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A crise do direito processual e o neoprocessualismo.

Uma alternativa complexa ao poder criador dos magistrados

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11/09/2012 às 16:07
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4. Os novos desafios do Direito contemporâneo

Evidenciadas algumas conseqüências conceituais e metodológicas da nova prática jurídica, pondo em cheque a própria cientificidade do estudo do direito, passemos agora a clarear os horizontes, a especular uma saída aos labirintos da nova juridicidade.

Como visto no desenvolver deste trabalho monográfico, uma saída, talvez, seja compatibilizar um método, um novo método, que não o racionalista cientificista moderno, ao pragmatismo utilitarista das novas práticas jurídicas, assegurando ao direito, à ciência jurídica, solo fértil para desenvolver-se.

Desta forma, pretendemos tratar primeiro do paradigma epistemológico, assegurar rigor metodológico ao direito, para a partir de então traçar seu aparato justificador, legitimador da atual práxis. É neste intuito que dividimos este capítulo em dois tópicos distintos: a complexidade, tida como o novo paradigma; e a processualística sistêmica, representando a doutrina justificadora de um novo método jurídico.

4.1. A complexidade

Neste ínterim, trago valiosas contribuições de um filósofo francês, de nome Edgar Morin, que, na visão deste trabalho, consegue compatibilizar com um mínimo de justeza as complicações da ciência atual, trazendo noções de um pensamento complexo, não fechado, não compartimentado, multidimensional, que não elimina as contradições internas, não reduz a importância da incerteza, do irracional, da ambigüidade. Ele não pretende trazer a ordem através de um sistema simplificador, lógico, racional, reducionista, rejeitando os dados incoerentes ou anulando a diversidade em prol de uma ciência exata, demonstrativa.

Enquanto na ciência clássica o conhecimento científico tem como missão revelar a simplicidade escondida por trás da aparente multiplicidade e desordem dos fenômenos, muito além disso,

A dificuldade do pensamento complexo é que ele deve enfrentar o emaranhado, o jogo infinito das inter-retroações, a solidariedade dos fenômenos entre eles, a bruma, a incerteza, a contradição. Mas podemos elaborar algumas das ferramentas conceituais, alguns dos princípios para esta aventura, e podemos entrever o semblante do novo paradigma de complexidade que deveria emergir... Assim, no paradigma de disjunção/redução/unidimensionalização, seria preciso substituir um paradigma de distinção/conjunção, que permite distinguir sem disjungir, de associar sem identificar ou reduzir. Este paradigma comportaria um princípio dialógico e translógico, que integraria a lógica clássica sem deixar de levar em conta seus limites de facto (problemas de contradição) e de jure (limites de formalismo).[30]

Morin intenta construir um método capaz de implicar uma reorganização em cadeia do que entendemos pelo conceito de ciência: “uma mudança fundamental, uma revolução paradigmática, parece-nos necessárias e próximas”.[31] Para o filósofo francês estamos em uma fase de transição em que sabemos o ponto de partida, mas não o de chegada.

Inicialmente, duas brechas no quadro epistemológico da ciência clássica são identificados por Morin: o sujeito do conhecimento e o objeto a ser conhecido se entranham num emaranhado difícil de dissolver, o que se repete com as noções de espaço e tempo. Tudo se choca. Nada mais parece são tão asséptico quanto desejara Descartes. A simplicidade mórbida das coisas se quebra diante da vastidão das possibilidades.

A partir da identificação das rachaduras da epistemologia moderna, complexificando o conhecimento, Edgar Morin tenta encontrar um paradigma estabilizador dos novos enlaces, das novas dificuldades, das recentes contradições. Para tanto, elabora um teoria dita sistêmica, com base na qual tudo e todas as coisas podem ser concebidas e entendidas através de sistemas, de associações combinatórias de elementos diferentes, distintos, diversos. Os elementos isolados em si mesmos só possibilitam um conhecimento limitado, simplificador, unidimensional, reto, fechado, compartimentado. Mas uma epistemologia vista através de sistemas, de interelações, de combinações, uma epistemologia múltipla, complexa, multidimensional, aberta, proporcionaria um conhecimento com estas mesmas características.

Atente-se, desta forma, que o sistema de Morin se pretende aberto, em constante troca fluida com o exterior. Os sistemas morinianos devem se fechar ao mundo externo para manterem suas características internas, mas para se manterem fechados devem se abrir em uma eterna troca dinâmica estabilizadora. Os elementos distintos em sua essência se associam reciprocamente, combinando-se em uma troca mútua mantenedora deste mesmo sistema, o que proporciona a eliminação da simplificação.

