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Poder social da imprensa: relações com a democracia, com o processo político e com o poder econômico

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05/11/2012 às 15:16
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A informação, que, no passado, era apenas instrumento para a produção e para a circulação de bens econômicos, atualmente, deve ser considerada, por si só, como um dos principais bens.

Sumário: 1. Poder social da imprensa: liberdade de imprensa e democracia. 2. Relações entre imprensa e processo político. 3. Imprensa e poder econômico. 4. Referências bibliográficas.


1. Poder social da imprensa: liberdade de imprensa e democracia.

A formação de uma opinião pública esclarecida e racional é condição imprescindível para o funcionamento adequado de um regime democrático; somente a partir de uma opinião pública formada nesses termos é que poderão surgir decisões adequadas à condução dos negócios públicos[1].

A formação da opinião pública, por sua vez, tem como pressuposto o livre e pleno exercício da liberdade de pensamento, mediante a formação consciente da opinião individual[2]. Essa formação depende diretamente das informações recebidas pelo indivíduo, principalmente, pelos meios de comunicação. Nesse sentido, Melvin L. DeFleur e Sandra Ball-Rokeach apontam uma relevante “função construtora de significado da imprensa”[3].

A atuação desses meios de comunicação, contudo, pode não ser neutra. Sobre o assunto, observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

Os que o controlam, os que a fazem – os comunicadores – são humanos, têm interesses, predileções, que, por um lado, influenciam a sua visão das coisas, por outro, os levam a torcer os fatos no sentido que serve a esses interesses ou predileções[4].

Giovanni Sartori afirma que a televisão transmite informações insuficientes, que empobrecem demais a notícia (subinformação), bem como distorce a informação, falseando a verdade e induzindo o telespectador ao engano (desinformação). Com relação a esta, observa Sartori que “a manipulação distorciva da informação nem sempre é deliberada”, refletindo, por vezes, “uma deformação profissional”; por fim, conclui que “tal fato, porém, se por um lado torna tal manipulação menos culpável, por outro, pode ser mais perigosa”[5].

Nesse contexto, deve-se registrar a gravidade de eventual parcialidade (neste caso, consciente) decorrente da dependência econômica entre empresas jornalísticas e empresas que pagam pela divulgação de seus produtos ou de seus serviços, devendo-se incluir, aqui, a publicidade oficial estatal (em atendimento ao princípio constitucional de publicidade)[6]. Essa dependência econômica pode levar à parcialidade no exercício da liberdade de imprensa, em favor de grandes empresas privadas ou dos interesses daqueles que ocupam cargos políticos e em detrimento da coletividade[7].

Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho aponta a possibilidade de certos grupos de pressão alcançarem a mídia escrita ou eletrônica, impondo-lhes a veiculação de seus interesses[8]. Bernardo Kucinski observa e critica a imposição de assuntos (determinação da agenda nacional) e de consensos sobre estes assuntos pela imprensa, em especial pela televisão[9]. Walter Ceneviva condena, ainda nessa linha, a divulgação pela imprensa de fatos ainda objetos de investigação, por meio de notícias que apresentam como certa a condenação dos envolvidos, com objetivos mercadológicos e de destaque pessoal daqueles que levam à imprensa as informações (os “‘herois’ da mídia”), em total desrespeito ao princípio constitucional de presunção de inocência, a algumas situações de segredo de Justiça e a outros direitos fundamentais[10].

A parcialidade dos meios de comunicação social pode decorrer da influência de outros interesses, que não apenas de conteúdo econômico; ela pode decorrer, por exemplo, do regime político adotado em determinado Estado. É conhecida a utilização dos meios de comunicação social para fins de legitimação de regimes políticos autoritários. Sobre esse aspecto, observam Jean Rivero e Hugues Montouh:

Do ponto de vista político, a imprensa é a um só tempo um meio de expressão e um meio de formação de opinião. Os governos autoritários o sabem: seu primeiro cuidado é sujeitar totalmente a imprensa, tanto escrita quanto falada. As democracias o sabem também: o voto popular só tem sentido se o eleitor tem condições de conhecer e de julgar, o que pressupõe ao mesmo tempo uma informação precisa e a livre expressão das tendências entre as quais ele deverá escolher. A liberdade de imprensa é, portanto, característica, a um só tempo, de um regime político e, de modo mais geral, de uma sociedade[11].

