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Teoria geral da prova.

Do conceito de prova aos modelos de constatação da verdade

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09/01/2013 às 08:59

Resumo:


  • Teoria geral da prova: essencial para a prática forense, abrange a admissibilidade, oportunidade e limites dos meios lícitos de prova.

  • Distinção entre juízo de admissibilidade e valoração da prova: importante para evitar antecipação do julgamento e garantir a produção de provas relevantes.

  • Hierarquia das provas: não há uma hierarquia absoluta entre provas típicas e atípicas, sendo todas admissíveis desde que moralmente legítimas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Analisam-se questões sobre teoria geral da prova, envolvendo especialmente a oportunidade e limites para utilização dos meios lícitos de prova.

Resumo: O presente trabalho busca destacar de maneira objetiva as principais questões debatidas em torno da teoria geral da prova, úteis à elucidação de problemas corriqueiros na prática do foro, envolvendo especialmente a oportunidade e limites para utilização dos meios lícitos de prova.

Palavras-chave: Teoria geral da prova. Direito prioritário à prova. Admissibilidade e valoração da prova. Objeto de prova. Fontes e meios de prova. Ônus da prova. Hierarquia de provas. Provas típicas e provas atípicas.

Sumário: Resumo. I. Introdução. II. Conceito de prova; Objeto de prova; Fontes e Meios de prova; A dinâmica da prova e o procedimento judicial apto à produção de prova na fase instrutória. III. Momento de produção e avaliação da prova; diferença entre juízo de admissibilidade e juízo de valoração; história e sistemas contemporâneos de valoração da prova. IV. Direito processual constitucional e o regime probatório: direito prioritário à prova e repercussão infraconstitucional; poderes instrutórios do juiz; princípio dispositivo e o sistema de preclusões; base infraconstitucional de apoio. V. Provas típicas e atípicas e as regras sobre hierarquia de provas. VI. Regras do ônus da prova e inversão do ônus de provar. VII. Temas complementares na teoria geral da prova: fatos notórios, confessados ou incontroversos; máximas de experiência; provas de direito. VIII. Modelos de constatação da verdade. IX. Conclusão. Referências doutrinárias.


I – INTRODUÇÃO

Inegalvemente a temática probatória não ocupa o lugar de destaque nos estudos de teoria geral de processo e, mais especificamente, de processo civil. Mesmo quando a matéria “provas” é debatida, o enfoque se limita ordinariamente as disposições/particularidades de cada um dos “meios de prova” e não propriamente ao prévio e mais denso estudo da “teoria geral da prova”.

No entanto, há inúmeros e complexos dispositivos na CF/88 e principalmente no CPC que tratam da matéria e exigem cuidado na sua articulada exegese. Ademais, presencia-se, na rotina do foro, inúmeras discussões a respeito do nosso objeto de investigação, como, por exemplo, da correção de deferimentos e principalmente de indeferimentos de meios de prova nas demandas judiciais.

Há, pois, espaço para melhor sedimentação dos aspectos centrais que circunscrevem o tema “teoria geral da prova”, apontando, de acordo com o exemplo sobredito, para melhores soluções no acolhimento dos lícitos meios probantes. Por certo, forçoso ainda o registro inicial, iremos buscar nos posicionar, ao longo do trabalho, justamente pela defesa da realização da prova, respeitados os parâmetros constitucionais e infraconstitucionais atinentes à matéria.


II. CONCEITO DE PROVA; OBJETO DE PROVA; FONTES E MEIOS DE PROVA; A DINÂMICA DA PROVA E O PROCEDIMENTO JUDICIAL APTO À PRODUÇÃO DE PROVA NA INSTRUÇÃO

1. Conceito de prova: Iniciamos o estudo do tema probatório pelas mais basilares nomenclaturas, definindo a prova como todo e qualquer elemento material dirigido ao juiz da causa para esclarecer o que foi alegado por escrito pelas partes, especialmente circunstâncias fáticas.

