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Desconsideração da personalidade jurídica na sociedade empresária limitada

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06/02/2013 às 16:44
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5. CONCLUSÕES

A sociedade empresária, como modalidade de pessoa jurídica, é o sujeito de direito personalizado, com patrimônio próprio distinto do patrimônio de seus sócios, e com o poder de autonomamente praticar negócios jurídicos compatíveis com o seu objeto social, desde que não vedados por lei.

A responsabilidade patrimonial é o efeito mais relevante da personalização da sociedade empresária, pois acarreta o rompimento da ligação entre o patrimônio dos sócios e o patrimônio destinado à sociedade.

Seja qual for o modelo de sociedade personificada, a responsabilidade dos sócios de uma sociedade personificada é sempre subsidiária por força artigo 1.024 do Código Civil e do artigo 596 do Código de Processo Civil, mas esta subsidiariedade pode ser limitada ou ilimitada. 

O critério da limitação da responsabilidade dos sócios diz respeito à possibilidade ou não deles responderem com seus próprios bens pelas dívidas da sociedade. Segundo o referido critério, os tipos societários classificam-se em: sociedade ilimitada, sociedade mista e sociedade limitada.

A sociedade limitada, em sentido amplo, estabelece um regime de limitação da responsabilidade dos sócios no mais elevado grau de autonomia patrimonial que o direito societário estabelece para as relações entre as sociedades e seus sócios.

Por este regime, os sócios e acionistas, tendo cumprido suas obrigações quanto à integralização do capital social, não respondem pelas obrigações contraídas pela sociedade.

Contudo, esta autonomia patrimonial, não é absoluta, sendo que a própria legislação assim como a jurisprudência elencam as hipóteses excepcionais nas quais não se aplica a regra da “limitação” da responsabilidade. Dentre estas exceções encontram-se as teorias maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica.

A doutrina clássica da desconsideração da personalidade jurídica foi concebida com objetivo de coibir a fraude e o abuso da pessoa jurídica, autorizando, nestes casos, a episódica ineficácia de sua autonomia patrimonial a fim de atingir o patrimônio particular dos sócios.

No Brasil, esta concepção foi adequadamente normatizada no art. 50 do Código Civil, sendo que a superação da autonomia patrimonial, com base neste dispositivo, é atualmente denominada, pela doutrina e jurisprudência, de teoria “maior” da desconsideração da personalidade jurídica.

O presente estudo defende que o referido dispositivo estabeleceu dois pressupostos objetivos de aferição do abuso da personalidade jurídica, a saber: a confusão patrimonial; e o desvio de finalidade.

Inadequado foi o tratamento legislativo dado à responsabilidade ilimitada perante credores não negociais. Isto porque, para protegê-los, quando a sociedade não tenha patrimônio suficiente para solver tais créditos, o legislador simplesmente sacou da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, inserindo-a, de forma deturpada, no § 5º do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e no art. 4º da Lei dos Crimes Ambientais.

A doutrina da desconsideração da personalidade jurídica nunca teve como base axiológica a tutela de credores não negociais. Portanto, para tratar destes créditos o adequado seria alterar diretamente o próprio regime de limitação da sociedade limitada, desmascarando claramente quais são as exceções à limitação de responsabilidade dos sócios e mais, diferenciando a responsabilidade dos sócios que interferem na gestão da empresa – que responderiam solidária e ilimitadamente – da dos sócios investidores minoritários, que apenas prestam o capital, sem poder de controle e sem participar, nem indiretamente, da administração dos negócios sociais – os quais manteriam a responsabilidade limitada. 

Desta anomalia legislativa surgiu a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, para a qual basta a não satisfação do crédito pela sociedade limitada para que se redirecione a cobrança sobre o patrimônio dos administradores e dos sócios. Esta teoria tem sido respaldada pela jurisprudência majoritária quanto aos créditos decorrentes das normas previstas no Direito do Consumidor, Trabalhista e Ambiental.

Assim, atualmente o direito brasileiro contempla duas teorias fundamentalmente distintas para a desconsideração da personalidade jurídica. De um lado há a “teoria maior” da desconsideração da personalidade jurídica, cuja base axiológica é a coibição da utilização ilícita da personalidade, notadamente pelo abuso e pela fraude. De outro lado, há a “teoria menor”, cuja base axiológica é a tutela de credores não negociais.

Quanto aos efeitos da desconsideração para os sócios, na teoria maior – hipóteses do art. 50 do Código Civil, do caput do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e do art. 18 da Lei Antitruste – tendo em vista que a base axiológica é a coibição de ilícitos, só podem ser responsabilizados os sócios e/ou administradores que concorreram para a prática do ato irregular configurador de abuso ou fraude.

