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Teoria geral da prova.

Do conceito de prova aos modelos de constatação da verdade

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09/01/2013 às 08:59

Resumo:


  • Teoria geral da prova: essencial para a prática forense, abrange a admissibilidade, oportunidade e limites dos meios lícitos de prova.

  • Distinção entre juízo de admissibilidade e valoração da prova: importante para evitar antecipação do julgamento e garantir a produção de provas relevantes.

  • Hierarquia das provas: não há uma hierarquia absoluta entre provas típicas e atípicas, sendo todas admissíveis desde que moralmente legítimas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

V. PROVAS TÍPICAS E ATÍPICAS E AS REGRAS SOBRE HIERARQUIA DE PROVAS

11. Hierarquia de provas: de acordo com a disciplina do art. 332 do CPC articulado com o art. 131 (o sistema de persuasão racional, como modelo de valoração da prova), não há hierarquia de provas, podendo ser utilizados meios de prova típicos e mesmo atípicos, desde que moralmente legítimos.

O modelo da livre apreciação da prova, hoje mais em voga nas codificações processuais, garante que qualquer meio de prova lícito, típico ou atípico, pode ser capaz de convencer o julgador da causa quanto às alegações e exceções anunciadas. O que se exige é que se tenha maior cuidado na admissão e produção da prova atípica, já que, não havendo procedimento legal específico, deve o julgador redobrar a atenção para que não ocorram erros na utilização de tal prova para a solução do litígio[28]. E onde é que se irá demonstrar a utilização das provas atípicas com a cautela maior supra-aludida? Na fundamentação da sentença[29].

Inexistindo hierarquia propriamente dita, o que se pode admitir, no máximo, é certa "preferência pela prova típica", na forma como determinada pelo legislador, diante da maior facilidade, para o julgador, na sua admissão, produção e valoração[30]. Ainda a confirmar a existência desta "preferência", há de se convir que, na prática, em regra, a prova atípica (especialmente o "indício") não serve, por si só, normalmente, de fundamento para a firmação de decisão final - sendo comum na doutrina ser mencionado da sua utilização excepcional "quando os meios de prova diretos são indisponíveis à prova dos fatos controvertidos”[31].

Mas, em compatibilidade com a teoria da inexistência de hierarquia absoluta entre provas - que ratificamos, há de se registrar que em determinados casos, por certo, a prova atípica, aceita como meio probante, poderá sim ser a única disponível e compatível com a natureza da demanda[32]. Por isso, inapropriado se afirmar categoricamente que a prova atípica nunca passará de um "argumento de prova", entendida a expressão destacada, na forma exposta dentre outros por Michele Taruffo e Luigi Montesano, como prova subsidiária a dar respaldo à prova típica confeccionada, ou, em termos mais técnicos, como instrumentos lógico-críticos que auxiliam na valoração das provas típicas[33] – ­adquirindo a prova atípica, nesta perspectiva criticada, função não mais do que auxiliar e integrativa do teor das provas típicas, já que insuficiente, por si só, para convencer o julgador[34].

Responde-se negativamente assim também a seguinte indagação: há hierarquia entre a prova atípica indireta (v.g., uma prova indiciária) e a prova atípica direta (v.g., uma prova pericial emprestada)? Da mesma maneira aqui vê-se que não há distinções ontológicas entre a primeira (que é prova direta com relação ao fato menor, incidental, usualmente ligado a outro fato que dele se infere) e a última (prova que tem por objeto diretamente o fato controvertido que está sendo investigado).

Nesse sentir, na jurisprudência pátria encontram-se inúmeros arestos, merecendo destaque por ora o HC 70344/RJ, Rel. Min. Paulo Brossard, 2ª Turma do STF, em que se referiu que "os indícios, dado ao livre convencimento do juiz, são equivalentes a qualquer outro meio de prova, pois a certeza pode provir deles". E se pensarmos nas provas típicas, da mesma forma, conclui-se que não há hierarquia absoluta entre as modalidades que se encaixam na nomenclatura, sendo exemplo clássico da assertiva o teor do já anunciado art. 436 do CPC, admitindo que o juiz não está adstrito ao laudo (prova pericial), podendo firmar sua convicção por outros meios de prova (v.g., documentos, oitiva de testemunhas, laudo do perito assistente).

