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Privatização do sistema penitenciário brasileiro

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23/12/2012 às 10:04
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se ages contra a Justiça, e eu te deixo agir, então a injustiça é minha.

Mahatma Ghandi

Versou o presente trabalho acerca da privatização do sistema penitenciário brasileiro, proposta que se corporificou formalmente no contexto nacional a partir de 1992, através do estudo pioneiro de Edmundo de Oliveira, dedicado à propositura de Regras Básicas para o Programa de Privatização Prisional.

O ideário nacional da inserção da iniciativa privada por ocasião da aplicação da pena teve por principal vertente a experiência internacional firmada nos Estados Unidos da América, seguido pela França, nações que consideraram o modelo privatizador uma alternativa ao combate da crise que assolava a realidade de seus respectivos cárceres.

Como oportunamente destacado, a pena privativa de liberdade, embora tenha se consolidado como conseqüência nuclear para os delitos em que é prevista, jamais teve de si afastadas as ilações quanto à sua capacidade de efetivar os primados a que se destina. Todavia, nos moldes em que se perfectibiliza, tal modalidade sancionadora é incapaz, salvo raras exceções, de ressocializar ou reinserir o apenado ao convívio social, através da perspectiva da ética e da dignidade.

A problemática prisional não se trata de situação recente, mas sim uma chaga que perpassa os tempos e acompanha a realidade social, sem ter sido valorada como prioridade, de políticas públicas ou de reivindicação coletiva, exceto pela própria massa detenta por ocasião de motins e rebeliões. 

Contudo, mesmo não havendo consolidação de uma padronização normativa em âmbito nacional ou pacificada a divergência doutrinária com relação ao tema, a participação do setor privado por ocasião da aplicação da pena foi veiculada no Brasil  através da chamada privatização parcial ou terceirização.

A Penitenciária Industrial de Guarapuava, no Estado do Paraná, inaugurada em 1999, foi a precursora das instituições prisionais a encampar o referido modelo de gestão. A partir de então, sse sistema foi disseminado pelo país, se tornando alvo de divergência jurídico-doutrinária, política e, inclusive, mais recentemente, objeto de atenção da sociedade.

Por essa modalidade, é celebrado contrato entre o Poder Público e a empresa privada, passando a vigorar na unidade prisional objeto do acordo a chamada co-administração. Por esta, sem perder seus matizes, o Estado mantém sua autonomia enquanto detentor do monopólio do jus puniendi e a responsabilidade pela custódia do sentenciado. O entre privado é incumbido da execução material, que consiste  no provimento de serviços operacionais e logísticos, os chamados serviços de hotelaria (alimentação, assistência médica, jurídica, dentre outros).

Nesta perspectiva, firma-se controversa a viabilidade desse modelo, sob a perspectiva de seu justo enquadramento no lastro normativo vigente.

Aqueles que se posicionam favoravelmente à privatização, defendem que mediante a inserção do ente privado - sem que isso signifique a perda pelo Estado de suas premissas - é favorecida a agilidade da prestação do serviço, oportunizando a promoção de condições mais favoráveis aos encarcerados do que aquelas que são oferecidas pela Administração. Destacam a inexistência de óbice normativo ao modelo terceirizador, referindo, que a Lei 7.210/1984 baliza a condição de possibilidade de ser o gerenciamento dos estabelecimentos penais  também desempenhado pela iniciativa privada.

Por sua vez, aqueles que se opõem referem a pertinência de obstáculos éticos, jurídicos e políticos, tendo em vista o Estado não estar legitimado a transferir a pessoa física ou jurídica o  poder de coação que é exclusivamente seu. Elencam os princípios constitucionais da soberania, do monopólio da força e dignidade da pessoa humana como barreira à aplicação do sistema de privatização. O combate ao crime e a recuperação do condenado, para esses, não podem ser tidos como fonte geradora de lucros, o que desvirtuaria a funcionalidade da pena,e, conseqüentemente, poderia ensejar o aumento da população carcerária, por interesses econômicos.

Contudo, embora disponha de falhas operacionais, o modelo privatizador encampado pelo Brasil não intenciona despojar do Estado suas premissas e monopólio, pelo contrário, a indelegabilidade dessas são reconhecidas por legitimas, o que de pronto derrota o argumento contrário nesse sentido. Em verdade, o que obstaculiza e se faz necessário à harmonização dos interesses dos entes público e privado por ocasião da co-administração, é a padronização normativa em âmbito nacional, estabelecendo parâmetros à adoção do modelo pelas unidades federativas, bem como fomentar as empresas privadas ao investimento de capital no cenário penitenciário.  

Conforme o abordado, algumas unidades federativas que adotaram a suas administrações prisionais o sistema de co-gestão, estão reestatizando seus  gerenciamentos,  sob o argumento de que os resultados e a qualidade do serviço prestado pela iniciativa privada não condiziam com os altos investimentos auferidos. É o caso do Paraná e Ceará.

Por outro lado, Minas Gerais e Santa Catarina, estão expandindo a modalidade de co-gestão em suas unidades prisionais. Enquanto isso, se mantém a omissão legislativa.

 Por outro lado, analisando os dados oficiais veiculados pelo Governo do Estado do Paraná, em relação à Penitenciária Industrial de Guarapuava, pioneira nessa forma de gestão, os percentuais de rebeliões nessa penitenciária são inócuos se comparados aos altíssimos índices obtidos pelo Brasil. Ainda, no tocante a reincidência, os números divergem ainda mais, enquanto em Guarapuava é firmando em aproximadamente 2%, o país registra o alarmante percentual firmado 82%.

Diante esse contexto, uma questão insta ser refletida: qual a valia da Justiça injustamente aplicada? Como se admitir que em nome desta, fazendo valer as disposições aduzidas em uma sentença penal condenatória, se exponha a condições ultrajantes homens e mulheres, que embora estejam à margem da sociedade, mantêm incólumes seus status de cidadãos brasileiros? A questão transcende, não se tratando de mera benevolência, mas  direito do apenado ter garantida sua dignidade e condição humana, sem que isso signifique a minoração do caráter punitivo que a pena deve oferecer.

Como visto, o Estado demonstra sua incapacidade de fazer valer por meios próprios e exclusivos a promoção das disposições legais concernentes aos direitos dos apenados. Por sua vez, a inserção da iniciativa privada pode, como já se demonstrou, tornar-se um fôlego em potencial ao aprimoramento das penitenciárias brasileiras, propiciando, por seu turno, a esperada ressocialização e reinserção do detento ao convívio social.  

O presente estudo não pretendeu esgotar a amplitude e complexidade do tema, mas fomentar e contribuir a tão nobre discussão, especialmente na esfera acadêmica, para assim demonstrar aos futuros operadores do direito que o processo penal é muito mais que a bela ritualística vista nos bancos universitários e que não se encerra com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Pelo contrário, a partir desta, se inicia um novo ciclo, que ultrapassa os limites tabulados documentalmente, passando a incidir na realidade do apenado, cujos reflexos de seu sucesso ou não importam e interessam à coletividade. 


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Sobre a autora
Jianine Simões Rodrigues

Advogada, inscrita junto ao quadro da OAB/RS Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS Pós-graduanda em Gestão Pública - Fundação Escola do Ministério Público do Rio Grande do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Jianine Simões. Privatização do sistema penitenciário brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3462, 23 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22979. Acesso em: 22 nov. 2024.

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