Por outro lado, com relação à teoria menor – hipóteses do § 5º art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e do art. 4º da Lei nº 9.605/98 – tendo em vista que a base axiológica é a tutela de credores não negociais, associada ao fundamento de que os riscos das atividades empresarias devem ser suportados pelos sócios e/ou administradores que a implementaram, em princípio, todos eles seriam ilimitada e solidariamente responsáveis.

Contudo, esta solução torna-se draconiana nos casos de sócios ou acionistas que apenas prestam seu capital na qualidade de investidores minoritários, sem qualquer ingerência ou participação na administração dos negócios sociais e sem controle das deliberações da sociedade.

À míngua de um critério legal que, na sistemática da teoria menor, estabeleça os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica - considerando a diversidade entre sócios ou acionistas, distinguindo-os conforme sua atuação e participação na sociedade-, este estudo defende que deve ser aplicado o princípio da razoabilidade para afastar a regra da afetação aos bens de sócios minoritários que não tenham participação na administração dos negócios sociais nem influência isolada nas deliberações da sociedade.


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Notas

[1] Art. 1024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.

[2] Art. 596. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade.

[3] Previsto no art. 2º da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor - CDC): “Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”

[4] Previsto no parágrafo único do art. 2º, no art. 17 e no art. 29 do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 2° (...). Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.” “Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.” “Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.”

[5] Art. 28 (...)

§ 5º. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

[6] REsp 693.235/MT, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/11/2009, DJe 30/11/2009.

[7] REsp 1098712/RS, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 17/06/2010, DJe 04/08/2010.

[8] REsp 1200850/SP, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 04/11/2010, DJe 22/11/2010.

[9] REsp 970.635/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10/11/2009, DJe 01/12/2009.

[10] REsp 1267232/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Julgado em 01/09/2011, DJe 08/09/2011.

[11] REsp 279273/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 04/12/2003, DJ 29/03/2004, p. 230.

[12] REsp 86.502/SP, Rel. Ministro Ruy Rosado De Aguiar, Quarta Turma, julgado em 21/05/1996, DJ 26/08/1996, p. 29693

[13] REsp 211.619/SP, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2001, DJ 23/04/2001, p. 160

[14] REsp 744.107/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 20/05/2008, DJe 12/08/2008

[15]  Apresentado pelo Deputado Federal Vicente Cândido, sendo que o anteprojeto foi elaborado pelo Professor Fábio Ulhoa Coelho.

[16] Neste sentido cita-se precedente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: (...) "O fato de a empresa estar falida não significa que ocorreu a sua dissolução de forma irregular, de modo a autorizar a desconsideração da personalidade jurídica. (...) (16ª C.Cível - AI 827721-4 - Rel.: Shiroshi Yendo - Unânime - J. 21.03.2012) (grifo nosso)

[17] EDcl no REsp 656.071/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/06/2009, DJe 15/06/2009

[18] AgRg no Ag 668.190/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 13/9/2011, DJe 16/9/2011

[19] REsp 1169175/DF, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª Turma, julgado em 17/02/2011, DJe 4/4/2011

[20] AgRg no Ag 867798/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em 21/10/2010, DJe 03/11/2010

[21] Observe-se que neste julgado - proferido em demanda que envolve crédito privado - aplicou a Súmula nº 435 do STJ. Com efeito, inobstante esta súmula tratar de execução fiscal, conclui-se que a presunção de dissolução irregular pelo fato da sociedade não funcionar em seu domicílio pode ser utilizada na cobrança de qualquer tipo crédito.

[22] REsp 876974/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 9/8/2007, DJ 27/8/2007.

[23]REsp 1098712/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Jr, 4ª Turma, julgado em 17/6/2010, DJe 04/8/2010

[24] A distribuição de lucros ilícitos ou fictícios, atos de administração e deliberação dos sócios contrários ao ato constitutivo ou à lei, excesso de poderes, má gestão, etc.

[25] Realizada em Brasília pelo Conselho da Justiça Federal - CJF e pelo Centro de Estudos Jurídicos do CJF em dezembro de 2004, sob a Coordenação Geral do Ministro Ari Pargendler.