Esta noção de sistema aberto, então, antevê uma mudança paradigmática:

O conceito de sistema aberto tem valor paradigmático. Como o observa Maruyama, conceber todo objeto e entidade como fechado implica em uma visão de mundo classificadora, analítica, reducionista, numa causalidade unilinear. Foi exatamente esta visão que se instaurou na física do século XVII ao XIX, mas que hoje, com os aprofundamentos e os avanços rumo à complexidade, vaza por todos os lados. Trata-se de fato de operar uma reversão epistemológica a partir da noção de sistema aberto.[32]

Seguindo uma teoria sistêmica, o filósofo francês dá uma idéia de integração, de junção entre ordem e desordem, entre a parte e o todo, entre o ambíguo e o absoluto, entre equilíbrio e desequilíbrio, entre as mais variadas formas de saber e conhecer o mundo, um mundo transdiciplinar, complexo.

Seguindo seu intento de demonstrar a necessidade de um pensamento complexo, garantindo a teoria sistêmica como ponto de partida, Morin passa a se preocupar com a estabilização, ou melhor, com a compatibilização entre as relações de sujeito e objeto. A dualidade entre sujeito e objeto foi inaugurada, em tempos modernos, pela filosofia cartesiana que identificou e separou o cogito, o “eu pensante”, a alma, do corpo, do que existe, do material. Desde então foi incessante a luta em busca pela autonomia do objeto, pela expulsão da subjetividade na ciência.

Cerne da cultura científica ocidental clássica, a eliminação do sujeito a partir de uma noção de existência independente do objeto, que podia ser observado e explicado enquanto tal, permitiu o desenvolvimento acelerado da ciência moderna. A possibilidade de descrição do universo através de fatos objetivos, ausente da subjetividade humana, demonstrado através da empírica redução ôntica-causal, foi a força motriz da ciência Newtoniana. O sujeito foi renegado de seu papel fundante no desenvolvimento deste conhecimento.

Segundo Morin:

(...) expulso da ciência, o sujeito assume sua revanche na moral, na metafísica, na ideologia. Ideologicamente, ele é o suporte do humanismo, religião do homem considerado como sujeito reinante ou devendo reinar sobre um mundo de objetos (a possuir, manipular, transformar). Moralmente, é a sede indispensável de toda ética. Metafisicamente, é a realidade última ou primeira que dispensa o objeto como um pálido espectro, ou no máximo, um lamentável espelho das estruturas de nosso conhecimento.[33]

A implacável luta e desmesurado esforço de separar sujeito e objeto criou, então, termos disjuntivos, que se repelem, antagônicos. Mas ao mesmo tempo, em claro contrasenso, estes dois elementos sempre fizeram parte da mesma estrutura lógica. Perceba que um objeto só existe em relação a um sujeito, da mesma forma que um sujeito só é entendido em relação a um ambiente objetivo.

Não foi difícil de concluir que:

O objeto e o sujeito, entregues cada um a si próprios, são conceitos insuficientes. A idéia de universo puramente objetivo está privada não apenas de sujeito, mas de entorno, de além; ela é de uma extrema pobreza, fechada sobre si mesma, não repousando sobre nada mais do que o postulado de objetividade, cercado por um vazio insondável tendo em seu centro, lá onde há o pensamento deste universo, um outro vazio insondável. O conceito de sujeito quer vegetando ao nível empírico, quer hipertrofiado ao nível transcendental, está por sua vez desprovido de entorno e, anulando o mundo, encerra-se em seu solipsismo. Assim, surge o grande paradoxo: sujeito e objeto são indissociáveis, mas nosso modo de pensar excluiu um do outro, deixando-nos apenas livres para escolher, conforme os momentos do dia, entre o sujeito metafísico e o objeto positivista.[34]

Sujeito e objeto, então, na teoria do pensamento complexo, devem integrar faces da mesma moeda, devem se complementar, se unir. Ao contrário da teoria epistemológica clássica, as complexificações apresentadas pela união destes dois elementos devem ser consideradas e levadas à termo. A partir da identificação das novas dificuldades pós-modernas, não se pode mais conceber uma ciência disjuntiva, objetiva, unidimensionalizada. Ela tem de ser capaz de lidar com os movimentos aleatórias da imprevisibilidade, utilizando-se, para tanto, de noções complexas como a teoria sistêmica, a teoria da informação, a teoria da auto-eco-organização, et cetera.