Eventual parcialidade da imprensa pode ser, em suma, consciente ou inconsciente. Esta decorre de um impulso natural do ser humano, em analisar os fatos segundo a sua visão de mundo; aquela decorre de atividade deliberada, omitindo, distorcendo ou criando notícias, no intuito de intencionalmente interferir na formação da opinião[12].

Não há dúvidas, apesar disso, de que a participação da imprensa no processo democrático é de fundamental importância[13]. A imprensa exerce esse papel de transmitir ao público os fatos, em regra acompanhados de sua interpretação ou de suas críticas; quando livre, a imprensa apresenta alternativas de interpretação aos fatos (inclusive, alternativa à versão estatal[14]), permitindo à população o pleno desenvolvimento de um pensamento crítico. Algumas condições devem ser alcançadas para que a imprensa cumpra efetivamente o seu papel de suporte do regime democrático.

Não há imprensa livre com a concentração da propriedade dos meios de comunicação social[15]. A existência de uma pluralidade de meios de comunicação é condição necessária para um relacionamento saudável entre imprensa e regime democrático, vez que, dessa forma, a coletividade poderá ter amplo acesso às informações e a seus inúmeros comentários e interpretações, o que permitirá, em princípio, melhores condições de formação das opiniões individuais e da opinião pública.

A existência de uma pluralidade de meios de comunicação social, ainda que necessária, não é suficiente para uma boa relação entre imprensa e democracia. Na visão de Sartori, por exemplo, no caso específico da televisão, “a concorrência não remedeia”, vez que “o dinheiro é tudo, e o interesse cívico ou cultural fica no nível zero”[16]; ainda segundo Sartori, os “supostos concorrentes” não se arriscam em se diferenciar, pois preferem “jogar em terreno seguro”, reproduzindo uns os programas dos demais[17]. As críticas de Sartori à televisão estendem-se igualmente aos outros meios de comunicação social.

Não basta, dessa forma, simplesmente a existência de uma imprensa pluralista para o pleno desenvolvimento da democracia, vez que a coletividade deve ter condições de apreender essas informações, utilizando-as da melhor maneira possível em suas tomadas de decisão. Segundo Sartori, “qualquer maximização do conceito de democracia, e qualquer aumento do dirigismo, exige que se aumente o número de informados e aumente ao mesmo tempo a sua competência, o seu conhecimento e a sua capacidade de compreender a política”[18].

É necessário, assim, um aumento concomitante do nível de conscientização da coletividade, a fim de que esta passe a exigir dos meios de comunicação social o exercício da liberdade de imprensa em conformidade com a sua função social. O Estado tem, dessa forma, papel relevante na conciliação entre liberdade de imprensa e regime democrático, vez que é, em grande parte, o encarregado pela implementação dos direitos sociais dos quais decorre a conscientização da coletividade[19], além de ser igualmente incumbido da fiscalização e da imposição de sanções àqueles que eventualmente exerçam abusivamente aquela liberdade.

Por fim, deve acompanhar o pluralismo e a conscientização da coletividade a transparência dos meios de comunicação social. Essa exigência de transparência deve alcançar, além do conteúdo veiculado pelos meios de comunicação, a informação sobre aqueles que exercem influência sobre determinado meio de comunicação social (e, por isso, tem o poder de determinar seu conteúdo)[20].


2. Relações entre imprensa e processo político.

Não há dúvidas, assim, acerca da influência direta (e intensa) da imprensa na formação da opinião do indivíduo e, por consequência, na formação da opinião pública. Essa opinião pública, em um Estado democrático, é responsável pela tomada das decisões políticas fundamentais: ela, por exemplo, atribui ou retira cargos, bem como influencia no exercício do mandato político, no âmbito do Poder Executivo e do Poder Legislativo, ou no exercício da função jurisdicional[21].

