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Uma nova proposta de limites à aplicação do princípio “reformatio in pejus” no âmbito dos processos administrativos

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09/10/2012 às 16:03
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Propõem-se novos limites à aplicação do “reformatio in pejus” nos processos administrativos, valendo-se da técnica da “filtragem constitucional”, dando efetividade a uma “cidadania procedimental administrativa”.

Resumo: O estudo propõe a atribuição de novos limites à aplicação do princípio “reformatio in pejus” no âmbito dos processos administrativos, valendo-se da técnica da “filtragem constitucional”, interpretando as leis de processos administrativos federais, estaduais e municipais, a partir dos princípios constitucionais da cidadania, da dignidade da pessoa humana, do devido processo legal, da igualdade e da impessoalidade da Administração Pública, de modo a obter-se o máximo denominador comum de direitos e garantias como direitos públicos subjetivos dos administrativos, imediatamente alegáveis nos processos administrativos nos quais forem interessados, e independentemente das esferas de competências próprias de cada entidade política, assim dando efetividade a uma “cidadania procedimental administrativa”.

Palavras – chave: PROCESSOS ADMINISTRATIVOS – “REFORMATIO IN PEJUS” – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – DIREITOS E GARANTIAS – MÁXIMO DENOMINADOR COMUM – “FILTRAGEM CONSTITUCIONAL” – “CIDADANIA PROCEDIMENTAL ADMINISTRATIVA”


I – O PROCESSO ADMINISTRATIVO: CONCEITO E FINALIDADES. O PROCESSO ADMINISTRATIVO COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E DA CIDADANIA NA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA.

O processo administrativo é um instrumento através do qual os administrados formalizam suas pretensões, tenham estas por base interesses ou direitos, para que a Administração Pública, em resposta, pratique um ato, ou profira uma decisão, sempre movida pelo interesse público e de acordo com a Constituição Federal, as leis e regulamentos, e os direitos fundamentais.

O processo administrativo atende, assim, a várias finalidades: aumentar o grau de justiça e razoabilidade dos atos e decisões administrativos, favorecendo-se o intercâmbio de idéias, opiniões e conhecimentos, inclusive técnicos; fortalecer a segurança jurídica; dotar os atos e decisões administrativos de maior eficiência, reduzindo-lhes os custos econômico e social, na medida em que, através de uma participação devida, a tendência dos grupos sociais será a de colaborar com os atos praticados e a decisão final que houver sido dada.(1)

O processo administrativo é não só uma garantia de oportunidade de defesa de interesses ou direitos subjetivos, coletivos ou difusos, perante a Administração Pública (2), mas também um direito fundamental, ele mesmo, um direito - garantia (3), na medida em que serve de instrumento de controle do modo segundo o qual a Administração Pública decidiu, ou deixou de decidir, assim como do conteúdo da decisão, se observou o interesse público ou se foi arbitrário.

O processo administrativo, deste modo, é um instrumento de materialização cotidiana do Estado Democrático de Direito (4), quando não da própria cidadania (5), assim como de legitimação do caráter democrático da Administração Pública, especialmente em um sistema constitucional como o nosso, onde a Administração Pública encontra seus limites diretamente na Constituição Federal. (6)

Encontrando a Administração Pública diretamente na Constituição Federal seus limites, conforme os princípios, normas, regras e valores que a informam, e sendo o processo administrativo um de seus instrumentos de atuação que deve pautar-se no respeito ao princípio democrático e à busca de sua contínua ampliação de eficácia (7), segue-se já daí a conclusão de que os limites dos processos administrativos deverão ser descobertos e atualizados, sempre que necessário para uma maior efetivação daqueles princípios, normas, regras e valores constitucionais, realizando o intérprete e aplicador da lei e dos atos administrativos uma verdadeira e efetiva “filtragem constitucional”. (8)

É dentro desse espírito que este trabalho propõe uma rediscussão do princípio da aplicabilidade da “reformatio in pejus” no âmbito do processo administrativo.


II – A POSIÇÃO DOMINANTE DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA SOBRE A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA “REFORMATIO IN PEJUS” NO PROCESSO ADMINISTRATIVO, ANTES E DEPOIS DA LEI FEDERAL NO. 9784/99.

