3. A natureza da competência normativa das Agências Reguladoras brasileiras
A produção normativa das Agências Reguladoras advém da descentralização administrativa e não de delegação legislativa, nos moldes do inciso IV do art. 59 da Constituição, ou no instituto da deslegalização. Assim sendo, limita-se a editar regulamentos de execução, pois se destinam a desenvolver ou pormenorizar o conteúdo da lei ou do decreto regulamentar.
O Brasil importou o nome e o modelo das Agências Reguladoras basicamente do ordenamento jurídico norte-americano. Entretanto, é preciso cautela ao procurar definir o papel das Agências brasileiras a partir da tradição dos EUA, tendo em vista as diferenças constitucionais entre os dois países.
DI PIETRO[61] assinala que no direito norte-americano o vocábulo agência tem sentido amplo, que abrange qualquer autoridade do governo dos Estados Unidos, esteja ou não sujeita ao controle de outra agência, com exclusão do Congresso e dos Tribunais, conforme consta expressamente da Lei do Procedimento Administrativo (Administrative Procedure Act).[XLV]
O modelo norte-americano concebe a existência de basicamente dois tipos de agências, as regulatory agencies (agências reguladoras) e as non-regulatory agencies (agências não reguladoras). A distinção refere-se à delegação de poderes normativos pelo Congresso. No caso, às regulatory agencies são atribuídas pelo Parlamento norte-americano competências normativas capazes de afetar direitos, liberdades ou atividades econômicas dos administrados. Já as non-regulatory agencies são assemelhadas às agências executivas do direito brasileiro, pois se destinam à prestação de serviços sociais.
JUSTEN FILHO escreve que a tradição norte-americana conduziu a uma ampliação muito significativa da competência normativa das Agências. A Constituição norte-americana permite ao Poder Legislativo estabelecer um núcleo normativo extremamente reduzido, com ampla autonomia normativa para esses órgãos. Apesar dessa liberdade legislativa, o Congresso norte-americano controla a atividade das Agências daquele país, podendo rever as normas regulatórias e até mesmo revogá-las. Exemplo dessa competência é o Congressional Review Act (Contract with America Advancement Act[XLVI] of 1996).[XLVII]
Também o Poder Executivo norte-americano controla as normas das Agências. A Executive Order[XLVIII] 12498 - Regulatory planning process,[XLIX] por exemplo, obriga as agências a informar, no início do ano, quais são e qual é o conteúdo dos atos normativos que pretende adotar. Já a Executive Order 12291 - Federal regulation[62] destina-se: a reduzir o ônus dos regulamentos existentes e futuros, a aumentar a accountability[L] das ações regulatórias, a permitir a supervisão presidencial do processo regulatório, a minimizar a duplicidade e o conflito de normas reguladoras e a assegurar regulamentos razoáveis e bem-fundamentados.[LI]
No âmbito da União Europeia,[LII] o Parlamento Europeu está discutindo, por meio de um grupo interinstitucional, a necessidade de conceber um regulamento comum para as agências regulatórias europeias para definir as suas competências e das instituições da UE em face destas agências. Para tanto, o Parlamento Europeu aprovou a Resolução do Parlamento Europeu, de 21 de outubro de 2008, que trata da estratégia para a resolução dos aspectos institucionais das agências reguladoras comunitárias, publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 21/1/2010[63].
Nesse documento, o Parlamento Europeu ressalta que, se à primeira vista as agências reguladoras podem ser equiparadas a “micro-instituições”, estas devem estar sujeitas às “macro-incidências” do Governo da UE.