Evidente, assim, a influência da imprensa no processo político; Melvin L. DeFleur e Sandra Ball-Rokeach, inclusive, afirmam que “é virtualmente impossível realizar hoje em dia uma eleição sem a mídia de massa”[22]. Nesse mesmo sentido, nas palavras de Rui Barbosa, a imprensa, nos sistemas presidencialistas, “substitui, como órgão da opinião pública, o mecanismo de responsabilidade ministerial nos países parlamentares”[23].

Evidencia a influência da imprensa no processo político o conteúdo de decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal relativa à utilização de charges e de caricaturas para fins de crítica política. Faz-se necessária a transcrição de trecho da ementa desse importante julgado do Supremo Tribunal Federal, que, apesar de longo, justifica-se pela importância de seu conteúdo:

5. Programas humorísticos, charges e modo caricatural de pôr em circulação ideias, opiniões, frases e quadros espirituosos compõem as atividades de “imprensa”, sinônimo perfeito de “informação jornalística” (§ 1º do art. 220). Nessa medida, gozam da plenitude de liberdade que é assegurada pela Constituição à imprensa. Dando-se que o exercício concreto dessa liberdade em plenitude assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero, contundente, sarcástico, irônico ou irreverente, especialmente contra as autoridades e aparelhos de Estado. Respondendo, penal e civilmente, pelos abusos que cometer, e sujeitando-se ao direito de resposta a que se refere a Constituição em seu art. 5º, inciso V. A crítica jornalística em geral, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura. Isso porque é da essência das atividades de imprensa operar como formadora de opinião pública, lócus do pensamento crítico e necessário contraponto à versão oficial das coisas, conforme decisão majoritária do Supremo Tribunal Federal na ADPF 130. Decisão a que se pode agregar a ideia de que a locução “humor jornalístico” enlaça pensamento crítico, informação e criação artística. 6. A liberdade de imprensa assim abrangentemente livre não é de sofrer constrições em período eleitoral. Ela é plena em todo o tempo, lugar e circunstâncias. Tanto em período não-eleitoral, portanto, quanto em período de eleições gerais. Se podem as emissoras de rádio e televisão, fora do período eleitoral, produzir e veicular charges, sátiras e programas humorísticos que envolvam partidos políticos, pré-candidatos e autoridades em geral, também podem fazê-lo no período eleitoral. Processo eleitoral não é estado de sítio (art. 139 da CF), única fase ou momento de vida coletiva que, pela sua excepcional gravidade, a Constituição toma como fato gerador de “restrições à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei” (inciso III do art. 139). 7. O próprio texto constitucional trata de modo diferenciado a mídia escrita e a mídia sonora ou de sons e imagens. O rádio e a televisão, por constituírem serviços públicos, dependentes de “outorga” do Estado e prestados mediante a utilização de um bem público (espectro de radiofrequências), têm um dever que não se estende à mídia escrita: o dever da imparcialidade ou da equidistância perante os candidatos. Imparcialidade, porém, que não significa ausência de opinião ou de crítica jornalística. Equidistância que apenas veda às emissoras de rádio e televisão encamparem, ou então repudiarem, essa ou aquela candidatura a cargo político-eletivo. 8. Suspensão de eficácia do inciso II do art. 45 da Lei 9.504/1997 e, por arrastamento, dos §§ 4º e 5º do mesmo artigo, incluídos pela Lei 12.034/2009. Os dispositivos legais não se voltam, propriamente, para aquilo que o TSE vê como imperativo de imparcialidade das emissoras de rádio e televisão. Visa a coibir um estilo peculiar de fazer imprensa: aquele que se utiliza da trucagem, da montagem ou de outros recursos de áudio e vídeo como técnicas de expressão da crítica jornalística, em especial os programas humorísticos. 9. Suspensão de eficácia da expressão “ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes”, contida no inciso III do art. 45 da Lei 9.504/1997. Apenas se estará diante de uma conduta vedada quando a crítica ou matéria jornalísticas venham a descambar para a propaganda política, passando nitidamente a favorecer uma das partes na disputa eleitoral. Hipótese a ser avaliada em cada caso concreto. 10. Medida cautelar concedida para suspender a eficácia do inciso II e da parte final do inciso III, ambos do art. 45 da Lei 9.504/1997, bem como, por arrastamento, dos §§ 4º e 5º do mesmo artigo[24].

