4. DO IMPACTO (POSITIVO) DA ADOÇÃO DA TESE DO PRÉVIO REQUERIMENTO NA REDUÇÃO DO NÚMERO DE PROCESSOS JUDICIALIZÁVEIS:
A discussão a respeito da adoção ou não da tese do prévio requerimento se torna por demais séria quando se tem em mente que cerca de 35% das decisões judiciais cumpridas pelo INSS no ano de 2008[24] (e esse dado certamente não diferiu significativamente nos anos subseqüentes) foram provenientes de processos em que não houve o prévio requerimento administrativo à Autarquia Previdenciária[25]. Ou seja, a parte, sem qualquer interesse de agir, ingressou no Judiciário e teve sua pretensão atendida, muito embora não fosse ela resistida.
Recorrendo à matemática e fazendo-se uma simples regra de três, supondo-se que todas as ações em que consta o INSS como parte se referem a benefícios previdenciários (isso é apenas uma postulação para facilitar o cálculo), teremos que dos 43,12% dos processos que abarrotam os Tribunais Regionais Federais e Seções Judiciárias Federais segundo o CNJ, pelo menos[26] 15,09% são de processos sem prévio requerimento administrativo (35% de 43,12%). Do mesmo modo, dos 22,33% dos processos que atravancam toda a máquina judiciária nacional, pelo menos 7,81% são de processos sem prévio requerimento administrativo (35% de 22,33%).
Assim, a grosso modo[27], poder-se-ia dizer que se o Poder Judiciário acolhesse a tese da necessidade do prévio requerimento administrativo, experimentaria, de imediato, uma redução considerável no volume de processos que praticamente paralisam a estrutura jurisdicional pátria. Do total de 43,12% de processos na Justiça Federal em que consta o INSS como parte, passar-se-ia, pelo menos, ao percentual de 28,03%. De igual modo, levando-se em conta que o INSS se encontra presente em 22,33% dos processos judiciais em todo o país, acaso o Judiciário acolhesse a tese ora defendida, esse volume de ações cairia, pelo menos, para o patamar de 14,52%.
Noutro pórtico, é de se registrar que a desconsideração da necessidade de existência do pressuposto processual “interesse de agir” importaria, sem qualquer sombra de dúvida, em profunda intervenção do Judiciário nas atividades do Executivo, o que implicaria em ofensa direta ao postulado Constitucional da Separação dos Poderes (art. 2º da Constituição), pois o Judiciário estaria invadindo parcela de Poder conferida ao Executivo, por meio (atuação) do INSS.
5.DA ANÁLISE DE CUSTO/BENEFÍCIO NA ADOÇÃO DA TESE DO PRÉVIO REQUERIMENTO:
A análise acerca do acerto (necessidade) ou desacerto (desnecessidade) da adoção do prévio requerimento administrativo para a concessão de benefícios previdenciários não é defensável sob a ótica da “conveniência” da Autarquia Previdenciária, nem muito menos sob a da “conveniência” do Poder Judiciário. É o interesse público que deverá guiar a opção política e/ou judicial por um ou outro caminho.
Com efeito, no entendimento do professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o interesse público não se confunde nem com a somatória dos interesses individuais, nem com o interesse do próprio Estado, nem muito menos com o interesse dos governantes.[28] Ao contrário, para o referido autor, seria a projeção coletiva do interesse social, reflexo do viés gregário próprio do individualismo humano, que também alimentaria interesses sociais, com características solidárias e diretamente relacionadas aos diferentes grupos sociais a que pertença o homem:
Resta, assim, a ser considerada, a conclusão, eticamente impecável, de que o homem tem instintivamente inata e desenvolve em sua vida de relação, além da sua individualidade, uma dimensão gregária. Em razão disso, em acréscimo aos seus interesses individuais, reflexos de sua individualidade, também alimenta, como expõe Walter Lippman, interesses sociais, como reflexo de seu gregarismo, com características solidárias e respectivamente correlacionadas aos distintos grupos da sociedade a que pertença.
Assim, é a projeção coletiva do interesse social, ainda que embrionário ou incipiente – mas que pode e deve ser desenvolvido e aperfeiçoado em cada indivíduo pelo cultivo da solidariedade e do civismo – a responsável pelo desenvolvimento dessa categoria transcendental, do interesse metaindividual, do qual, o interesse público, enquanto fenômeno sociológico, emerge diferenciado na consciência gregária e, como fenômeno jurídico, qualificado pela ordem jurídica vigente em cada sociedade organizada. [29]
Mas para ser válido, o chamado interesse público (projeção coletiva do interesse social) deve estar “qualificado pela ordem jurídica vigente em cada sociedade organizada”, que seria o próprio Ordenamento Jurídico[30].
