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Evolução do tratamento da liberdade de imprensa nas Constituições brasileiras pretéritas (1824 a 1967/69)

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03/12/2012 às 16:10
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4. Constituição de 1937.

Com a outorga da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, em 10 de novembro de 1937, houve considerável retrocesso com relação à previsão de garantias dos direitos fundamentais.

O artigo 122, inserido na rubrica “Dos Direitos e Garantias Individuais”, apresenta, assim como nos textos constitucionais anteriores, proteção ao direito à liberdade, da seguinte maneira:

A Constituição assegura aos brasileiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança privada e à propriedade, nos termos seguintes.

Inicialmente, observa-se que o caput do artigo 122 assegura os direitos nele arrolados apenas aos brasileiros residentes no país, em clara restrição em relação ao texto constitucional anterior, que os garantia aos brasileiros e os estrangeiros residentes no país. Nesse mesmo sentido, dispõe o artigo 151 da Constituição que “a entrada, distribuição e fixação de imigrantes no território nacional estará sujeita às exigências e condições que a lei determinar, não podendo, porém, a corrente migratória de cada país exceder, anualmente, o limite de dois por cento sobre o número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinquenta anos”[29].

O artigo 122, nº 15, que dispõe sobre a liberdade de manifestação de pensamento e também sobre a liberdade de imprensa, diferentemente dos textos constitucionais anteriores, tratou sobre os temas de maneira detalhada, conforme transcrito literalmente:

15 – Todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente, por escrito, impresso ou por imagens, mediante as condições e nos limites prescritos em lei.

A lei pode prescrever:

a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação;

b) medidas para impedir as manifestações contrárias à moralidade pública e aos bons costumes, assim como as especialmente destinadas à proteção da infância e da juventude;

c) providências destinadas à proteção do interesse público, bem-estar do povo e segurança do Estado.

A imprensa regular-se-á por lei especial, de acordo com os seguintes princípios:

a) a imprensa exerce uma função de caráter público;

b) nenhum jornal pode recusar a inserção de comunicados do Governo, nas dimensões taxadas em lei;

c) é assegurado a todo cidadão o direito de fazer inserir gratuitamente, nos jornais que o difamarem ou injuriarem, resposta, defesa ou retificação;

d) é proibido o anonimato;

e) a responsabilidade se tornará efetiva por pena de prisão contra o diretor responsável e pena pecuniária aplicada à empresa;

f) as máquinas, caracteres e outros objetos tipográficos utilizados na impressão do jornal constituem garantia do pagamento da multa, reparação ou indenização, e das despesas com o processo nas condenações pronunciadas por delito de imprensa, excluídos os privilégios eventuais derivados do contrato de trabalho da empresa jornalística com os seus empregados. A garantia poderá ser substituída por uma caução depositada no princípio de cada ano e arbitrada pela autoridade competente, de acordo com a natureza, a importância e a circulação do jornal;

g) não podem ser proprietários de empresas jornalísticas as sociedades por ações ao portador e os estrangeiros, sendo vedado a estes como às pessoas jurídicas participar de tais empresas como acionistas. A direção dos jornais, bem como a sua orientação intelectual, política e administrativa, só poderá ser exercida por brasileiros natos.

Pode-se observar, sem grandes dificuldades, que a regra geral que garante a liberdade de manifestação de pensamento, prevista no texto principal do item número 15 e condicionada aos limites prescritos em lei, é imediatamente esvaziada com o previsto nas alíneas seguintes, que permitem a ampla prática da censura, com fundamento em expressões juridicamente indeterminada, como “garantir a paz, a ordem e a segurança pública”, “medidas para impedir as manifestações contrárias à moralidade pública e aos bons costumes” ou “providências destinadas à proteção do interesse público, bem-estar do povo e segurança do Estado”.

Pela primeira vez na história constitucional brasileira, fica explícita a opção constitucional pelo sistema preventivo em relação à liberdade de imprensa. Assinala, com grande naturalidade, Araújo Castro que a Constituição de 1937 “declara que a lei pode prescrever, com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radio-difusão, facultando à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou representação”[30]. Nos textos constitucionais anteriores, a opção do legislador constituinte havia sido pelo sistema repressivo, com previsão da plena liberdade de expressão do pensamento e responsabilização posterior pelo seu exercício abusivo, ainda que, indiretamente, fosse possível a restrição ao exercício da liberdade de imprensa, por exemplo, pelo estado de sítio ou pelo estado de guerra.

