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A adoção do modelo antimanicomial nas medidas de segurança: uma questão de direitos humanos

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28/01/2013 às 10:59
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CONCLUSÃO

Ao final deste breve estudo é necessário indicar algumas considerações conclusões sobre o tema. A primeira, mais óbvia e mais esquecida por todos, é a aquela dita na introdução do presente trabalho, e que reitero através das palavras do Juiz da Corte Interamericana de Justiça, Sérgio Garcia Ramirez, em seu voto no já citado caso Damião Ximenez Lopes:

O doente mental internado em instituição do Estado sói ser, por conseguinte, o sujeito mais mal atendido, o mais desvalido, o duplamente marginalizado – pela exclusão social em que é tido e pela estranheza que traz consigo a doença que o acomete -, o menos competente para exercer uma rareada autonomia – que às vezes carece de rumo e sentido e pode naufragar em circunstâncias de dano e perigo -, e por tudo isso suscita uma acrescentada condição de garante a cargo do Estado, que se estende até as funções mais elementares.[34] (Sem destaques no original)

Após décadas e décadas de descaso com a saúde mental o Estado brasileiro finalmente se deu conta de que era necessário instituir um sistema de atendimento minimamente compatível com a dignidade humana.

Leis foram editadas, políticas públicas foram adotadas e agora se busca ampliar a abordagem interdisciplinar, especialmente o diálogo entre a Medicina e o Direito. Paradoxalmente, se para o paciente comum os avanços são visíveis, estes ainda não transpuseram os muros dos temíveis manicômios judiciários, eufemisticamente chamados de “hospitais”.

Este fenômeno se deve, em grande parte, ao fato de que a legislação penal segue incólume, impermeável ao avanço das ideias da luta contra a segregação das pessoas com transtorno mental.

Adotar o modelo antimanicomial da lei 10.216/2001 significa olhar para a pessoa com transtorno mental como ser humano em condição de máxima vulnerabilidade. Significa que o Estado, a Sociedade e familiares, todos, enfim, devem assumir de vez a postura de que o “louco” precisa ser respeitado e incluído no convívio social e não trancafiado e esquecido até que chegue o dia de sua “cura”, o que de fato nunca ocorre em função dos defeitos do próprio sistema penal.

Não se defende aqui que seja adotada uma medida generalizante, pelo contrário. A pessoa com transtorno mental “internada” em manicômio judiciário precisa ser protegida do preconceito e da intolerância, de preferência no seio sua família ou subsidiariamente custodiada pelo Estado. A rede pública já dispõe de mecanismos para atuar em prol de quem sofre de males transitórios (CAPS) ou permanentes (Serviço Residencial Terapêutico).

A noção de periculosidade, enquanto prognóstico para o futuro cometimento de delitos precisa ser urgentemente extirpada das avaliações técnicas. Falando claramente, se um inimputável cometeu atos violentos e pela evolução de sua doença há claro indicativo de que não é capaz de entender a ilicitude dos seus atos, é certo que a desinternação brusca é desaconselhada.

A periculosidade do condenado deve ser analisada criteriosamente, através de seu estado mental atual, do efeito do uso correto dos medicamentos, e acima de tudo por acompanhamento e avaliação periódicos por equipe multidisciplinar, composta por médicos, psicólogos, assistentes sociais, entre outros profissionais qualificados para tal atribuição.

Somente em casos em que a equipe conclua com a mais absoluta segurança que a probabilidade do cometimento um novo delito é alta, especialmente nos casos de pacientes com histórico de delitos cometidos com violência contra a pessoa, é que seria aceitável a internação. Em tais casos, deve-se sempre buscar a custódia penal pelo menor tempo possível e com a adoção de todas as medidas para evitar o isolamento e a cronificação de sua doença pelo estabelecimento asilar.

De outro modo, os pacientes que não apresentam histórico de violência não podem e não devem ser internados em manicômios, pois é tal ato é, a um só tempo, contrário a todas as orientações anteriormente citadas e acima de tudo, viola frontalmente a Lei Federal n. 10.216/2001.