Nas palavras de Scarpinella Bueno seria a prova “tudo que puder influenciar, de alguma maneira, na formação da convicção do magistrado para decidir de uma forma ou de outra, acolhendo, no todo ou em parte, ou rejeitando o pedido do autor”[1]. Já para Marinoni e Mitidiero, poderíamos definir a prova como “meio retórico, regulado pela legislação, destinado a convencer o Estado da validade de proposições controversas no processo, dentro de parâmetros fixados pelo direito e de critérios racionais”[2].

Pelo que se nota dos conceitos externados, evidentemente há uma grande diferença entre “alegar um fato” e “provar um fato”, o que será objeto de instrução processual, respeitando-se as disposições e limites fixados pela legislação adjetiva de regência.

2. Objeto de prova: Provavelmente o aspecto mais relevante nessa parte propedêutica da teoria geral da prova gira em torno do objeto de prova, o que seja, aquilo que deve ser provado no processo; responderia à pergunta: “sobre o que a prova deve recair?”.

Tem-se, nesse sentir, que o objeto de prova são os fatos controvertidos relevantes. Fatos incontroversos/notórios, confessados não precisam ser consequentemente provados; fatos irrelevantes/impertinentes também não dependem de prova.

Realmente, o grande objeto da prova recai sobre “fatos”, já que o “direito” dificilmente será matéria a ser provada, a não ser em casos absolutamente excepcionais regulados no art. 337 do CPC. Ademais, só os fatos “controvertidos” e “relevantes” merecerão investigação instrutória. Em outros termos, para se perfectibilizar detida averiguação judicial sobre fato deve existir determinada dúvida a respeito da veracidade e extensão do evento, como também só será incrementada a aludida investigação se a elucidação do fato for decisiva para a melhor compreensão do fato jurídico abarcado na causa de pedir. 

3. Fontes e Meios de prova: aqui estamos diante de outra diferenciação clássica na teoria geral da prova, em que os primeiros são os elementos (mecanismos) externos do processo aptos a provar; e os últimos são os elementos (mecanismos) internos do processo aptos a provar, ou seja, as formas pelas quais se podem produzir provas em juízo de acordo com a legislação processual do país (confissão, depoimento pessoal, interrogatório, testemunhas, documentos, perícia e inspeção judicial).

Na prática, tem-se que nem toda fonte de prova pode se converter em meio lícito e apto de prova, diante justamente das restrições impostas pela legislação processual vigente: uma informação só poderá ser obtida de uma fonte se isso se enquadrar entre os meios de prova admitidos pelo sistema[3].

Vejamos os seguintes exemplos: se a testemunha é amigo íntimo/familiar do autor da demanda, o peso da inquirição tende a acabar por ser rebaixado (à informante) ou mesmo excluído; ainda, mesmo que existam cinco testemunhas a comprovar em juízo determinado fato, a lei prevê que no máximo podem ir a juízo apenas três testemunhas por fato.

Realmente, da diferenciação entre fontes e meios de prova, pode-se concluir que nem toda fonte de prova pode ser convertida em meio de prova a ser utilizado na instrução do processo, já que há restrições legais ao uso das provas, mesmo lícitas.

4. A Dinâmica da prova e o procedimento judicial apto à produção de prova na fase instrutória: a doutrina confirma que são previstas determinadas etapas, em ordem cronológica, para a realização da prova em juízo, geralmente podendo ser catalogadas em quatro – a) requerimento da prova, pela parte; b) deferimento (ou “admissão”) da prova, pelo juiz; c) produção da prova, pela parte ou por terceiro (perito); d) valoração da prova, pelo juiz[4].

Uma análise atenta dessa sequencia, que representa a dinâmica da prova, aponta, no entanto, que seria realmente própria para os meios de prova produzidos na fase instrutória (prova pericial e prova testemunhal, especialmente), não se aplicando, por exemplo, à prova produzida na fase postulatória (prova documental) – já que aqui o procurador da parte junta com a petição inicial os documentos, independentemente de fase de requerimento/deferimento/produção (nesse caso os documentos serão juntados unilateralmente pela parte e, por regra, avaliados em sentença pelo juiz, em cognição exauriente junto com os demais meios de prova).