Um entendimento – minoritário – que equipara as limitações à imposição de sanções nas esferas administrativa e processual penal veda a possibilidade da “reformatio in pejus” pela Administração Pública.

Assim, por exemplo, veja-se, na jurisprudência:

“ADMINISTRATIVO. SERVENTUÁRIO DE CARTORIO. PENA ADMINISTRATIVA. REFORMATIO IN PEJUS. MANDADO DE SEGURANÇA. PODER DISCIPLINAR DA ADMINISTRAÇÃO E PODER PUNITIVO DO ESTADO-SOCIEDADE. DIFERENÇAS E APROXIMAÇÕES. IMPOSSIBILIDADE, EM AMBAS AS HIPOTESES, DE SE APLICAR PENA NÃO MAIS CONTEMPLADA PELA LEI E AGRAVAR A SITUAÇÃO DO DISCIPLINADO. RECURSO ORDINARIO CONHECIDO E PROVIDO. I - O IMPETRANTE/RECORRENTE, QUE E ESCRIVÃO DA 3A. VARA DA COMARCA GAUCHA DE GRAVATAI, FOI PUNIDO COM A PENA DE 10 DIAS DE SUSPENSÃO PELO JUIZ DIRETOR DO FORO QUE, 'UNO ACTO', TRANSFORMOU A PENALIDADE EM PENA PECUNIARIA. FOI INTERPOSTO RECURSO, O QUAL NÃO FOI CONHECIDO. O ORGÃO RECURSAL (CORREGEDOR-GERAL), POREM, ATRAVES DE SUBTERFUGIO, VOLTOU, DE OFICIO, A PENALIDADE ANTIGA, JA NÃO MAIS CONTEMPLADA PELA LEGISLAÇÃO. II - O "PODER DISCIPLINAR", PROPRIO DO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO, NÃO PODE SER EFETIVAMENTE CONFUNDIDO COM O "PODER PUNITIVO" PENAL, INERENTE AO ESTADO-SOCIEDADE. A PUNIÇÃO DO ULTIMO SE FAZ ATRAVES DO PODER JUDICIARIO; JA A DO PRIMEIRO, POR MEIO DE ORGÃOS DA PROPRIA ADMINISTRAÇÃO. AMBOS, POREM, NÃO ADMITEM A 'REFORMATIO IN PEJUS', E MUITO MENOS A APLICAÇÃO DE PENA NÃO MAIS CONTEMPLADA PELA LEI. III - RECURSO ORDINARIO CONHECIDO E PROVIDO.”

(ROMS 199300185519, STJ, 6ª. Turma, Rel. Min. Pedro Acioli, dec. p. maioria pub. DJU 06.02.1995, p. 1372)

Não obstante, e até o advento do art. 64 da Lei no. 9.784/99, com o argumento de que o processo administrativo objetiva um melhor e mais amplo controle de seus próprios atos pela Administração Pública, de modo a que tendam a respeitar a legalidade, a serem mais justos, a produzirem resultados mais eficientes e com menor custo, com a devida legitimação democrática dada a abertura das possibilidades de participação dos administrados nos procedimentos decisórios dos órgãos e entidades administrativos, e de que esse processo administrativo, ao fim e ao cabo, desenvolve-se na esfera do controle interno de seus atos pela Administração Pública, admitia-se predominantemente, que o recurso interposto unicamente pelo administrado em um processo administrativo pudesse resultar em uma decisão contrária a ele, e mais gravosa.

Na doutrina, por exemplo, JOSÉ MARIA PINHEIRO MADEIRA:

“A Administração possui, ainda, liberdade plena para reformar o ato além do pedido, independentemente de ser esta reforma mais benéfica ou maléfica ao requerente. Este poder decorre da hierarquia e finalidade corretiva dos atos inferiores ilegítimos ou inconvenientes.” (9)

 E DIÓGENES GASPARINI:

“Na decisão do recurso administrativo, o órgão ou autoridade competente tem amplo poder de revisão, podendo, em relação ao ato impugnado, confirma-lo, desfaze-lo ou modifica-lo, se o entender legal, ilegal, inoportuno, inconveniente ou ineficiente. A reforma pode ir além do pedido e, em certas circunstâncias, impor ao recorrente um maior gravame (reformatio in pejus). Não se admite, no entanto, reforma gravosa em razão de recurso de ofício, consoante têm decidido os nossos Tribunais (...). Essa decisão, uma vez proferida, é, para a Administração Pública, vinculante e caracteriza-se como definitiva. É a coisa julgada administrativa, se proferida em última instância administrativa.” (10)