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Assim, nos termos dessa importante decisão, tendo em vista o relevante papel da imprensa na formação da opinião pública, encontra-se abrangida pela proteção da liberdade de imprensa a crítica política, ainda que por meio de charges ou de caricaturas, desde que estas não representem evidente propaganda eleitoral em favor de determinado partido ou de determinado candidato, o que, evidentemente, somente pode ser extraído do caso concreto.

A participação da imprensa no processo político fez surgir, inclusive, fenômenos específicos, como o da personalização, o da espetacularização e o da emotivização.

A personalização é um fenômeno que decorre naturalmente da participação da imprensa no processo político.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho observa, do ponto de vista do eleitor, que divulgar no ambiente do telespectador a figura e a fala dos políticos desenvolve “um sentimento de intimidade, de proximidade” entre estes e aqueles; esse fenômeno, todavia, na visão de Ferreira Filho, “desvaloriza as ideias, ou programas, e valoriza, ou revaloriza, as personalidades e as aparências”[25].

Nesse mesmo sentido, Giovanni Sartori sustenta que “quando se fala em personalização das eleições se entende que valem mais as ‘caras’ (se são telegênicas, se ‘furam’ na televisão ou não), e que a personalização se torna generalizada, considerando que a política ‘pelas imagens’ se centraliza na exibição de pessoas”[26].

Por outro lado, do ponto de vista do político, esse fenômeno faz surgir na pessoa que exerce o poder político a consciência de seu valor pessoal e o sentimento de que é indispensável. Nesse sentido, sustenta Robert Michels:

A consciência do poder provoca sempre, naquele que o detém, a vaidade de se julgar um grande homem. O desejo de dominar, para o bem ou para o mal, está adormecida no fundo de toda alma humana. Trata-se de um ensinamento elementar da psicologia. A consciência de seu valor pessoal e da necessidade que têm os homens de serem guiados e dirigidos, estimula no chefe o sentimento de superioridade e de convicção de que é indispensável. Quem quer que tenha conseguido alcançar o poder procurará, regra geral, consolidá-lo e ampliá-lo, multiplicar as defesas em torno de sua posição, a fim de torná-la inatacável e de subtraí-la ao controle da massa[27].

Esses sentimentos ocasionados em razão da utilização da imprensa no processo político influenciam diretamente na formação da opinião pública e na maneira pela qual os políticos exercem seus mandatos. E essa influência é potencializada pelo uso da imprensa não escrita, em especial da televisão (e, cada vez mais, da rede mundial de computadores): milhares de pessoas, em tempo real, assistem aos mesmos episódios, que vão desde o debate entre os candidatos à Presidência da República, passando pela transmissão de apresentações musicais em comícios eleitorais (os showmícios) até o recebimento de propina por um determinado Parlamentar (flagrado por uma câmera escondida). Esse fenômeno conhecido por espetacularização da política influencia intensamente na formação da opinião pública, pois os meios de comunicação têm a capacidade de, a um só tempo, “construir celebridades ou destruir boas reputações consolidadas”[28]. Nesse contexto, o essencial é o espetáculo (show business) e a informação é um resíduo[29].

A influência dos meios de comunicação social no processo político acarreta, ainda, o que Sartori denomina “emotivização” da política. Nesse sentido, as palavras de Sartori:

O último aspecto da videopolítica que preciso lembrar aqui é que a televisão privilegia – querendo ou não – a emotivização da política, isto é, uma política relacionada ou reduzida a pencas de emoções. Como já assinalei, ela faz isso narrando avalanches de histórias lacrimosas e peripécias tocantes. Ou, de modo inverso, faz isso decapitando ou marginalizando cada vez mais as ‘cabeças que falam’, as talking heads que investigam e discutem problemas. Em geral, a questão é que a cultura da imagem gerada pela primazia do visual é portadora de mensagens ‘quentes’ que, justamente, esquentam as nossas emoções, acendem os nossos sentimentos, excitam os nossos sentidos e, em suma, apaixonam”[30].