É assim que, em grosseira síntese e necessário corte epistemológico, resumimos as centrais idéias de Morin. Através da problematização da simplificação e redução cientificista, Morin abre espaço para um novo método de se fazer ciência, uma ciência crítica e não reducionista, uma ciência, diria filosófica. Mas a intenção seria de apontar para novo paradigma, para nova forma de ver o mundo, de ver o homem, e não de apostar em novas verdades ou de renegar a ciência clássica. “A complexidade não é um fundamento. É o princípio regulador que não perde de vista a realidade do tecido fenomênico no qual estamos e que constitui nosso mundo”[35].

Desta forma, todas as incongruências, contradições, irracionalidades, integrariam o saber, a ciência, comporiam a epistemologia. O sistema fechado deixaria de existir, abrir-se-ia à vastidão dos fluxos de conhecimento. A verdade última passaria a compor as inúmeras verdades do pensamento complexo, passaria a aceitar as contradições entre elas mesmas. A incerteza e a dúvida seriam componentes desta mesma verdade.

O atual estágio civilizatório não comporta mais o método que outrora foi suficiente aos anseios da época. Como já referido linhas atrás, durante vários séculos se acreditou na objetividade de um diálogo racional e não distorcido, guiado pelo próprio homem, sem intervenções, avançando para obtenção da verdade plausível que aguarda ser descoberta. Eis uma inteligência cega, descompromissada. A complexidade rejeita essa simplificação do real.

Mas a crítica ao método não se restringe ao próprio método em si. Vai além. Traz a noção de atual mudança de paradigma em contraposição à manutenção do antigo método. O mesmo método utilizado para lastrear o positivismo cientificista kelseniano também é usado para dar forma e sustentação a um novo paradigma, totalmente diferente. O neoconstitucionalismo e, via de conseqüência, o neoprocessualismo, pregam uma noção totalmente diversa do direito da prevista pelos dogmáticos. O resultado disso: niilismo metodológico, ausência de sentido, não conformação entre causa e efeito.

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Um direito que se pretende científico fechando as portas de comunicação com os demais conhecimentos humanos, um direito asséptico, não mais se sustenta diante dos novos anseios, das novas metas. A diversidade e complexidade social instaurada na atualidade impedem o desenvolvimento da epistemologia jurídica, ou, mais tecnicamente, já que se critica esta teoria do conhecimento enquanto exclusivamente científico, da gnoseologia jurídica, abrindo a necessidade premente de novas técnicas, de novas práticas.

É consciente desta necessidade que trazemos à baila uma nova noção de processo, um novo paradigma a ser seguido, desta vez sim, utilizando-se do método da complexidade: a processualística sistêmica.

4.2. A Processualística sistêmica

Com base nesta nova forma de se fazer ciência, uma ciência dita filosófica, que aceita a multiplicidade do real, que não elimina as contradições internas, que não reduz a importância da incerteza, do irracional, da ambigüidade, que não pretende trazer a ordem através de um sistema simplificador, lógico, racional, reducionista, uma nova teoria acerca do direito e, mais detidamente, do processo, é encabeçada: a processualística sistêmica.

É um movimento que, segundo Elias Moura, se pretende para além de uma teoria do processo, assumindo um objetivo de agente de transformação neo-paradigmático. A intenção é seguir uma teoria complexa capaz de substituir o pensamento sistemático redutor da multiplicidade das experiências do real da modernidade ocidental, “pelo pensamento sistêmico que tem o processo judicial como experiência multi-versa, complexa e instável”.[36]

Assumindo a complexidade mundana, a processualística sistêmica aloca para além da estiolada linha modular do ciclo vital do direito um contexto bem mais amplo e complexo, reconhecendo como partes integrantes da ciência jurídica as diversas propostas disciplinares conhecidas, inserindo no conceito de direito questões políticas, sociais, etc. É um convite ao diálogo inter-disciplinar não só ao direito, mas também às mais variadas formas de se conceber e explicar as coisas e o mundo, se apresentando como uma alternativa mais cética e mais complexa ao conhecimento jurídico fechado e compartimentado da modernidade.

O processo, visto como eclosão do ciclo vital do direito, perde a linearidade simplista de outrora (ondulação modal) e assume a complexidade sistêmica para dar azo a um quadro muito mais imbricado e complexo:

Essa ondulação modal, que terminou por ser reduzida à estabilização (ingênua) do processo judicial – ou mesmo ao sistema normativo processual – dos conflitos de interesses (litígios ou lide) tem exigido sua reinserção na totalidade do ciclo vital do direito compreendido num setor cognitivo paradigmático legalista do positivismo jurídico, afastando-se da mutilação da experiência jurídica moderna proporcionada pela processualística. Veja-se que o ciclo vital do direito é mais rico, mais extenso e, sem dúvida alguma, mais complexo e, portanto, irredutível ao fenômeno da decisão igualmente indedutível dos sistemas normativos vigentes diante das emergências fenomenológicas dos conflitos sociais modernos (...).[37]

No entanto, apesar de reconhecer a urgência na mudança do paradigma jurídico, a complexificação, por si só, do ciclo vital do direito não é suficientemente adequada para resolver os enlaces jurídicos pós-modernos, revelando-se necessário uma abertura mais significativa da epistemologia jurídica, vez que o próprio direito, enquanto ciência, é que está em cheque.

