A fiscalização Orientadora
O artigo 55 da Lei Complementar n° 123/2006, que trata da fiscalização orientadora, não tange apenas quanto aos aspectos trabalhistas, mas também em relação aos quesitos metrológicos, sanitários, ambientais e de segurança, realizada pelo Auditor Fiscal:
CAPÍTULO VII
DA FISCALIZAÇÃO ORIENTADORA
Artigo 55 LC 123/2006. A fiscalização, no que se refere aos aspectos trabalhista, metrológico, sanitário, ambiental e de segurança, das microempresas e empresas de pequeno porte deverá ter natureza prioritariamente orientadora, quando a atividade ou situação, por sua natureza, comportar grau de risco compatível com esse procedimento.
§ 1º Será observado o critério de dupla visita para lavratura de autos de infração, salvo quando for constatada infração por falta de registro de empregado ou anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, ou, ainda, na ocorrência de reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização.
§ 2º (VETADO).
§ 3º Os órgãos e entidades competentes definirão, em 12 (doze) meses, as atividades e situações cujo grau de risco seja considerado alto, as quais não se sujeitarão ao disposto neste artigo.
§ 4º O disposto neste artigo não se aplica ao processo administrativo fiscal relativo a tributos, que se dará na forma dos arts. 39 e 40 desta Lei Complementar.
Não houve tamanha inovação legislativa nesse sentido, uma vez que a Lei n° 9.841/1999 abordava a situação em seu artigo 12:
Artigo 12 Lei 9.841/1999. Sem prejuízo de sua ação específica, as fiscalizações trabalhista e previdenciária prestarão, prioritariamente, orientação à microempresa e à empresa de pequeno porte.
Parágrafo único. No que se refere à fiscalização trabalhista, será observado o critério da dupla visita para lavratura de autos de infração, salvo quando for constatada infração por falta de registro de empregado, ou anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, ou ainda na ocorrência de reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização.
A partir do principio da Fiscalização Orientadora, salvo em alguns casos (§ 1º do artigo 55 da LC 123/2006), o Auditor Fiscal não poderá punir o empresário flagrado no descumprimento de obrigações trabalhistas. Primeiramente irá orientá-lo a cumprir a lei. Apenas na segunda visita, caso a irregularidade persistir, poderá ser lavrado o auto de infração. Enfim, a finalidade da lei é permitir a correção pelas empresas de eventuais vícios antes de serem autuadas.
O artigo em comento é criticado pela doutrina, conforme o texto extraído da campanha promovida pela CONLUTAS (Coordenação Nacional de Lutas), CNTC (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio), CCT (Coordenação Confederativa dos Trabalhadores) e FST (Fórum Sindical dos Trabalhadores), direcionada ao Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, solicitando o veto tanto do artigo 55, como o 51:
[...]
com o escasso número de fiscais e a gigantesca quantidade de empresas abrangidas por esta lei, a norma estabelecendo que a autuação punitiva só poderá ser feita em uma segunda visita do fiscal do trabalho já seria em si um enorme incentivo ao descumprimento das obrigações trabalhistas[12].
E com razão merecia acolhimento a manifestação em relação ao veto. O artigo é um estímulo para o descumprimento das obrigações trabalhistas. Com a quantidade de empresas que abrem e fecham todos os dias, uma visita por estabelecimento já é algo complicado de ser concretizado, quiçá uma segunda visita para constatar as mesmas irregularidades.
Torna-se inviável a conduta estabelecida pela Lei. Com a carência de fiscais, dificilmente as empresas serão multadas por descumprimento. O permissivo legislativo, tanto na Lei de 2006 como a de 1999, traz enorme insegurança para os trabalhadores. Poderia ser encontrada uma solução “meio termo” para a questão. O rol do § 1° deveria ser mais extenso, e não contendo apenas aquelas irregularidades. Poderiam estar sujeitas ao critério da dupla visita apenas obrigações acessórias, que não causariam maior gravame aos trabalhadores. O tema deveria ser melhor abordado pela Lei, com um rol a respeito das obrigações que ensejam lavratura do auto imediata, assim como obrigações de menor importância sujeitas à fiscalização orientadora. Além do mais, não foi especificado prazo entre uma visita e outra e o procedimento a ser adotado. Estamos abordando apenas a matéria trabalhista, mas do mesmo modo, é um absurdo a possibilidade de irregularidades, por exemplo, a respeito dos pesos e medidas, em condições de higiene e na agressão ao meio ambiente, pois ambas as situações também são possíveis, uma vez que se enquadram no critério da fiscalização orientadora.
