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Greve de servidor público: evolução legislativa e jurisprudência concretista

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17/10/2012 às 11:37
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4 – OIT E DIREITO DE GREVE

A Organização Internacional do Trabalho - OIT não possui convenção específica sobre greve. Os doutrinadores, porém, afirmam de forma quase unânime que as Convenções 87 e 98, que dispõem sobre liberdade sindical e negociação coletiva, apresentam, implicitamente, a greve como um direito fundamental dos trabalhadores, tanto do setor público quanto do setor privado. Apenas os funcionários das forças armadas podem ter, segundo aquele organismo internacional, algumas restrições ou até mesmo vedações ao exercício do direito de greve.

A par disso, a Convenção 151 da OIT, conhecida como "Convenção sobre as Relações de Trabalho na Administração Pública", nos seus consideranda, atesta, entre outros aspectos, a expansão dos serviços prestados pela administração pública em muitos países e a necessidade de que existam sadias relações de trabalho entre as autoridades públicas e as organizações de empregados públicos.

Especificamente em relação à greve de servidor público, o Comitê de Liberdade Sindical vem editando verbetes no sentido de recomendar que os países membros reconheçam a greve como um direito dos servidores públicos, somente admitindo restrições em casos muito particulares. Nesse diapasão, dois verbetes merecem especial destaque.

O verbete n. 394, que dispõe:

O direito de greve só pode ser objeto de restrições, inclusive proibição, na função pública, sendo funcionários públicos aqueles que atuam como órgãos de poder público, ou nos serviços essenciais no sentido estrito do termo, isto é, aqueles serviços cuja interrupção possa pôr em perigo a vida, a segurança ou a saúde da pessoa, no todo ou em parte da população.

Portanto, para a OIT,

só são pertinentes as limitações aplicadas aos funcionários públicos que atuem na qualidade de órgãos do poder público. Não se incluem, porém, nesta categoria os trabalhadores públicos dos setores de educação ou dos transportes.

Já o verbete n. 386 cuida da possibilidade de conciliação e arbitragem em serviços essenciais e funções públicas.

Dado inferir, assim, que a orientação da OIT é no sentido de permitir amplamente a greve dos servidores públicos civis, salvo para aqueles que atuam como órgãos de poder público, isto é, os que exercem parcela da soberania do Estado, como os juízes, membros do Ministério Público, diplomatas, ministros, secretários, diretores das estatais etc[29].


5 – EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL

Adentraremos agora o tema relativo à posição da jurisprudência sobre a matéria, acompanhando as mudanças de posicionamento e intentando demonstrar a tese atualmente prevalecente em nossos tribunais.

Em linhas gerais, a constituição apresenta dois mecanismos de controle da omissão, pelo poder público, da adoção de normas ou procedimentos necessários à efetividade de normas constitucionais. São eles a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção.

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão, todavia, tem a eficácia de sua decisão limitada à declaração da mora legislativa ou à determinação, em caso de órgão administrativo, de que adote, em trinta dias, as providências necessárias à implementação do direito[30]. Pouco para a implementação do direito de greve do servidor público.

Por outro lado, o Mandado de Injunção, inovação da constituição de 1988, teve um acolhimento muito tímido, inicialmente, pela Jurisprudência.

A partir de agora, faremos uma breve apresentação das teorias sobre a eficácia do provimento judicial expedido em sede de Mandado de Injunção, exemplificando com as posições adotadas pelo STF ao longo do tempo.

5.1 – Natureza Jurídica do Mandado de Injunção:

Trata-se o mandado de injunção de uma garantia constitucional posta à disposição de qualquer cidadão que venha experimentando prejuízos em direitos fundamentais decorrentes de omissão legislativa e necessite de uma prestação que afaste a ameaça ou lesão ao seu direito individual.

Indubitavelmente, esse instituto fora concebido pelos constituintes para emprestar efetividade às normas constitucionais.

A inação legislativa é o que torna a norma inconstitucional e lastreia a pretensão de direito material do indivíduo cujo exercício de um direito ou liberdade fundamental, ou de prerrogativas inerentes à soberania, à nacionalidade ou à cidadania, fora obstado em razão da ausência de uma norma que regulamente a previsão constitucional.

Essa lacuna deve ser preenchida pelo Poder Judiciário[31], que deve declarar o direito entre as partes em determinada situação jurídica, emprestando efetividade à norma constitucional cuja falta se pretende suprir com o manejo do mandado de injunção.