A avaliação das agências, segundo o Parlamento Europeu, deve envolver os seguintes pontos:
- indicação dos domínios em que se deverá centrar a avaliação horizontal;
- fixação de critérios objetivos para avaliar a necessidade da existência de agências, tendo em conta eventuais soluções alternativas;
- avaliação regular dos trabalhos e dos resultados alcançados pelas agências, incluindo a avaliação externa por meio, notadamente, de análises custo/benefício;
- avaliar se a opção pela fórmula da agência é mais econômica do que o desempenho das mesmas atividades pelos próprios serviços da Comissão;
- avaliação dos benefícios eventualmente perdidos devido ao exercício de certas atividades por parte de agências de regulação, e não pelos serviços da Comissão;
- tomada de medidas destinadas a reforçar a transparências das agências, em especial por meio da aproximação das suas características estruturais fundamentais;
- definição dos limites da autonomia das agências, do controle exercido sobre estas e da natureza e do alcance das responsabilidades da Comissão pelas respectivas atividades, tendo em conta o fato de que a Comissão, ao ser chamada a prestar contas, não poderá exceder a competência que lhe foi designada;
- designação de representantes do Conselho e da Comissão para os órgãos de controle das agências e audição dos candidatos perante a comissão parlamentar competente;
- designação dos órgãos executivos das agências, notadamente dos seus respectivos diretores, e definição do papel do Parlamento nesta matéria;
- necessidade de uma abordagem normalizada entre as agências para a apresentação das suas atividades durante o exercício em questão, bem como das respectivas contas e relatórios de gestão orçamentária e financeira;
- um requisito que vincule os diretores de todas as agências a emitirem e assinarem uma declaração de fiabilidade, incluindo eventuais reservas, se for o caso;
- um modelo harmonizado, aplicável a todas as agências e organismos descentralizados, estabelecendo uma distinção clara entre eles:
- um relatório anual destinado ao público em geral sobre as atividades, o trabalho e os resultados do organismo;
- as demonstrações financeiras e o relatório sobre a execução do orçamento;
- um relatório de atividades semelhante aos relatórios de atividades dos diretores-gerais da Comissão;
- uma declaração de fiabilidade assinada pelo diretor do organismo, acompanhada de quaisquer reservas ou observações que este considere adequado indicar à autoridade de quitação;
- definição dos princípios para determinar se as taxas e pagamentos devem ser fonte de financiamento das agências, e em que medida; e
- análise permanente da pertinência das agências existentes e estabelecimento de critérios que permitam decidir se uma agência reguladora cumpriu seu objetivo e pode ser extinta.
A Resolução do Parlamento considera indispensável instaurar regras e princípios mínimos comuns relativamente à estrutura, ao funcionamento e ao controle do conjunto das agências reguladoras, independentemente de sua natureza.
Salienta, também, a necessidade de promover o controle parlamentar da Constituição e do funcionamento das agências reguladoras, o qual deverá basear-se em especial:
- na apresentação do relatório anual ao Parlamento pelas próprias agências;
- na possibilidade de convidar o diretor de cada agência, quando de seu processo de nomeação, a comparecer perante a comissão parlamentar competente; e
- na concessão pelo Parlamento da quitação pela execução das agências que recebem financiamento comunitário.
A citada Resolução do Parlamento sublinha a necessidade de exercícios de avaliação e controle periódicos e coordenados - evitando situações de duplicação e sobreposição -, e de avaliar regularmente as agências comunitárias existentes, debruçando-se prioritariamente sobre a sua rentabilidade.
O documento observa, ainda, que a análise deve responder a algumas questões básicas atinentes à relação custos/benefícios e que deverá utilizar, dentre outros, os seguintes critérios:
- Relevância: em que medida foram os objetivos previstos no regulamento de criação da agência em apreço determinantes do nível de despesa pública autorizado no orçamento?
- Eficácia: que efeitos (impactos) foram possíveis obter com a atividade da agência?
- Eficiência (rentabilidade): com que produtividade foram os recursos mobilizados convertidos em resultados? Foram os efeitos (esperados) obtidos a um custo razoável, em particular no tocante aos meios de pessoal empregados e à organização interna?
Por fim, o Parlamento Europeu salienta que, dado o impacto orçamentário das agências, a Comissão Europeia tem de demonstrar de modo convincente que a instituição de agências constitui a opção mais econômica, eficiente e apropriada para a execução das políticas europeias no presente e no futuro próximo.
Já no Brasil, a Constituição não admite o modelo norte-americano. Os princípios da reserva de lei e da reserva de parlamento implicam a necessidade do ato legislativo disciplinar extensamente a matéria. Segundo JUSTEN FILHO[64], “os dados fundamentais da hipótese de incidência e do mandamento normativo apenas podem ser veiculados por meio de lei. Não se admite que a lei estabeleça um padrão abstrato, preenchível pelos mais variados conteúdos, e remeta à agência seu desenvolvimento autônomo.”