[26] Neste sentido, cita-se trecho de julgado do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF): “(...).A referência ao responsável enquanto terceiro (dritter Persone, terzo ou tercero) evidencia que não participa da relação contributiva, mas de uma relação específica de responsabilidade tributária, inconfundível com aquela. O “terceiro” só pode ser chamado responsabilizado na hipótese de descumprimento de deveres próprios de colaboração para com a Administração Tributária, estabelecidos, ainda que a contrario sensu, na regra matriz de responsabilidade tributária, e desde que tenha contribuído para a situação de inadimplemento pelo contribuinte. 5. O art. 135, III, do CTN responsabiliza apenas aqueles que estejam na direção, gerência ou representação da pessoa jurídica e tão-somente quando pratiquem atos com excesso de poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos. Desse modo, apenas o sócio com poderes de gestão ou representação da sociedade é que pode ser responsabilizado, o que resguarda a pessoalidade entre o ilícito (mal gestão ou representação) e a conseqüência de ter de responder pelo tributo devido pela sociedade. (...). Ao vincular à simples condição de sócio a obrigação de responder solidariamente pelos débitos da sociedade limitada perante a Seguridade Social, tratou a mesma situação genérica regulada pelo art. 135, III, do CTN, mas de modo diverso, incorrendo em inconstitucionalidade por violação ao art. 146, III, da CF. (...)” (RE 562276, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, repercussão geral - DJE-027 public 10-02-2011) grifo nosso.

No mesmo sentido é Súmula nº 430 do Superior Tribunal de Justiça (STJ):  “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.” (PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/03/2010, DJe 13/05/2010, REPDJe 20/05/2010)

[27]  REsp 279.273/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 04/12/2003, DJ 29/03/2004, p. 230

[28] Eplosão por acúmulo de gás em espaço livre entre o piso e o solo, acarretando a danificação de mais de 40 lojas e locais de circulação, resultando em 40 mortos e mais de 300 feridos.

[29] Restaram vencidos o Relator original, Ministro Ari Pargendler, e o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, os quais entenderam que os seis sócios administradores deveriam ser excluídos da responsabilidade porque "o art. 28, § 5 da Lei n. 8.078, de 1990, só responsabiliza os administradores de pessoas jurídicas nos exatos limites do caput" e de que ele não representaria "nova hipótese ensejadora da desconsideração".

[30] TRT-PR-16306-2005-011-09-00-5-ACO-49452-2011 - Seção Especializada Relator: LUIZ CELSO NAPP. Publicado no DEJT em 02-12-2011

[31] Realizada em Brasília pelo Conselho da Justiça Federal - CJF e pelo Centro de Estudos Jurídicos do CJF em setembro de 2002, sob a Coordenação Científica do Ministro Rui Rosado.

[32] TJPR - 12ª C.Cível - AI 0598431-4 - Rel.: Des. Clayton Camargo - Unânime - J. 18.11.2009

[33] TJPR - 13ª C.Cível - AI 797713-1 - -  Rel.: Rosana Andriguetto de Carvalho - Unânime - J. 28.09.2011

[34] TJSP. Ap 992.07.000056-4. São Paulo. 35ª CDPriv. Rel. Manoel Justino Bezerra Filho – DJe 03.11.2010.

[35] TJRS. Apelação Cível Nº 70029078078, Décima Sexta Câmara Cível, Relator: Marco Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 30/04/2009

[36] Agravo de Instrumento Nº 70024450553, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 10/09/2008

[37] TRT 15ª R. – AP 0158-2003-125-15-00-3 – (49105/06) – 5ª C. – Rel. p/o Ac. Juiz Lorival Ferreira dos Santos – DOESP 20.10.2006 – p. 60

[38] TJPR - 9ª C.Cível - AC 170938-2 - Rel.: Cunha Ribas - J. 17.04.2006

[39] TRT-PR-09059-2004-651-09-00-8-ACO-10896-2010 - SEÇÃO ESPECIALIZADA Relator: LUIZ CELSO NAPP Publicado no DJPR em 16-04-2010

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Sobre a autora
Ana Carolina Dihl Cavalin

Consultora jurídica empresarial e advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Especialista em Direito Público (IBEJ/ICS-PR) e em Direito Aplicado (EMAP-PR). Lecionou/leciona Direito Comercial, Direito do Consumidor e Direito Contratual da Universidade Positivo, Direito Empresarial na FANEESP/Inesul e Legislação Comercial e Direito do Consumidor na Associação de Ensino Jerônimo Gomes de Medeiros (OPET). Orientadora de TCC no Instituto Federal do Paraná (IFPR).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALIN, Ana Carolina Dihl. Desconsideração da personalidade jurídica na sociedade empresária limitada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3507, 6 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23664. Acesso em: 22 dez. 2024.

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