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A nova moldura da prescrição penal.

Impactos da Lei n.º 12.234/2010 no sistema jurídico brasileiro

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16/01/2013 às 09:17
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Qual a natureza jurídica da norma? A novel legislação pode alcançar fatos anteriores à sua vigência? Acabou a prescrição retroativa? A lei foi benéfica para a efetividade das investigações criminais? A lei é compatível com a Constituição Federal? Reduzirá a novel legislação a faixa de impunidade?

Resumo: Aborda-se, no ensaio, as principais consequências da introdução, no ordenamento jurídico brasileiro, da Lei n.º 12.234/2010. Trata-se inicialmente do instituto do direito de punir do Estado e da existência de um prazo para o exercício do direito de punir. Analisa-se o instituto da prescrição, seu conceito, natureza, espécies e efeitos. Investiga-se as principais alterações empreendidas pela Lei n.º 12.234/2010, sobre uma possível extinção da prescrição retroativa e eventual inconstitucionalidade do diploma legislativo. Conclui-se que a norma que promoveu a extinção da prescrição retroativa, levando em conta o lapso temporal decorrido da data do fato à data de recebimento da denúncia, é inconstitucional, por agressão aos princípios da segurança jurídica , razoável duração do processo e eficiência da Administração Pública, além de não se configurar em instrumento hábil à diminuição da criminalidade.

Palavras-chave: Prescrição. Lei n.º 12.234/2010. Aspectos constitucionais.

Sumário: 1. Introdução. 2. Da Prescrição. 2.1 O Direito de Punir do Estado. 2.2 Conceito. 2.3 Espécies. 2.4 Prescrição Retroativa. 2.5 Prescrição das medidas de segurança. 3. Aspectos polêmicos da Lei n.º 12.234/2010. 3.1 Retroatividade da norma. 3.2 Redução dos casos de prescrição retroativa: sua compatibilidade com a Constituição Federal e a eficácia das investigações criminais. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas.


1. Introdução.

Tramitam no Congresso Nacional diversos projetos sobre matéria penal e processual penal. Recentemente, alterou-se o Código Penal (Lei n.º 12.015/2009) no Capítulo dedicado aos crimes contra à dignidade sexual. O arcaico tratamento legislativo conferido aos crimes contra os costumes recebeu nova roupagem, à luz da mudança do comportamento sexual das pessoas, seja do ponto de vista de sua prática, seja na perspectiva de educação familiar e crítica social. Em atenção às modificações sofridas ao longo dos tempos, veio a Lei n.º 11.983/2009 e deixou de considerar a mendicância infração penal (Revogação do art. 60 do Decreto-Lei n.º 3688/41). Agora, aqueles que se dedicam a pedir esmolas não vão encontrar mais obstáculos no Direito Penal. Em boa hora, percebeu o legislador após quase 60 (sessenta) anos que a reprovabilidade deve recair no comportamento das pessoas que construíram um quadro de miséria social e não sobre os seres humanos que padecem com esse mesmo quadro. Doravante, as pessoas incomodadas com pedintes deixam de receber tutela penal em razão dessas súplicas.

Não há dúvidas que a inflação legislativa no campo criminal ainda não foi debelada com o mesmo êxito que foi àquela na economia, desde a implantação do Plano Real, no ano de 1994. Tal avidez do Congresso Nacional em muitos casos não produz resultados efetivos, já que o trabalho do legislador não tem o condão de alterar o quadro de pobreza que assola o país. Pode-se questionar até mesmo sobre a existência desse vínculo entre pobreza e criminalidade. Ora, se nos últimos anos houve uma redução do número de indigentes, por qual razão os índices da criminalidade não foram reduzidos? O número de indigentes e o índice de mortalidade por desnutrição foi reduzido, mas a desigualdade social persiste, o conviver no mesmo espaço entre pessoas tão diferentes – ostentação e marginalização – constitui-se em fator de estímulo à prática de crimes.