3.1. A descentralização administrativa
A competência normativa das Agências advém da descentralização administrativa, característica do regime autárquico previsto no Decreto-lei 200, de 1967. As leis de criação de cada uma das Agências Reguladoras brasileiras constituíram estes órgãos como autarquias sob regime especial. Em outras palavras, possuem um regime autárquico especial. Assim, ainda que sob regime especial, as Agências Reguladoras brasileiras são, em sua essência, autarquias.
A lei reserva às Agências Reguladoras o papel de regular os respectivos setores, dentro dos limites impostos pela norma. Sem lei autorizativa, a atividade normativa das Agências não pode limitar, criar direitos ou invadir o patrimônio dos agentes do mercado e dos consumidores.
Corroborando esse entendimento, ARAGÃO[65] afirma que a lei pode conferir poder regulamentar a titular de órgão ou à entidade da Administração Pública distinta da Chefia do Poder Executivo e que este fenômeno, nas palavras de SAN THIAGO DANTAS, representa a descentralização do poder normativo do Executivo. Ainda segundo ARAGÃO, o poder de baixar regulamentos - de estatuir normas jurídicas inferiores e subordinadas à lei - é uma atribuição constitucional do Presidente da República que a lei pode conferir, em assuntos determinados, a uma autarquia.
Já MORAES[66] leciona que a moderna separação dos poderes mantém a centralização governamental nos poderes políticos do Estado - Executivo e Legislativo - que deverão fixar os preceitos básicos, as metas e as finalidades da Administração Pública, porém, exige maior descentralização administrativa para a consecução desses objetivos. Nessa linha, preceitua MORAES que o Parlamento permanece com a centralização governamental, pois decidirá politicamente sobre a delegação e seus limites às Agências Reguladoras e poderá permitir a descentralização administrativa, autorizando o exercício do poder normativo para a consecução das metas traçadas na lei.
O Decreto-lei 200, de 1967, introduziu no Brasil um modelo de descentralização administrativa[LIII] em que a prestação do serviço público é deslocada, distribuída ou transferida para outros entes federados ou outras pessoas jurídicas.
A norma fez uma clara distinção entre a Administração Pública direta, centralizada, exercida diretamente pela União, Estados e Municípios, valendo-se de uma estrutura piramidal com ministérios, secretarias, departamentos etc.[LIV], e a Administração Pública indireta, descentralizada, exercida por outras pessoas jurídicas que não se confundem com os entes federados.
O art. 4º do Decreto-lei 200 estipula em seu inciso II[LV] que a Administração Indireta compreende as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações públicas, todas dotadas de personalidade jurídica própria.
Em relação às autarquias, o Decreto-lei 200/67 define-as como órgãos autônomos, criados por lei para executar atividades típicas da Administração Pública[LVI].
Conforme a doutrina mais abalizada, as autarquias dividem-se em comuns ou ordinárias, que se sujeitam ao regime geral quanto à administração de seu pessoal, de seus bens e de seus serviços, e autarquias especiais ou sob regime especial, que são aquelas a que a lei instituidora confere privilégios específicos e aumenta sua autonomia comparativamente com as autarquias comuns, sem infringir os preceitos constitucionais pertinentes a essas entidades de personalidade pública[67].
As Agências Reguladoras nada mais são do que autarquias especiais, caracterizadas pela estabilidade do mandato e pelo rito diferenciado de escolha de seus dirigentes. Com efeito, a Constituição atribui ao Senado Federal competência privativa para aprovar previamente, por maioria absoluta e voto secreto, após arguição em sessão pública, a escolha de titulares dos cargos de diretores das agências reguladoras[68].
BANDEIRA DE MELLO[69] ensina que a despeito do caráter auxiliar, a autarquia não é simples delegada de funções públicas. Dispõe, segundo o Autor, de titularidade sobre os interesses e atividades que lhe foram outorgadas pela ordem jurídica. Portanto, não exerce administração em nome do Estado, mas em nome próprio. Sua situação em relação à atividade pública desempenhada diverge radicalmente da situação do particular no exercício de atividade idêntica, porque, ao contrário deste, a autarquia exerce direitos seus, próprios, perseguindo interesses que a lei lhe atribui como pertinentes à sua capacidade.
É imprescindível que as Agências Reguladoras disponham de poder normativo, sem o qual estariam incapacitadas de agir, sendo que seus atos administrativos e/ou normativos possuem presunção de legitimidade e de legalidade.