Entre os dispositivos inseridos no artigo 122, encontra-se um item relacionado à liberdade profissão. Nos dizeres do artigo 122, nº 8, é assegurada “a liberdade de escolha de profissão ou do gênero de trabalho, indústria ou comércio, observadas as condições de capacidade e as restrições impostas pelo bem público, nos termos da lei”. Complementa essa regulamentação o artigo 150 da Constituição, por força do qual “só poderão exercer profissões liberais os brasileiros natos e os naturalizados que tenham prestado serviço militar no Brasil, excetuados os casos de exercício legítimo na data da Constituição e os de reciprocidade internacional admitidos em lei. Somente aos brasileiros natos será permitida a revalidação de diplomas profissionais expedidos por institutos estrangeiros de ensino”. São diversas, assim, as restrições ao exercício das profissões liberais, em especial com relação aos estrangeiros[31].

Além de todas as restrições expressas e diretas à liberdade de imprensa previstas nos próprios dispositivos consagradores desse direito, permanece a regulamentação constitucional relativa à “defesa do Estado”, por meio da declaração do estado de emergência ou do estado de guerra. Pelo texto constitucional de 1937, ambos são declarados pelo Presidente da República, sem qualquer participação do Parlamento Nacional (artigo 166, parágrafo único[32]), não podendo o Poder Judiciário apreciar os atos praticados em virtude deles[33]. Com relação à sua abrangência, durante o estado de emergência, por força do artigo 168, b, pode o Presidente da República limitar (ainda mais) a liberdade de imprensa; durante o estado de guerra, deixará de vigorar a Constituição nas partes indicadas pelo Presidente da República[34]. Não causa espanto, dado o contexto político-institucional, que a própria Constituição, em seu artigo 186, declarou em todo o país o estado de emergência.

Seguindo a análise, importante registrar que a Constituição de 1937, mais uma vez seguindo a tendência centralizadora de competências relacionadas aos assuntos mais relevantes para o Poder Central[35], manteve na órbita de atribuições da União a exploração direta ou por meio de concessão os serviços de telégrafos e de radiocomunicação, entre outros (artigo 15, VII, da Constituição[36]), bem como a competência para legislar sobre “correios, telégrafos e radiocomunicação” (artigo 16, X, da Constituição), sobre “o regime de teatros e cinematógrafos” (artigo 16, XVIII, da Constituição) e sobre imprensa (artigo 16, XX, da Constituição[37]). Centralizador igualmente o disposto no artigo 180, segundo o qual, “enquanto não se reunir o Parlamento Nacional, o Presidente da República terá o poder de expedir decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União”.

A fim de complementar o disposto nos artigos 15 e 16 da Constituição, sem prejuízo da tendência centralizadora acima apontada, determina o artigo 17 que, “nas matérias de competência exclusiva da União, a lei poderá delegar aos estados a faculdade de legislar, seja para regular a matéria, seja para suprir as lacunas da legislação federal, quando se trate de questão que interesse, de maneira predominante, a um ou alguns estados. Nesse caso, a lei votada pela Assembleia estadual só entrará em vigor mediante aprovação do Governo Federal”. Ainda nesse sentido, prescreve o artigo 18 que, “independentemente de autorização, os estados podem legislar, no caso de haver lei federal sobre a matéria, para suprir-lhes as deficiências ou atender às peculiaridades locais, desde que não dispensem ou diminuam as exigências da lei federal, ou, em não havendo lei federal e até que esta os regule”, sobre, entre outros assuntos, radiocomunicação. Por fim, nos termos do parágrafo único do mesmo artigo 18, tanto nas matérias desse artigo, como nas do artigo 17, “desde que o Poder Legislativo Federal ou o Presidente da República haja expedido lei ou regulamento sobre a matéria, a lei estadual ter-se-á por derrogada nas partes em que for incompatível com a lei ou regulamento federal”.

Por fim, o artigo 9º, e, nº 3, prevê a possibilidade de intervenção nos Estados para garantir a execução dos “direitos e garantias assegurados na Constituição”. Não é difícil concluir, contudo, que, diante do contexto político-institucional vigente, a intervenção foi utilizada para muitas finalidades, mas não para a proteção da liberdade de imprensa.


5. Constituição de 1946.

A Constituição de 1946, no caput do artigo 141, inserido no Capítulo II (“Dos Direitos e das Garantias Individuais”) do Título IV (“Da Declaração de Direitos”), apresenta proteção ao direito à liberdade, voltando a garantir os direitos nele previstos aos estrangeiros[38]:

A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes.

