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A autonomia municipal e as limitações orçamentárias

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09/04/2013 às 16:14
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2  A organização do município a partir da Constituição de 1988.

2.1 O Princípio Constitucional da Autonomia Municipal.

A Constituição de 1988 vem consolidar a tendência que se observava no constitucionalismo pátrio, desde 1946, de dotar o município com todos os instrumentos político-administrativos para torná-lo um ente plenamente autônomo no contexto da federação, livre de qualquer submissão aos outros entes. Vários dispositivos constitucionais ancoram essa orientação, destacando-se de forma preliminar o art. 18, cujo texto esvazia qualquer dúvida sobre a natureza do município: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.

Não há, portanto, previsão constitucional para que discricionariamente os governos federal e estadual venham se interpor nas questões de âmbito municipal. Apenas nos casos previstos na Carta Magna, art. 35, observando-se todas as determinações legais, é que pode haver a intervenção administrativa do Estado no Município. Por sua vez, se o Estado invadir sua competência, a União poderá intervir no Estado para garantir a autonomia do Município, de acordo com o que prevê o art. 34, VII, “c”, da CF.

Conforme enfatiza José Afonso da Silva (2004, p. 100):

A repartição de competências entre a União e os Estados-membros constitui o fulcro do Estado Federal, e dá origem a uma estrutura estável complexa, que apresenta, a um tempo, aspectos unitário e federativo... no Brasil, ainda há a esfera governamental dos municípios.

O renomado constitucionalista prossegue na descrição do Estado Federal, salientando o descompasso do constituinte ao ter incluído o município como componente da federação. Dessa maneira, defende José Afonso da Silva (2004, p. 101) que:

O Estado Federal brasileiro está constitucionalmente concebido como a união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal (art. 1º). Foi equívoco do constituinte incluir os Municípios como componente da federação. Município é divisão política do Estado-membro. E agora temos uma federação de Municípios e Estados, ou uma federação de Estados?... A solução é: o Município é um componente da federação, mas não entidade federativa.

De qualquer forma, diferentemente do que ocorreu no passado monárquico e republicano do país, agora o município vê-se, em tese, liberto dos comandos arbitrários que partiam das outras esferas administrativas. No oportuno magistério de Helly Lopes Meireles (p. 90, 2006) “a Constituição assegura a autonomia do Município pela composição de seu governo e pela administração própria no que concerne ao seu interesse local”. Essa conquista constitucional, que elevou o município à condição de entidade político-administrativa de terceiro grau, manifesta-se em quatro aspectos fundamentais: político, administrativo, financeiro e legislativo. Com isso, emergem quatro capacidades: de auto-organização – elaboração de lei orgânica própria; de autogoverno – pela eleição direta dos seus dirigentes; de autolegislação – a edição de leis municipais; de auto-administração – administração própria para gerir os serviços de interesse local.

Nesse contexto, organizam-se os poderes municipais representados pelos agentes responsáveis pelas duas funções governamentais de cunho municipal: a função legislativa e a função executiva. Ao Prefeito compete a responsabilidade máxima da Administração, enquanto que aos Vereadores destina-se a incumbência de exercer a função legislativa. Constituídas essas funções de forma legítima, alcança-se, na prática, a autonomia, de forma que o governo municipal não se subordina a qualquer autoridade estadual ou federal no desempenho de suas atribuições e que a legislação municipal, quando versar sobre assunto de sua competência expressa, prevalece sobre as leis estaduais e federais.

Meirelles (2006), explica que ao ampliar o princípio da autonomia no âmbito municipal, a CF incumbe aos municípios a elaboração da Lei Orgânica Municipal (LOM), que se constitui na Lei fundamental do Município. Trata-se de um estatuto legal que define as diretrizes estruturais dos Municípios. Em linhas gerais pode ser definida, por analogia, como a “Constituição Municipal”, embora o termo seja impreciso, visto que as Constituições propriamente ditas são promulgadas apenas nos níveis federal e estadual. Mesmo assim, a comparação se justifica para que se possa destacar o caráter autônomo do município que se ancora na Constituição Federal como ente federativo, na Constituição Estadual enquanto membro da unidade federativa e, de forma específica, na Lei Orgânica Municipal, na condição de seu estatuto primeiro.

Como conteúdo básico determinado pela Constituição, juntamente com todos os assuntos de interesse da comunidade, a LOM deve observar as regras sobre a eleição dos dirigentes municipais do Executivo e do Legislativo, ou seja, Prefeito, Vice-prefeito e Vereadores, a posse dos mesmos, a inviolabilidade, proibições e incompatibilidades dos agentes políticos, a organização das funções legislativa e fiscalizadora da Câmara Municipal, a cooperação das associações com o planejamento municipal, a iniciativa dos projetos populares e da perda do mandato do prefeito e dos vereadores.