É bem verdade que a produção normativa brasileira exacerbou-se com a fase do Estado regulador[LVII], quando, além da demanda normativa já existente, acresceu-se a necessidade de regulação de atividades econômicas de extrema importância estratégica decorrentes da desestatização de vários setores da economia.
As leis de criação das Agências Reguladoras, de um modo geral, possuem baixa densidade normativa, transferindo para estes órgãos a competência para normatizar o setor regulado. De fato, as Agências Reguladoras exercem, com amparo na lei, poderes de natureza normativa propriamente dita e poderes de natureza concreta como a solução de conflitos de interesses, de polícia administrativa (preventiva, repressiva e investigativa) e de fomento da atividade por ela regulada.
BANDEIRA DE MELLO[70] ensina que a competência normativa das Agências Reguladoras atém-se aos aspectos estritamente técnicos, não podendo se contrapor às leis ou aos princípios constitucionais, "sendo aceitáveis apenas quando indispensáveis, na extensão e intensidade requeridas para o atendimento do bem jurídico que legitimamente possam curar e obsequiosas à razoabilidade”.
A baixa densidade normativa não significa, entretanto, delegação do poder legiferante do Congresso Nacional para as Agências Reguladoras ou deslegalização. Em nossa Constituição, o princípio da separação de poderes é considerado cláusula pétrea e nem mesmo o Constituinte derivado pode alterá-lo, sob pena de atacar a própria integridade da independência dos poderes, notadamente o exercício, pelo Parlamento, da função primária que lhe foi atribuída pela Constituição: legislar.
Como dito antes, o poder regulamentar é exercido não apenas pelo Chefe do Poder Executivo por meio de decretos, que são atos regulamentares primários, subordinados à lei, mas, também, pelo Poder Executivo como um todo, de acordo com sua competência constitucional ou legal, hierarquizados na forma de atos de natureza secundária, terciária, quaternária, etc., destinados a complementar o conteúdo do decreto e dos demais atos normativos (portarias, ordens de serviço, instruções normativas, etc.)
Segundo CUÉLLAR[71], reconhece-se atualmente que o poder regulamentar pode ser exercido não somente pelo Presidente da República, mas também pelos ministros de Estado e por outros órgãos e entidades da Administração Pública indireta, no seu campo de atuação, como as Agências Reguladoras e as autarquias comuns.
O STF corrobora o entendimento da circunscrição da competência normativa do Poder Executivo aos limites da lei. No julgamento de medida cautelar na ADI 1668-DF, ajuizada contra a Lei nº 9.472, de 1997, a qual dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações e prevê a criação e o funcionamento da ANATEL, arguiu-se, dentre outras questões, a inconstitucionalidade dos incisos IV e X do art. 19[LVIII], os quais estabelecem a competência da Agência para expedir normas regulamentares quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público e de prestação de serviços no regime privado.
O fundamento da inconstitucionalidade arguida pelos autores da ADI 1668-DF seria a ofensa ao inciso XI do art. 21 da Constituição, pois a matéria telecomunicações deveria ser regida por lei e não por decreto do Presidente da República e muito menos por ato normativo da ANATEL. Segundo os autores, nos incisos IV e X do art. 19 da Lei nº 9.472, de 1997, o legislador comum teria delegado à Agência a expedição de normas específicas dos serviços, olvidando o fato do Constituinte haver vinculado ao Congresso Nacional a disciplina da matéria.
O STF deferiu em parte o pedido de medida cautelar, para dar interpretação conforme a Constituição, sem redução de texto, no sentido de que a competência da ANATEL para expedir normas subordina-se aos preceitos legais e regulamentares que regem a outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público e no regime privado[72].
A decisão do STF[73] entendeu que as Agências Reguladoras podem e devem ter função normativa desde que absolutamente subordinadas à legislação e aos decretos do Presidente da República, que são normas de segundo grau de caráter regulamentar.
Logo, o poder normativo conferido às Agências Reguladoras é de caráter técnico, por excelência, suplementar e não pode ultrapassar ou contrariar a lei e nem usurpar a competência de inovar no direito já existente.
Cumpre destacar que, no âmbito do Poder Executivo, a Advocacia Geral da União uniformizou no Parecer nº AC-51, de 12/6/2006[74], o entendimento de que não há suficiente autonomia para as Agências Reguladoras que lhes possa permitir ladear, mesmo dentro da lei, as políticas e orientações da administração superior, visto que a autonomia de que dispõem serve para a precípua atenção aos objetivos públicos.
