Na tentativa de se corrigir os desacertos da Lei nº 11.705/2008, que ficou conhecida como Lei Seca, foi promulgada, enfim, uma nova lei sobre embriaguez ao volante: a Lei nº 12.760. Esta última, fruto do Projeto de Lei nº 5.607-A, apresentado na Câmara dos Deputados, estabelece alterações no Código de Trânsito Brasileiro, especialmente em relação ao crime e à infração administrativa de trânsito de embriaguez ao volante. A pressão exercida por diversos setores da sociedade para que fossem corrigidas as falhas da legislação anterior, que acabaram tornando ineficazes as medidas até então existentes contra a direção embriagada, motivou a rápida edição desta Nova Lei Seca.
Dentre as mudanças ocasionadas, com o intuito de tornar mais dura a punição para o condutor flagrado sob influência de álcool, dobrou-se o valor da multa antes prevista. Se anteriormente o condutor era apenado com uma multa de R$957,70 por dirigir embriagado, agora está sujeito a uma multa de R$ 1.915,40, podendo esta penalidade chegar, ainda, ao valor de R$ 3.830,80, caso haja reincidência no período de até 12 meses.
Além disso, pela recente legislação, para que o motorista seja submetido aos testes que comprovam a embriaguez ao volante, basta que se envolva em acidente de trânsito ou que seja alvo de fiscalização de trânsito. Antes da nova lei, mesmo se envolvendo em um sinistro de trânsito ou sendo selecionado em uma operação de fiscalização de trânsito, era necessário que houvesse uma suspeita de que o condutor estava sob influência de álcool ou outra substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. Ressalte-se que essa imposição legal era constantemente descumprida, já que eram comuns ações de fiscalização de trânsito em que motoristas eram submetidos ao teste do bafômetro (leia-se, etilômetro) sem nenhuma suspeita, escolhidos por mera amostragem. De qualquer forma, isso agora mudou, pois a Nova Lei Seca não exige que o condutor esteja sob suspeita de haver ingerido álcool para que lhe seja oferecido os testes que certificam a embriaguez.
No entanto, a par das alterações acima elencadas, uma das maiores motivações para a urgência na edição da Lei nº 12.760, como já mencionado, foi a tentativa de retificação dos equívocos da legislação anterior. Desses defeitos da antiga Lei Seca, o mais grave foi estipular uma quantidade mínima de álcool para caracterização do delito de embriaguez ao volante, tornando-a, assim, ineficaz no aspecto criminal. Isto porque, ao se determinar um nível de álcool no sangue (seis ou mais decigramas) para ocorrência do crime, restringiu-se a sua prova ao exame de alcoolemia (de sangue) e do bafômetro (etilômetro), únicos testes capazes de precisar esses valores estabelecidos. Esse inclusive foi o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça em recente decisão, fato este que também contribuiu para a aceleração do processo legislativo em questão. Além do mais, com base na Constituição Federal e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, nenhum condutor era obrigado a se submeter aos dois referidos testes, consistindo a recusa em uma garantia inerente a todo cidadão.
Diante desses fatos, a Nova Lei Seca suprimiu a exigência dos seis ou mais decigramas de álcool por litro de sangue para configuração do crime de embriaguez ao volante. A partir de agora, essa conduta passa a ser tão somente “conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência”. Por seu turno, a nova legislação elencou diversos meios de prova através dos quais poderá ser comprovada a embriaguez, tais como o teste de alcoolemia, exames clínicos, perícias, vídeos e prova testemunhal.
Acontece que, além dessas modificações acima destacadas, a Nova Lei Seca também estabeleceu que o delito de embriaguez ao volante será constatado de duas maneiras. Uma, através dos sinais que indiquem alteração da capacidade psicomotora, dispositivo ainda pendente de regulamentação pelo Conselho Nacional de Trânsito. Outra, pela concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue (ou quantidade equivalente verificada no etilômetro). Ou seja, nesse último caso, o que antes era uma condição para existência do próprio crime de embriaguez ao volante, passou a ser uma das opções para sua comprovação.