A Lei n.º 12.234/2010 trata sobre a prescrição – causa de extinção da punibilidade. O tempo e o Direito em muitos momentos estão intimamente ligados. A posse mansa e pacífica sobre um determinado bem móvel ou imóvel pode tornar o mero possuidor em proprietário, desde que decorra um certo lapso temporal. O direito do possuidor é, ao mesmo tempo – uma sanção ao proprietário que demonstrou desinteresse por parcela de seu patrimônio. No direito processual a observância aos prazos é uma questão de sobrevivência dos personagens processuais: a preclusão temporal confirma a assertiva, vez que a parte perde o direito de praticar o ato caso não o faça no prazo estabelecido em lei.

No campo penal, há alguns institutos que sofrem a influência do tempo. Nos crimes de ação penal privada o ofendido dispõe do prazo de 06 (seis) meses – a contar do dia em que tomou conhecimento da autoria do delito – para oferecer queixa-crime. Nos delitos sujeitos à ação penal pública condicionada, a vítima também dispõe do mesmo prazo de 06 (seis) meses para manifestar interesse no processamento e punição do autor do crime. Em ambos os casos mencionados, o transcurso desse prazo sem o ajuizamento da ação penal ou sem a representação produz idêntico efeito: a extinção do direito de punir do Estado por força da decadência.

Nesse verdadeiro emaranhado legislativo, surge a Lei n.º 12.234/2010, alterando os artigos 109 e 110 do Código Penal Brasileiro. Algumas questões surgem diante da modificação sofrida pelo Código Penal: Qual a natureza jurídica da norma? A novel legislação pode alcançar fatos anteriores à sua vigência? Acabou a prescrição retroativa? A lei foi benéfica para a efetividade das investigações criminais? A lei é compatível com a Constituição Federal? Reduzirá a novel legislação a faixa de impunidade? Cumpre a este ensaio buscar respostas a essas indagações, de modo a deixar transparecer as primeiras impressões sobre a lei objeto do estudo e seu relacionamento com os princípios constitucionais correlatos.


2. Da Prescrição

Feitas as considerações introdutórias sobre os objetivos do ensaio, cumpre agora estudar o instituto da prescrição em seus aspectos mais relevantes, para que se possa compreender seus fundamentos e as razões para a edição da Lei n.º 12.234/2010.

2.1 O Direito de Punir do Estado

Por natureza, o ser humano é egoísta, pensa de forma tão intensa em seus próprios interesses que busca o outro para satisfazer seus desejos, tornar sua vida mais agradável, compartilhar seus sofrimentos, esquecer problemas, diminuir remorsos, buscar o perdão pelos pecados cometidos. Até quando ajuda o semelhante não se deixa de imaginar em que aquele ato de bondade cristã poderá aliviar as culpas do indivíduo. Muitas dessas manifestações naturais do homem passam ao largo de qualquer disciplina normativa, ao passo que outras condutas, tal o seu envolvimento na esfera jurídica dos demais membros da sociedade, instalando-se um conflito, merecem a atenção do Direito. Nessa trilha, cabe ao Direito Penal cuidar apenas daqueles comportamentos que afetarem de modo substancial os interesses de maior envergadura para o corpo social, não havendo outro meio eficaz de proteção aos bens jurídicos.

Antes da interferência do Estado no campo punitivo, cumpria aos próprios interessados a resolução das pendências ligadas à prática de um crime. Ao ofendido cabia vingar-se do mal sofrido, resposta essa que deveria ser idêntica à agressão (olho por olho, dente por dente). Em tese, o modo primitivo de solução dos conflitos atendia ao critério da justiça equitativa, todavia, em termos práticos percebeu-se que o autor da infração muitas vezes apenas sofria o revide da vítima quando estivesse em uma situação de fragilidade em relação a esta. Diante do poderio econômico do agressor, não havia a aplicação de uma sanção por parte da vítima, o que tornava o mecanismo de autocomposição um meio débil e demasiadamente seletivo. Chegou-se à conclusão de que havia a necessidade de atribuir-se a um terceiro – independente e sem envolvimento com os interessados na disputa – o poder de impor decisões aos litigantes.

Não admitindo o Estado a justiça privada, afastando a possibilidade de os cidadãos usarem as próprias mãos para revidar o comportamento desviado dos infratores, assume o dever de punir os indivíduos que venham a causar séria intranquilidade no meio social. O direito de punir do Estado, propaga-se em 03(três) momentos: a) quando da elaboração das normas penais incriminadoras, está a exercer o direito de punir no plano abstrato. Quando o sujeito pratica a conduta proibida pelo preceito incriminador, surge o direito de punir no plano concreto. Por fim, quando a sentença penal condenatória transita em julgado, inicia-se o jus executionis.

