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Notas sobre as origens do casamento civil no Brasil

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02/01/2013 às 09:34

Resumo:


  • A união entre Estado e Igreja Católica no Brasil do século XIX conferia a esta última o monopólio sobre a celebração do casamento, o que se refletia na legislação e práticas sociais da época.

  • A necessidade de regulamentação do casamento civil emergiu com a chegada de imigrantes não católicos e a consequente exposição de lacunas no reconhecimento legal de uniões fora do âmbito católico.

  • Os debates jurídicos e políticos no Conselho de Estado e entre juristas destacaram a importância da separação entre os aspectos religiosos e civis do casamento, culminando na lei de 1861 que estendia efeitos civis a casamentos não católicos, mas mantendo o casamento católico com status privilegiado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5.  Uma conclusão possível

Foi necessária a alteração dos comportamentos[14] e intensos debates na comunidade letrada para que a opinião pública não sentisse como abrupta uma alteração nas disposições sobre o direito de família.

 A ausência de regulação sobre os casamentos civis levou homens e mulheres a contraírem união por escritura pública sem nenhuma validade legal.

Com o fim do tráfico de escravos e a consequente entrada no país de imigrantes não católicos como alternativa à mão-de-obra cativa, foram expostos os problemas que decorriam do fato da exclusividade da Igreja Católica como única autoridade competente para a celebração de matrimônio. Desde então, foram fomentados os debates sobre o tema pela elite política e jurídica do Império, despertando o Governo Imperial para a necessidade de regulação do casamento civil.

O Esboço de Teixeira de Freitas não chegou a ser debatido no Parlamento como um projeto de Lei e a legislação sobre o casamento civil, aprovada em 1861, perpetuou-se até o advento da República, quando o Estado deixou de ser confessional para ser laico.

 Pode-se dizer, com o apoio em pesquisas recentes, que ao lado da questão da difícil classificação do elemento servil na ordem jurídica[15] e da existência de um Código Comercial, que serviu em parte como direito privado comum enquanto não surgiu o Código Civil[16], “essa questão dos casamentos civis não se pode esquecer como fundamental nos obstáculos à edição do Código Civil” [17].


6. Bibliografia

ALENCASTRO, Luiz Felipe de. “Vida privada e ordem privada no Império” in NOVAIS, Fernando A.(Coord) e ALENCASTRO, Luiz Felipe de (Org.),  História da vida privada no Brasil v.2. Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997

CAETANO, Marcelo.Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense. 1970.

CAROATÁ, José Prospero Jehovah da Silva  Imperiaes resoluções tomadas sobre consultas da seção de justiça do Conselho de Estado; desde o anno de 1842 em que começou a funcionar o mesmo conselho, até hoje. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1884

DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005

GRINBERG, Keila O fiador dos brasileiros. Cidadania, escravidão e direito civil no tempo de Antonio Pereira Rebouças. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002.

IGLEZIAS, Paola D’Andretta “A legislação comercial e o movimento de Codificação Civil no Segundo Reinado” p. 169-186, in Mota, Carlos Guilherme e Ferreira, Gabriela Nunes. Os juristas na formação do Estado- Nação brasileiro. 1850-1930. São Paulo: Saraiva, 2010.

LOPES, José Reinaldo de Lima. “Iluminismo e jusnaturalismo no ideário dos juristas da primeira metade do século XIX”. In Istvan Jancso (org.) Brasil: formação do Estado e da Nação. São Paulo-Ijuí: Hucitec, 2003

______. O oráculo de Delfos. Conselho de Estado no Brasil-Império.  São Paulo: Saraiva, 2010

MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado (1842-1889).Tese de doutorado. Campinas, UNICAMP, 2005.

MEIRA, Sílvio. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império – vida e obra, 2ª edição, Brasília, Cegraf, 1983.

RODRIGUES, José Honório (org). Atas do Conselho de Estado. VIII. Brasília: Senado Federal: 1978


Notas

[1] Aqui cabe um esclarecimento de ordem metodológica. Segundo o jurista português Marcelo Caetano “o liberalismo implica a indiferença do Estado perante a natureza das organizações confessionais” Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense. 1970, p. 370. Contudo, A forma de separação, da qual os Estados Unidos foram o grande modelo, embora possa ser identificada com o liberalismo, não implica no entendimento de que os países que não a adotavam não eram liberais. Seria um engano afirmar que a Inglaterra e o Brasil do século XIX não eram liberais porque adotavam a forma de união entre o Estado e a Igreja. Na verdade, Estados ligados em maior ou menor grau com a Igreja eram tão liberais quanto aqueles dela separados, desde que liberalismo seja identificado com o constitucionalismo, sentido de modelo liberal do qual compartilhavam muitos dos participantes do processo de independência. Neste sentido José Reinaldo de Lima Lopes. “Iluminismo e jusnaturalismo no ideário dos juristas da primeira metade do século XIX”. In Istvan Jancso (org.) Brasil: formação do Estado e da Nação. São Paulo-Ijuí: Hucitec, 2003, p. 198.

[2] José Reinaldo de Lima Lopes. O oráculo de Delfos. Conselho de Estado no Brasil-Império.  São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 91-185.

[3] José Honório Rodrigues (org). Atas do Conselho de Estado. VIII. Brasília: Senado Federal: 1978, p. 335 e seguintes.

[4] José Prospero Jehovah da Silva Caroatá. Imperiaes resoluções tomadas sobre consultas da seção de justiça do Conselho de Estado; desde o anno de 1842 em que começou a funcionar o mesmo conselho, até hoje. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1884. pp. 140-141.