Na mesma linha de entendimento, a jurisprudência, como ilustrado:

“ADMINISTRATIVO. PENA DE SUSPENSÃO. "REFORMATIO IN PEJUS". PROCEDIMENTO DISCIPLINAR. - NÃO SE APLICA AO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR A VEDAÇÃO DA "REFORMATIO IN PEJUS", PELO QUE PODE A AUTORIDADE HIERARQUICAMENTE SUPERIOR APLICAR PENA MAIS GRAVOSA DO QUE A IMPOSTA PELO INFERIOR.”

(ROMS 198900092600, STJ, 2ª Tuma, Rel. Min. Américo Luz, dec. um. pub. DJU 21.11.1994, p. 31.742)

“CONCURSO PÚBLICO - SERVIÇO NOTARIAL E REGISTRAL - AVALIAÇÃO EQUIVOCADA DOS TÍTULOS - REAVALIAÇÃO PARA ADEQUAÇÃO DOS TÍTULOS À ESTRITAS DETERMINAÇÕES DO EDITAL - POSSIBILIDADE - VINCULAÇÃO AO EDITAL - AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO - NÃO-DEMONSTRAÇÃO DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Constatando a Administração o equívoco na análise de todos os títulos apresentados, é seu dever exercer o poder de autotutela para reavaliar os atos eivados de nulidade, adequando e vinculando publicamente a análise dos títulos de todos os candidatos aos estritos limites do Edital. Se assim procedeu, não existe ilegalidade ou violação do devido processo legal. 2. Também não se há falar em violação dos princípios da impessoalidade e isonomia, ou mesmo no descabido princípio da proibição do reformatio in pejus na seara administrativa, pois a revisão dos títulos era medida que se impunha para todos os participantes. 3. Os efeitos da invalidação, como regra, dão-se ex tunc, ou seja, "fulmina o que já ocorreu, no sentido de que são negados hoje os efeitos de ontem" (cf. CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO; Curso de Direito Administrativo; 20ª ed., p. 434). Recurso ordinário improvido.”

(ROMS 200601382901, STJ, 2ª. Turma, Rel. Min. Humberto Martins, dec. un. pub. DJE 18.09.2008)

“ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - ATO DE SECRETÁRIO DE ESTADO - MULTA POR INFRAÇÃO AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - VALOR FIXADO NO MÁXIMO LEGAL - REEXAME DE PROVAS - IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA 07/STJ - DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO CONFIGURADO - PROCESSO ADMINISTRATIVO - "REFORMATIO IN PEJUS" - POSSIBILIDADE - PRECEDENTES. (...)No âmbito do processo administrativo, a autoridade superior pode aplicar pena mais gravosa do que a imposta pela autoridade inferior. (...)”

(ROMS 200302183076, STJ, 2ª. Turma, Rel. Min. Peçanha Martins, dec. pub. DJU 26.09.2005, p. 270)

“ADMINISTRATIVO - FUNCIONAMENTO DOS BANCOS - EXIGÊNCIAS CONTIDAS EM LEI ESTADUAL E MUNICIPAL - LEGALIDADE. (...) 3. Em processo administrativo não se observa o princípio da "non reformatio in pejus" como corolário do poder de auto tutela da administração, traduzido no princípio de que a administração pode anular os seus próprios atos. As exceções devem vir expressas em lei. (...)”

(ROMS 200601017292, STJ, 2ª. Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, dec. un. pub. DJE 05.08.2010)

Não se podendo esquecer as Súmulas STF nos. 346 e 473:

“A Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos.” (Súmula 346)

“A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.” (STF, Súmula 473)

 Com o advento do art. 64 da Lei no. 9.784/99, passou-se a uma posição intermediária, ou seja, admitindo-se a “reformatio in pejus” no processo administrativo, mas condicionando-a à prévia oportunidade de o administrativo expor as suas razões, em contraditório.