Portanto, inexistindo hierarquia absoluta entre a prova típica e prova atípica, e nem mesmo entre as várias modalidades/espécies de prova que cada gênero comporta, descabido se relativizar, de antemão em todos os casos, a importância e o peso da utilização desta, em detrimento daquela[35].

12. Rol das principais provas típicas e atípicas: as provas típicas são regulamentadas no CPC, cuja ordem principal pode ser extraída do art. 452: a) prova documental; b) prova perícia; c) prova testemunhal.

Já as provas atípicas são assim denominadas justamente por não estarem regulamentadas no CPC; previstas, pois, em razão de uma cláusula escapatória constante no art. 332 CPC[36].

 Com o tempo podem se transformar em provas típicas, devido ao fenômeno de assimilação. Sim, porque não raro com o passar do tempo, em face de necessidades práticas, um meio de prova ou forma de apresentá-la ao processo é desenvolvido e acolhido pela comunidade jurídica, vindo posteriormente a ser positivado - em conseqüência, com o advento de disposição legal, a prova que era atípica passa a ser típica.

A propósito, Moacyr Amaral Santos alude que "os meios de prova não são criações abstratas da lei, mas generalizações da experiência"[37], o que indica estarmos diante de fenômeno de criação/desenvolvimento incessante e irrefreável[38]. Repara-se então, a importância da existência de uma "cláusula escapatória" nos sistemas processuais reguladores da prova, já que aos meios probantes apresentados e delimitados pelo legislador em determinado lapso temporal, podem ser desenvolvidos outros, que enquanto ainda não positivados, não poderiam ser afastados como fontes hábeis, se lícitas, para o convencimento do órgão judicial[39].

Dentre as principais provas atípicas hoje utilizadas no processo, temos: a) indícios – vestígios (meio de prova indireto) que somado as máximas de experiência autorizam presunções judiciais; b) prova emprestada: translado da prova (geralmente pericial) de processo originário para processo secundário, devendo ter (em ambos os processos) a participação da parte contra quem a prova desfavorece, sendo então importante o estabelecimento do contraditório no processo originário com a participação ao menos desta parte – em caso de não existir essa identidade, pode-se cogitar de utilização dessa prova não com o peso de prova emprestada, sendo recebida como prova documental unilateral (pré-constituída - sendo inclusive essa a forma que vai assumir no feito a ser julgado), a estar obrigatoriamente sujeito ao contraditório no momento de ingresso no processo secundário; c) modernos meios de prova: documento eletrônico (email), prova judicial via satélite, interrogatório on line, prova extraída de conteúdo público exposto nas redes sociais (facebook, twitter).


VI. REGRAS DO ÔNUS DA PROVA E INVERSÃO DO ÔNUS DE PROVAR

13. Regra do ônus da prova: a regra vem prevista no art. 333 do CPC (que incumbe ao autor alegar e provar o fato constitutivo do seu direito; e ao réu alegar e provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo desse direito), tinha importância muito grande ao tempo em que não admitida relativização do princípio dispositivo em sentido processual ou impróprio. No processo moderno, tendo o juiz condições de ir em busca, ex officio, da verdade, entendemos que só deva julgar com base na regra do ônus de prova em situações excepcionalíssimas, em que após todos os esforços (dos agentes atuantes no feito – Estado-juiz e partes) não for possível estabelecer grau de certeza suficiente em relação ao direito discutido no processo.

Nesse sentir, a famosa disposição do art. 333 deve ser compreendida, restritivamente, como mera regra de julgamento, a ser utilizada em último caso pelo julgador. Com esse adequado enfoque Sidnei Amendoeira Jr. registra que “o não cumprimento do ônus da prova pode ser suprido pela atividade instrutória do juiz (o que não é unânime), mesmo porque a prova não pertence à parte; uma vez produzida, passa a integrar o processo, pouco importando quem a produziu”[40].