Mais especificamente com relação à liberdade de imprensa, prescreve o artigo 141, § 5º:

É livre a manifestação de pensamento, sem que dependa de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos casos e na forma que a lei preceituar, pelos abusos que cometer. Não é permitido o anonimato. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos não dependerá de licença do Poder Público. Não será, porém, tolerada propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a ordem política e social, ou de preconceitos de raça ou de classe.

Há evidente retorno ao texto constitucional de 1934, acrescentando-se, apenas, vedação a propaganda de preconceitos de raça ou de classe, em franca reação às atrocidades cometidas contra os direitos humanos pelos regimes autoritários. O sistema de tutela da liberdade de imprensa adotado pela Constituição de 1946, retomando a linha do texto de 1934, é o repressivo, de responsabilização posterior pelo exercício abusivo dessa liberdade, sendo admitida, excepcionalmente, a censura apenas de espetáculos e de diversões[39]; sobre estas, inclusive, por força do artigo 29, III, da Constituição, pode incidir imposto municipal.

Ainda no mesmo artigo 141, com relação à liberdade de exercício profissional, na qual se incluem as profissões ligadas à imprensa, há previsão no § 14, nos seguintes termos: “é livre o exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer”; ainda sobre o assunto, é de competência dos Municípios instituir impostos “de indústria e profissões” (artigo 29, III, da Constituição de 1946). Mais uma vez, assim, há previsão de regra geral de liberdade do exercício de qualquer profissão, sendo admitida a imposição de condições razoáveis a esse exercício pela lei; nesse sentido, o artigo 161 do texto constitucional prescreve que “a lei regulará o exercício das profissões liberais e a revalidação de diploma expedido por estabelecimento estrangeiro de ensino”. Nos termos do artigo 5º, XV, p, da Constituição, é competência da União legislar sobre “condições de capacidade para o exercício das profissões técnico-científicas e liberais”.

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A competência para explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão, entre outros, os serviços de telégrafos, de radiocomunicação, de radiodifusão e de telefones interestaduais e internacionais permanece com a União, nos termos do artigo 5º, XII, da Constituição de 1946, sendo ainda atribuição do Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, nos termos do artigo 65, IX, legislar sobre matérias de competência da União, inclusive a relacionada aos meios de comunicação acima mencionados. Nos termos do artigo 151 da Constituição, “a lei disporá sobre o regime das empresas concessionárias de serviço público federais, estaduais e municipais”[40].

Se, por um lado, a imprensa por radiodifusão e por radiocomunicação continua submetida à atuação estatal da União, direta ou indiretamente, a imprensa escrita continua aberta, como regra geral, à exploração dos particulares, apresentando o texto constitucional, contudo, em seu Título V (“Da Ordem Econômica e Social”), dispositivo em seu artigo 160 que estipula limitações à propriedade de empresas jornalísticas[41].

Importa registrar, igualmente, relevante garantia à liberdade de imprensa prevista no artigo 31, V, c. Por força desse dispositivo, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre “o papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros”. Sobre a referida norma, observa Pontes de Miranda que “o papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros é imune a impostos (não a taxas). O fim a que se destina o papel é que o imuniza, de modo que o jornal, o periódico e a casa editora ou impressora podem importá-lo com explicitude do fim, incorrendo nos crimes previstos pelas leis quanto a dolo, desvios, fraudes, etc., se o não empregam, ou – se a legislação o permite – pode importá-lo o vendedor de papeis, comprometendo-se à venda somente para tal fim”; ainda para Pontes de Miranda, “pena é que o legislador constituinte não tivesse ido mais longe: até à imunização das máquinas destinadas à composição e impressão”[42].

Por fim, vale registrar que, nos artigos 89, III, e 93, há previsão de crime de responsabilidade do Presidente da República e dos Ministros de Estado em razão de seus atos que atentarem contra “o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais” e, no artigo 209, parágrafo único, I, há permissão de adoção de medidas pelo Presidente da República, na decretação do estado de sítio, que determinem “a censura de correspondência, ou de publicidade, inclusive a de radiodifusão, cinema e teatro”.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Evolução do tratamento da liberdade de imprensa nas Constituições brasileiras pretéritas (1824 a 1967/69). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3442, 3 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23157. Acesso em: 23 abr. 2024.

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