Com a prática do crime, surge para o Estado o direito de investigá-lo, de promover a ação penal caso disponha de base probatória mínima, de julgar o acusado, de condená-lo, caso surja a comprovação da existência do crime e de sua autoria, bem como de submeter o condenado compulsoriamente ao cumprimento da pena. Essa série de atos não pode ocorrer de forma indefinida. O exercício do direito de perseguir o criminoso pressupõe o dever estatal de fazê-lo em determinado espaço de tempo. Ao lado do direito de punir do Estado encontra-se o direito do acusado em manter seu estado de liberdade, de resistir à pretensão punitiva. De acordo com Damásio Evangelista de Jesus, “com a prática do crime surge a pretensão punitiva; transitando em julgado a sentença condenatória, a pretensão executória”. [1]

Em respeito a esse jus libertatis, a atuação dos veículos persecutórios institucionalizados recebe diversos condicionamentos, inclusive no aspecto temporal.

2.2 Conceito

A prescrição é a perda do direito de punir do Estado em razão do descumprimento dos prazos estabelecidos em lei para a prática de determinados atos que envolvem a persecução penal. Trata-se de sanção à omissão estatal, por não terem seus agentes atuado de forma célere, ensejando à extinção da punibilidade da pessoa acusada ou condenada pela prática de uma infração penal. Com a prescrição há, sem sombra de dúvidas, um prejuízo à sociedade, pois o provável ofensor da norma penal não receberá punição pela prática de uma conduta reprovável. Diante da existência de uma possível impunidade, por qual razão manter o instituto da prescrição? O motivo reside na necessidade de exigir dos agentes públicos encarregados da persecução penal certa dose de celeridade, atuando com eficiência, de forma a não submeter o suspeito, o indiciado, o acusado ou condenado de forma indefinida à prática dos atos persecutórios, em prejuízo à sua liberdade e dignidade.

2.3 Espécies

Não se desconhece aqui a infinita possibilidade de classificações do instituto da prescrição, todavia, face aos objetivos propostos para o artigo, apresentar-se-á a divisão mais importante, que tem como parâmetro o momento em que é exercida a pretensão estatal. Assim, tem-se a prescrição da pretensão punitiva quando há perda do direito de aplicar uma sanção penal ao infrator em razão do decurso do tempo necessário para a prática de diversos atos que compõem a persecução penal. Na prescrição da pretensão punitiva, não se chega ao trânsito em julgado do decreto condenatório.

A pretensão punitiva tem início com a prática do delito e apresenta como termo final o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Caso não formado o título executório – sentença penal condenatória transitada em julgado – em determinado prazo, perde o Estado o direito de continuar a submeter o suposto autor da infração à persecução penal. O art. 117 do Código Penal elenca os marcos interruptivos da prescrição, de sorte que o advento de qualquer um deles faz com que o prazo prescricional seja retomado do início.

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Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se:

I - pelo recebimento da denúncia ou da queixa;

II - pela pronúncia;

III - pela decisão confirmatória da pronúncia;

IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis;

V - pelo início ou continuação do cumprimento da pena;

VI - pela reincidência.

Vê-se, pois que a observância de tais prazos atinge a atuação de diversas instituições e personagens. A Polícia Judiciária deve trabalhar de forma eficiente para que o Ministério Público possa oferecer a denúncia antes de expirado o prazo prescricional. O Poder Judiciário é quem possui maior responsabilidade no que toca aos prazos da prescrição, pois é exigida uma atuação do autoridade judiciária limitada no tempo. Eventuais delongas das autoridades jurisdicionais para receber a denúncia, para proferir sentença ou acórdão condenatório, ou para julgar os recursos interpostos pode ensejar o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva.

Os prazos prescricionais variam de acordo com cada delito. O art. 109 do Código Penal estabelece esses prazos, observando-se a proporcionalidade com a pena cominada ao crime. Infrações de maior gravidade sujeitam-se a períodos de tempo mais prolongados para que a pretensão punitiva seja exterminada, ao passo que os delitos mais leves prescrevem em espaço temporal mais reduzido. Trata-se de um critério razoável, na medida em que parte da premissa – correta- de que os crimes mais graves demoram mais a serem esquecidos por parte da comunidade que sofre o abalo; ao passo que infrações de menor gravidade saem mais cedo da memória das pessoas.