Conforme a jurisprudência, aplica-se exatamente o expresso pela Lei:
AUTUAÇÃO FISCAL POR INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE. CRITÉRIO DA DUPLA VISITA. OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Tratando-se de microempresa e de empresa de pequeno porte, salvo as exceções expressamente previstas, a legislação determina seja observado o critério da dupla visita antes da lavratura dos autos de infração, como corolário da natureza prioritariamente orientadora da atividade fiscalizatória dos agentes do Estado. A Administração Pública não pode deixar de pautar seus atos pela estrita observância ao princípio da legalidade (Constituição Federal, artigo 37, caput). Não se trata, ao contrário do que alega a recorrente, de submeter a atividade fiscalizatória do Estado a mera formalidade, mas sim de preservar a segurança jurídica, imprescindível em um Estado Democrático de Direito, sujeitando a atuação dos agentes públicos à observância das normas que o próprio Estado editou, no exercício da sua função legislativa. Inteligência do disposto no artigo 12 da Lei nº 9.841, de 5 de outubro de 1999, no artigo 23 do Decreto nº 4.552, de 27 de dezembro de 2002 e no artigo 55 da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Recurso ordinário da União improvido. (PROCESSO TRT 15ª REGIÃO N.º 01472-2007-118-15-00-9-RO. 10ª Câmara. Relator Des. Fernando da Silva Borges)[13].
Porém, analisando a íntegra de decisão, constata-se que as irregularidades encontradas diziam respeito: 1) deixar de providenciar EPI adequado ao risco; 2) não providenciar para que extintor de combate ao fogo estivesse desobstruído; e 3) não planejar ou adaptar o posto de trabalho para a posição sentada, sempre que o trabalho possa ser executado nessa posição. Dessarte, concluímos o abuso que os trabalhadores devem estar sofrendo, face à “fiscalização orientadora”. Resta uma dúvida, quanto tempo o trabalhador deve ter ficado sujeito ao EPI inadequado ao grau do risco? Será que a empresa realmente corrigirá os problemas? As consequências do permissivo poderão ser irremediáveis.
A intenção do legislador não é de todo repreensível, mas constatada a realidade brasileira, efetivamente a realização da segunda visita para constatar a correção dos problemas já averiguados na primeira fiscalização, foge da atualidade nacional. Em um país de proporções continentais torna-se difícil a efetuação do procedimento. De nada adianta o dispositivo ter uma ótima ideia se não é adequado às condições da localidade onde será aplicado. Em razão disso, o permissivo deve ser remodelado para vigorar de acordo com a conjuntura do Estado.
CONCLUSÃO
Diante do estudo do Estatuto e reflexos no direito e processo do trabalho, são visíveis as melhorias e os retrocessos advindos pela Lei. Contudo, as matérias trabalhadas são restritas e pouco irá promover a condição da empresa no que tange às relações de trabalho.
Já quanto ao incentivo aos consórcios a serviços especializados de segurança e medicina do trabalho, é considerado um avanço. Apenas poderia seria um item que não necessitaria ser mexido, talvez apenas aprimorado.
Não sabemos os parâmetros de valores utilizados para a confecção do Estatuto, mas com certeza a relação custo benefício poderá não ser obtida se alguns tópicos da Lei não forem revistos, pelo contrário, poderá ser alcançado um resultado muito negativo se comparado à aplicação da CLT. A economia realizada pelo microempresário ao longo de anos com o seu estabelecimento poderá ser comprometida, por exemplo, com o pagamento de uma indenização para diversos empregados em função da falta do uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI´s), uma vez que com o novo critério da fiscalização orientadora, dificilmente o empregador será multado, visto que apenas na segunda visita ao estabelecimento e constatadas novamente as irregularidades, poderá ser lavrado o termo.
Curiosos são certos aspectos, como a dispensa da posse do livro intitulado “Inspeção do Trabalho, algo que não verificamos razão de existir, uma vez que não cria maiores transtornos para o microempresário, o livre serve para o controle de irregularidades do estabelecimento, e sem esse, torna-se muito complicada tal averiguação.
O objetivo do Estatuto é muito nobre e está certo que o ramo precisa de reconhecimento para o seu crescimento econômico, resta saber se o rumo tomado em certos temas é o certo. Apesar dos avanços trazidos pela Lei, os retrocessos os superam. A Lei de 2006 poderia e deveria ter alterado a questão da dupla visita orientadora, mas manteve o entendimento expresso na Lei anterior, marcando um forte retrocesso em uma legislação que deveria permanecer em constante avanço, mas infelizmente manteve os mesmos erros do passado.
A Lei precisa de melhorias, revisões, um estudo a longo prazo, além de uma reflexão do legislador a respeito dos princípios e direitos priorizados no momento de confecção da norma, da mesma maneira, a realização de mais pesquisas de campo para apurar o que na prática está ocorrendo efetivamente no interior desses estabelecimentos. Foi esse o foco de estudo desse trabalho, demonstrar as mudanças, as críticas e consequências do implementado e do que foi mantido pela nova Lei, pelo menos quanto aos efeitos trabalhistas, sem a menor pretensão de esgotá-lo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOMFIM, Ana Paula Rocha do. Comentários ao Estatuto Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, Lúmen Júris, 2007, 122 p.
