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A segurança e a medicina do trabalho perante o Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte.

Os avanços e os retrocessos legislativos com o advento da Lei Complementar nº 123/2006

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27/02/2013 às 17:23
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A fiscalização Orientadora

O artigo 55 da Lei Complementar n° 123/2006, que trata da fiscalização orientadora, não tange apenas quanto aos aspectos trabalhistas, mas também em relação aos quesitos metrológicos, sanitários, ambientais e de segurança, realizada pelo Auditor Fiscal:

CAPÍTULO VII

DA FISCALIZAÇÃO ORIENTADORA

Artigo 55 LC 123/2006.  A fiscalização, no que se refere aos aspectos trabalhista, metrológico, sanitário, ambiental e de segurança, das microempresas e empresas de pequeno porte deverá ter natureza prioritariamente orientadora, quando a atividade ou situação, por sua natureza, comportar grau de risco compatível com esse procedimento. 

§ 1º  Será observado o critério de dupla visita para lavratura de autos de infração, salvo quando for constatada infração por falta de registro de empregado ou anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, ou, ainda, na ocorrência de reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização. 

§ 2º  (VETADO).

§ 3º  Os órgãos e entidades competentes definirão, em 12 (doze) meses, as atividades e situações cujo grau de risco seja considerado alto, as quais não se sujeitarão ao disposto neste artigo. 

§ 4º  O disposto neste artigo não se aplica ao processo administrativo fiscal relativo a tributos, que se dará na forma dos arts. 39 e 40 desta Lei Complementar. 

Não houve tamanha inovação legislativa nesse sentido, uma vez que a Lei n° 9.841/1999 abordava a situação em seu artigo 12:

Artigo 12 Lei 9.841/1999. Sem prejuízo de sua ação específica, as fiscalizações trabalhista e previdenciária prestarão, prioritariamente, orientação à microempresa e à empresa de pequeno porte.

Parágrafo único. No que se refere à fiscalização trabalhista, será observado o critério da dupla visita para lavratura de autos de infração, salvo quando for constatada infração por falta de registro de empregado, ou anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, ou ainda na ocorrência de reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização.

A partir do principio da Fiscalização Orientadora, salvo em alguns casos (§ 1º  do artigo 55 da LC 123/2006), o Auditor Fiscal não poderá punir o empresário flagrado no descumprimento de obrigações trabalhistas. Primeiramente irá orientá-lo a cumprir a lei. Apenas na segunda visita, caso a irregularidade persistir, poderá ser lavrado o auto de infração. Enfim, a finalidade da lei é permitir a correção pelas empresas de eventuais vícios antes de serem autuadas.

O artigo em comento é criticado pela doutrina, conforme o texto extraído da campanha promovida pela CONLUTAS (Coordenação Nacional de Lutas), CNTC (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio), CCT (Coordenação Confederativa dos Trabalhadores) e FST (Fórum Sindical dos Trabalhadores), direcionada ao Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, solicitando o veto tanto do artigo 55, como o 51:

[...]

com o escasso número de fiscais e a gigantesca quantidade de empresas abrangidas por esta lei, a norma estabelecendo que a autuação punitiva só poderá ser feita em uma segunda visita do fiscal do trabalho já seria em si um enorme incentivo ao descumprimento das obrigações trabalhistas[12].

E com razão merecia acolhimento a manifestação em relação ao veto. O artigo é um estímulo para o descumprimento das obrigações trabalhistas. Com a quantidade de empresas que abrem e fecham todos os dias, uma visita por estabelecimento já é algo complicado de ser concretizado, quiçá uma segunda visita para constatar as mesmas irregularidades.

Torna-se inviável a conduta estabelecida pela Lei. Com a carência de fiscais, dificilmente as empresas serão multadas por descumprimento. O permissivo legislativo, tanto na Lei de 2006 como a de 1999, traz enorme insegurança para os trabalhadores. Poderia ser encontrada uma solução “meio termo” para a questão. O rol do § 1° deveria ser mais extenso, e não contendo apenas aquelas irregularidades. Poderiam estar sujeitas ao critério da dupla visita apenas obrigações acessórias, que não causariam maior gravame aos trabalhadores. O tema deveria ser melhor abordado pela Lei, com um rol a respeito das obrigações que ensejam lavratura do auto imediata, assim como obrigações de menor importância sujeitas à fiscalização orientadora. Além do mais, não foi especificado prazo entre uma visita e outra e o procedimento a ser adotado. Estamos abordando apenas a matéria trabalhista, mas do mesmo modo, é um absurdo a possibilidade de irregularidades, por exemplo, a respeito dos pesos e medidas, em condições de higiene e na agressão ao meio ambiente, pois ambas as situações também são possíveis, uma vez que se enquadram no critério da fiscalização orientadora.