Tal constatação prática autoriza inclusive que cogitemos de diferenciar os termos “fase instrutória” e “instrução”. Sem dúvida, o último termo é mais amplo, já que compreende não só a prova produzida na fase instrutória (pericial e testemunhal, especialmente), mas também a prova produzida desde a fase postulatória (prova documental). Em outros termos, toda a fonte convertida em meio de prova, utilizada no processo, independente da fase processual, integra a instrução.

Aprofundemos a questão. Para ser proferida decisão final de mérito (sentença), há necessidade de serem vencidas determinadas etapas procedimentais, quais sejam: fase postulatória, fase saneadora e fase instrutória. A primeira integraria o momento inicial de judicialização do conflito, com a apresentação da inicial – contestação – réplica e apresentação das provas documentais. Após, caberia ao magistrado uma preliminar análise do feito, determinando o prosseguimento da demanda em caso de necessidade, quando não manifestasse a opção pela extinção do feito sem julgamento de mérito ou entendesse que caberia o imediato julgamento do mérito com a prova documental já acostada. Por fim, haveria uma fase complementar destinada ao prosseguimento da instrução, denominada fase instrutória, quando provas mais técnicas e/ou específicas se apresentassem indispensáveis para que o Estado-juiz pudesse melhor enfrentar o objeto litigioso da demanda.

Nesse diapasão, oportunas as palavras de Elpídio Donizetti ao descrever que “se o processo chegou a essa fase (instrutória ou probatória) é porque os elementos de prova, sobretudo documentais, apresentados na fase postulatória, não foram suficientes para formar a convicção do juiz, a fim de que ele possa compor o litígio, com o regular acolhimento ou rejeição do pedido do autor, de acordo com o art. 269, I do CPC”[5].

Vê-se, assim, pela exposição dos oportunos conceitos, que a instrução se dá em todo e qualquer momento da etapa cognitiva, em que apresentados meios de prova aptos a elucidar a verdade dos fatos; sendo que a fase instrutória seria o momento de aprofundamento dessa instrução, quando não fosse o caso de imediato julgamento da lide – nos termos do amplo permissivo legal contido no art. 330 do CPC.


III. MOMENTO DE PRODUÇÃO E AVALIAÇÃO DA PROVA; DIFERENÇA ENTRE JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE E JUÍZO DE VALORAÇÃO; HISTÓRIA E SISTEMAS CONTEMPORÂNEOS DE VALORAÇÃO DA PROVA

5. Momento de produção e avaliação da prova: a produção da prova pode se dar ordinariamente – a) ao longo das fases do processo, especialmente instrutória; b) via carta precatória, fora do processo principal; c) via medida cautelar, especialmente preparatória ao processo principal (cautelar de produção antecipada de provas). Já o momento de avaliação da prova não pode se dar em outro momento senão o de conclusão dos autos principais ao juiz para prolação de sentença (fase decisória, encerrada a instrução do processo).

6. Juízo de admissibilidade e valoração: se é diverso o momento de produção da prova e a sua avaliação, não pode haver também confusão por parte do julgador, no sentido de antecipar juízo de valor a respeito do conjunto probatório, em momento próprio que deveria tratar da sua admissão aos autos. Eis aqui questão mais complexa, a merecer o devido tratamento autônomo no cenário da dinâmica da prova.

Vejamos um exemplo a respeito: deixa-se de fazer uma prova, já que anterior prova se postou em sentido contrário e já houve suposto convencimento pelo juiz a respeito de qual parte está com a razão. Tal providência judicial pode estar revelando claramente confusão entre a oportunidade de admitir prova e a oportunidade de valorá-la.  Ora, se a parte impugnou o meio de prova anterior (pericial) e requereu outro meio de prova (testemunhal), o mesmo deve ser deferido, salvo se realmente se convencer o juiz que não está mais diante de fato controvertido relevante (situação absolutamente excepcional).

Repara-se, portanto, que no específico momento de admissibilidade da prova, deve o julgador indeferi-la com base no critério do “objeto de prova”, e não adotando o princípio do livre convencimento motivado da prova – o qual só deve ser aplicado ao tempo de valoração da prova. De outra forma, tão somente em caso de não mais ser controvertido ou relevante o objeto de prova é que pode ser ela inadmitida pelo Estado-juiz, e não em razão de prévia tomada de convicção a respeito do mérito do pleito envolvendo o fato jurídico amoldador da causa de pedir.