 Destaca-se, como fato novo e de extrema relevância, na Constituição de 1988, a elaboração da LOM no próprio município, já que anteriormente era competência do Estado criar uma Lei Orgânica para todos os municípios. A partir dessa inovação, houve a oportunidade inédita na história da nossa República de se redigir leis orgânicas com independência, observando-se os preceitos e as diretrizes fundamentais definidos na CF, mas com fundamento na realidade e na vocação de cada Município. Esse fato repercute diretamente em todos os setores da organização municipal. No tocante à Administração Pública, os efeitos foram bastante nítidos. A competência administrativa do município foi ampliada, permitindo que a administração local possa gerir os destinos de sua terra com autonomia e com liberdade para se escolher as melhores estratégias de desenvolvimento.

2.2   A organização dos poderes municipais.

A autonomia política expressa pela capacidade de auto-organização, garantida no art.29 da CF, possibilita ao Município a organização dos seus poderes institucionais: o Executivo e o Legislativo. Efetiva-se essa organização a partir da eleição direta do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores. Destaque-se ainda a não existência do Poder Judiciário municipal, visto que a Constituição investiu apenas as esferas Estadual e Federal com a capacidade jurisdicional stricto sensu.

O governo do Município divide, então, suas funções, que são exercidas por meio de órgãos. No que tange às tarefas executivas, segundo Meirelles (2006), incumbe-se à Prefeitura Municipal. Quanto às legislativas, estão a cargo da Câmara Municipal. Os poderes municipais devem ser organizados, garantindo-se a independência e atuação harmônica entre eles, de maneira que haja a clara separação das atribuições sem a interferência de um no outro. Assim, ao Legislativo compete a edição de normas e ao Executivo, o exercício de atos em consonância com essas mesmas normas e com as demais que compõem o ordenamento jurídico pátrio.

2.2.1Poder Executivo.

Trata-se de um Poder unipessoal, não colegiado. Tem como representante maior o Prefeito. A ascensão ao cargo se dá por eleição direta, para o exercício das funções e prerrogativas inerentes à chefia do Executivo municipal, durante o período de quatro anos, com a possibilidade de concorrer à reeleição. Na mesma oportunidade e na mesma chapa eleitoral é eleito o Vice-Prefeito, o qual não possui função executiva, conquistando apenas o mandato para representar o Prefeito ou substituí-lo, temporária ou definitivamente.

Todas as atribuições, prerrogativas, incompatibilidades, impedimentos e demais matérias pertinentes à regulamentação do exercício e investidura no cargo de Prefeito estão previstos na Lei Orgânica de cada Município. O Prefeito, Chefe do Executivo, possui essencialmente duas atribuições principais: governamental e administrativa. A primeira responde pelo posicionamento político na condução dos negócios públicos, de acordo com a oportunidade e conveniência do agente, resultando em atos discricionários. Por sua vez, a segunda, diz respeito ao conjunto de atividades executivas, materializadas por meio de atos jurídicos vinculados, passíveis de controle pelo Judiciário e, em certos casos, pelo Legislativo, conforme discorre Meirelles, (2006).

As atividades e ações do Executivo Municipal emanam do seu órgão central: a Prefeitura. É importante destacar que se trata de um órgão tão somente executivo, não se confundindo com o Município, pessoa jurídica de direito público. Possui, entretanto, orçamento próprio e quadro de pessoal responsável pela prestação dos serviços públicos. Centraliza toda a Administração direta, estruturada em suas secretarias, departamentos e repartições públicas, conforme o organograma administrativo do Município.

A Administração Pública Municipal pode transferir a execução de determinados serviços a outros órgãos que compõem a Administração Indireta. As autarquias, as fundações, as empresas públicas e as sociedades de economia mista são entidades que representam a execução indireta dos serviços públicos. Além da prestação direta e indireta dos serviços, pode o Executivo Municipal outorgar ou delegar serviços à particulares, por meio da concessão ou permissão. Nesses casos, apesar de descentralizado, o serviço continua público.

2.2.2 Poder Legislativo

A Câmara Municipal exerce o Poder Legislativo no Município.  É composta pelos vereadores eleitos no mesmo processo eleitoral dos representantes do Executivo e por igual período. O número de seus componentes é definido pelo critério da densidade populacional e pode variar de nove a cinqüenta e cinco membros, de acordo com a Resolução 21.702/2004 do Tribunal Superior Eleitoral, fundamentada no art. 29, IV, da CF. Seu funcionamento se dá em períodos legislativos anuais onde ocorrem as sessões plenárias, palco das decisões legislativas, solenes ou simbólicas.