 Assim, por exemplo, CÁSSIO SCARPINELLA BUENO:

“Por outras palavras, é possível que o julgamento da instância ad quem na esfera administrativa resulte em prejuízo ao recorrente, vale dizer, que se opere em seu desfavor o que usualmente é denominado de reformatio in pejus. A única exigência legal para que isto se concretize (refere-se à Lei no. 9.784/99) é que o recorrente seja ouvido previamente sobre a possibilidade de piora na sua esfera jurídica. Neste sentido, as Súmulas ns. 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, que já autorizavam o “poder-dever” da Administração Pública em declarar a ilegitimidade de seus atos mesmo de ofício devem ser relidas – ou revisitadas, como se procura afirmar – assegurando-se a necessidade da prévia oitiva do particular antes do proferimento da nova decisão administrativa.” (11)

 E na jurisprudência, com eficácia de repercussão geral:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO.ATENDIMENTO BANCÁRIO. REGULAMENTAÇÃO POR NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS LOCAIS. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PARA RATIFICAR A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE.PROCESSO ADMINISTRATIVO. RECRUDESCIMENTO DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA EM RECURSO DO ADMINISTRADO. PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA. POSSIBILIDADE. (...) 3. A possibilidade da administração pública, em fase de recurso administrativo,anular, modificar ou extinguir os atos administrativos em razão de legalidade, conveniência e oportunidade, é corolário dos princípios da hierarquia e da finalidade, não havendo se falar em reformatio in pejus no âmbito administrativo, desde que seja dada a oportunidade de ampla defesa e o contraditório ao administrado e sejam observados os prazos prescricionais. (...)”

(ARE-AgR 641054, STF, 1ª. Turma, Rel. Min. Luís Fux, julg.: 22.05.2012)

Registre-se, não obstante, entendimento no sentido de que, mesmo assim, não se deve admitir a “reformatio in pejus” uma vez que acabaria por resultar em desestímulo ao exercício do direito de ampla defesa através da interposição de recurso administrativo. (12)


III - A “CIDADANIA PROCEDIMENTAL ADMINISTRATIVA” E A APLICAÇÃO DO MÁXIMO DE DIREITOS E GARANTIAS RECONHECIDOS PELAS LEIS DE PROCESSOS ADMINISTRATIVOS, INDEPENDENTEMENTE DAS COMPETÊNCIAS PRÓPRIAS DAS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS DOS TRÊS NÍVEIS POLÍTICOS

O processo administrativo é um meio através do qual se busca conciliar a intervenção da Administração Pública na esfera jurídica dos particulares com critérios jurídicos de decisão, assim colimando-se alcançar uma atuação administrativa justa. (13)

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Mas não quaisquer critérios jurídicos de decisão e, sim, critérios que principiem, sejam orientados e concretizem, com as máximas abrangência e eficiência possíveis, os princípios, normas e valores constitucionais, materializando-os em cada situação individualizada.

E todas as Administrações Públicas estão constitucionalmente vinculadas a esse desiderato, uma vez que, “ao se referir expressamente o Constituinte, no mencionado art. 5º., incisos LIV e LV, ao “devido processo legal” “em processo judicial ou administrativo”, tornou imperiosa a estruturação, também no âmbito da Administração, de um instrumento que assegure a garantia do due process of law”. (14)

Todas as Administrações Públicas, diretas e indiretas, nos três níveis políticos, assim como os Poderes, encontram-se constitucionalmente vinculados aos princípios da legalidade e do devido processo legal (art.37, “caput” da CF/88).

Também estão constitucionalmente vinculadas à promoção da cidadania e da dignidade da pessoa humana, já que são fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º., II da CF/88).

O processo administrativo é um meio através do qual a Administração Pública busca conciliar a sua atuação no espaço público, inclusive intervindo nas liberdades e autonomias privadas, ou quando serve como agente mediador dos vários interesses coletivos e sociais conflitantes, seguindo critérios de justiça – devido processo legal – respeitando e incrementando aqueles princípios, inclusive daí se podendo falar na existência de uma cidadania procedimental (15).

Não é possível a um indivíduo ser mais cidadão do que outro, já que a impessoalidade da Administração Pública também é um princípio constitucional (art. 37, “caput” da CF/88).