Repassemos ainda, e por necessário, a literalidade do texto magno:

Art. 5º. LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Sobressai, da leitura do dispositivo, uma exegese natural, a saber, que se trata de providência solicitada no âmbito judiciário, via ação civil de estatura constitucional, promovida em desfavor da entidade ou da autoridade ou do órgão moroso, pela pessoa que não possa exercer direito, liberdade ou prerrogativa que esteja na dependência de regulamentação infraconstitucional.

A competência para conhecimento do Mandado de Injunção será demarcada em razão da autoridade, do órgão ou da entidade responsável pela omissão, a quem se imputa a omissão.

 Assim, ao STJ cabe o conhecimento e julgamento quando

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

...

h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;

Já no que diz com a competência do STF

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

...

q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;

...

II - julgar, em recurso ordinário:

a) o "habeas-corpus", o mandado de segurança, o "habeas-data" e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;

O Texto Constitucional (artigo 121, § 4º, V) traz, ainda, hipótese de competência do TSE para o julgamento do writ:

§ 4º - Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso quando:

...

V - denegarem "habeas-corpus", mandado de segurança, "habeas-data" ou mandado de injunção.

5.2 – Posição Não-concretista:

Desde o advento da Carta de 1988, prevalecia o entendimento de que o Judiciário não reunia competência para suprir a inércia de outro Poder, limitando-se a proferir, no bojo do mandado de injunção, uma decisão de simples ciência ao Poder competente a fim de que ele elaborasse a norma faltante.

Essa tese doutrinária tem recebido o nome de posição não-concretista ou de Teoria da Subsidiariedade. Para seus partidários, o órgão julgador deve limitar-se a declarar a mora legislativa, cientificando quem seria responsável por editar o ato normativa regulamentar[32].

Essa construção doutrinária limita a natureza jurídica do provimento jurisdicional em Mandado de Injunção a uma decisão meramente declaratória, porquanto a sentença apenas declara a situação de inércia do órgão responsável pela edição do ato normativo e cientifica o sujeito omisso de seu próprio estado de inércia.

Nesse sentido:

Esta Corte, ao julgar a ADIN 4, entendeu, por maioria de votos, que o disposto no § 3º do artigo 192 da Constituição Federal não era auto-aplicável, razão por que necessita de regulamentação. Passados mais de doze anos da promulgação da Constituição, sem que o Congresso Nacional haja regulamentado o referido dispositivo constitucional, e sendo certo que a simples tramitação de projetos nesse sentido não é capaz de elidir a mora legislativa, não há dúvida de que esta, no caso, ocorre. Mandado de injunção deferido em parte, para que se comunique ao Poder Legislativo a mora em que se encontra, a fim de que adote as providências necessárias para suprir a omissão, deixando-se de fixar prazo para o suprimento dessa omissão constitucional em face da orientação firmada por esta Corte (MI 361).(MI 584, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 29-11-01, DJ de 22-2-02).

Também:

Mandado de injunção: natureza mandamental (MI 107-QO, M. Alves, RTJ 133/11): descabimento de fixação de prazo para o suprimento da omissão constitucional, quando, por não ser o Estado o sujeito passivo do direito constitucional de exercício obstado pela ausência da norma regulamentadora (v.g., MI 283, Pertence, RTJ 135/882) —, não seja possível cominar conseqüências à sua continuidade após o termo final da dilação assinada. (MI 361, Rel. p/ o ac. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 8-4-94, DJ de 17-6-94).

E ainda:

O mandado de injunção nem autoriza o Judiciário a suprir a omissão legislativa ou regulamentar, editando o ato normativo omitido, nem, menos ainda, lhe permite ordenar, de imediato, ato concreto de satisfação do direito reclamado: mas, no pedido, posto que de atendimento impossível, para que o Tribunal o faça, se contém o pedido de atendimento possível para a declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão competente para que a supra. (MI 168, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 21-3-90, DJ de 20-4-90)

Assim é que a duradoura prevalência da corrente não-concretista, cujo efeito mais profundo que emprestava ao instituto era tornar cabal o reconhecimento da inércia do órgão público, em verdade esterilizava o writ.

Nesse início, o STF nem mesmo admitia a possibilidade de se fixar prazo para se suprir a inércia, sob pena de indevida ingerência de um Poder [rectius: função estatal] no outro[33].

De boa têmpera, antes de passarmos ao estudo da posição concretista e de suas subdivisões, tecermos uma breve consideração sobre a teoria não-concretista. É que, para nós, ainda que o Poder Judiciário (preso à tese da Independência dos Poderes) não estipule a regra de direito a ser aplicada a determinada situação jurídica, ao declarar a mora legislativa (declarando, portanto, procedente o pedido do autor), impede que qualquer punição, seja de que natureza for, venha a ser aplicada ao servidor que, sem cometer abusos, adira a movimento paredista.