Com as alterações empreendidas pela lei n.º 12.234/2010, o menor prazo prescricional no Direito Brasileiro passa a ser aquele referente à pena de multa aplicada isoladamente, que prescreve em 02 (dois) anos, nos termos do art. 114, I, do Código Penal. Os crimes cujas penas máximas forem inferiores a 01 (um) ano passam a prescrever em 03(três) anos. (art. 109, VI, do CP).

Feitas essas considerações sobre a prescrição da prescrição punitiva, cumpre agora tratar da outra modalidade dessa causa de extinção da punibilidade. A prescrição da pretensão executória consiste na perda do direito de o Estado submeter o condenado ao cumprimento da sanção penal imposta em uma sentença condenatória transitada em julgado. Não é suficiente, pois, que o título executório seja formado sem que ocorra a prescrição da pretensão punitiva, é preciso que o Estado satisfaça a pretensão executória em determinado período de tempo. Essa satisfação se dá com o cumprimento da pena por parte do condenado. A prescrição da pretensão executória tem por pressuposto uma sentença penal condenatória transitada em julgado, possuindo caráter residual, na medida em que somente é aplicada caso não tenha havido a prescrição da pretensão punitiva.

É importante salientar que, apesar de ter como pressuposto um decreto penal condenatório com trânsito em julgado, o marco inicial para a contagem do prazo da prescrição da pretensão executória é a data em que a sentença transitar em julgado para a acusação, pois, a partir desta data, a pena fixada para o réu não poderá ser aumentada por ocasião do julgamento dos recursos manejados pela defesa, em atenção ao princípio da vedação à refomatio in pejus.

Assim, se em face de uma sentença condenatória apenas a defesa recorreu, opera-se o trânsito em julgado para a acusação, mas o trânsito em julgado da sentença só se verifica após o julgamento de todos os recursos manejados pelo acusado, de sorte que, mesmo com a formação tempestiva do título executório, caso o condenado não inicie o cumprimento da pena em determinado prazo, opera-se a prescrição da pretensão executória. Nessa modalidade de prescrição, não há o desaparecimento da sentença do mundo jurídico. Ainda que inicie o cumprimento da pena, o condenado poderá ser beneficiado com a prescrição da execução se empreender fuga. A saída não autorizada do condenado, ainda que interrompa a prescrição, caso se prolongue por determinado tempo, é circunstância hábil à extinção da pretensão executória. O prazo da prescrição, neste caso, será calculado tomando-se como parâmetro o que resta a cumprir da pena. (art. 113 do CP).

São distintos os efeitos do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva e da prescrição da pretensão executória. Com a prescrição da pretensão punitiva desaparecem todos os efeitos de uma eventual sentença condenatória, retornando o acusado ao status anterior ao processo. É como nunca tivesse existido a acusação. No dizer de Paulo José da Costa Júnior: “Com a prescrição da pretensão punitiva, extinguem-se todos os efeitos do delito praticado. É como se o agente jamais houvesse atentado contra o direito”.[2]

Na mesma trilha arrematam Luiz Carlos Betanho e Marcos Zilli:

O agente retoma, portanto, a situação jurídica anterior à formal acusação. O inquérito e o processo não poderão servir para caracterização de futuro antecedente criminal. [...] todos os registros devem ser apagados, não sendo admissível a expedição de certidões criminais com tais inclusões.[3]

 Por outro lado, com a prescrição da pretensão executória, some o efeito primário da condenação (cumprimento da pena), mas subsistem os efeitos secundários (v.g. reparação do dano, permanência do nome do réu no rol dos culpados, caracterização de maus antecedentes e reincidência). Comparando-se as duas modalidades de prescrição – punitiva e executória – forçoso reconhecer que a primeira apresenta maiores vantagens ao acusado, que vê restaurada sua situação anterior ao processo.