Em muitos casos a medicina é incapaz de propiciar a “cura” da pessoa com transtorno metal, menos ainda daquela em conflito com a lei. O mais importante, o que há de mais humano a ser feito em relação a essas pessoas é permitir que  reconstruam suas relações com o mundo e com a sociedade, e mesmo diante de suas limitações possam ser definitivamente integradas no conceito de cidadania.

O que não se pode admitir em um Estado Democrático de Direito, signatário de todos os tratados de defesa dos Direitos Humanos, é o esquecimento dos internados em hospitais de custódia para cumprir medida de segurança durante anos e anos, por ter roubado um punhado de coisas sem valor. Aliás, pela nova lei, nem mesmo se deveria falar mais em medida de segurança, mas sim em internação para fins terapêuticos.

Defende-se a mudança definitiva daqueles que operam o sistema penal para que sejam compreendidas as peculiaridades do ser humano em sofrimento mental, acelerando a mudança gradual que já vem ocorrendo por iniciativa de diversas entidades de grande representatividade no Estado Democrático de Direito, tais como a Defensoria Pública, Ministério Público Federal, Conselho Nacional de Justiça, dentre outros.

Sob a ótica dos Direitos Humanos de toda pessoa com transtorno mental, é possível afirmar, conclusivamente, que adotar o modelo antimanicomial no direito penal significa superar décadas de preconceito e implementar, nos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, uma verdadeira política de saúde. Tal política deve contemplar, ao mesmo tempo, o tratamento ambulatorial para aqueles que não cometeram atos de violência contra pessoa e internação por ordem judicial, nos casos extremos, garantindo, em todos os casos, o tratamento com respeito, no interesse exclusivo de beneficiar a saúde e alcançar a inserção da pessoa com transtorno mental na família, no trabalho e na comunidade.

A superação do art. 96 e seguintes do Código Penal pela Lei Federal n. 10.216/2001 é clara, seja no plano temporal, seja no plano axiológico. Seus instrumentos jurídicos estão à disposição para serem aplicados em prol dos Direitos Humanos a da cidadania das pessoas com transtorno mental em conflito com a lei.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Regras de Brasília sobre Acesso à Justiça das Pessoas em Condição de Vulnerabilidade. Disponível em: http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/0/100%20Regras%20de%20Acesso%20%C3%A0%20Justi%C3%A7a.pdf. Acesso: 07 out. 2012.

[2] Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Ximenes Lopes versus Brasil. Sentença de 4 de julho de 2006, p. 11. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.pdf. Acesso: 07 out. 2012.

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[3] BRASIL. Constituição Federal. 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso: 07 out. 2012.

[4] BRASIL. Lei Federal n.10.216, de 06 de abril de 2001. Diário Oficial da União em 09 de abril de 2001. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm > Acesso: 07 out. 2012.

[5] ALVES, Carlos Frederico de Oliveira; RIBAS, Valdenilson Ribeiro; ALVES, Eliana Vilela Rocha et. al. Uma breve história da reforma psiquiátrica. Revista de Neurobiologia. Recife, 2009, jan./mar, p. 91. Disponível em < http://www.neurobiologia.org/ex_2009/Microsoft%20Word%20-%2011_Ribas_Fred_et_al_Rev_OK_.pdf> Acesso: 08 out. 2012.

[6] Idem, p. 93.

[7] AMARANTE, Paulo Duarte de Carvalho; OLIVEIRA, Walter Ferreira de. A saúde integral e a inclusão da atenção psicossocial no SUS: pequena cronologia e análise do movimento de reforma psiquiátrica e perspectivas de integração. Dynamis Revista Tecnocientífica, Blumenau, v. 12, n. 47, Edição Especial Atenção psicossocial na Atenção Básica 2, p.6-21, abr./jun. 2004, p. 15.