A Lei Federal no. 9.784/99 objetivou “dar aplicação a princípios constitucionais pertinentes aos direitos do cidadão perante a Administração Pública” e, assim tendo feito, entrou “na esfera de temas de interesse nacional e, portanto, de competência da União”. (16)

E o fez instituindo “exigências mínimas essenciais aos princípios constitucionais”, daí porque “devem ser aplicadas em âmbito nacional”. (17)

Contudo, é possível dar um passo além, e, já que é possível, é imperativo fazê-lo.

E isso por que, se uma legislação – federal, estadual ou municipal – instituir garantias mais amplas aos administrados a serem observadas nos processos administrativos de suas respectivas competências, tais garantias poderão ser invocadas por administrados que se encontrarem em situações semelhantes, inclusive em processos administrativos de outras esferas políticas de competência, sem que isso venha a resultar em usurpação de competências.

O caráter “subsidiário” da aplicação da Lei no. 9.784/99, “da mesma forma que ocorre com relação às leis federais sobre procedimentos específicos”, lembrado por MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (18), será válido desde que omissa aquela legislação estadual ou municipal.

No entanto – e aqui o passo adiante que se está a propor – se as garantias e direitos dos administrados, nos processos administrativos de algum daqueles entes políticos, ou de suas entidades administrativas, forem mais amplas e fortalecerem a cidadania e a dignidade da pessoa humana, melhorando a posição jurídica do administrado, então a aplicação daqueles direitos e garantias terá que ser feita no âmbito federal; o contrário também é verdadeiro – se as garantias e direitos reconhecidos ao administrado forem mais e melhores no processo administrativo federal, então terão que ser aplicadas nas esferas estadual e municipal, com isso se atingindo um máximo denominador comum aos direitos e garantias fundamentais dos administrados nos processos administrativos em geral, uma verdadeira “cidadania procedimental administrativa”.

O mesmo raciocínio aplica-se, a fortiori, entre os órgãos e entidades administrativos e Poderes integrantes de uma mesma entidade política, os últimos não apenas quando estiverem a desempenhar função administrativa, mas também a legislativa ou a judiciária, conforme o caso.


IV - UMA PROPOSTA DE RECONHECIMENTO DE NOVOS LIMITES À APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA “REFORMATIO IN PEJUS” NO PROCESSO ADMINISTRATIVO A PARTIR DA ÓTICA DA “CIDADANIA PROCEDIMENTAL ADMINISTRATIVA” – EXEMPLOS

O art. 64 da Lei no. 9.784/99 dispõe:

“ Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.

Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.

O único obstáculo à aplicação do princípio da “reformatio in pejus”,

no sistema da Lei Federal no. 9.784/99, assim, é a obrigação de prévia cientificação ao interessado para que ele tenha a oportunidade de expor suas alegações, em contraditório.

Mas, como dito por IRENE PATRÍCIA NOHARA e THIAGO MARRARA:

“(...) A função dessa regra contida no art. 64, parágrafo único da LPA é clara, mas sua realização prática é razoavelmente obscura. Quando deverá, afinal, o recorrente apresentar alegações? Como poderá apresentar alegações se a autoridade ainda não decidiu nem agravou a pena?

“(...) Uma solução para a pergunta, como já dito, seria obrigar a autoridade a indicar, ao recorrente, os elementos que considera suficientes para o agravamento da decisão recorrida. Não se trata de prejulgamento ou de julgamento provisório, mas sim da divulgação dos elementos fáticos e jurídicos que possam levar ao agravamento da situação do recorrente.” (19)

A Lei Paulista no. 10.177/98, em seu art. 49, estabelece que:

“Art. 49 – A decisão de recurso não poderá, no mesmo procedimento, agravar a restrição produzida pelo ato ao interesse do recorrente, salvo em casos de invalidação.”

Não há dúvida de que essa norma é mais benigna ao administrado do que a contida no art. 64, parágrafo único da Lei Federal no. 9.784/99.

Logo, e na linha do que vem sendo defendido até aqui, é direito constitucional subjetivo do administrativo, com base nos arts. 5º., LIV e LV e 37, “caput”, a aplicação daquela norma estadual procedimental administrativa também em processo administrativo federal sancionador a que estiver respondendo.

A “cidadania procedimental administrativa” pode também ser ampliada dentro de uma mesma esfera política, tomando-se em comparação regulamentos administrativos ou, mesmo, decisões administrativas e judiciais sobre o alcance de certos direitos do administrado.