2.4 Prescrição Retroativa

A prescrição retroativa é uma modalidade de prescrição da pretensão punitiva em que a pena concretizada na sentença é considerada para disciplinar marcos interruptivos da prescrição ocorridos anteriormente à publicação da sentença. Tem por premissa o trânsito em julgado para a acusação. Desde os idos de 1920 já havia discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a possibilidade de a pena fixada na sentença servir de critério para regular o prazo da prescrição[4], todavia, apenas em 1964 o Supremo Tribunal Federal tentou pacificar as controvérsias com a edição da Súmula n.º 146, in verbis: “A prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação”

Para Luiz Régis Prado essa espécie de prescrição “encontra justificativa na inércia da autoridade pública, que não obedece aos prazos legais expressamente previstos para o processo penal”. [5]

Contrapõe-se à chamada prescrição superveniente (intercorrente), em que a pena estabelecida na sentença constitui fator regulatório de prazos prescricionais posteriores à publicação da decisão condenatória. Ao tratar desse instituto, discorre Paulo José da Costa Júnior:

[...] cuida da prescrição da pretensão punitiva de que somente o réu tenha recorrido, incidindo sobre o lapso temporal entre a sentença e a decisão de segunda instância. Ou então quando, mesmo havendo recurso do órgão acusatório, tenha sido ele improvido. Ao revés, não haverá prescrição intercorrente se o recurso da acusação for provido, qualquer que seja o aumento da pena imposta pela instância superior.[6]

A Lei n.º 12.234/2010 empreendeu mudança ao art. 110,§ 1.º do Código Penal, estabelecendo que a pena individualizada na sentença condenatória não poderá regular prazo prescricional anterior ao recebimento da denúncia ou  queixa. Nos termos legais:

Art.110. [...]

§ 1.ºA prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.

Não houve, dessa forma, o fim da prescrição retroativa, mas apenas uma redução de sua aplicação. Continua a haver possibilidade de a pena concretizada na sentença vir a disciplinar o marco temporal ocorrido entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória. Assim, se o indivíduo foi condenado à pena de 02 (dois) anos de reclusão, a prescrição opera-se em 04 (quatro) anos. Nessa situação, transcorridos 04 (quatro) anos entre a data do recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória, houve a prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, pois a pena concretizada na sentença – 02 (dois) anos – serviu de base para regular o prazo prescricional – 04 (quatro) anos – que teve por marcos anteriores à publicação da sentença – recebimento da denúncia e publicação da sentença.

2.5 Prescrição das medidas de segurança

O Direito não trata da mesma forma as pessoas que têm discernimento de seus atos daqueles que agem sem ter aptidão para distinguir o lícito do ilícito e de poder agir conforme esse entendimento. Há, em suma, quanto aos autores de crimes, três categorias: a) os imputáveis, que têm capacidade de compreender o caráter ilícito do fato e de se determinar de acordo com esse entendimento;  b) os inimputáveis, portadores de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado que, no momento da ação ou da omissão, não apresentam aptidão de compreender o caráter do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (art. 26 do CP); c) os semi-imputáveis, também portadores de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que em razão dessa patologia, não tem o conhecimento integral da ilicitude de seu comportamento ou não tem plenas condições de determinar-se de acordo com esse entendimento (art. 26, § único do CP). Os menores de 18 (dezoito) anos são considerados inimputáveis e não são praticam crimes, por opção legislativa (art. 27 do CP), sujeitando-se à medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90).

As medidas de segurança constituem-se em uma consequencia jurídica imposta aos inimputáveis ou semi-imputáveis (art. 98 do CP) quando restar comprovada a prática de fatos típicos e ilícitos por parte destes. Trata-se, pois, de espécie do gênero sanção penal, condicionando-se a sua aplicação ao devido processo legal. O tempo de cumprimento das medidas de segurança ficará condicionado ao restabelecimento da saúde do inimputável ou do semi-imputável, de sorte que deverá haver exames anuais para fins de verificação do retorno do equilíbrio mental do indivíduo submetido a essa modalidade de sanção penal. (§§ 1.º e 2.º do art. 97 do CP).