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Sobre o tema, cabe referência à doutrina de Knijnik: “o princípio do livre convencimento (motivado, a valoração) nada tem a ver com a admissibilidade da prova; a valoração entra em operação somente após o processo de seleção do material que comporá o objeto do seu exercício; daí segue-se que viciada a etapa preliminar, contamina-se seu resultado, sendo irrealizável a manutenção da valoração judicial exercida sob bases equivocadas”[6].

Realmente, como exposto, o equívoco (vício) em confundir juízo de admissibilidade e valoração importa em nulidade da sentença, com a necessidade de reabertura da instrução para produção da prova antes indeferida.

Permaneçamos no exemplo acima exposto: se o laudo oficial é favorável ao autor e o réu requereu prova testemunhal como forma de impugnar o laudo, mantendo, pois, o fato controvertido, temos que sendo negada a prova testemunhal e julgado de plano o processo a favor do autor, pode o réu discutir a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa (apontando confusão judicial entre o juízo de admissibilidade e valoração), e requerer a reabertura da instrução para produção da prova testemunhal.

7. História e sistema contemporâneo de valoração da prova: por fim, encerrando a parte preliminar dos essenciais conceitos integrantes da teoria geral da prova, necessário investigarmos rapidamente os marcos históricos atinentes à valoração da prova, fixando os contornos do atual sistema adotado pelo direito processual pátrio.

Quatro são os tradicionais sistemas de valoração da prova anotados nos mais diversos processos civis, assim encontrados em ordem cronológica: a) ordálios, b) sistema do livre convencimento imotivado, c) sistema da prova tarifada, d) sistema da persuasão racional.

 Ordálios: julgamentos de Deus, próprios da Idade Média, caráter irracional e sobrenatural, caminho justo encontrado pela magia. – sistema de valoração não mais utilizado.

Sistema do livre convencimento imotivado: convicção íntima do magistrado, caráter racional mas despido de motivação, julgava-se com base em provas constantes nos autos e experiência do julgador, sem que se pudesse duvidar do juízo emitido pelo magistrado – resquício atualmente presente no campo penal pátrio, como Tribunal do Júri.

Sistema da prova tarifada: prova legal ou plena, vedado ao juiz a valoração da prova porque todo o seu valor está pré-fixado pelo ordenamento jurídico, magistrado seria um matemático – resquícios atualmente presentes na limitação da prova testemunhal a prova de dívida em contratos acima de 10 salários mínimos (art. 401 CPC) e na limitação da mesma prova para comprovar sozinha tempo rural para fins previdenciários (súmula 149 STJ).

 Sistema da persuasão racional: livre convencimento motivado do juiz; não é aceita hierarquia absoluta de provas, podendo o julgador se valer de qualquer uma, desde que haja motivação a respeito – é o sistema atualmente adotado pelo Brasil, conforme art. 93,IX CF/88 combinado com o art. 131 e 436 do CPC[7].

Em relação aos dispositivos invocados, tratam, respectivamente, de: garantir a necessidade de fundamentação de todas as decisões sob pena de nulidade; explicitar que o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes nos autos, mas deverá indicar na sentença os motivos que lhe formaram o convencimento; e regular que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.

Atualmente, no sistema processual pátrio, como também nos principais sistemas alienígenos, o método de valoração do livre convencimento motivado é adotado em razão da necessidade de ser dada certa liberdade ao magistrado (uma das facetas do ativismo judicial) para, segundo a sua convicção, escolher as provas que melhor tendem a resolver o caso concreto; situação que por outro lado é atenuada a partir da obrigatoriedade de densa fundamentação sentencial, prévia formação de contraditório, e posterior possibilidade de manejo de recurso pela parte eventualmente insatisfeita (acesso facilitado ao duplo grau jurisdicional)[8].