Quanto ao ônus de prova, deve-se admitir que realmente não existe um dever jurídico de provar, apenas o ônus de fazê-lo. Nessa seara, merece referência expressa o clássico processualista James Goldschmidt, por ressaltar as grandes diferenças entre a relação jurídica de direito material para a relação jurídica de direito processual (que melhor entendia ser denominada de “situação jurídica”) – precipuamente a configuração no processo de relações complexas, múltiplas, nos diferentes estágios da demanda; e por introduzir na ciência processual moderna a noção de “ônus”, em oposição à de “deveres” (“obrigações”), por discorrer com razão que às partes “convêm” (e não categoricamente “devem”) se manifestar no feito em busca de melhor sorte, sob pena de se seguir uma desvantagem processual, que em última instância, representaria uma sentença contrária a seus interesses[41].

14. Inversão do ônus de provar: a previsão constante no art. 333 é a de que a parte que fez determinada alegação deve tratar de prová-la: fato constitutivo de direito (parte autora), fato impeditivo, modificativo ou extintivo de direito (parte ré) – regra tradicional ainda hoje presente no direito civil, por exemplo. Em alguns ramos do Direito, no entanto, vem sendo admitida relativizações nesse ponto, admitindo-se a inversão do ônus de provar, geralmente em razão de maior condição técnica-financeira de uma parte: como no direito do trabalho e especialmente no direito do consumidor (art. 6°, VIII CDC).

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Quanto ao momento em que deve ser determinada a inversão do ônus da prova, tem-se que pelas regras postas não há obrigação de haver manifestação expressa do juiz no saneamento do feito, embora por prudência seja coerente a medida, evitando serem as partes surpreendidas de alguma forma. Em relação à aludida disciplina consumeirista, mesmo que não haja explicitação pelo julgador a respeito em meio à instrução, “o fornecedor sabe que a inversão é possível, devendo trabalhar com tal hipótese; não cabendo apenas a ele, mas também ao consumidor e ao próprio juiz, o dever de buscar a verdade possível”[42].  


VII. TEMAS COMPLEMENTARES NA TEORIA GERAL DA PROVA: FATOS NOTÓRIOS, CONFESSADOS OU INCONTROVERSOS; MÁXIMAS DE EXPERIÊNCIA; PROVAS DE DIREITO

15. Sistema de matérias não objeto de prova: ultrapassada a disciplina do ônus processual, passasse a investigar os derradeiros dispositivos da teoria geral da prova, constantes nos arts. 334, 335 e 337. Inicia-se pelo sistema de matérias não objeto de prova constante no art. 334, a determinar que não são controvertidos ou relevantes especialmente os fatos notórios, os fatos confessados e os fatos incontroversos.

Fatos notórios: fatos públicos, de repercussão geral, noticiados.

Fatos confessados: pela parte contrária, reconhecidos como verdadeiros por uma das partes. A confissão pode ser provocada, espontânea ou ficta – nesse último específico caso, quando a parte não comparece, sem justificativa, a evento solene do processo em que deveria se pronunciar.

Fatos incontroversos: não impugnados no processo pela parte contrária, na primeira oportunidade processual. Se sobre determinada questão não há controvérsia, não há porque fazer prova no processo; sempre lembrando a regra processual, prevista no art. 302 do CPC, de que a parte deve fazer impugnação específica dos fatos apresentados pela parte contrária, não valendo por regra a impugnação genérica (própria para situações excepcionais de advogado dativo, curador especial e órgão do Ministério Público).