Atenta às rachaduras da ciência jurídica clássica, muito além da complexificação do ciclo vital do direito, a nova teoria nos apresentou as insuficiências das teorias que até então tentaram fundamentar e justificar o direito, tais como a retórica antiga, o positivismo moderno e o utilitarismo pós-moderno, defendendo uma nova forma de ver não só o processo, mas toda uma ciência dita jurídica.

Para a processualística sistêmica, o direito, em especial o direito processual, quando visto tão só sob o aspecto da legalidade, da norma, do positivismo, encobre os dados empíricos da realidade, fazendo insurgir problemas institucionais como os experimentados nos totalitarismos da segunda grande guerra.

Um direito, por sua vez, que se atenha tão somente a estes mesmos dados empíricos de realidade, um direito prático, utilitarista, perde seu norte conceitual, perde sua forma, e passa a ser mero sistema garantidor de resultados práticos convenientes em determinada realidade histórica, ultrapassando as barreiras do razoável.

De igual forma, uma ciência jurídica nos moldes clássicos, buscando a solução dos conflitos através de uma disputa retórica, em que só se busca apontar as contradições e falácias dos discursos dos opositores, sentencia o direito à casuística arbitrária do poder de convencimento dos mais letrados.

Sistematizando seu núcleo teórico, a processualística sistêmica elimina o isolamento entre estas teorias, propondo uma aproximação e diálogo entre elas, em clara atitude sistêmica, própria da teoria complexa. Ao revés do isolamento simplista, unidimensional, reto, fechado, propõe a complexificação do diálogo entre as fontes e a abertura do “sistema jurídico”, ratificando a necessidade de inter-conexão entre os vários “sistemas”, sejam eles jurídicos ou não.

Para tanto, a nova teoria teve de reconhecer que a proposta epistemológica moderna era insuficiente, subsumida que estava às relações de causa e efeito e à disjunção entre sujeito e objeto. A simplificação do real através de posturas dúplices e dicotômicas, como verdadeiro e falso, sim e não, ajuda a agravar a crise da ciência em geral, que no campo do direito também se mostrou através da criação de regimes puramente dogmatistas ou simplesmente utilitaristas. A processualística sistêmica, além de instituir um novo paradigma, a complexificação do direito, teria de também desenvolver um método capaz de estabilizar a nova proposta, evitando implicações já conhecidas, como o niilismo científico ou o anarquismo metodológico.

Assim, trouxe à baila os ensinamentos de Dilthey, primeiro a identificar e diferenciar as ciências positivas das ciências humanas. Este seria o primeiro passo para possibilitar uma ciência jurídica complexa: retirar-lhe a objetividade simplista de um diálogo positivista subsumido a uma relação de causa e efeito e incumbir-lhe o papel da interação entre os vários significados possíveis para um mesmo fenômeno a depender de contexto situacional proposto. Sujeito e objeto se entrelaçam num forte emaranhado conceitual e passam a integrar faces da mesma moeda. O objeto sem sujeito, sem contextualidade, é pura abstração lógica; enquanto que o sujeito sem objeto é transcendentalidade ingênua. Esta diferenciação entre ciências positivas, explicativas, e ciências humanas, ou do espírito, permitiu, enfim, a junção entre sujeito e objeto e o reconhecimento de que os movimentos aleatórios e imprevisíveis desta união merecem preocupação científica.

O reconhecimento da subjetividade como parte integrante do processo de produção de conhecimento, por sua vez, produziu uma imensa dificuldade de adequação metodológica. Como compatibilizar as variáveis e incertezas produzidas pela inserção do sujeito na construção das ciências do espírito? Mais uma vez a resposta para o problema foi a necessária conexão inter-disciplinar proposta pelo pensamento complexo, fazendo figurar como parte integrante da ciência jurídica a filosofia hermenêutica.