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É dizer que o servidor cujo MI tenha sido declarado procedente não poderá, por exemplo, ter seu ponto cortado, uma vez que a decisão judicial àquele favorável impede que ele venha a ser punido.

Defendemos, assim, que, mesmo que se adotem os posicionamentos não concretistas, ao menos uma eficácia terá a decisão judicial em Mandado de Injunção.

Apoiamos nosso raciocínio no fato de que o Poder Judiciário não pode, jamais, servir como mero carimbador da vontade dos particulares, só devendo ser chamado a agir quando legítimo interesse justifique a intervenção judicial. É a consagração da tese do interesse de agir como uma das condições da ação[34].

5.3 – Posição Concretista:

Uma vez promulgada a Constituição Cidadã, grassou enorme discussão na doutrina sobre a natureza do provimento judicial, como já antecipamos. Vimos ainda que, para a posição não concretista (a qual ganhou ressonância na jurisprudência ainda incipiente do STF), ao Judiciário incumbiria apenas comunicar ao órgão ou à entidade competente sua mora.

Doravante, apresentaremos o outro lado da moeda, ou seja, a posição concretista. Veremos ainda as subdivisões dessa teoria.

Comecemos.

Para os defensores da posição concretista, uma vez presentes os requisitos constitucionalmente exigidos para o Mandado de Injunção, ao Poder Judiciário caberia o reconhecimento da inexistência da norma e a subseqüente concretização do exercício do direito, até que o órgão competente editasse a respectiva regulamentação.

Há duas subdivisões dessa posição concretista, a depender do efeito que se empreste ao provimento jurisdicional.

Para a posição concretista geral, a decisão do Poder Judiciário deveria ter efeito geral, eficácia erga omnes, possibilitando o exercício do direito a tantos quantos estivessem na mesma situação jurídica do impetrante, até que sobreviesse a norma regulamentadora.

Essa tese é também chamada de Teoria da Independência Jurisdicional, pela qual a natureza da sentença revestir-se-ia de caráter constitutivo erga omnes. Caberia ao Judiciário editar uma norma geral, abstrata[35], aplicável a todas as situações jurídicas que se amoldassem ao preceptivo normativo apresentado pelo Poder Judiciário em função atípica legislativa.

Por outro lado, a posição concretista individual pugna por que tal efeito se restrinja ao impetrante (eficácia inter partes). Para seus adeptos, o órgão jurisdicional demandado deve decidir o caso balizando-se nos princípios constitucionais positivados e no seu sentimento de eqüidade, possibilitando uma imediata efetivação da promessa constitucional de direito subjetivo. O provimento jurisdicional teria eficácia constitutiva entre as partes. Seria a consagração da atividade integradora do Poder Judiciário. Há que chame essa corrente de pensamento de Teoria da Resolutividade.

Passamos a apresentar agora uma subdivisão dessa teoria da resolutividade.

Com efeito, duas vertentes podem ser identificadas no interior desse bloco doutrinário:

  a) a primeira posição doutrinária entende que o Poder Judiciário, além de indicar a norma a ser aplicável ao caso concreto, deve resolver definitivamente a lide, prolatando decisão constitutiva, condenatória ou declaratória, a depender do pedido elaborado pelo impetrante[36]; e

b) a segunda se posiciona no sentido de que as Cortes com competência para apreciação do Mandado de Injunção devem limitar-se a dizer a regra de direito aplicável, de sorte que o writ estaria sempre jungido a uma ação judicial prévia, cujo pedido dependa da existência de norma cuja omissão legislativa inviabilize o exercício de um direito subjetivo constitucional.

Defendendo as idéias da posição consignada na letra a, José Carlos Barbosa Moreira, no MI 6/1990, impetrado no TJ/RJ, proferiu voto no seguinte sentido:

“(...) imprime-se maior efetividade prática ao remédio constitucional que, assim manejado, passa a corporificar instrumento verdadeiramente útil à proteção de direitos previstos na Lei Maior, mas de exercício inviabilizado pela inércia do órgão regulamentador, suscetível – sem essa válvula, de frustrar, indefinida e intoleravelmente, o cumprimento do que determina a própria Constituição, conforme é sabido que aconteceu, ao longo da nossa história, em hipóteses cuja repetição, justamente, se quis evitar.[37]-[38]

Já para a defesa da tese consignada na letra b, ninguém menos que Calmon de Passos afirma que o seguinte:

“Já dissemos que no Mandado de Injunção não há certificação do direito subjetivo de natureza constitucional. Esse acertamento é prévio. Nem há condenação no mandado de injunção, que se limita a editar a norma regulamentadora, para aplicação no caso concreto. Temos, portanto, uma sentença de natureza constitutiva, positiva, que cria ou constitui a situação nova, inobtenível sem a decisão judicial: condição para o exercício do direito já justificado”[39].