Nesses casos tradicionais, especialmente os elencados nos incisos II e III do art. 334 (fatos confessados e incontroversos, respectivamente), a prova se faz desnecessária (e pode por isso ser imediatamente inadmitida, com arrimo no estudado art. 130, in fine) já que atendidos simultaneamente dois requisitos essenciais, assim explicados por Luis Alberto Reichelt: “a inexistência de controvérsia entre as partes sobre a existência histórica ou não e a conformidade dessa versão da realidade em face de um padrão de normalidade explicitado em uma regra de experiência. Diante de tais pressupostos, o juiz pode dispensar a produção de provas ulteriores a respeito de alegações em torno das quais não paire controvérsia ou que tenha sido objeto de confissão por uma das partes, sendo estabelecida uma regra de exclusão pautada em critérios de normalidade”[43].

16. Máximas de experiência: estamos aqui diante de regra de aplicação do bom senso, regra de experiência comum, espécie de válvula de escape para o julgador considerar o conjunto probatório, ao tempo de decidir, aplicando o que ordinariamente acontece. Regra, na parte geral da teoria das provas, que estabelece um vínculo entre o julgador e a comunidade em que se irá aplicar o Direito.

Estabelece o art. 335 do CPC, ao regular o tópico, que em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.

De fato, embora o dispositivo infraconstitucional, ao tratar das máximas de experiência, não indique com clareza se o momento oportuno de sua utilização é ao tempo de admissão ou ao tempo de valoração da prova, hodiernamente, de acordo com a exposição contida no parágrafo supra, parece-nos que cabe a sua aplicação ao tempo de o julgador proferir sua decisão em cognição exauriente[44].

Exemplo de aplicação: deixar o julgador de considerar determinado meio de prova que poderia resolver sozinho o litígio – como uma prova pericial – por se mostrar destoante do contexto fático apresentado e do que se poderia esperar daquele resultado pericial, levando em consideração o que ordinariamente acontece em casos semelhantes naquela comunidade e naquele lapso temporal.

É importante frisar, por fim, que as regras de experiência devem ser relatas e demonstradas na motivação da decisão, para que possa se estabelecer um determinado “controle (pelas partes) da aplicação das regras de experiência”[45] – sendo tal circunstância confirmadora de que “o campo próprio às máximas de experiência é o da valoração da prova e da formação do convencimento judicial”[46].

17. Provas de direito: quando tratamos do “objeto de prova”, afirmamos que são os fatos controvertidos relevantes, sendo possível excepcionalmente a prova de “direito” (e não de “fato”) em circunstâncias excepcionais, as quais se encontram previstas no art. 337.

Disciplina, pois, o mencionado dispositivo infraconstitucional que a parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz.

Pode, nesses limites, ser controvertido o direito a ser aplicado, mas deve ser provado tão somente: a) se há determinação nesse sentido por parte do Estado-juiz (geralmente em despacho saneador); b) quando a aplicação discutida é direito que não seja federal – direito municipal, estadual, estrangeiro ou ainda consuetudinário (costume que possui relevância jurídica).

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No entanto, interessante o registro complementar, constante em Marinoni e Arenhart, no sentido de que o juiz não pode determinar a prova do direito municipal ou estadual pertinente à sua especial competência. Em outros termos, se o direito municipal ou estadual é do Município ou do Estado em que o juiz exerce a sua atividade, não há como admitir que possa exigir prova do seu teor e vigência: “O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, ‘tratando-se de norma legal editada pelo Poder Executivo do Distrito Federal, não pode o Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal deixar de decidir questão argüida, sob o fundamento de que não fora juntado aos autos o texto da referida norma’ (STJ, 1ª Turma, RESP 98377/DF, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU 03.08.1998)”[47].

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Sobre o autor
Fernando Rubin

Advogado do Escritório de Direito Social, Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica. Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor da Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER, Laureate International Universities. Professor Pesquisador do Centro de Estudos Trabalhistas do Rio Grande do Sul – CETRA/Imed. Professor colaborador da Escola Superior da Advocacia – ESA/RS. Instrutor Lex Magister São Paulo. Professor convidado de cursos de Pós graduação latu sensu. Articulista de revistas especializadas em processo civil, previdenciário e trabalhista. Parecerista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUBIN, Fernando. Teoria geral da prova.: Do conceito de prova aos modelos de constatação da verdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3479, 9 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23414. Acesso em: 22 dez. 2024.

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