Conforme a jurisprudência, aplica-se exatamente o expresso pela Lei:

AUTUAÇÃO FISCAL POR INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE. CRITÉRIO DA DUPLA VISITA. OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Tratando-se de microempresa e de empresa de pequeno porte, salvo as exceções expressamente previstas, a legislação determina seja observado o critério da dupla visita antes da lavratura dos autos de infração, como corolário da natureza prioritariamente orientadora da atividade fiscalizatória dos agentes do Estado. A Administração Pública não pode deixar de pautar seus atos pela estrita observância ao princípio da legalidade (Constituição Federal, artigo 37, caput). Não se trata, ao contrário do que alega a recorrente, de submeter a atividade fiscalizatória do Estado a mera formalidade, mas sim de preservar a segurança jurídica, imprescindível em um Estado Democrático de Direito, sujeitando a atuação dos agentes públicos à observância das normas que o próprio Estado editou, no exercício da sua função legislativa. Inteligência do disposto no artigo 12 da Lei nº 9.841, de 5 de outubro de 1999, no artigo 23 do Decreto nº 4.552, de 27 de dezembro de 2002 e no artigo 55 da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Recurso ordinário da União improvido. (PROCESSO TRT 15ª REGIÃO N.º 01472-2007-118-15-00-9-RO. 10ª Câmara. Relator Des. Fernando da Silva Borges)[13].

Porém, analisando a íntegra de decisão, constata-se que as irregularidades encontradas diziam respeito: 1) deixar de providenciar EPI adequado ao risco; 2) não providenciar para que extintor de combate ao fogo estivesse desobstruído; e 3) não planejar ou adaptar o posto de trabalho para a posição sentada, sempre que o trabalho possa ser executado nessa posição. Dessarte, concluímos o abuso que os trabalhadores devem estar sofrendo, face à “fiscalização orientadora”. Resta uma dúvida, quanto tempo o trabalhador deve ter ficado sujeito ao EPI inadequado ao grau do risco? Será que a empresa realmente corrigirá os problemas? As consequências do permissivo poderão ser irremediáveis.

A intenção do legislador não é de todo repreensível, mas constatada a realidade brasileira, efetivamente a realização da segunda visita para constatar a correção dos problemas já averiguados na primeira fiscalização, foge da atualidade nacional. Em um país de proporções continentais torna-se difícil a efetuação do procedimento. De nada adianta o dispositivo ter uma ótima ideia se não é adequado às condições da localidade onde será aplicado. Em razão disso, o permissivo deve ser remodelado para vigorar de acordo com a conjuntura do Estado.


CONCLUSÃO

Diante do estudo do Estatuto e reflexos no direito e processo do trabalho, são visíveis as melhorias e os retrocessos advindos pela Lei. Contudo, as matérias trabalhadas são restritas e pouco irá promover a condição da empresa no que tange às relações de trabalho.

Já quanto ao incentivo aos consórcios a serviços especializados de segurança e medicina do trabalho, é considerado um avanço. Apenas poderia seria um item que não necessitaria ser mexido, talvez apenas aprimorado.

Não sabemos os parâmetros de valores utilizados para a confecção do Estatuto, mas com certeza a relação custo benefício poderá não ser obtida se alguns tópicos da Lei não forem revistos, pelo contrário, poderá ser alcançado um resultado muito negativo se comparado à aplicação da CLT. A economia realizada pelo microempresário ao longo de anos com o seu estabelecimento poderá ser comprometida, por exemplo, com o pagamento de uma indenização para diversos empregados em função da falta do uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI´s), uma vez que com o novo critério da fiscalização orientadora, dificilmente o empregador será multado, visto que apenas na segunda visita ao estabelecimento e constatadas novamente as irregularidades, poderá ser lavrado o termo.

Curiosos são certos aspectos, como a dispensa da posse do livro intitulado “Inspeção do Trabalho, algo que não verificamos razão de existir, uma vez que não cria maiores transtornos para o microempresário, o livre serve para o controle de irregularidades do estabelecimento, e sem esse, torna-se muito complicada tal averiguação.

O objetivo do Estatuto é muito nobre e está certo que o ramo precisa de reconhecimento para o seu crescimento econômico, resta saber se o rumo tomado em certos temas é o certo. Apesar dos avanços trazidos pela Lei, os retrocessos os superam. A Lei de 2006 poderia e deveria ter alterado a questão da dupla visita orientadora, mas manteve o entendimento expresso na Lei anterior, marcando um forte retrocesso em uma legislação que deveria permanecer em constante avanço, mas infelizmente manteve os mesmos erros do passado.