Reforça-se, pois, que ao mesmo tempo em que não se nega a importância do ativismo judicial no comando da marcha do processo, reconhece-se a importância da motivação das decisões (tanto mais elevada quanto for a importância da medida a ser adotada pelo Estado-juiz), ao lado da presença constante do contraditório e da figura do duplo grau de jurisdição[9]. São com esses (três) elementos essenciais, integrantes de um “sistema de legalidade”, corporificador do due process, que se combate o arbítrio jurisdicional (desvios decorrentes da necessária conduta ativa do julgador), lavrando-se decisum final mais próximo da legitimidade exigida pela sociedade política[10].

A discussão quanto à fundamentação completa versus fundamentação suficiente é conhecida no ambiente forense, tendo a jurisprudência pátria consolidado entendimento, por nós não acolhido[11], no sentido de que o julgador não está obrigado a desenvolver fundamentação plena, mas tão só suficiente para se posicionar a favor dos interesses de uma das partes litigantes[12].

Há, no entanto, firmes vozes, ao encontro do nosso raciocínio, fixando que a eventual autorização concedida ao juiz para não se manifestar expressamente a respeito de todo o material coletado no feito, entendendo-se que bastaria “uma consideração global e sintética dos elementos conhecidos sobre os quais se funda o seu convencimento”, nas palavras de Michele Taruffo, é regra que, por traz de uma aparente razoabilidade, esconde grave equívoco procedimental[13]. Egas Moniz de Aragão observa por fim, criticamente, que é comum se dizer que na fundamentação da sentença/acórdão o magistrado não precisa examinar todas as questões do processo: “Isto está absolutamente equivocado (...); é inadmissível supor que o juiz possa escolher, para julgar, apenas algumas das questões que as partes lhe submeterem. Sejam preliminares, prejudiciais, processuais ou de mérito, o juiz tem de examiná-las todas. Se não fizer a sentença estará incompleta”[14].

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IV. DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL E O REGIME PROBATÓRIO: DIREITO PRIORITÁRIO À PROVA E REPERCUSSÃO INFRACONSTITUCIONAL; PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ; PRINCÍPIO DISPOSITIVO E O SISTEMA DE PRECLUSÕES; BASE INFRACONSTITUCIONAL DE APOIO

8. Direito prioritário à prova: Chega-se, pois, a oportunidade de exame do lastro constitucional que embasa o estudo detido (prioritário) da prova no processo civil. A partir dessa premissa, discorre-se em boa medida a respeito de temas vitais para a estrutura do procedimento, como a preclusão e o princípio dispositivo. E encerra-se essa aproximação tratando das disposições no CPC que se dedicam à disciplina da prova e que podem sim serem (re)interpretadas diante do contexto constitucional vazado.

Pois bem. Extrai-se inegavelmente da CF/88, a máxima de que a prova é algo fundamental para o processo, que não é algo acessório, que não pode ser simplesmente indeferido pelo magistrado sem maiores repercussões. Se é bem verdade que há disposição expressa a respeito do macro princípio da “efetividade”, conforme preconiza o novel inciso LXXVIII do art. 5°, há dispositivos constitucionais – embora menos explícitos – que se colocam mais propriamente a favor da prova, voltados ao macro princípio da “segurança jurídica”[15], no sentido de garantia de aproximação do juiz da verdade no caso concreto[16].

Dentre os fundamentos constitucionais do direito prioritário à prova, podemos elencar: art. 5°, XXXV: acesso (adequado) ao judiciário; art. 5°, LIV: devido processo legal (processo justo); art. 5°, LV: contraditório e ampla defesa (com os meios de prova inerentes); art. 5°, LVI: provas lícitas (processo que aceita número amplo de provas lícitas).

Tais dispositivos podem (devem) ser interpretados articuladamente a fim de que o processo judicial seja não só célere, mas também qualificado[17] – o que, diante do nosso objeto de investigação, é obtido por meio de não limitação excessiva do direito de provar. Correto, nesse diapasão, Eduardo Cambi quando destaca que embora o direito à prova não seja absoluto (como nenhum direito pode desta forma ser concebido), “deve ser reconhecido como prioritário para o sistema processual, não podendo ser indevidamente limitado, a ponto de seu exercício ser meramente residual”[18].