Elias Dubard de Moura Rocha, interpretando as lições de Dilthey, afirma que:

O uso do conhecimento hermenêutico no campo epistemológico, se por um lado sugere um alargamento do conceito de ciência, (...) por outro lado, põe em evidência um espectro filosófico de um projeto conciliador entre lógica e vida, teoria e práxis, em suma, do modelo conceitual normativo da pessoa abstrata, ahistórica e apriorística de Kant e o do sujeito concreto, histórico e posteriorístico de Hegel por meio de uma crítica à razão histórica.[38]

A hermenêutica, então, se incumbiu do papel conciliador da necessidade pós-moderna de se unir teoria e práxis, positivismo e utilitarismo, de se levar a termo a proposta do pensamento complexo, abrindo-se os sistemas em um diálogo inter-disciplinar construtivo e revigorante.

Seguindo a processualística sistêmica, a hermenêutica possibilitaria o diálogo inter-paradigmático entre as teorias jurídicas (retórica, positivismo e utilitarismo), fazendo surgir uma nova noção de ciência jurídica, uma nova noção de processo. Ao revés do utilitarismo pós-moderno de hoje, do positivismo puro de Kelsen ou da retórica dos clássicos, teríamos uma ciência do direito que se pretende efetiva, célere, eficaz, prática, mas que tem na norma o fio condutor do horizonte significativo do direito, tudo isso através de uma prática retórica bem definida, assegurada pelos cânones hermenêuticos.

Os cânones que impõem o limite à abstração retórica da lei, impedindo a divagação no horizonte significativo do direito, são bem definidos por Emilio Betti, citado na obra de Elias Moura[39], como sendo: o cânone da totalidade ou da coerência de sentido, o cânone da autonomia hermenêutica do objeto, o cânone da adequação e o cânone da atualidade. Os dois primeiros se referem ao sujeito, ao intérprete, ao operador do direito, e os dois seguintes se limitam a regular o objeto interpretado, o texto legal, a norma posta.

O cânone hermenêutico da totalidade se destina a regular o ato intelectivo do intérprete, diminuindo as possibilidades de significação dos vocábulos legais ao instituí-los dentro de uma totalidade contextual bem definida. A norma positivada é inserida dentre de um campo de significação limitado por livros, títulos, capítulos e seções, pelos quais os vocábulos legais passarão a integrar, ajudando a construir seu significado.

 A autonomia hermenêutica do objeto imputa a independência dos textos interpretados com relação ao objeto referido, ainda que este deixe de existir fenomenicamente. Ou seja, mesmo que o fato fenomênico sobre o qual se debruçou a elaboração de um determinado texto deixe de existir, ainda assim o texto terá existência própria, mesmo que o seu autor queira lhe dar outra destinação. A lei, a norma, um tributo, por exemplo, que tenha como agente provocador de sua elaboração textual a insuficiência de arrecadação para custeio do plexo público, ainda que a administração pública passe a arrecadar o suficiente para sua manutenção, mesmo assim o texto legal terá seu sentido próprio, que deverá ser levado à cabo para construção e delimitação de seu significado.

Já o cânone da adequação obriga o intérprete a contextualizar o vocábulo a ser interpretado a um dado contexto situacional próprio capaz de definir a extensão e o significado mais apropriado ao texto. Dentre algumas possibilidades de significação possíveis de um determinado vocábulo, o intérprete deve escolher o que mais se adapta ao contexto situacional proposto. Quando, por exemplo, um advogado afirma que determinado juiz é incompetente não está querendo dizer o mesmo quando chama um aluno seu de incompetente por não ter conseguido finalizar determinada tarefa.

Por fim, o cânone da atualidade determina que a interpretação de certo vocábulo deva ser realizada dentro de um contexto histórico bem definido, evitando a mutação no significado do vocábulo com o passar do tempo. Um mesmo fato pode ter mais de um significado possível alterando-se a realidade histórica do objeto a ser interpretado, como é o caso do negro escravo de séculos atrás que era tido como um bem, uma coisa, e hoje é um sujeito de direitos.

Estes cânones hermenêuticos, então, encararam as dificuldades de se construir uma ciência jurídica complexa, compatibilizando uma nova proposta epistemológica. Ao invés da positividade racionalista ou do formalismo kelseniano, se estabelece uma ciência jurídica da compreensão.

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Sobre o autor
Elder Paes Barreto Bringel

Graduado em Direito e Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Católica de Pernambuco. Oficial de Justiça lotado na CEMANDO de Olinda. Tem experiência em diversas áreas do Direito devido a sua vida profissional versátil, e tem se especializado nas ciências propedêuticas e filosóficas. Graduando em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRINGEL, Elder Paes Barreto. A crise do direito processual e o neoprocessualismo.: Uma alternativa complexa ao poder criador dos magistrados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3359, 11 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22591. Acesso em: 24 nov. 2024.

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