E esse fenômeno da “emotivização” pode ser utilizado não apenas para influenciar no processo político, mas para, de maneira geral, influenciar na formação da opinião do receptor da mensagem e, igualmente, na formação da opinião pública. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, nessa linha, registra a influência das paixões, em concorrência com a racionalidade, na formação opinião pública[31]. Para Sartori, a cultura da imagem é responsável pela quebra do delicado equilíbrio entre paixões e racionalidade[32]; Walter Ceneviva, por sua vez, aponta igualmente a preferência da imprensa escrita por informações capazes de provocar “sensações” no leitor, como as vulgares ou as sensacionalistas[33]. Essa capacidade de a imprensa influenciar na formação do receptor pode ser utilizada, inclusive, para o direcionar em suas decisões de compra ou em suas opções de vida[34].

As relações entre imprensa e regime democrático são evidentemente complexas. Essa complexidade ganha ainda maior intensidade com o acréscimo de elementos econômicos nessas relações, o que se pretende analisar no item seguinte.


3. Imprensa e poder econômico.

Uma análise atual da liberdade de imprensa não pode deixar de lado o seu relacionamento com o exercício do poder econômico. No Brasil, desde o início da República, em seguimento a uma tendência mundial, ao lado da imprensa artesanal (ou pequena imprensa) então existente, pode-se observar o surgimento de uma imprensa industrial (ou grande imprensa), construída, paulatinamente, com os recursos obtidos com os anúncios de produtos ou de serviços, inclusive advindos da publicidade estatal[35].

Esse fenômeno está ligado diretamente à capacidade de a imprensa influenciar a formação da opinião individual e, por conseqüência, a formação da opinião pública, no que esta incluída a capacidade de influenciar o individuo em sua decisão sobre o que comprar ou sobre em que investir[36].

Jean Rivero e Hugues Moutouh, nesse sentido, afirmam que as relações entre liberdade de imprensa e poder econômico, “que a tradição liberal ignorou por muito tempo”, resultam da “extensão da clientela potencial da imprensa”, da dependência dos recursos financeiros pagos pela publicidade de produtos e serviços para o equilíbrio econômico das empresas de comunicação social e da necessidade cada vez maior de investimentos financeiros para a aquisição de equipamentos modernos[37].

Poder econômico e imprensa, assim, aproximaram-se e dessa aproximação resultaram profundas mudanças e, também, intensos conflitos. No âmbito dessas verdadeiras empresas dedicadas às atividades de comunicação social, podem surgir relevantes conflitos relacionados ao exercício da liberdade de imprensa.

Um desses conflitos diz respeito à finalidade do exercício da liberdade de imprensa. Em linhas gerais, costuma-se identificar o exercício da liberdade de imprensa a fins culturais, dado o seu relacionamento, anteriormente explorado, com o regime democrático. Ocorre que eventual aproximação entre meios de comunicação social e poder econômico pode levar ao exercício daquela liberdade em favor de interesses meramente econômicos e, por consequência, em detrimento de seus fins culturais; contudo, a manutenção dos meios de comunicação social custam dinheiro e parece não existir alternativa à manutenção desses meios pela publicidade[38].

Aceitar essa premissa – a dependência dos meios de comunicação social ao poder econômico – não significa deixar a completa determinação do conteúdo veiculado por esses meios de comunicação àqueles que o financiam. A única resposta a esse conflito relacionado à finalidade do exercício da liberdade de imprensa, tendo em vista o íntimo relacionamento existente entre imprensa e regime democrático, parece ser a vinculação do exercício da liberdade de imprensa a fins culturais[39]. Não é por outro motivo que se atribui aos meios de comunicação uma função social, sendo certo que esse é o posicionamento firmado pela Constituição brasileira de 1988. Uma das funções dos meios de comunicação social deve ser, inclusive, tornar acessíveis ao público as informações por eles noticiadas; essa função abrange, por exemplo, a “tradução” de termos eminentemente técnicos, para que sejam compreendidos pela coletividade[40].