BRASIL. Campanha pelo Veto dos artigos do Super Simples que flexibilizam direitos. Disponível em <http://www.sintunesp.org.br/Not%C3%ADcias/Diga_n%C3%A3o_flexibiliza%C3%A7%C3%A3o_de_direitos.pdf.> Acesso em 20 maio.2012.
BRASIL. Lei Geral para a Micro e Pequena Empresa - SEBRAE. Brasília; abril 2007. Disponível em <http://www.telecentros.desenvolvimento.gov.br/_arquivos/capacitacao-empresarial/LeiGeral.pdf> Acesso em 05 jan 2012.
FAVA, Marcos Neves. Primeiras linhas acerca das conseqüências trabalhistas do Estatuto Nacional das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte. Lei Complementar nº 123/2006. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1281, 3 jan. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9349> Acesso em: 06 mar.2012.
GERMANO, Américo. Microempresa e empreendedorismo no Brasil. Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:3s85PF-XttoJ:www.comicro.org.br/download/Artigo(Microempresa%2520e%2520Empreendedorismo%2520no%2520Brasi).doc+pesquisas+numero+microempresas+brasil&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br> Acesso em 20 jan.2012.
LIMA, Maria Cristina Gertrudes. BRANDALIZE. Adalberto. Manual de Segurança do Trabalho para MicroEmpresa. Disponível em: <http://web.unifil.br/docs/revista_eletronica/terra_cultura/36/Terra%20e%20Cultura_36-10.pdf > Acesso em 20 maio 2012
PASTORE, José. Simples Trabalhista. Disponível em <http://www.josepastore.com.br/artigos/rt/rt_191.htm> Acesso em 05 jan 2012
SALVIA, Thiago Rodrigues Danzi. O contexto socioeconômico e jurídico das microempresas e as empresas de pequeno porte. Disponível em: <http://www.franca.unesp.br/ThiagoRodriguesDanziSalvia.pdf> Acesso em 12 jan.2012.
SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Disponível em <http://www.trt15.jus.br/> Acesso em 20 maio.2012.
Notas
[1] BOMFIM, Ana Paula Rocha do. Comentários ao Estatuto Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, Lúmen Júris, 2007, p. 13
[2] FAVA, Marcos Neves. Primeiras linhas acerca das consequências trabalhistas do Estatuto Nacional das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte. Lei Complementar nº 123/2006. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1281, 3 jan. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9349> Acesso em: 06 mar.2012.
[3] GERMANO, Américo. Microempresa e empreendedorismo no Brasil. Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:3s85PF-XttoJ:www.comicro.org.br/download/Artigo(Microempresa%2520e%2520Empreendedorismo%2520no%2520Brasi).doc+pesquisas+numero+microempresas+brasil&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br> Acesso em 20 jan.2012.
[4] Disponível em: <http://www.universia.com.br/rue/materia.jsp?materia=16798> Acesso em 20 jan.2012.
[5] SALVIA, Thiago Rodrigues Danzi. O contexto socioeconômico e jurídico das microempresas e as empresas de pequeno porte. Disponível em: <http://www.franca.unesp.br/ThiagoRodriguesDanziSalvia.pdf> Acesso em 12 jan.2012.
[6] Lei Geral para a Micro e Pequena Empresa - SEBRAE. Brasília; abril 2007. Disponível em <http://www.telecentros.desenvolvimento.gov.br/_arquivos/capacitacao-empresarial/LeiGeral.pdf> Acesso em 05 jan 2012.
[7] PASTORE, José. Simples Trabalhista. Disponível em <http://www.josepastore.com.br/artigos/rt/rt_191.htm> Acesso em 05 jan 2012.
[8] Os parágrafos constantes do referido artigo não foram citados, pois são preceitos que não são de importância para o estudo do tema pretendido.
[9] LIMA, Maria Cristina Gertrudes. BRANDALIZE. Adalberto. Manual de Segurança do Trabalho para MicroEmpresa. Disponível em: <http://web.unifil.br/docs/revista_eletronica/terra_cultura/36/Terra%20e%20Cultura_36-10.pdf > Acesso em 20 maio 2012.
22 LIMA, Maria Cristina Gertrudes. BRANDALIZE. Adalberto. Manual de Segurança do Trabalho para MicroEmpresa. Disponível em: <http://web.unifil.br/docs/revista_eletronica/terra_cultura/36/Terra%20e%20Cultura_36-10.pdf > Acesso em 20 maio 2012.
[11] Lei Geral para a Micro e Pequena Empresa - SEBRAE. Brasília; abril 2007. Disponível em <http://www.telecentros.desenvolvimento.gov.br/_arquivos/capacitacao-empresarial/LeiGeral.pdf> Acesso em 05 jan 2011.
[12] Campanha pelo Veto dos artigos do Super Simples que flexibilizam direitos. Disponível em <http://www.sintunesp.org.br/Not%C3%ADcias/Diga_n%C3%A3o_flexibiliza%C3%A7%C3%A3o_de_direitos.pdf.> Acesso em 20 maio.2012.
[13] SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Disponível em <http://www.trt15.jus.br/> Acesso em 20 maio.2012.