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Divagações sobre o art. 195 da CLT

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Não incide no processo trabalhista a regra civilista segundo a qual o juiz não está adstrito ao laudo pericial e pode formar sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos. Há determinação legal taxativa para que a caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade atendam ao resultado da perícia.

Partindo do fundamento inicial, assentado no art. 5º., XXXV, da Carta Magna, de que todo cidadão tem direito de acesso à Justiça, através de ação própria, prevista na legislação em vigor, a correr pelo devido processo legal, na recomendação, inafastável, pelo seu inciso LV, se há de alcançar a decisão judicial correspondente a estas garantias, que é a sentença de mérito, com trânsito em julgado.

Para se atingir esse desiderato, o Código de Processo Civil instituiu os indispensáveis PODERES DO JUIZ, nas regras contidas desde o art. 1º. ("A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo território nacional, conforme as disposições que este Código") estabelece, passando, ainda, pelo 125, respectivo, quando enfatizou que ("O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe as providências que descreve"), sob inspiração constitucional do art. 5º. LV, fonte, irrecusável, do devido processo legal.

Acrescenta já no art. 126, que "O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais, não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito" e "não decidirá por equidade a não ser nos casos previstos em lei", conforme consta do art. 127.    

Considerando estas premissas, e passando aos fatos, está escrito, na regra legal do art. 195, da Consolidação das Leis do Trabalho, que "A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, devidamente registrados no Ministério do Trabalho".

A norma legal trabalhista, no ponto indicado, tem caráter impositivo e, como regra de processo, é de ordem pública, evitando interferências interpretativas que ponham em risco a segurança da prova a ser produzida, pois, o fato se relaciona com a demanda, em si, e reflete, economicamente, em órgãos estatais, como a Previdência Social, quando da aposentadoria do trabalhador, por exemplo.

Sua aplicação há de se dar, portanto, com o rigor de sua redação, de tal forma que a hipótese não comporta o aparente abrandamento probatório contido no art. 436, do Código de Processo Civil, segundo o qual o juiz não está adstrito ao laudo pericial, devendo ser observada, nesse caso, a exceção prevista no art. 769, da mesma Consolidação das Leis do Trabalho, de invocação subsidiária, só se houver coerência supletiva.

É que, por este, Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

Nem é necessário alongar muito a proposta de discussão do tema, nesta oportunidade, que pode se localizar no primeiro entrave, ou seja, a invocação das regras processuais comuns tem cabimento nos casos omissos da previsão processual trabalhista, para a hipótese examinada.

Então, com vênias aos quantos sustentem o contrário - e os há em grande número - a regra civilista, segundo a qual O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos, não opera nem incide nas reclamações trabalhistas, especificadas, dada a determinação taxativa de que, a caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade … far-se-ão através de perícia, o que não deixa qualquer margem a que a referida caracterização/classificação seja reconhecida ou repelida, senão em razão de uma conclusão pericial, firmada por especialista da área, com registro no Ministério do Trabalho.

Não, de uma simples prova, de qualquer prova, ainda quando produzida por técnico, a teor do disposto no art. 420/CPC, cujo parágrafo único acrescenta que O juiz indeferirá a perícia quando: I - a prova do fato não depender do conhecimento especial de técnico, porquanto, como visto, a perícia trabalhista tem de ser realizada por técnico incondicionalmente, médico ou engenheiro do trabalho e inscritos no Ministério do Trabalho.

Leve-se em conta, ademais, que a referência a outros elementos provados nos autos a que alude o citado art. 436/CPC há, por sua vez, e coerentemente, de ser interpretada, dadas as circunstâncias da espécie, como sendo outros elementos periciais, sob a luz do art. 145 do digesto processual, posto que Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, assistência, através da qual o louvado assume “status” de servidor púbico e, por consequência, firmado no art. 37, da Constituição da República, passa a gozar de fé de ofício.

Também, porque, a teor do art. 437, do CPC, dentre os poderes do juiz, se inscreveu que ele poderá determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida ou a permissão para que se pudessem utilizar testemunhas ou documentos, descaracterizaria a condição contida, reiteradamente, na legislação focalizada, criando-se uma contradição insustentável, juridicamente.