Essa vinculação do exercício da liberdade de imprensa a fins culturais, por outro lado, não exclui por completo a utilização desses meios a outros fins, como os econômicos; esses objetivos devem ser todos compatibilizados, dando-se, contudo, prevalência, nas hipóteses de conflito, a suas finalidades culturais.

Desse conflito mais abrangente, relacionado à finalidade do exercício da liberdade de imprensa, pode surgir outro, mais específico, situado na relação entre jornalista e proprietário de empresa jornalística. Trata-se de oposição de eventual direito de o jornalista publicar seus trabalhos face ao direito de o proprietário da empresa jornalística determinar a pauta de assuntos ou as linhas de abordagem.

O verdadeiro conflito, todavia, parece não estar restrito a uma simples relação entre jornalista e proprietário da empresa jornalística. A identificação do conflito nesses termos decorre de uma abordagem da liberdade de imprensa somente em sua dimensão individual.

Uma abordagem mais adequada do conflito precisa levar em conta a coletividade, do ponto de vista daqueles que recebem as informações dos meios de comunicação social, pois são os titulares de um direito fundamental ao recebimento de informações verdadeiras e de acordo com os limites impostos pela ordem jurídica, bem como do ponto de vista dos meios de comunicação social, que são compostos por uma pluralidade de livros, revistas, jornais, estações de rádio, canais de televisão, páginas da internet, blogs, entre outros.

Não há dúvidas de que, como contraposto ao direito fundamental da coletividade em receber informações encontra-se o dever de informar dos proprietários das empresas jornalísticas e também dos jornalistas; pode-se afirmar, inclusive, que, consideradas as suas dimensões individual e social e dado o seu estreito relacionamento com o regime democrático, o exercício da liberdade de imprensa deve cumprir a sua função social[41]. Esse dever dos meios de comunicação social deve compreendê-los em sua totalidade, sendo necessária a observância da pluralidade pelo conjunto dos meios de comunicação social, e não em cada empresa de comunicação individualmente tomada[42].

Por essa razão, deve a ordem jurídica ocupar-se com a garantia do pluralismo no exercício da liberdade de imprensa ao não permitir a concentração da propriedade das empresas de imprensa. A existência dessa concentração é prejudicial ao regime democrático, pois atenua o exercício da liberdade de imprensa[43].

Nesse sentido, argumentam Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco, in verbis:

Embora a pluralidade seja um objetivo buscado pela liberdade de imprensa, não parece que haja razão bastante para impor esse valor nas relações particulares formadas no interior das redações dos órgãos de imprensa.

Sabe-se que a incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares não se faz automaticamente, mas deve ser ponderada em cada situação, mediante um balanço dos interesses envolvidos. No caso em apreço, a se admitir uma tal liberdade interna corporis, seria impossível organizar um trabalho editorial, ou preservar uma tendência do periódico, o que é desejável para a livre escolha dos leitores. Ademais, se se admite a liberdade de expressão dos jornalistas em face do próprio veículo de comunicação, podem-se antever transtornos à viabilidade financeira da empresa de notícias, uma vez que, nos termos da Súmula 221 do Superior Tribunal de Justiça, “são civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação”. A empresa teria de suportar as indenizações que o exercício equívoco da liberdade de expressão por um de seus funcionários ensejasse.

O jornalista, não obstante, deve dispor da faculdade de romper com o contrato que o vincula a certo meio de comunicação, no caso de discordar da linha editorial assumida, sem arcar com ônus em razão disso. Decerto que os proprietários dos meios de comunicação não podem exigir o cumprimento de imposições profissionais que agridam as convicções pessoais do jornalista, sobretudo quando ocorrem súbitas mudanças de orientação editorial. Essa dimensão da liberdade intelectual do profissional de comunicações equivale ao que o Direito francês conhece como clause de conscience[44].