O STF já decidiu em ambos os sentidos.

No que diz com a teoria que defende a resolução definitiva da lide, podemos apontar a regulamentação afeta ao artigo 195, § 7º, CR[40], caso em que o Pretório Maior marcou prazo para a adoção da norma regulamentadora, depois de cujo transcurso a empresa poderia considerar-se imune das contribuições para a seguridade social[41].

Por outro lado, o STF entendeu que a indenização prevista no artigo 8º, § 3º, ADCT, somente haveria de ser paga após liquidada a sentença do MI no juízo de primeiro grau, dando-se por certos os fatos constitutivos do direito, limitando-se a atividade jurisdicional à fixação do quantum devido[42].

A teoria concretista individual é passível, ainda, de uma nova subdivisão: posição concretista individual direta e posição concretista individual intermediária. Para a primeira, o Poder Judiciário deveria concretizar direta e imediatamente a eficácia da norma constitucional para o autor da ação. A segunda, a seu turno, propõe que o Poder Judiciário primeiramente notifique o órgão ou a autoridade omissão, fixando prazo para implementação da norma. Decorrido o interstício fixado sem que se edite a norma regulamentadora, aí então ao Judiciário caberia fixar as condições necessárias ao exercício do direito.

Alterando a orientação que vinha predominando quando do julgamento de Mandados de Injunção, o STF decidiu, por maioria de votos, que a administração pública deve seguir as mesmas normas aplicadas aos trabalhadores da área privada, enquanto o Congresso Nacional não aprova uma lei que regulamente esse direito.

A decisão foi tomada no julgamento dos Mandados de Injunção (MIs) 670, 708 e 712.

Foram oito votos favoráveis e três parciais. Os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio foram vencidos parcialmente, por deferirem, em parte, que a Lei 7.783/89 (Lei de Greve) seja aplicada apenas à categoria representada pelo sindicato dos requerentes, além, de estabelecerem condições específicas para o exercício.

O ministro Joaquim Barbosa propôs que o mandado de injunção não seja tratado como um mecanismo de desespero para suprir a “omissão” do Congresso Nacional, mas seja apenas um instrumento para legitimar a abertura nas instâncias apropriadas, de um debate constitucional amplo. Segundo ele, essa omissão do Congresso se dá em razão de dificuldades políticas.

Para os servidores públicos, a lei será aplicada nos casos em que isso se fizer possível, segundo pontuou o ministro Gilmar Mendes.

Adiante, trazemos à colação passagem do Informativo[43] do STF que mencionou o resultado do julgamento dos Mandados de Injunção [44]antes citados:

O Tribunal concluiu julgamento de três mandados de injunção impetrados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Espírito Santo - SINDIPOL, pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa - SINTEM, e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará - SINJEP, em que se pretendia fosse garantido aos seus associados o exercício do direito de greve previsto no art. 37, VII, da CF (...). O Tribunal, por maioria, conheceu dos mandados de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação, no que couber, da Lei 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve na iniciativa privada. No MI 670/ES e no MI 708/DF prevaleceu o voto do Min. Gilmar Mendes. Nele, inicialmente, teceram-se considerações a respeito da questão da conformação constitucional do mandado de injunção no Direito Brasileiro e da evolução da interpretação que o Supremo lhe tem conferido. Ressaltou-se que a Corte, afastando-se da orientação inicialmente perfilhada no sentido de estar limitada à declaração da existência da mora legislativa para a edição de norma regulamentadora específica, passou, sem assumir compromisso com o exercício de uma típica função legislativa, a aceitar a possibilidade de uma regulação provisória pelo próprio Judiciário. Registrou-se, ademais, o quadro de omissão que se desenhou, não obstante as sucessivas decisões proferidas nos mandados de injunção. Entendeu-se que, diante disso, talvez se devesse refletir sobre a adoção, como alternativa provisória, para esse impasse, de uma moderada sentença de perfil aditivo. Aduziu-se, no ponto, no que concerne à aceitação das sentenças aditivas ou modificativas, que elas são em geral aceitas quando integram ou completam um regime previamente adotado pelo legislador ou, ainda, quando a solução adotada pelo Tribunal incorpora ‘solução constitucionalmente obrigatória’. Salientou-se que a disciplina do direito de greve para os trabalhadores em geral, no que tange às denominadas atividades essenciais, é especificamente delineada nos artigos 9 a 11 da Lei 7.783/89 e que, no caso de aplicação dessa legislação à hipótese do direito de greve dos servidores públicos, afigurar-se-ia inegável o conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de greve dos servidores públicos, de um lado, com o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua, de outro. Assim, tendo em conta que ao legislador não seria dado escolher se concede ou não o direito de greve, podendo tão-somente dispor sobre a adequada configuração da sua disciplina, reconheceu-se a necessidade de uma solução obrigatória da perspectiva constitucional. Por fim, concluiu-se que, sob pena de injustificada e inadmissível negativa de prestação jurisdicional nos âmbitos federal, estadual e municipal, seria mister que, na decisão do writ, fossem fixados, também, os parâmetros institucionais e constitucionais de definição de competência, provisória e ampliativa, para apreciação de dissídios de greve instaurados entre o Poder Público e os servidores com vínculo estatutário. Dessa forma, no plano procedimental, vislumbrou-se a possibilidade de aplicação da Lei 7.701/88, que cuida da especialização das turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos. No MI 712/PA, prevaleceu o voto do Min. Eros Grau, relator, nessa mesma linha. Ficaram vencidos, em parte, nos três mandados de injunção, os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelos respectivos sindicatos e estabeleciam condições específicas para o exercício das paralisações. Também ficou vencido, parcialmente, no MI 670/ES, o Min. Maurício Corrêa, relator, que conhecia do writ apenas para certificar a mora do Congresso Nacional.” (MI 712, Rel. Min. Eros Grau, MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, e MI 670, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 25-10-07, Informativo 485)