Tal constatação autoriza, sem dúvidas, a possibilidade de analisarmos as repercussões infraconstitucionais desse conceito de direito prioritário à prova, a partir da releitura de alguns importantes artigos do CPC à luz desse conjunto de garantias constitucionais à prova. Ocorre que a leitura isolada desses dispositivos infraconstitucionais poderia dar grande margem de arbítrio ao julgador, o qual diante do exposto contexto constitucional encontraria amparo a fim de ter maior cuidado/critério no ato (gravoso) de indeferir provas.

Nesse contexto, a releitura proposta é de dois principais dispositivos do CPC, a saber: art. 130 e art. 330; os quais, respectivamente, disciplinam o seguinte: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”; e “O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;  II - quando ocorrer a revelia (art. 319)”.

a) indeferimento de provas como situação absolutamente excepcional – exegese art. 130, in fine: a releitura do dispositivo à luz da CF/88 indica para uma menor liberdade do magistrado em indeferir as diligências inúteis ou procrastinatórias, assim agindo tão somente quando o caso concreto apontasse claramente para esse sentido; nos demais casos, inclusive os de dúvida a respeito da necessidade ou não de produzir a prova, a mesma deve ser admitida em respeito ao direito prioritário à prova.

b) não preclusividade do juiz em matéria probatória – exegese art. 130, ab initio: a matéria probatória é de ordem pública (acima do interesse das partes), razão pela qual o magistrado pode requerer (admitir) a prova de ofício. Trata-se de importante dispositivo, alicerçado constitucionalmente no direito prioritário à prova, que autoriza a direta participação judicial no esclarecimento dos pontos controvertidos no processo, tudo a resultar em decisão mais justa, que legitime o decisum com o selo estatal.

 c) julgamento do feito de forma antecipada, sem audiência de instrução/julgamento, só em situações absolutamente excepcionais – exegese art. 330,I: lógica semelhante a proposta para o art. 130, in fine é aqui testada. Havendo dúvidas a respeito da necessidade de prosseguimento da instrução, especialmente para a produção de provas em audiência – onde se intensifica o contraditório e se aproxima o julgador da matéria a ser sentenciada, vivificando o princípio da identidade física constante no art. 132 do CPC – não pode o julgador antecipar o encerramento da instrução, sob pena de julgar sem todos os elementos de prova necessários.

d) possibilidade real do revel produzir provas ao comparecer oportunamente ao processo – exegese art. 330,II: a luz do exposto contexto constitucional indaga-se se se apresentar o revel antes do julgamento, poderia ele requerer as provas necessárias para superar a presunção legal relativa (presunção juris tantum) decorrente do art. 319? Ficaria assim excluída, nessa hipótese, a incidência do art. 330, II? Parece-nos que sim. A propósito, deve-se fazer menção à posição consolidada do STF sobre o tema, a partir da Súmula n° 231, in verbis: “o revel, em processo civil, pode produzir provas desde que compareça em tempo oportuno”. Daí resulta, a priori, que se o revel se fizer presente logo na sequencia da decretação da revelia, o magistrado não poderá realmente julgar o processo antecipadamente, sob pena de cerceamento de defesa, o que implicaria nulidade da sentença.

9. Poderes instrutórios do juiz, princípio dispositivo e o sistema de preclusões: ratifica-se que no contemporâneo sistema processual, o magistrado, como “diretor do processo”, pode deferir de ofício a produção de prova, já que se trata de matéria de ordem pública (de interesse “supra partes”)[19], não estando mais a produção de provas na mera disponibilidade das partes.

Tal exigência moderna de suplementação de um modelo de atuação passiva do Estado-juiz na instrução processual orienta então o julgador a buscar a verdade independente da preclusão para as partes em matéria de prova – valendo-se de todos os meios probatórios lícitos e legítimos, típicos ou atípicos[20].

Daí por que se diz que estamos aqui diante de importante relativização do princípio dispositivo em sentido processual ou impróprio (diferente do princípio em sentido material ou próprio, o qual ainda não sofre relativizações – ligado, este, diretamente, à atividade da parte ao definir a causa de pedir e o pedido da demanda[21]). Não há, nessa mesma conjectura, preclusão para o juiz em matéria probatória, podendo o magistrado deferir prova anteriormente indeferida, em face da necessidade de melhor instruir o feito[22] - mas desde que mantenha jurisdição no feito.

