Diante do desencontro entre as posições adotadas por alguns julgadores quanto à legalidade da prática, pelo Ministério Público, de atos próprios de investigação policial, se anuncia na Comissão Especial da Câmara dos Deputados o Projeto de Emenda Constitucional 37, no qual pretende o legislador deixar ainda mais clara a sua intenção de vedar-lhe tal legitimidade.
Com efeito, não existe previsão constitucional que autorize o órgão de acusação a investir-se na condição de polícia judiciária, salvo em situações excepcionais. Este entendimento, aliás, foi sufragado pelo Ministro Cezar Peluso, Relator do RE 593927, em sessão realizada em 21/06/2012, na qual afirmou que “o MP apenas pode realizar investigações criminais quando a investigação tiver por objeto fatos teoricamente criminosos praticados por membros ou servidores do próprio MP, por autoridades ou agentes policiais e, ainda, por terceiros, quando a autoridade policial, notificada sobre o caso, não tiver instaurado o devido inquérito policial”.
De fato, segundo também entendemos, a realização de procedimento investigatório de natureza penal pelo MP vai muito além das elevadas atribuições funcionais que lhe foram outorgadas pelo art. 129 da Constituição Federal, cujo artigo 144, § 4º, ademais, dispõe que “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.
Isto porque, no novo sistema constitucional brasileiro, espera-se que a investigação se desenvolva de forma equidistante do interesse das partes - com respeito às formalidades legais e sob o crivo do Poder Judiciário - e não mais esteja a serviço de quem acusa, como nos moldes preconizados pelo modelo fascista que inspirou o Código de Processo Penal.
Nem se diga que a função ministerial de controle da atividade policial (art. 129, VII, da CF), por ser mais abrangente (quem pode o mais, em tese, poderia o menos...), a partir de uma interpretação sistemática, teria o condão de infirmar o que acima foi dito. Ao contrário, o entendimento aqui esposado reflete apenas coerência, porque, como assentou o Ministro Peluso é “intuitivo que, quem investiga não pode, ao mesmo tempo, controlar a legalidade das investigações”.
Por outro lado, se se permitir que o Ministério Público, futura parte acusadora na demanda, possa se prevalecer de sua posição privilegiada na estrutura estatal para preparar, sem qualquer controle, as provas do que imagine seja seu direito, como, por exemplo, determinando o comparecimento coercitivo de testemunhas ou de investigados às suas sedes, nada justifica que o mesmo não seja garantido à outra parte (a Defesa), o que parece igualmente inadmissível, ao menos no nosso atual modelo de persecução penal.
Por isso, parece-nos ilógica a grita de alguns, segundo quem esta seria mais uma “manobra para se garantir a impunidade de criminosos”. A par de leviana, porque lança injusta pecha às polícias estaduais e federal, as quais somente não obtêm mais sucesso nas investigações que levam a cabo por carências materiais, não - salvo exceções - por deficiências morais. Ainda: de onde saiu a estapafúrdia ideia de que o MP seria composto por uma espécie de casta de “vestais”, ou que seriam os membros da instituição necessariamente mais honestos do que os delegados de polícia?
Como se vê, apesar da clareza do texto constitucional e da inequívoca sinalização do STF, diante na nossa inescusável tradição de maus tratos à CF, parece que o PEC 37 não se constitui numa superabundância. Infelizmente.