Nesse sentido, e norteados pela busca do interesse público, tem-se que várias são as vantagens em se adotar a tese da necessidade de prévio requerimento administrativo antes de se recorrer ao Judiciário, dentre as quais se podem destacar[31]:
1) inexistência de prejuízo financeiro para o interessado (muito ao contrário do que pode ocorrer quando alguém recorre a um advogado e ajuíza uma ação);
2) celeridade em todo o procedimento (nos benefícios de salário-maternidade, aposentadoria por tempo de contribuição e por idade, p. ex., a concessão poderá ocorrer em até 30 minutos);
3) os servidores da Autarquia são treinados e especializados nesta matéria.
Há ainda à disposição do requerente uma série de medidas e recursos administrativos utilizados para suprir a falta ou insuficiência de documentos ou, até mesmo, a possibilidade de produzir a prova de algum fato, como é o caso da justificação prevista no artigo 142 do Regulamento da Previdência Social (Decreto n. 3.048/99)[32].
Noutro turno, mas ainda buscando a consecução do interesse público, e sob uma análise eminentemente financeira, haveria uma enorme economia de recursos públicos com a adoção da tese da necessidade do prévio requerimento administrativo, já que um único servidor público (o analista do seguro social) iria analisar e deferir (em sendo o caso) o benefício previdenciário ou assistencial requerido. A se insistir na desnecessidade do prévio requerimento administrativo, se continuará a movimentar (como de fato se movimenta) uma máquina muito mais complexa e dispendiosa: no caso, para a mesma concessão atuariam, por diversas vezes, Magistrados (de diversas instâncias, já que os processos judiciais dificilmente deixam de ascender às instâncias superiores), servidores do judiciário, Procuradores Federais, servidores da AGU, servidores do INSS e, muitas vezes, Defensores Públicos (para pararmos a análise por aqui[33]). Isso tudo, sem levar em conta o tempo, já que entre o início de uma ação judicial e o seu trânsito em julgado levam-se anos; ao passo que o tempo médio de concessão de um benefício previdenciário (quando o solicitante realmente tem direito), diretamente pelo INSS, é inferior a 45 (quarenta e cinco) dias, conforme gráfico abaixo[34]:
Assim, resta claro que, sob essa perspectiva, não existiriam vantagens em se conceder o benefício por meio judicial para o pretenso segurado, sem que houvesse a provocação prévia da Autarquia Previdenciária. Ao contrário, nos quer parecer que a inauguração do pedido por meio da via judicial acarretaria inúmeros ônus a esse segurado, tais como: pagamento de honorários advocatícios, custas processuais e tempo de esperar bem superior ao da concessão administrativa do benefício.
Quanto ao segundo dado estatístico que se insere no contexto da análise deste artigo (o percentual de benefícios concedidos pelo Poder Judiciário, frente o total de benefícios previdenciários concedidos pelo próprio INSS), impende registrar que os dados pesquisados nos informam ser equivocado imaginar que o Poder Judiciário é o grande concessor de benefícios previdenciários deste país[35]. Registre-se, aliás, que se a conclusão deste estudo demonstrasse o contrário, estaríamos todos nós, cidadãos brasileiros, sendo vilipendiados pelo Estado, já que a criação de uma Autarquia Previdenciária com o porte do INSS[36] não serviria para nada, ou quase nada.
Para se ter uma idéia da relevância da política pública desenvolvida pela Autarquia Previdenciária, basta que se diga que historicamente são concedidos mais de 1.300.000 (um milhão e trezentos mil) benefícios previdenciários por ano (os dados abaixo reportam-se ao acumulado de janeiro a maio de cada ano), conforme gráfico abaixo[37]:
É de se grifar também que desde o início da última década o volume de benefícios previdenciários concedidos pelo INSS vem crescendo ano a ano, alcançando o percentual de 30,60%[38] de aumento se comparados os dados de maio de 2011 com os de janeiro de 2002; o que corrobora a tese de incremento na estrutura da entidade e melhoria no treinamento de seus servidores (especialmente no que toca à análise dos pedidos de concessão de benefícios), bem como no atendimento ao cidadão.