O plenário, formado pelo total da edilidade, é responsável por todas as deliberações enquanto órgão de natureza assemblear. Não há qualquer vínculo de subordinação administrativa ou hierárquica com o Poder Executivo ou mesmo com o Judiciário. Para tanto, a Câmara possui orçamento próprio, quadro de pessoal e estrutura administrativa independente. A cada dois anos elege entre seus pares os representantes que vão integrar a mesa diretora, cujas funções básicas voltam-se para a direção dos trabalhos legislativos do plenário e para a administração da Câmara.

Entre os membros da mesa, destaca-se o Presidente da Câmara com as atribuições de presidir as sessões plenárias como autoridade maior da mesa, gerir os recursos do legislativo, além de responder pela administração da casa como seu representante em todos os atos da vida pública municipal.

Outro aspecto que se deve considerar em termos organizacionais das atividades legislativas é a formação de Comissões, que podem ser permanentes ou temporárias. As primeiras são técnicas especializadas e estruturam o processo legislativo, na medida em que analisam e emitem pareceres sobre as proposições antes de serem submetidas ao plenário. Essas comissões são eleitas bienialmente e seu número é definido pelo Regimento Interno. Por seu turno, as temporárias analisam questões específicas para as quais foram criadas e se extinguem após finalizarem seus trabalhos.

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A principal função da Câmara é fazer leis. Entretanto, além dessa atribuição legislativa típica e elementar, exerce a função fiscalizadora, assessora o Executivo local e administra os bens do Legislativo. Por ser um órgão colegiado, suas deliberações são aprovadas por meio de um rito legislativo, culminando com a votação em plenário. A aprovação ou a rejeição da matéria em questão se dá por maioria, que pode ser simples (a maioria dos edis presentes na sessão); absoluta (maioria dos membros da câmara); ou qualificada (2/3 do total dos vereadores). O critério estabelecido pela votação segue a natureza da matéria e está definido na LOM e no Regimento Interno da Câmara.

Ao legislar, os vereadores não administram o município, apenas estabelecem normas para a administração. No tocante ao conteúdos das leis municipais, devem-se ater à competência legislativa do município estabelecida pela Constituição Federal no art.30, I e II.

2.3  Competências da Administração Municipal

Antes de se verificar as competências da Administração municipal propriamente ditas, é importante observar o sistema constitucional e os critérios pertinentes à delimitação das competências dos entes federados. O art. 25, §10, da CF expressa que “são reservadas aos Estados as competências que não sejam vedadas por esta Constituição”. Dessa maneira, depreende-se de acordo com a síntese de Hely Lopes Meireles (2006, p.131) que “Poderes reservados são os enumerados na Constituição como pertencentes à União ou aos Municípios...”, (a competência dos estados-membros será sempre residual), destacando-se “a existência de poderes explícitos e de poderes implícitos”.

O art. 30 da CF expressa os poderes explícitos do Município. Desses poderes vão surgir logicamente os poderes implícitos. Para exemplificar, pode-se citar o poder explícito de “instituir um tributo” decorre o poder de “arrecadá-lo”, da maneira como leciona Meirelles (2006).

A competência do Município pode ser exclusiva, ou concorrente com a União e com os Estados-Membros. Nos casos em que a competência é privativa, o Município tem poderes para afastar os demais entes. Por outro lado, quando a competência for exclusiva da União e do Estado, fica afastada a participação municipal. Há ainda casos em que as três esferas partilham competências. Nessas situações, e tão somente, ocorre a supremacia da Lei Federal sobre a Estadual e, conseqüentemente, sobre a Municipal. Quando se tratar de norma referente à competência exclusiva, não há que se falar em hierarquia entre os entes federados.

A base da competência administrativa do município é o inciso I, do art. 30, da CF: compete aos municípios “legislar sobre assuntos de interesse local”. Observe-se que a matéria deve ter relevância maior e predominante para o município, sem que, é claro, deixe de interessar às demais esferas administrativas. O importante é o grau de interesse para se definir o que é ou não assunto municipal.

A atividade municipal privativa apresenta-se no aspecto político, financeiro e social, a partir da elaboração da Lei Orgânica e da escolha dos seus governantes; da capacidade de instituir tributos, viabilizando a sua administração; da organização dos serviços públicos; das medidas referentes ao conforto e à apresentação estética da cidade; da organização do seu território; da educação e de toda a área social; da defesa do bem-estar público; do gerenciamento e da regulamentação das atividades dos servidores. Esse leque de atuação deve margear sempre os limites do interesse local, vedando-se os assuntos que aí não se enquadrarem ou que não forem de competência concorrente com as demais esferas de governo.

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Sobre o autor
Paulo Cezar Basilio

Professor QPM - Paraná. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BASILIO, Paulo Cezar. A autonomia municipal e as limitações orçamentárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3569, 9 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24154. Acesso em: 22 dez. 2024.

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