Enquanto se exige que a perícia seja realizada por um técnico, de condição profissional qualificada e, à evidência, comprovada, o seu parecer científico, como auxiliar judiciário, seu estudo e mesmo sua responsabilidade profissional e legal, inclusive, correriam perigoso itinerário que, passando pela censura do art. 147/CPC, o conduziria à área penal, cujo artigo 342 põe em risco sua liberdade, se se entender, nas dúvidas e contradições possivelmente levantadas, na controvérsia da espécie probatória, que agiu da forma pejorativa ali descrita.

Daí, resultar, necessariamente, que a expressão outros elementos provados nos autos hajam sido colhidos, igualmente, por perícias, sucessivamente, realizadas e, jamais, por depoimentos de leigos, quando não de empregados que, pelo art. 3º/CLT, atuam sob a dependência deste – empregador - e mediante salário, portanto, sob coação econômica, em face do risco do desemprego por dispensa sem justa causa, ou documentos confeccionados por quem não detenha os conhecimentos mínimos da questão técnica que se está resolvendo.

A lógica da legislação deve ser aurida pelo estudioso e, especialmente, pelo seu aplicador, com raciocínio coerente que permita a formação de um conjunto de normas harmônicas, objetivando a proteção das relações humanas, com o mínimo de controvérsia possível, dispensando-se o legislador de produzir textos alongados, explicativos ou suplementares, na justa suposição de que dela serão tirados os efeitos desejados para tal finalidade.

Se fosse possível, do ponto de vista legal, ou jurídico, admitir-se a prova testemunhal como obstáculo legítimo à conclusão do laudo, então, este, nem precisaria, logicamente, ser confeccionado por um técnico e o juiz, desta forma, estaria dispensado da realização da prova pelo meio mais caro e demorado, a saber, a perícia, decidindo, desde logo, com os depoimentos laicos ou documentos previamente elaborados.

Rapidamente, por desnecessário, vale invocar uma brilhante lição jurisprudencial de um dos mais eminentes Ministros da nossa tão cara Suprema Corte, a qual confirma, com as vênias devidas, a sustentação acima:

DEVIDO PROCESSO LEGAL “Inteligência da ordem constitucional, no que homenageante do devido processo legal, avesso, a mais não poder, às soluções que, embora práticas resultem no desprezo à organicidade do Direito”. (STF-RE-223.204-5, rel. Min. Marco Aurélio, DJ. 12-06-98, fl.. 71, 2ª T.)

Duas conclusões podem ser tiradas, sem pressa ou leviandade, destas modestas razões, sendo a primeira, no sentido de que, embora sendo verdade que o juiz não esteja adstrito ao laudo, em processo cível, somente pode contrariar a respectiva conclusão técnica através de outro laudo, utilizando para tanto o art. 437, já mencionado, ao estabelecer que "O juiz poderá determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida".

Isto significa, com certeza e máxima segurança, que ele não pode dispensar o laudo, se nomeou louvado sob o foco do parágrafo único do art. 420, no seu inciso primeiro – "O juiz indeferirá a perícia quando: a prova do fato não depender do conhecimento especial de técnico" - ainda quando não o aceite, por vícios que lhe impute, devendo fazer retornar o processo ao seu auxiliar para as explicações complementares que julgar necessárias e, se, ainda assim, não se satisfizer, então, nomeará outro especialista, técnico mais abalizado e competente, a seu critério, para exato cumprimento da diligência, promovida pela dependência de conhecimento especial de técnico.

Porém, não lhe é dado decidir a demanda, proferindo a sentença com fundamento em outros elementos que não os colhidos de uma perícia visto que esta, no caso, é a única forma que assegura o devido processo legal, ponto de máxima relevância, pois, a Constituição Federal estabelece, no art. 5º, LV, o direito do litigante de se defender com ampla segurança e certeza de que ele foi examinado da melhor maneira pelo Poder Judiciário, segundo regras peculiares.

No caso, inicialmente proposto da perícia trabalhista e, agora, como segunda parte da conclusão, ainda é menor a intervenção do magistrado, no conteúdo da prova, porque a regra trabalhista é plena, insofismável e incontornável, devendo ser cumprida à risca, como diz a expressão popular, porém, verdadeira, no sentido de que, havendo regra específica, na Consolidação das Leis do Trabalho, não se penetra no Código de Processo Civil, pela via do art. 769.