Noutro turno, em que pese o INSS seja o maior “litigante” do país, o volume de gastos/despesas da Autarquia com o pagamento dos benefícios previdenciários implantados em razão de decisões judiciais varia entre 2,5% e 4% do montante total, tendo sido, em 2005, equivalente a 2,81%; em 2006, a 2,61%; em 2007, a 2,78%; em 2008, a 2,76%; e em 2009, a 2,63%. E essa tendência permanece até os dias de hoje. Se buscarmos no site do INSS o chamado RESULTADO DO RGPS[39], veremos que o acumulado, de janeiro a maio de 2011, de benefícios (urbanos e rurais) concedidos administrativamente pelo INSS, alcançou o montante de R$ 103.328.700 (cento e três milhões, trezentos e vinte e oito mil e setecentos reais), ao passo que, no mesmo período, o volume de gastos com o pagamento de benefícios (urbanos e rurais) concedidos por força de decisões judiciais alcançou o valor de R$ 4.212.300 (quatro milhões, duzentos e doze mil e trezentos reais).
Assim, somando-se ambos os resultados chega-se ao total de R$ 107.595.000 (cento e sete milhões, quinhentos e noventa e cinco mil reais) em benefícios concedidos (administrativos + judiciais). Deste modo, conclui-se que os valores pagos por força de decisão judicial alcançam o percentual de 3,91% do total de benefícios pagos entre os meses de janeiro e maio do corrente ano de 2011.
Vê-se, portanto – considerando-se o montante de processos que tramita no judiciário sem prévio requerimento judicial somado ao volume de ganho real para a população com a atuação do Poder Judiciário na concessão de benefícios previdenciários de modo absoluto –, a total inviabilidade financeira e o acúmulo de gastos desnecessários para o Estado brasileiro na manutenção desse modelo de intervenção jurisdicional na política pública[40] previdenciária: primeiramente, pois o tempo que se gasta com a análise dos pleitos judiciais previdenciários (anos a fio entre a data do ajuizamento e do trânsito em julgado da demanda) é diretamente proporcional ao volume de gasto que se direciona para tal intento: custo da hora de trabalho de diversos Magistrados, Procuradores Federais, Defensores Públicos e demais servidores administrativos. Ao passo que no pleito administrativo, os dados apontam para um tempo de análise muito menor com um gasto também consideravelmente inferior.
Não bastasse esse dado que, por si só, já autorizaria a extinção, sem resolução de mérito, das ações judiciais intentadas sem o prévio requerimento administrativo, o segundo dado demonstra que o volume de benefícios que o jurisdicionado consegue auferir por meio do processo judicial é abissalmente inferior ao que o cidadão alcança sem adentrar na esfera do Poder Judiciário[41].
6.CONCLUSÃO:
Nesse sentido, perseguindo o interesse público em qualquer uma de suas vertentes, queremos crer que, ainda que o volume de concessão de benefícios previdenciários pelo INSS fosse baixo (que não é), seria menos dispendioso e mais proveitoso para o Estado brasileiro e, por conseguinte, para o cidadão em geral, primeiramente se buscar a Autarquia Previdenciária, para só então, desatendido em seu pleito, buscar amparo das vias Judiciais.
Com efeito, reduzir-se-ia o gasto público com a manutenção de um sistema anacrônico de autofagia institucional sem resultados benéficos que justifiquem sua permanência, para conferir guarida à atuação do Instituto Nacional do Seguro Social no exercício da política pública previdenciária, razão primeira de sua existência.
Ademais, não se pode olvidar que os interesses do Estado brasileiro não são e não podem ser contraditórios. Desse modo, tanto para o Poder Judiciário quanto para o Poder Executivo a adoção do prévio requerimento administrativo é medida vantajosa, eis que a um só tempo desafoga o judiciário, que poderá dedicar-se aos milhares (quiçá milhões) de outros processos que tramitam em todas as suas instâncias, bem como privilegia um modelo de maior efetividade social e de menor custo financeiro ao Erário que é a análise acerca da concessão ou não do benefício previdenciário diretamente pelo INSS. Noutro pórtico, mas nessa mesma esteira, os cidadãos têm reduzidos os seus gastos e diminuído o seu tempo de espera à consecução da política pública desenvolvida pelo Estado por meio de seus órgãos descentralizados. Assim, atento às consequências sociais de suas decisões, o Poder Judiciário deve ponderar qual exegese normativa conferirá maior benefício, a um só tempo, à população e ao Estado.[42]
Deste modo, e a título de conclusão, entende-se que ainda que o INSS muito tenha de melhorar na prestação do seu serviço, o julgamento favorável à tese da necessidade do prévio requerimento, no RE paradigma 631.240, é de fundamental importância para, amenizando a pecha imposta ao Instituto Nacional do Seguro Social de maior “litigante” (ou seria “litigado”?) deste país, conferir ganhos reais (tanto financeiros quanto sociais) ao Estado brasileiro.