[5] A questão da liberdade religiosa e a intenção civilizatória de Paulino é destacada por José Reinaldo de Lima Lopes. O oráculo de Delfos. Conselho de Estado no Brasil-Império.  São Paulo: Saraiva, 2010 .pp. 275-279.

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[6] José Honório Rodrigues (org). op. cit., p. 335.

[7] Idem. 335.

[8] Lei 1.144 de 11 de setembro de 1861. Art. 1º Os effeitos civis dos casamentos celebrados na fórma das Leis do Imperio serão extensivos: 1º Aos casamentos de pessoas que professarem Religião differente da do Estado celebrados fóra do Imperio segundo os ritos ou as Leis a que os contraentes estejão sujeitos. 2º Aos casamentos de pessoas que professarem Religião differente da do Estado celebrados no Império, antes da publicação da presente Lei segundo o costume ou as prescripções das Religiões respectivas, provadas por certidões nas quaes verifique-se a celebração do acto religioso. 3º Aos casamentos de pessoas que professarem Religião differente da do Estado, que da data da presente Lei em diante forem celebrados no Imperio, segundo o costume ou as prescripções das Religiões respectivas, com tanto que a celebração do ato religioso seja provado pelo competente registro, e na fórma que determinado fôr em Regulamento.4º Tanto os casamentos de que trata o § 2º, como os do precedente não poderão gozar do beneficio desta Lei, se entre os contrahentes se der impedimento que na conformidade das Leis em vigor no Imperio, naquillo que lhes possa ser applicavel, obste ao matrimonio Catholico. Art. 2º O Governo regulará o registro e provas destes casamentos, e bem assim o registro dos nascimentos e obitos das pessoas que não professarem a Religião Catholica, e as condições necessarias para que os Pastores de Religiões toleradas possão praticar actos que produzão effeitos civis. Art. 3º Ficão revogadas as disposições em contrario. (Mantida a grafia original)

[9] Caroatá. Op. cit. p. 769.

[10] Idem pp. 768-769.

[11] Dos casos apresentados se pode concluir que os debates em torno do casamento civil ocorridos no Conselho de Estado são emblemáticos da sua maneira de atuar no campo político e demonstra bem aquilo que foi notado por Maria Fernanda Vieira Martins no sentido de que a argumentação legal e o reconhecimento da importância da lei na manutenção da ordem e controle da vida pública tiveram sempre um peso fundamental nos pareceres e nas discussões conduzidas no Conselho pleno. Entretanto, embora essas consultas fossem motivadas por questões pontuais provenientes de origens diversas, terminavam por levantar discussões mais amplas que, frequentemente, preferia-se que se mantivessem em um âmbito restrito, para evitar o acirramento de debates apaixonados. Nesse sentido, a lei era usada para justificar um posicionamento em questões cujo teor principal era essencialmente político, embora tivessem também o papel de identificar as lacunas que geravam dúvidas e conflitos e que, em essência, referiam-se a problemas estruturais. A velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado (1842-1889).Tese de doutorado. Campinas, UNICAMP, 2005, p. 329.

[12] Miriam Dolhnikoff, ao analisar a questão da autonomia das Assembleias para legislar sobre aposentadorias  “o poder de intervenção do Conselho de Estado era bastante limitado” (...) “a palavra final era dada pelo Parlamento”. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005, p 244-245. 

[13] V. Sílvio Meira. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império – vida e obra, 2ª edição, Brasília, Cegraf, 1983, pp. 209-217.

[14] Quanto aos comportamentos, a partir da análise do movimento sazonal dos nascimentos, Luiz Felipe de Alencastro notou uma mudança no comportamento sexual na segunda metade do século XIX que “confirma a laicização da vida privada ao longo do período imperial”. Recuando nove meses as datas de nascimento, o autor constatou que, ao longo do período colonial e da primeira metade do século XIX, houve uma nítida queda no número de concepções em dois meses do ano, dezembro, em que os fieis dedicavam-se ao preparo espiritual para o Natal, e março, mês da Quaresma e época de penitência. Essa particularidade sazonal desaparece, indicando que “os casais brasileiros pareciam mais inclinados a gozar o ano inteiro dos prazeres da terra do que desfrutar eternamente dos prazeres do Céu” “Vida privada e ordem privada no Império” in NOVAIS, Fernando A.(Coord) e ALENCASTRO, Luiz Felipe de (Org.),  História da vida privada no Brasil v.2. Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 59.

[15] Keila Grinberg. O fiador dos brasileiros. Cidadania, escravidão e direito civil no tempo de Antonio Pereira Rebouças. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002.

[16] José Reinaldo de Lima Lopes. O Direito na História. São Paulo: Atlas. 3a edição, p. 271. No mesmo sentido o recente artigo de Paola D’Andretta Iglezias, “A legislação comercial e o movimento de Codificação Civil no Segundo Reinado” p. 169-186, in Mota, Carlos Guilherme e Ferreira, Gabriela Nunes. Os juristas na formação do Estado- Nação brasileiro. 1850-1930. São Paulo: Saraiva, 2010.

[17] José Reinaldo de Lima Lopes. O oráculo de Delfos. O Conselho de Estado no Brasil-Império.  São Paulo: Saraiva, 2010, p. 279.

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Sobre o autor
Rafael Issa Obeid

Procurador do Estado de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bacharel em História e Mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OBEID, Rafael Issa. Notas sobre as origens do casamento civil no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3472, 2 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23332. Acesso em: 22 dez. 2024.

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