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A necessidade de notificação das empresas envolvidas em cisão empresarial para imputar a responsabilidade solidária

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21/12/2012 às 14:02
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CONCLUSÃO

Ante o exposto, alinham-se aqui os fundamentos e as conclusões do presente trabalho:

50.   Persiste no ordenamento jurídico a controvérsia existente sobre a responsabilidade tributária no caso de cisão parcial. A discussão gira em torno de duas correntes doutrinárias e jurisprudenciais:

- A tese da aplicação do artigo 132 do CTN e do artigo 5º do Decreto-lei nº 1.598/1977, considerando que o termo “transformação” englobaria qualquer forma de reorganização societária, inclusive cisão.

- A tese do cabimento do artigo 233, parágrafo único, da Lei nº 6.404/76, que estipula a possibilidade de as sociedades envolvidas na cisão parcial convencionarem no ato de cisão limites de responsabilidade entre as partes, de modo a ser restringida a solidariedade, salvo oposição dos credores no prazo de 90 dias.

51. Embora o argumento da aplicação do artigo 132 do CTN tenha mais força na jurisprudência, ainda existem adeptos da corrente contrária, gerando um estado de insegurança enquanto não seja alterado o artigo 132 para incluir a cisão total e parcial.

52. Assim, por conveniência e oportunidade, em nome do interesse público, principalmente quanto aos débitos dos grandes devedores que alcançam valores vultosos e que requerem um tratamento prioritário e diferenciado, mostra-se prudente a manifestação do Fisco, não nos termos da Lei nº 6.404/76, artigo 233, parágrafo único, mas procedendo à notificação das empresas envolvidas no ato de cisão parcial, no que tange à responsabilidade solidária pelos débitos inscritos em dívida ativa da União, de modo a afastar qualquer discussão sobre o tema.

53. Superado esse ponto, a partir da própria natureza jurídica da cisão parcial, verifica-se que remanesce uma peculiaridade substancial que precisa ser diferenciada, porquanto não se trata simplesmente de substituição do polo passivo obrigacional como ocorre na fusão e incorporação, e sim de inclusão de um novo devedor ou responsável que responderá, concomitantemente, com a sociedade cindida pelos tributos anteriores ao ato de cisão.

54. As sociedades resultantes de incorporação e fusão passam a ostentar a qualidade de devedoras do tributo originalmente devido pelas sociedades fusionadas e incorporadas. Trata-se, assim, da hipótese de responsabilidade por sucessão, onde o sucessor se sujeita à cobrança no estado em que se encontra. A partir daí, tendo sido constatada ao final do procedimento administrativo a ocorrência de uma das figuras de mutação empresarial (fusão, incorporação, transformação), nada obsta que os trâmites de cobrança daí decorrentes continuem com seu curso regular, apenas consumando-se a pronta alteração subjetiva no polo passivo da relação tributária, passando a pessoa jurídica sucessora a responder pela obrigação tributária na forma em que se encontra, podendo o Procurador da Fazenda Nacional inscrevê-la em dívida ativa da União.

55. Por outro lado, tendo em vista que na cisão parcial não ocorre a responsabilidade por sucessão, e sim responsabilidade solidária, com um acréscimo de uma nova sociedade, resultando na coexistência de duas empresas autônomas, impende que haja processo administrativo fiscal com a devida notificação da sociedade cindenda, a fim de que possa apresentar sua defesa ou parcelar e pagar o débito.

56.  Logo, sendo aplicável a responsabilidade solidariedade na cisão parcial, se o processo administrativo fiscal for conduzido em face de uma sociedade devedora, tendo sido constatada ao final do procedimento a ocorrência da cisão parcial, o Procurador da Fazenda Nacional não deve proceder à imediata inclusão em dívida ativa da União da sociedade cindenda como solidária do débito, se ela não foi notificada, quer no processo administrativo fiscal em apartado, quer no processo do devedor principal.

57. Nessa hipótese de correr o processo administrativo fiscal sem o conhecimento da responsabilidade proveniente da cisão parcial, o Procurador só poderá dar prosseguimento à inscrição em dívida ativa para cobrar o débito apenas da empresa cindida. Vale dizer, a obrigação do contribuinte ou devedor principal (sociedade cindida), para existir, não depende da validade e da eficácia da obrigação do responsável (sociedade cindenda), podendo ser plenamente exigido o crédito tributário daquele. Todavia, tal afirmação não dispensa a apuração da responsabilidade da empresa cindenda, quando se tenha conhecimento do fato que origina a responsabilidade.

