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Evolução do tratamento da liberdade de imprensa nas Constituições brasileiras pretéritas (1824 a 1967/69)

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03/12/2012 às 16:10
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6. Constituição de 1967/69.

A Constituição de 1967, seguindo a tradição constitucional brasileira, no caput do artigo 153, inserido no Capítulo IV (“Dos Direitos e Garantias Individuais”) do Título II (“Da Declaração de Direitos”), apresenta proteção ao direito à liberdade:

A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

A Constituição de 1967, assim, nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “reconhece como básicos quatro direitos: o direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade. Todos os demais, que enunciam os vários parágrafos deste artigo, não passam de desdobramentos destes quatro que são, verdadeiramente, os direitos fundamentais”[43].

Com relação especificamente à liberdade de imprensa, prescreve o mesmo artigo 153, em seu § 8º:

É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença de autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão da ordem, ou de preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes.

Em relação ao texto anterior, abstraindo-se as alterações de redação, deixou de constar no texto constitucional proibição expressa ao anonimato, bem como foi acrescentada proibição de publicações e exteriorizações “contrárias à moral e aos bons costumes”; esta proibição acrescentada pela Emenda nº 1, de 1969, relata Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ensejou polêmica doutrinária, por exemplo, com relação à possibilidade de impedimento de circulação de publicação de conteúdo pornográfico[44].

Relaciona-se a esse dispositivo o artigo 8º, VIII, d, por força do qual compete à União organizar e manter a Polícia Federal com a finalidade de “prover a censura de diversões públicas”. Sobre o dispositivo, observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho, com força em Maximiliano, que a Constituição “quis dizer ‘diversões e espetáculos’ onde disse ‘diversões’”; comenta também “que a Constituição não deu à Polícia federal poder de censurar senão diversões, o que compreende espetáculos, mas nada mais que espetáculos. Atribuir-lhe outra censura, como a de livros ou publicações, é violar a Constituição, estendendo uma competência inextensível porque excepcional”. Nesse sentido, conclui Ferreira Filho que, “de modo algum, pode-se incluir no conteúdo da palavra ‘diversão’ as publicações. A linguagem comum não o faz. Por outro lado, enquanto diversões e espetáculos sempre estiveram sujeitos a um só regime, as publicações de há muito estão sujeitas a outro. De fato, há muito se proíbe a censura de publicações, que hoje tentam restaurar, enquanto que sempre se admitiu a censura de diversões, o que compreende a dos espetáculos”[45].

Com relação à liberdade de exercício de profissão, há previsão no § 23 do artigo 153 pelo qual “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer”. Por força do artigo 8º, XVII, r, essa lei capaz de estabelecer condições de capacidade para o exercício de profissão é de competência da União.

A Constituição de 1967 inseriu no Capítulo IV (“Dos Direitos e Garantias Individuais”) do Título II (“Da Declaração de Direitos”) uma inovação normativa. Vale transcrever os termos do artigo 154:

Artigo 154. O abuso de direito individual ou político, com o propósito de subversão do regime democrático ou de corrupção, importará a suspensão daqueles direitos de dois a dez anos, a qual será declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador-Geral da República, sem prejuízo da ação cível ou penal que couber, assegurada ao paciente ampla defesa.

Parágrafo único. Quando se tratar de titular de mandato eletivo, o processo não dependerá de licença da Câmara a que pertencer.

O texto constitucional é claro, sendo dispensáveis maiores considerações com relação ao seu sentido e ao seu alcance. Por força desse dispositivo, o abuso do direito à liberdade de imprensa, seja por pessoa física ou por pessoa jurídica (empresa jornalística), poderia implicar, desde que obedecidas as garantias previstas no mesmo dispositivo, na suspensão desses direitos, sem prejuízo da ação cível ou penal que couber[46].

No mesmo sentido das Constituições anteriores, o texto de 1967 manteve a exploração dos serviços de telecomunicações na órbita estatal, mais especificamente entre as competências da União. Nos termos do artigo 8º, XV, a, compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão, “os serviços de telecomunicações”; é igualmente da União, mais especificamente do Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, a competência legislativa sobre o assunto, conforme determinam os artigos 8º, XVII, i, e 43 da Constituição de 1967.

A imprensa não escrita (por televisão e por radiodifusão) foi mantida, assim, na órbita estatal, seguindo a tradição constitucional brasileira, podendo a sua exploração ser atribuída, por meio de autorização ou concessão, a empresas jornalísticas, observadas, inclusive, as limitações estabelecidas pelo disposto no artigo 174, a seguir comentado.

A imprensa escrita, por sua vez, seguindo igualmente a tradição constitucional brasileira, continua aberta, como regra geral, à exploração dos particulares, apresentando o texto constitucional, contudo, em seu Título III (“Da Ordem Econômica e Social”), dispositivo em seu artigo 174 que estipula limitações à propriedade e à administração de empresas jornalísticas.

Prescreve o artigo 174 da Constituição de 1967:

Artigo 174. A propriedade e a administração de empresas jornalísticas, de qualquer espécie, inclusive de televisão e de radiodifusão, são vedadas:

I – a estrangeiros;

II – a sociedades por ações ao portador; e

III – a sociedades que tenham, como acionistas ou sócios, estrangeiros ou pessoas jurídicas, exceto partidos políticos.

§ 1º A responsabilidade e a orientação intelectual e administrativa das empresas mencionadas neste artigo caberão somente a brasileiros natos.

§ 2º Sem prejuízo da liberdade de pensamento e de informação, a lei poderá estabelecer outras condições para a organização e o funcionamento das empresas jornalísticas ou de televisão e de radiodifusão, no interesse do regime democrático e do combate à subversão e à corrupção.