Sobre a referida cláusula de consciência no direito francês, discorrem Jean Rivero e Hugues Moutouh:

Estatuto do jornalista. É determinado, no essencial, pelo direito comum do trabalho. Entretanto, algumas disposições derrogatórias tiveram o objetivo de atenuar, em proveito do jornalista, a subordinação ao empregador que decorre normalmente do contrato de trabalho, a fim de lhe preservar a liberdade intelectual.

A principal dessas disposições é conhecida pelo nome de cláusula de consciência (art. L. 761-7 C. Trabalho). Segundo o direito comum, o assalariado que rompe seu contrato de trabalho não tem direito ao benefício das indenizações que lhe podem ser devidas quando a demissão é praticada pelo empregador. Quando, por causa e uma mudança à frente do jornal, este modifica sua orientação ou seu caráter, a aplicação da regra normal teria condenado o jornalista que julga a nova linha incompatível com suas concepções pessoais a uma escolha difícil: ficar, sacrificando sua liberdade de pensamento, ou sair, à custa de um sacrifício pecuniário considerável. Para deixar a opção menos penosa, o artigo L. 761-7 mantém o benefício das indenizações de despedida para o jornalista que considera incompatível com sua “honra, sua reputação, seus interesses morais” a mudança de orientação e pede demissão[45].

Como regra geral, o exercício da liberdade de imprensa submete-se a limites “negativos”, no sentido de que apenas o exercício abusivo dessa liberdade pode acarretar sanções ao responsável, inexistindo a possibilidade de determinação do conteúdo a ser veiculado pelos meios de comunicação; o ordenamento jurídico pode impor determinados conteúdos aos meios de comunicação apenas excepcionalmente, como nas hipóteses de exercício de direito de resposta ou de direito de antena[46].

Essa hipótese de conflito entre jornalista e proprietário de empresa jornalística pode ensejar, no direito brasileiro, o direito de rescisão indireta do contrato de trabalho, devendo esse profissional buscar, entre os diversos meio de comunicação social existentes, em razão de sua necessária pluralidade em regimes democráticos, outro meio de comunicação para o exercício pleno de sua liberdade. Essa solução, apesar de teoricamente perfeita, na prática, apresenta-se insuficiente, vez que, como se sabe, considerando a realidade do mercado de trabalho brasileiro, o jornalista que fizer valer o seu direito de rescisão indireta com certa dificuldade encontrará novo emprego. Não parece, contudo, existir outra solução mais eficiente[47].

Pode-se perceber, pela análise acima apresentada, que o problema central das relações entre imprensa e poder econômico são o conflito entre pluralidade e concentração dos meios de comunicação. A efetiva garantia da pluralidade dos meios de comunicação social parece resolver os problemas decorrentes da dependência dos recursos provenientes da publicidade e a sua consequente influência no exercício da liberdade de imprensa pelas empresas de comunicação, vez que acarreta a pulverização do poder econômico, permitindo às pessoas ampla possibilidade de escolha de suas fontes de informação. Para que essa escolha seja livre e consciente, deve-se ter conhecimento sobre os reais dirigentes das empresas de comunicação, sobre aqueles que financiam essas empresas, entre outros; deve haver, enfim, transparência sobre quais os reais interesses envolvidos. A transparência é, assim, um meio pelo qual se pode efetivar a pluralidade[48].

Em razão de todas essas implicações entre imprensa, poder econômico e poder político, pode-se afirmar, por fim, que a informação, que, no passado, tratava-se de instrumento para a produção e para a circulação de bens econômicos, atualmente, deve ser considerada, por si só, como um dos principais bens[49]. E esse fenômeno ganha ainda maior intensidade com a utilização da rede mundial de computadores para o exercício da liberdade de imprensa.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Poder social da imprensa: relações com a democracia, com o processo político e com o poder econômico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3414, 5 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22947. Acesso em: 22 dez. 2024.

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