Mas, sem a indispensável prova pericial, exigida por lei (art. 195/CLT), data maxima venia, e muito menos contra ela, a respeitável decisão judicial que se prolatar não pode prevalecer, devendo, pois, ser substituída, na coerente lição de NELSON NERY e ROSA NERY, CPC, COMENTADO, 13ª edição, Revista dos Tribunais, f. 477, que se harmoniza coma jurisprudência ali acrescentada:

3. PROVA LEGAL. É o limite do livre convencimento motivado. Quando a lei estabelece que somente por determinado meio se prova um fato, é vedado ao juiz considerá-lo provado por outro meio, por mais especial que seja.

Laudo pericial recusado pelo juiz. Ao recusar o laudo, há o juiz de indicar, na sentença, de modo satisfatório, os motivos de seu convencimento (CPC 131 2ª. parte e 458 II). Hipótese em que faltou à sentença suficiente motivação, pressuposto de sua validade e eficácia, recusando a conclusão de dois laudos periciais (STJ RT 718/253; RSTJ 77/145; JSTJ 71/147)

Livre convencimento motivado. Vinculação à prova dos autos. A falibilidade humana não pode justificar o desprezo pela afirmação científica. A independência do juiz e a liberdade de apreciação da prova exigem que os motivos que apoiaram a decisão sejam compatíveis com a realidade dos autos, sendo impossível desqualificar esta ou aquela prova sem o devido lastro para tanto. Assim, como os motivos apresentados não estão compatíveis com a realidade dos autos, há violação ao CPC 131 (STJ 3ª. T. Resp 97.148 Min. Carlos Alberto Menezes Direito …)

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A Suprema Corte conhece a espécie discutida e preleciona, aclarando a matéria, para se definir que, nas circunstâncias oferecidas pela autora, retiradas, sob medida exata, dos autos de sua reclamação, se evidencia o seu direito e o respectivo rompimento pelo venerando aresto rescindendo:

“Julga-se contra a lei quando se deixa de aplicar um texto positivo, quando a sentença abandona a regra evidentemente apta a reger a hipótese e invoca outra que não a disciplina ou comete erro manifestamente flagrante, de interpretação, enfim, quando se oriente por um preceito inaplicável à espécie vertente, em vez do claramente adequado”. ( Ac. STF. RE. 20.415, rel. min.  Horozimbo Nonato, DJ. 22-05-55 – RTJ. 29/158).

Esta pequena contribuição se deve ao fato, estatisticamente, apurável, de que, com freqüência, ocorrem respeitáveis sentenças trabalhistas firmadas e produzidas por eméritos Magistrados que não levaram em conta as preocupações aqui assinaladas, negando os adicionais trabalhistas aos empregados que conseguiram provar, pericialmente, a ocorrência da insalubridade ou da periculosidade.

Mas que tiveram, contra a prova técnica, depoimentos ou, até mesmo, documentos discutidos, valendo acrescentar que, de tal levantamento, curiosamente, ainda não se encontrou o reconhecimento judicial em hipótese inversa, ou seja, caso de uma negativa do laudo ser superada por um depoimento testemunhal, com resultado favorável ao trabalhador.

Há, no fundo, perceptível, uma injustiça, na consequência das veneráveis deliberações judiciais, que exorta o espectador, ciente de que, como diz o bispo sul africano, DESMOND TUTU, "quem se acovarda e silencia, diante da violência, incentiva a agressão, sem perceber que pode ser a próxima vítima", justificando-se, portanto, uma reação que busque a paz.

No caso presente, traduz-se na necessidade de exigir, do julgador, pelas vias legítimas do devido processo legal, a aplicação da lei trabalhista, esta de clareza solar, ao condicionar, de maneira intransponível, que o reconhecimento da insalubridade/periculosidade se faça, sem tergiversar, exclusivamente, pela prova pericial.

Portanto, seja porque, para tal apuração, se afigura indispensável à realização de perícia, porque "Não pode o magistrado valer-se de conhecimentos pessoais, de natureza técnica, para dispensar a perícia", a regra inserta no art. 195, da CLT, é inquebrantável no sentido de que a caracterização/classificação das atividades insalubres e perigosas depende inegavelmente de reconhecimento pericial.

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Sobre os autores
Abelardo Flôres

Desembargador do TRT da 3ª Região aposentado. Advogado em Belo Horizonte (MG).

Guilherme Luiz de Souza Pinho

Desembargador do TRT da 3ª Região aposentado. Advogado em Belo Horizonte (MG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FLORES, Abelardo Flôres ; PINHO, Guilherme Luiz Souza. Divagações sobre o art. 195 da CLT. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3577, 17 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24206. Acesso em: 21 nov. 2024.

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