58.  Insta mencionar a nova orientação da Portaria RFB nº 2284, de 29/11/2010, no sentido de providenciar no auto de infração de constituição do crédito tributário a notificação de todos os sujeitos passivos, com abertura de prazo para impugnação para cada um (artigo 2º e 3º).

59. Assim, a empresa cindenda não poderá ser incluída no correspondente termo de inscrição da dívida ativa como solidária do débito, por não ter sido notificada no processo administrativo fiscal. Consequentemente, não poderá ser submetida aos instrumentos de coerção (como negativa de expedição de certidão negativa de débitos, inscrição no CADIN e etc).

60. Se for descoberto posteriormente o ato ensejador da responsabilidade tributária, a responsabilidade da sociedade cindenda ainda poderá ser aferida por meio de notificação na esfera administrativa, desde que subsista a obrigação do devedor principal. Nessa tendência, tem-se o Projeto de Lei nº 5080/2009 sobre a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública que prevê que, quando houver inclusão de corresponsável, ele deve ser notificado na ocasião da inscrição em dívida ativa. Se assim não entender, resta o redirecionamento nos autos da execução fiscal.

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61.  Dessa maneira, a empresa cindenda só poderá se sujeitar aos instrumentos de proteção do crédito tributário, como o arrolamento de bens e direitos, a inscrição no CADIN e à negativa de expedição de certidão negativa de débitos, após o reconhecimento da solidariedade por um desses meios (notificação em processo administrativo fiscal ou redirecionamento na execução fiscal).

62.  Ainda, nas operações sujeitas ao lançamento por homologação, é ilegítimo o entendimento que autoriza à Administração Fazendária inscrever em dívida ativa e promover atos de execução com apoio apenas na declaração prestada pela empresa cindida. A declaração formalizada no regime de lançamento por homologação não se identifica, tampouco se assemelha, a um autêntico exercício da ampla defesa e do contraditório. Com isso, a mera declaração, ou não, dos elementos que compõem o fato gerador, ou o mero curso regular do processo administrativo fiscal em face da empresa cindida não suprimem a necessidade de notificação da empresa oriunda da cisão.

63. Finalmente, atribuir ao responsável solidário o inadimplemento de uma dívida tributária e, conseqüentemente, os ônus decorrentes, tal como a impossibilidade de obter a certidão de regularidade fiscal, sem que ele seja notificado, é submetê-lo a um constrangimento que o princípio da ampla defesa visa precisamente evitar, oferecendo a possibilidade de uma prévia defesa na esfera administrativa, em face de um ato administrativo notificado e fundamentado.

64. Portanto, em se tratando de responsabilidade solidária, a sociedade oriunda de cisão parcial deve ser notificada no mesmo auto da constituição do crédito (por economia procedimental), estando legitimada para produzir provas e alegações, por força dos princípios da ampla defesa e do devido processo legal. Se tal providência não for tomada no âmbito administrativo, resta na esfera jurídica o redirecionamento da execução fiscal para atribuição da responsabilidade solidária e os ônus decorrentes da dívida.


REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA

- AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13ªed. São Paulo: Saraiva, 2007;

- COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial, volume 2: direito de empresa. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.


Notas

[1] Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.

[2] Art 5º - Respondem pelos tributos das pessoas jurídicas transformadas, extintas ou cindidas:

I – (...):       

II - a pessoa jurídica constituída pela fusão de outras, ou em decorrência de cisão de sociedade;

(...);

§ 1º - Respondem solidariamente pelos tributos da pessoa jurídica:

a) as sociedades que receberem parcelas do patrimônio da pessoa jurídica extinta por cisão;

[3] Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.

[4] COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial, volume 2: direito de empresa. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 493 e 494.

[5] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13ªed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.320.

[6] Artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal.

[7] "Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo ."

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Sobre a autora
Elainy Morais Gonçalves

Procuradora da Fazenda Nacional. Pós Graduada em Direito Público e Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Elainy Morais. A necessidade de notificação das empresas envolvidas em cisão empresarial para imputar a responsabilidade solidária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3460, 21 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23293. Acesso em: 26 abr. 2024.

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