[8] Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Ximenes Lopes versus Brasil. Às fls. 83 da Sentença, consta do dispositivo: “2. O Estado violou, em detrimento do senhor Damião Ximenes Lopes, tal como o reconheceu, os direitos à vida e à integridade pessoal consagrados nos artigos 4.1 e 5.1 e 5.2 da Convenção Americana, em relação com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos estabelecida no artigo 1.1 desse tratado, nos termos dos parágrafos 119 a 150 da presente Sentença.”

[9] Idem, p. 31-32.

[10] JACOBINA, Paulo Vasconcelos. Direito Penal da Loucura. Brasília: ESMPU, 2008, p. 61.

[11] Consta às fls. 43 do Relatório dos Fatos Provados. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.pdf>. Acesso 09 out. 2012. P. 31.

[12] JACOBINA, Paulo Vasconcelos. Direito Penal da Loucura. Brasília: ESMPU, 2008, p. 87.

[13] Vide: Lei n. 8.069/1990; Lei n. 8.078/1990; Lei n. 10.741/2003 e Lei n. 11.340/2006.

[14] Portaria n. 52/GM/2004. Institui o Programa Anual de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar no SUS. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/saude-mental/Portaria_GM_MS_52.2004>. Acesso: 09 de out. 2012.

[15] GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. 8. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2012, p. 11.

[16] Ibidem, p. 16.

[17] Art. 1º, único http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/visualizar_texto.cfm?idtxt=23119.

[18] Ver Decreto Legislativo n. 186, de 2008, publicado no DOU de 10/07/2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/Constituicao/Congresso/DLG/DLG-186-2008.htm Acesso em: 09 out. 2012.

[19] BRASIL. Decreto 6.949/2009, de 25 de agosto de 2009. Diário Oficial da União: 26 de agosto de 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm). Acesso: 12 out. 2012.

[20] Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Ximenes Lopes versus Brasil. Sentença de 4 de julho de 2006. Op. cit.

[21] BRASIL. Conselho Federal de Psicologia. Resolução CFP 09/2010. Disponível em: <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2010/07/resolucao2010_009.pdf>. Acesso: 10 out. 2012.

[22] JACOBINA, Paulo Vasconcelos. Op. cit. p. 111.

[23] BRASIL. Decreto 6.949/2009, de 25 de agosto de 2009. Op. Cit.

[24] Constituição Federal: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

[25] JACOBINA, Paulo Vasconcelos. Op. cit., p. 100-101.

[26] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 8. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 511.

[27] Disponível em: http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=5144. Acesso 10 out. 2012.

[28] BRASIL. Ministério Público Federal.  Parecer Sobre Medidas de Segurança e Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico sob a Perspectiva da Lei Nº 10.216/2001. Brasília, 2011, p. 77/78. Disponível em <http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/temas-de-atuacao/saude-mental/docs-publicacoes/parecer_medidas_seguranca_web.pdf>. Acesso: 10 out. 2012.

[29] BRASIL. Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12594.htm. Acesso: 13 out. 2012.

[30] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação 35/2011. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/recomendacoes/reccnj_35.pdf> Acesso: 13 out. 2012.

[31] Disponível em < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/19637-mutirao-em-hospital-psiquiatrico-descobre-sentencas-indevidas.> Acesso: 13 out. 2012.

[32] Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/judiciario/21518-doentes-mentais-nao-recebem-tratamento-em-unidades-prisionais> Acesso: 13 out. 2012.

[33] Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/20933-situacao-de-presos-em-hospitais-de-custodia-sera-avaliada-em-seminario-nesta-terca-feira> Acesso: 13 out. 2012.

[34] Op. cit., p. 03/04 do voto proferido na sentença.

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Sobre o autor
Vitor Trigo Monteiro

Advogado em Curitiba (PR). Consultor jurídico em Direito Administrativo. Especialista em Direito Processual Civil. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela PUC-PR. Editor Assistente e Consultor Jurídico da Governet Editora, responsável pela publicação de Boletins Especializados em Direito Administrativo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Vitor Trigo. A adoção do modelo antimanicomial nas medidas de segurança: uma questão de direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3498, 28 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23557. Acesso em: 5 nov. 2024.

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