A Lei precisa de melhorias, revisões, um estudo a longo prazo, além de uma reflexão do legislador a respeito dos princípios e direitos priorizados no momento de confecção da norma, da mesma maneira, a realização de mais pesquisas de campo para apurar o que na prática está ocorrendo efetivamente no interior desses estabelecimentos. Foi esse o foco de estudo desse trabalho, demonstrar as mudanças, as críticas e consequências do implementado e do que foi mantido pela nova Lei, pelo menos quanto aos efeitos trabalhistas, sem a menor pretensão de esgotá-lo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PASTORE, José. Simples Trabalhista. Disponível em <http://www.josepastore.com.br/artigos/rt/rt_191.htm> Acesso em 05 jan 2012

SALVIA, Thiago Rodrigues Danzi.  O contexto socioeconômico e jurídico das microempresas e as empresas de pequeno porte. Disponível em: <http://www.franca.unesp.br/ThiagoRodriguesDanziSalvia.pdf> Acesso em 12 jan.2012.

SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Disponível em <http://www.trt15.jus.br/> Acesso em 20 maio.2012.


Notas

[1] BOMFIM, Ana Paula Rocha do. Comentários ao Estatuto Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, Lúmen Júris, 2007, p. 13

[2] FAVA, Marcos Neves. Primeiras linhas acerca das consequências trabalhistas do Estatuto Nacional das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte. Lei Complementar nº 123/2006. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1281, 3 jan. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9349> Acesso em: 06 mar.2012.

[3] GERMANO, Américo. Microempresa e empreendedorismo no Brasil. Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:3s85PF-XttoJ:www.comicro.org.br/download/Artigo(Microempresa%2520e%2520Empreendedorismo%2520no%2520Brasi).doc+pesquisas+numero+microempresas+brasil&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br> Acesso em 20 jan.2012.

[4] Disponível em: <http://www.universia.com.br/rue/materia.jsp?materia=16798> Acesso em 20 jan.2012.

[5]  SALVIA, Thiago Rodrigues Danzi.  O contexto socioeconômico e jurídico das microempresas e as empresas de pequeno porte. Disponível em: <http://www.franca.unesp.br/ThiagoRodriguesDanziSalvia.pdf> Acesso em 12 jan.2012.

[6] Lei Geral para a Micro e Pequena Empresa  - SEBRAE. Brasília; abril 2007. Disponível em <http://www.telecentros.desenvolvimento.gov.br/_arquivos/capacitacao-empresarial/LeiGeral.pdf> Acesso em 05 jan 2012.

[7] PASTORE, José. Simples Trabalhista. Disponível em <http://www.josepastore.com.br/artigos/rt/rt_191.htm> Acesso em 05 jan 2012.

[8] Os parágrafos constantes do referido artigo não foram citados, pois são preceitos que não são de importância para o estudo do tema pretendido.

[9] LIMA, Maria Cristina Gertrudes. BRANDALIZE. Adalberto. Manual de Segurança do Trabalho para MicroEmpresa. Disponível em: <http://web.unifil.br/docs/revista_eletronica/terra_cultura/36/Terra%20e%20Cultura_36-10.pdf > Acesso em 20 maio 2012.

22 LIMA, Maria Cristina Gertrudes. BRANDALIZE. Adalberto. Manual de Segurança do Trabalho para MicroEmpresa. Disponível em: <http://web.unifil.br/docs/revista_eletronica/terra_cultura/36/Terra%20e%20Cultura_36-10.pdf > Acesso em 20 maio 2012.

[11] Lei Geral para a Micro e Pequena Empresa  - SEBRAE. Brasília; abril 2007. Disponível em <http://www.telecentros.desenvolvimento.gov.br/_arquivos/capacitacao-empresarial/LeiGeral.pdf> Acesso em 05 jan 2011.

[12] Campanha pelo Veto dos artigos do Super Simples que flexibilizam direitos. Disponível em <http://www.sintunesp.org.br/Not%C3%ADcias/Diga_n%C3%A3o_flexibiliza%C3%A7%C3%A3o_de_direitos.pdf.> Acesso em 20 maio.2012.

[13] SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Disponível em <http://www.trt15.jus.br/> Acesso em 20 maio.2012.

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Sobre a autora
Laura Machado de Oliveira

Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Mestra pela UFRGS em Direito do Trabalho. Advogada especialista em Direito e Processo do Trabalho. Autora de diversos artigos trabalhistas. Citada reiteradamente em acórdãos do TST. Autora do livro "O direito do trabalho penitenciário" pela Lumen Juris.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Laura Machado. A segurança e a medicina do trabalho perante o Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte.: Os avanços e os retrocessos legislativos com o advento da Lei Complementar nº 123/2006. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3528, 27 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23798. Acesso em: 19 abr. 2024.

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