Exatamente nessa última hipótese, encontra-se o maior problema da nova legislação, uma vez que ela traz a possibilidade de pelo menos duas interpretações distintas. A primeira, no sentido de que será suficiente a concentração alcoólica mencionada, presumindo-se, com isso, que o motorista já estaria com a capacidade psicomotora alterada. Já pela segunda interpretação possível, a qual julgamos mais coerente com a integralidade da lei e com as conclusões científicas atuais, não basta a mera constatação do nível de álcool no sangue (ou no ar expelido dos pulmões). Somado a isso, há necessidade de produção de prova de que o condutor está efetivamente com sua capacidade psicomotora alterada. Não se pode esquecer que nem todo indivíduo reage de maneira idêntica aos efeitos do álcool, conforme atestam estudos científicos atuais. Logo, não é certo que qualquer pessoa, naqueles limites indicados, estará invariavelmente com sua capacidade psicomotora alterada. Isso deverá ser comprovado no caso concreto, por intermédio dos diversos meios de prova existentes, vários dos quais exemplificados pela própria Lei nº 12.760. Com toda certeza, esse é o ponto mais controverso da nova lei, já que aí o legislador não utilizou a clareza e taxatividade exigidas na elaboração de toda lei penal, como poderia ter feito.
Outro aspecto relevante, que não pode ser deixado de lado, diz respeito à verificação da espécie de perigo presente no crime de embriaguez ao volante após a alteração operada por meio da Lei nº 12.760. No texto original do Código de Trânsito Brasileiro, o crime de embriaguez ao volante era um delito de perigo concreto, ou seja, era necessário se provar, no caso concreto, que o condutor havia gerado um perigo real de dano. Isto era comprovado, por exemplo, quando, além de se constatar que o motorista estava sob influência de álcool, ele conduzia o veículo ziguezagueando ou quase causava um atropelamento. Depois da Lei 11.705/2008, a antiga Lei Seca, o delito de embriaguez ao volante passou a ser uma infração penal de perigo abstrato ou presumido. Isto é, não havia mais necessidade de se provar o perigo na situação concreta, pois esse risco era presumido no comportamento do motorista que dirigisse com uma concentração alcoólica de seis ou mais decigramas por litro de sangue.
Atualmente, após a edição da Lei nº 12.760, acreditamos que o delito de embriaguez ao volante continua sendo um crime de perigo abstrato ou presumido. Note-se que, na redação dada pela Nova Lei Seca, em nenhum momento faz-se menção à exigência de demonstração de perigo, como geralmente acontece nos tipos penais de perigo concreto. Todavia, o que ocorreu, a nosso entender, foi uma mudança relativa à própria presunção do perigo existente na nova conduta do crime de embriaguez ao volante. Se antes o legislador havia presumido o perigo à segurança viária tão somente no fato do motorista estar com uma concentração de álcool igual ou superior a seis decigramas por litro de sangue, agora presumiu esse risco no comportamento do condutor que estiver com sua capacidade psicomotora alterada em razão do álcool ou substância de feitos análogos. Desse modo, ao ser selecionado em uma operação de fiscalização de trânsito, por exemplo, o condutor que, mesmo não tendo gerado uma situação concreta de perigo, demonstrar naquele instante uma alteração em sua capacidade psicomotora em virtude do álcool, terá cometido o delito de embriaguez ao volante.
Enfim, a Nova Lei Seca veio com o objetivo de consertar os equívocos da legislação anterior que tratou da embriaguez ao volante. Porém, não cumpriu de todo essa finalidade proposta, uma vez que, corrigindo alguns erros da sua antecessora, também trouxe alguns aspectos controversos. Essas questões certamente trarão novas polêmicas acerca do tema. Apesar disso, confia-se que tudo seja resolvido no plano interpretativo, prevalecendo o entendimento mais coerente com a integralidade da lei e dos estudos científicos atuais, não se fazendo necessária outra modificação legislativa — é o que esperamos.