penhorabilidade ou alienabilidade, sem a prévia desafetação – a qual se fará por ato formal do poder concedente, depois de verificada a viabilidade da continuidade do serviço público sem sua utilização.
Portanto, a indisponibilidade dos bens reversíveis pelo concessionário impede que eles sejam destinados a qualquer outra finalidade que não seja a prestação do serviço público. Não é possível, assim, a alienação, dação em garantia ou penhora.
No âmbito de processo de recuperação judicial ou falência, igualmente não pode haver a disposição dos bens reversíveis para se promover o pagamento de credores, sob risco de comprometimento da continuidade do serviço.
A parcela dos bens reversíveis que é de titularidade do concessionário é apenas aquela que ainda não foi amortizada. Assim, apenas sobre a expressão monetária dessa parcela é que os credores podem se dirigir.
Para que os credores possam alcançar essa parcela, a solução a ser encontrada é a decretação da extinção da concessão, com o pagamento de indenização, pelo Poder Concedente, dos investimentos vinculados a bens reversíveis ainda não amortizados.
Essa é a única forma de se possibilitar que os credores alcancem a expressão econômica da concessão que é de titularidade do concessionário e sem que haja prejuízo à regularidade da prestação do serviço público.