É evidente a atenção dada ao tema da liberdade de imprensa pelo constituinte de 1967, tendo em vista, principalmente, a relação que existe entre meios de comunicação e formação da opinião pública. Essa importante relação foi destacada por Ferreira Filho, ao comentar o disposto neste artigo 174, nos seguintes termos:

Restrição à Propriedade e à Administração. A grande importância que assume no mundo contemporâneo a comunicação de massa justifica a preocupação da Constituição com a propriedade e a administração das empresas jornalísticas. Assim, o objetivo fundamental deste artigo é o de obter dessas empresas uma atuação consentânea com o interesse nacional. Empresas jornalísticas, no texto em estudo, são todas aquelas que se destinam à divulgação de ideias, através da publicação de jornais e periódicos em geral, ou por meio de programas de radiodifusão ou de televisão. Isto qualquer que seja o interesse preponderante, seja ele meramente informativo, político, cultural ou de deleite.

Outra novidade pode ser encontrada no disposto no artigo 30, parágrafo único, b. Esse artigo, inserido na Seção I (“Disposições Gerais”) do Capítulo VI (“Do Poder Legislativo”) do Título I (“Da Organização Nacional”), ao tratar dos regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado, prescreve que “não será autorizada a publicação de pronunciamentos que envolverem ofensas às instituições nacionais, propaganda de guerra, de subversão da ordem política ou social, de preconceito de raça, de religião ou de classe, configurarem crimes contra a honra ou contiverem incitamento à prática de crimes de qualquer natureza”. Esse dispositivo, mais uma vez, evidencia a íntima relação existente entre imprensa e democracia. E, mais uma vez, a sua relevância não passou despercebida por Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

Publicação dos debates. Esta alínea, introduzida em nosso direito pela Emenda nº 1, é de indisfarçável gravidade. Sempre se entendeu que a ampla publicidade dos debates parlamentares era necessária ao regime democrático. De fato, só assim o eleitorado poderia apreciar a conduta do Governo, iluminada pelas críticas da oposição, justificada pelos líderes governamentais. Igualmente, só assim poderia esse mesmo eleitorado acompanhar o exercício do mandato pelos deputados e senadores, para poder fazer juízo sobre sua atuação e consequentemente reelegê-los ou não.

Os meios de comunicação, em outro dispositivo inovador no texto constitucional de 1967, o que acentua a preocupação do constituinte com o tema, dada a sua relação com a formação da opinião pública, receberam tratamento na Seção V (“Da Segurança Nacional”) do Capítulo VII (“Do Poder Executivo”) do Título I (“Da Organização Nacional”). Nos termos do artigo 89, IV, a, compete ao Conselho de Segurança Nacional dar, em relação às áreas indispensáveis à segurança nacional, assentimento prévio para “instalação de meios de comunicação”.

Por outro lado, foi mantida no texto constitucional de 1967, em seu artigo 19, III, d, imunidade tributária da imprensa escrita. Nos termos do referido dispositivo constitucional, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir imposto sobre “o livro, o jornal e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão”.

Foi mantida, igualmente, no artigo 82, III, da Constituição a previsão de crime de responsabilidade do Presidente da República por atos que atentarem contra “o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais”.

Permaneceu no texto constitucional, ainda, com relação ao estado de sítio, entre as medidas coercitivas previstas no artigo 156, § 2º, f, dispositivo que permite a “censura de correspondência, da imprensa, das telecomunicações e diversões públicas”. Durante o estado de emergência, por força do disposto no artigo 158, § 1º, do texto constitucional, podem ser tomadas as mesmas medidas relativas à liberdade de imprensa.

As possibilidades de relativização à liberdade de imprensa são consideravelmente ampliadas pelo Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, nos termos dos artigos 4º e 5º, vez que dispensadas as limitações previstas no texto constitucional de 1967 e excluídos da apreciação do Judiciário todos os atos praticados de acordo com esse Ato Institucional, por força de seu artigo 11. Não há dúvidas de que os seus dispositivos concederam inúmeros poderes ao Presidente da República[47].

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Prescrevem os artigos 4º, 5º e 11 do referido Ato Institucional:

Artigo 4º. No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.

Parágrafo único. Aos Membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais, que tiverem seus mandatos cassados, não serão dados substitutos, determinando-se o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos.

Artigo 5º. A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em:

I – cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;

II – suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;

III – proibição de atividades ou manifestações sobre assunto de natureza política;

IV – aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:

a) liberdade vigiada;

b) proibição de freqüentar determinados lugares;

c) domicílio determinado.

§ 1º - O ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados;

§ 2º - As medidas de segurança de que trata o item IV deste artigo serão aplicadas pelo Ministro de Estado da Justiça, defesa a apreciação de seu ato pelo Poder Judiciário.

Artigo 11. Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.

Por fim, no Título VI do texto constitucional de 1967, que dispõe sobre a família, a educação e a cultura, há dois dispositivos com conteúdo relacionado à liberdade de imprensa. Prescreve o artigo 176, § 3º, VII, que a legislação do ensino adotará “a liberdade de comunicação de conhecimento no exercício do magistério, ressalvado o disposto no artigo 154”. O artigo 179, por sua vez, determina que “as ciências, as letras e as artes são livres, ressalvado o disposto no § 8º do artigo 153”. Os artigos 154 e 153, § 8º, já comentados, estabelecem limitações expressas, respectivamente, à liberdade de cátedra e aos trabalhos científicos, literários e artísticos.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Evolução do tratamento da liberdade de imprensa nas Constituições brasileiras pretéritas (1824 a 1967/69). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3442, 3 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23157. Acesso em: 3 mai. 2024.

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