Indaga-se, como exemplo: é possível que o recorrente seja cientificado da possibilidade de agravamento da sua situação jurídica; talvez, quando desse ato, tenha sido dada publicidade a decisão mais desfavorável proferida pela autoridade julgadora em caso semelhante. Indaga-se: poderá o recorrente desistir do recurso, a fim de evitar a provável decisão que contra ele será tomada para pior?

O art. 51, “caput” da Lei no. 9.784/99 autoriza a desistência do recurso interposto pelo administrado, no todo ou em parte, ou, ainda, a renúncia dele a direitos disponíveis, enquanto que o parágrafo 2º. deste mesmo dispositivo faculta à Administração Pública prosseguir com o processo administrativo, se considerar que o interesse público assim o exige.

Observam IRENE PATRÍCIA NOHARA e THIAGO MARRARA que:

“Conforme visto, a desistência e a renúncia apenas extinguem o processo administrativo quando for ampliativo da esfera jurídica do particular, contudo, se houver interesse público que justifique a sua continuidade deve a Administração prosseguir com o processo para que ele atinja o melhor cumprimento dos fins públicos, tendo em vista o princípio da indisponibilidade dos interesses públicos.

“(...) Na realidade, esse dispositivo do parágrafo 2º. do art.51 da LPA apenas objetiva ressalvar o fato de que o particular jamais terá domínio do transcurso do processo administrativo, à medida que este é manifestação do desempenho de função administrativa que tradicionalmente o submete a regime jurídico público.” (20)

Porém, até que momento o administrado poderá manifestar sua vontade de desistir?

CÁSSIO SCARPINELLA BUENO, inspirando-se na doutrina e na jurisprudência processualística civil, entende ser inadmissível a desistência do recurso, pelo interessado, “após o início do julgamento”, ou seja, conforme NELSON NERY JR e ROSA MARIA ANDRADE NERY, invocados pelo mesmo autor, “até o momento imediatamente anterior ao julgamento do recurso, inclusive deduzida oralmente na sessão de julgamento”. (20)

Para o Superior Tribunal de Justiça, contudo, se o recurso for daqueles a que se houver atribuído eficácia de – “repetitivo” -, esse momento será o da publicação da pauta de julgamentos do recurso selecionado para servir de paradigma. (21)

Sendo mais favorável ao administrativo o critério seguido pela norma do art. 51 da Lei no. 9.784/99, deve este prevalecer, embora a desvalorização do conteúdo garantístico do art. 501 do CPC que serviu de modelo para a seara processual administrativa.

Por último: ao contrário da proibição expressa contida no art. 5º. da Lei no. 9.868/99, o art. 57 da Lei no. 9.784/99 não contém semelhante norma, apenas determina que o recurso administrativo tenha seguimento, já que a decisão interessará à coletividade em geral.

Haverá que se ter por excluído da abrangência da decisão mais gravosa que porventura vier a ser prolatada pelo órgão julgador o interessado que desistiu do recurso, sem prejuízo da efetividade do julgamento meritório para a coletividade, na linha, por sinal, do que chegou a ser aventado pela Corte Especial do STJ quando do julgamento da QORESP 200801289049, Rel. Min. Nancy Andrighi, julg.: 17.12.2008.

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Sobre o autor
Alberto Nogueira Júnior

juiz federal no Rio de Janeiro (RJ), mestre e doutor em Direito pela Universidade Gama Filho, professor adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF), autor dos livros: "Medidas Cautelares Inominadas Satisfativas ou Justiça Cautelar" (LTr, São Paulo, 1998), "Cidadania e Direito de Acesso aos Documentos Administrativos" (Renovar, Rio de Janeiro, 2003) e "Segurança - Nacional, Pública e Nuclear - e o direito à informação" (UniverCidade/Citibooks, 2006); "Tutelas de Urgência em Matéria Tributária" (Forum/2011, em coautoria); "Dignidade da Pessoa Humana e Processo" (Biblioteca 24horas, 2014); "Comentários à Lei da Segurança Jurídica e Eficiência" (Lumen Juris, 2019).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA JÚNIOR, Alberto. Uma nova proposta de limites à aplicação do princípio “reformatio in pejus” no âmbito dos processos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3387, 9 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22771. Acesso em: 22 dez. 2024.

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