Conforme o mencionado Parecer[75], todas as prerrogativas especiais concedidas pela legislação às Agências Reguladoras, incluindo sua autonomia decisória, são apenas instrumentos para que elas possam atuar de forma adequada no desempenho das atividades regulatórias que tenham sido expressamente conferidas a elas por lei. Ultrapassado esse limite, as Agências Reguladoras estão automaticamente desinvestidas dessas salvaguardas excepcionais. E não poderia ser diferente, considerando o atual regime constitucional da organização do Estado brasileiro.
Assim, o limite material da competência normativa das Agências Reguladoras é a lei, o decreto e o regulamento expedido pelo Chefe do Poder Executivo. Nesse aspecto, ressalte-se que o limite material das normas reguladoras das Agências está adstrito tanto à lei especial, que pretende explicitar, quanto às leis gerais. Em outras palavras, o ordenamento jurídico de primeiro grau como um todo impõem barreiras à atuação normativa das Agências. Assim, a Agência ao expedir uma norma, por exemplo, sobre o consumo de energia elétrica deve observar os limites das leis específicas que preveem a fruição do mencionado serviço público, bem como as normas do Código de Defesa do Consumidor e todas as que lhe são correlatas.
O ordenamento jurídico nacional não admite que a Agência, sob o propósito de regular a fruição e as regras da atividade econômica do setor que regulam inove na ordem jurídica. Não se pode permitir que essas autarquias com o propósito, por exemplo, de regular o direito dos consumidores de determinado serviço público, contrarie os dispositivos do CDC.
Entender de forma diferente seria reconhecer o direito das agências de inovar na ordem jurídica e revogar direitos garantidos em lei.
3.2. A discussão sobre a competência normativa diferenciada das Agências Reguladoras que possuem sede constitucional
O inciso IX do art. 21[LIX] e o inciso III do § 2º do art. 177[LX] da Constituição preveem a criação de órgãos reguladores das telecomunicações e do petróleo, respectivamente. Em razão dessa previsão constitucional, alguns defendem que as Agências Reguladoras desses setores, no caso a ANATEL e a ANP, seriam juridicamente dotadas de um regime especial que lhes conferiria uma autonomia e um poder normativo diferenciado.
Esse entendimento não se sustenta, uma vez que o art. 174 da Constituição estabelece de maneira genérica que o Estado é o agente normativo e regulador da atividade econômica. De igual forma, o inciso IX do art. 21 e o inciso III do § 2º do art. 177 da Constituição são genéricos e fazem menção apenas a um órgão regulador, sem definir o modelo a ser adotado e sem conferir poderes originais especiais, diferenciados dos atribuídos pela legislação infraconstitucional aos demais órgãos reguladores.
Assim, nada impediria a opção do legislador por um órgão regulador que integrasse a Administração Pública direta ou por entidade que fosse constituída sob a forma de autarquia, em regime especial ou não. Cite-se, no caso, a Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. - Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), criada pela Lei nº 12.304, de 2010, como empresa pública, sob a forma de sociedade anônima, para a gestão dos contratos de partilha de produção e a gestão dos contratos para a comercialização de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos da União. Essa entidade vai funcionar, na prática, como uma Agência Reguladora dos contratos do Pré-sal[LXI].
A conclusão lógica a que se chega é que qualquer desses órgãos poderá ser extinto por lei ordinária. De fato, nada impede que o legislador ordinário transfira a competência das Agências Reguladoras para órgãos integrantes da estrutura dos ministérios e extinga as atuais Agências, inclusive a ANATEL e a ANP. O que o legislador ordinário não está autorizado constitucionalmente a fazer é transferir ou extinguir a competência do Estado como agente normativo e regulador.
DI PIETRO ressalta que a competência reguladora das Agências, inclusive das que possuem fundamento constitucional, como é o caso da ANP[LXII] e da ANATEL[LXIII], é limitada "aos chamados regulamentos administrativos ou de organização, só podendo dizer respeito às relações entre os particulares que estão em situação de sujeição especial ao Estado"[76].
Assim, todas as Agências Reguladoras brasileiras são autarquias especiais, com competência normativa semelhante, indiferentemente de previsão constitucional expressa.