Como se vê, o julgamento desses três mandados de injunção parece representar uma revolução em relação à tradicional linha que vinha sendo seguida pelo Tribunal Excelso.

Além de dar a concreção que a norma constitucional necessitava, determinando a aplicação da Lei de Greve, enquanto permanecer a mora do Congresso Nacional, o STF ampliou os limites subjetivos da coisa julgada para além da categoria representada pelos respectivos sindicatos.

O STF adotou, ao menos nesse caso específico, a posição concretista geral, porquanto, além de regulamentar a norma constitucional de eficácia limitada, dando-lhe efetividade (determinando a aplicação da Lei de Greve aos servidores públicos), estendeu a coisa julgada para além das partes envolvidas na lide.

Como fosse pouco, o Tribunal Maior entendeu que a Lei 7.701/88, que cuida da especialização das turmas dos Tribunais do Trabalho, em processos coletivos, deveria ser usada, no que diz com o aspecto procedimental da matéria.

Pertinente que voltemos àquela observação sobre a possibilidade de punição ou não do servidor beneficiado pelo mandado injuntivo. É que, supra, havíamos assinalado que, mesmo ao se adotar a posição não concretista, seria forçoso reconhecer que o servidor que se valesse do Mandado de Injunção – e tivesse seu pedido deferido – não poderia vir a ter seu ponto cortado. Todavia, adotada a posição concretista geral, com a determinação de aplicação da Lei de Greve também aos servidores públicos, nesse caso a eles não se poderá fazer a oposição do corte de ponto, porquanto a Lei de Greve ser-lhes-á aplicada de forma integral, ou seja, tanto naquilo que beneficie, quanto naquilo que prejudique os ocupantes de cargos ou empregos públicos, sob pena de quebra da unidade do ordenamento jurídico.

Por suposto, o corte de ponto está adstrito aos demais preceitos constitucionais e legais que regem os procedimentos disciplinares punitivos.

Entre ele, destacam-se os princípios maiores do contraditório e da ampla defesa, da razoabilidade e da proporcionalidade, da necessidade de motivação dos atos administrativos que limitem direitos[45]-[46] etc., a cuja observância o administrador público não se pode furtar.

Mais a mais, a greve cuja deflagração tenha sido precedida das formalidades legais (negociação prévia, comunicação ao empregador e à população da data de início) presume-se legítima, devendo o empregador fazer prova da abusividade do exercício desse direito. Isso se dará somente depois de o Poder Judiciário declarar abusivo o movimento.

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Sobre o autor
Anderson de Andrade Bichara

Delegado de Polícia Federal. Ex-Auditor-Fiscal da Previdência Social. Ex-Técnico do Tesouro Nacional. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Especialista em Gestão de Órgãos de Segurança Pública. Bacharel em Direito - Universidade Federal do Espírito Santo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BICHARA, Anderson Andrade. Greve de servidor público: evolução legislativa e jurisprudência concretista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3395, 17 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22820. Acesso em: 26 abr. 2024.

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