Problemática há muito debatida diz respeito à prescrição das medidas de segurança. Por não se configurarem propriamente em uma pena, discute-se a sua sujeição a prazos prescricionais. Nesse particular, a Lei n.º 12.234/2010 não alterou qualquer regramento. Não se pode deixar de reconhecer que as medidas de segurança não se configuram em penas, até porque os inimputáveis não são aptos a alcançar os objetivos da prevenção e retribuição daquelas; todavia, por importarem em restrições ao direito de locomoção dos seus destinatários, é preciso também condicionar o cumprimento das medidas de segurança a prazos. Em caso de absolvição imprópria, como o juiz não chega a fixar um determinado quantum de pena, considera-se o prazo da prescrição da medida de segurança aquele referente à pena in abstracto do delito. Quando a medida de segurança for imposta ao semi-imputável, em substituição à pena privativa de liberdade, tem-se como paradigma a pena substituída. O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que as medidas de segurança estão sujeitas à prescrição, conforme acórdão cuja ementa segue transcrita:

HABEAS CORPUS. PENAL. USO DE ENTORPECENTES. SEMI-IMPUTÁVEL. CONDENAÇÃO SUBSTITUÍDA POR MEDIDA DE SEGURANÇA. PRESCRIÇÃO EXECUTÓRIA CALCULADA COM BASE NA PENA EM CONCRETO. OCORRÊNCIA.

1. A medida de segurança uma espécie do gênero sanção penal, se sujeitando, pois, à regra contida no artigo 109 do Código Penal. Assim, "aos que tenham sido impostas medidas de segurança, podem se furtar a elas quando houver qualquer causa extintiva de punibilidade, como a prescrição com base na pena em abstrato no caso de absolvição por inimputabilidade, ou da pena em concreto quando se tratar de medida de segurança substitutiva no caso dos semi-imputáveis." (in CÓDIGO PENAL Interpretado, MIRABETE, Terceira Edição, Ed. Atlas, p. 624).

2. Na hipótese em tela, o Paciente foi condenado pela prática do crime previsto no art. 16, da Lei n.º 6.368/76, à pena de 06 (seis) meses de detenção, que restou substituída por medida de segurança de tratamento ambulatorial, em virtude de sua semi-imputabilidade, devendo, assim, para o cálculo da prescrição, ser levado em consideração a pena em concreto. A prescrição da pretensão executória ocorre, dessa forma, em 02 (dois) anos, a teor do disposto no art. 109, VI, c.c. o 110, caput, ambos do Código Penal.

             [...]

5. Ordem concedida para declarar a extinção da punibilidade estatal quanto ao crime previsto no art. 16 da Lei n.º 6.368/76, substituído pelo art. 28 da Lei n.º 11.343/2006, em face da ocorrência da prescrição executória, nos termos do art. 107, inciso IV, do Código Penal.

(HC 53.170/SP, Rel. Ministra  LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 20/11/2008, DJe 15/12/2008) (Grifou-se).

Em igual sentido, decisão do Supremo Tribunal Federal:

[...] 2. O instituto da prescrição não é incompatível com a natureza não-penal das medidas sócio-educativas. Jurisprudência pacífica no sentido da prescritibilidade das medidas de segurança, que também não têm natureza de pena, na estrita acepção do termo. 3. Os casos de imprescritibilidade devem ser, apenas, aqueles expressamente previstos em lei. Se o Estatuto da Criança e do Adolescente não estabelece a imprescritibilidade das medidas sócio-educativas, devem elas se submeter à regra geral, como determina o art. 12 do Código Penal. 4. O transcurso do tempo, para um adolescente que está formando sua personalidade, produz efeitos muito mais profundos do que para pessoa já biologicamente madura, o que milita em favor da aplicabilidade do instituto da prescrição. [...](HC 88788, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 22/04/2008, DJe-117 DIVULG 26-06-2008 PUBLIC 27-06-2008 EMENT VOL-02325-02 PP-00372 LEXSTF v. 30, n. 359, 2008, p. 387-396)

No que toca à prescrição das medidas de segurança, a Lei n.º 12.234/2010 não alterou qualquer regramento, de sorte a manter-se o entendimento sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça.

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Sobre o autor
Marcelo Lopes Barroso

Defensor Público Federal em Fortaleza (CE). Professor da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROSO, Marcelo Lopes. A nova moldura da prescrição penal.: Impactos da Lei n.º 12.234/2010 no sistema jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3486, 16 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23471. Acesso em: 24 abr. 2024.

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