Por derradeiro, cabe-nos destacar a seguinte discussão proposta por Manoel Caetano Ferreira Filho[23]. Embora o poder de iniciativa probatória do Estado-juiz inclui o de determinar a produção de prova anteriormente indeferida, o contrário também poderia ser realizado pelo magistrado? Ou seja, poderia ele indeferir prova que já tenha determinado produzir, com base até na parte final do art. 130 CPC, que prega o indeferimento das diligências inúteis ou meramente protelatórias; e/ou mesmo no regulado pelo art. 125, II, do CPC, a estabelecer como dever do diretor do processo o de velar pela rápida solução do litígio?

A resposta, a partir desses fundamentos, é afirmativa para Eduardo Cambi, o qual alega que seria um contra-senso, se em face de outras provas produzidas, não pudesse o magistrado reconsiderar a decisão anterior autorizadora da realização da prova, que no curso da instrução aos olhos do diretor do processo mostrou-se supérflua ou irrelevante: “assim, a inutilidade ou a desnecessidade da prova também podem ser supervenientes, quando um fato já estiver sido provado por outras provas, devendo-se aplicar, neste caso, o princípio da economia processual”[24].

No entanto, de acordo com a manifestação de Manoel Caetano Ferreira Filho, cremos, a priori, que não possui esse poder o juiz, a não ser que excepcionalmente a parte a quem aproveite a prova expressamente concorde com a sua não realização (diante do que Cambi denomina de uma superveniente verificação da inutilidade de sua produção). Assim também raciocina Daniel Amorm Assumpção Neves[25].

Temos, como regra geral, que se a parte exerceu regularmente a faculdade de requerer oportunamente a prova que entendia como necessária para o resguardo dos seus interesses, e teve seu pedido acatado pelo magistrado, o posterior indeferimento da prova implicaria ofensa ao direito de licitamente provar. Além disso, a preclusão tem por finalidade assegurar a estabilidade das situações jurídicas processuais; e a situação de quem teve a prova admitida seria profundamente alterada com o posterior indeferimento[26].

10. Base infraconstitucional de apoio: encerrando o cenário de apresentação da teoria geral da prova, em sua dimensão constitucional e infraconstitucional, cabe colacionar os principais dispositivos em matéria probatória presentes no nosso Código Buzaid:

a) art. 130/132 do CPC: artigos que tratam, respectivamente, dos poderes do juiz em torno da admissibilidade da prova; sistema de valoração da prova baseada no princípio do livre convencimento motivado; e, ainda, a importância da identidade física do magistrado, o qual deve julgar a lide ao concluir à audiência de instrução.

 b) art. 330 do CPC: matérias de fato/direito e julgamento imediato do feito, inclusive nos casos envolvendo a revelia.

 c) art. 319/324 do CPC: revelia e efeitos para a prova. O grande ônus inicial à parte demandada mereceu tratamento diferenciado da legislação adjetiva.

 d) art. 332/457 do CPC: teoria das provas e provas em espécie. O grande cenário em que se visualiza a disciplina da teoria geral da prova, e que passa ser objeto de nossa investigação a partir de agora, iniciando pela disciplina do art. 332 do CPC[27].

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Sobre o autor
Fernando Rubin

Advogado do Escritório de Direito Social, Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica. Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor da Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER, Laureate International Universities. Professor Pesquisador do Centro de Estudos Trabalhistas do Rio Grande do Sul – CETRA/Imed. Professor colaborador da Escola Superior da Advocacia – ESA/RS. Instrutor Lex Magister São Paulo. Professor convidado de cursos de Pós graduação latu sensu. Articulista de revistas especializadas em processo civil, previdenciário e trabalhista. Parecerista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUBIN, Fernando. Teoria geral da prova.: Do conceito de prova aos modelos de constatação da verdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3479, 9 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23414. Acesso em: 22 dez. 2024.

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