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Moral e Direito: o caso Genoino

08/01/2013 às 13:31
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O direito não pode ser nem amoral e nem imoral, logo, a posse de Genoino como Deputado Federal é mais um acinte do parlamento brasileiro.

Condenado no julgamento do mensalão, Genoino tomou posse na Câmara Federal como deputado, porquanto o processo do mensalão ainda não transitou em julgado. Na linguagem jurídica, enquanto o último recurso não for julgado, o processo não “transitou em julgado”.

Para Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Unicamp, “é uma contradição que uma pessoa condenada por infringir a lei seja empossada no Legislativo na função de legislador... Como pode editar leis alguém que foi condenado por não cumprir a lei? A ética não é uma escolha pessoal, uma questão de vontade. A ética é pública e coletiva”.

A separação entre Direito e Moral está muito bem representada na obra de Hans Kelsen. Para o jurista austríaco moral e direito não se entrecruzam, ou seja, são círculos concêntricos que não se misturam. Para este grandioso jurista, autor do clássico, “Teoria Pura do Direito”, o direito pertence ao mundo do dever-ser, assim também como as normas morais pertencem ao mundo do dever-ser, todavia, o pensar jurídico não envolve necessariamente o ser do que acontece no mundo, pois o dever-ser jurídico não deriva necessariamente do ser.

O direito cria suas realidades. É lapidar esta passagem kelseniana:

“A teoria pura do direito é uma teoria que ‘quer única e exclusivamente conhecer seu objeto. Procura responder a esta questão: O que é e como é o direito? Mas já não lhe importa a questão de saber como deve ser o direito, ou como deve ele ser feito? É ciência jurídica e não política do direito” (“O problema da justiça”, Hans Kelsen, Martins Fontes: São Paulo, 1996, p. XIII/XIV).

Noutro dizer, como deve ser o direito é uma questão de justiça, de moral, o que para Kelsen escapa ao âmbito de compreensão de sua ‘teoria pura do direito’. Vê-se aqui uma nítida separação entre o direito a moral. No entanto, é importante notar que já em 1930 havia autores que não aceitavam este postulado da separação entre moral e direito. Georges Ripert, professor da Faculdade de Direito e da Escola de Ciências Políticas de Paris, citado por Jessé Torres Pereira Júnior, assim assentava:

“Não existe, na realidade, entre a regra moral e a regra jurídica, nenhuma diferença de domínio, de natureza e de fim; não pode mesmo haver, porque o direito deve realizar a justiça, e a idéia do justo é uma idéia moral. Mas há uma diferença de caráter. A regra moral torna-se regra jurídica graças a uma injunção mais enérgica e a uma sanção exterior necessária para o fim a atingir” (Apud, “A regra moral no controle judicial”, Revista Justiça & Cidadania, nº 138, fev/2012, p. 49/50).

Aristóteles, em sua “Retórica” sinaliza uma preeminência entre a lei comum (aquela conforme a natureza) e a lei particular (lei que cada povo dá a si mesmo), demonstrando que há uma moral interna que é superior a lei particular criada pelo homem. Já aqui podemos também entender que o justo deriva da lei moral e não do direito.

Celso Lafer faz citação de Aristóteles que merece reprodução:

“Aristóteles, nesta passagem cita a Antígona da peça de Sófocles, quando esta afirma que é justo, ainda que seja proibido, enterrar seu irmão Polinices, por ser isto justo por natureza. De fato, em resposta à acusação de Creonte, de que estava ela descumprindo a lei particular, Antígona evoca as imutáveis e não escritas leis do Céu, que não nasceram hoje nem ontem, que não morrem e que ninguém sabe de onde provieram”. (“A reconstrução dos direitos humanos”, São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 35)

Novamente aqui, o justo deriva de uma lei imutável, de uma lei moral não escrita, ao contrário do direito (lei particular) em que se baseava Creonte para proibir o enterro de Polinices. Nossa Constituição Federal em seu art. 37, caput, também prestigia expressamente a “moralidade administrativa” e também a “legalidade” como princípios jurídicos informadores do agir público através de seus servidores.

Enfim, como lembra o já citado Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Jessé Torres Pereira Júnior:

“Diante das expectativas que as Constituições contemporâneas despertam nas sociedades e dos valores por estas reconhecidos, os juízes e tribunais devem estar qualificados para aplicar o direito segundo regras de moralidade, seja nas convenções entre particulares ou nas relações públicas” (op. cit. p. 50).

Resumindo, a idéia do justo é uma idéia moral (Georges Ripert) e “a Justiça é o Direito iluminado pela Moral” (Clóvis Bevilacqua), logo, por evidente que a moral precede ao direito, de maneira que um direito contra a moral é um direito injusto, razão pela qual a posse de Genoino na Câmara Federal é ofensiva ao Texto Constitucional porque fere de morte o princípio da moralidade administrativa, que em cotejo com a legalidade, deve prevalecer não obstante a inocorrência do transito em julgado. Em breve síntese: o direito não pode ser nem amoral e nem imoral, logo, a referida posse é mais um acinte do parlamento brasileiro.

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Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

mestre em Direito Tributário, professor do Departamento de Direito Público das Universidades Católica de Petrópolis (UCP) , procurador do Município de Areal (RJ), membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET) é autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; co-autor dos livros "ISS - LC 116/2003" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Ives Gandra da Silva Martins), Curitiba, Juruá, 2004; e "Planejamento Tributário" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto), São Paulo, Quartier Latim, 2004.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Moral e Direito: o caso Genoino. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3478, 8 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23407. Acesso em: 22 dez. 2024.

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