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Guarda unilateral e síndrome da alienação parental

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23/04/2013 às 14:52
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As estatísticas apontam a predominância da guarda unilateral dos filhos, que é um cenário propício para engendrar a alienação parental, podendo, posteriormente, culminar na instalação da síndrome.

Resumo: A guarda dos filhos incapazes cabe aos pais. O instituto da guarda possui caráter protetivo para viabilizar a execução de direitos dos filhos. Permanece ainda após a separação dos companheiros ou o divórcio dos pais casados. A partir daí optarão por um modo diferente de exercer a guarda já que cessa o dever de coabitar. O Código Civil elenca dois tipos: guarda unilateral e compartilhada. A doutrina acrescenta a guarda alternada. Alguns estudiosos da temática apontam no sentido de que a escolha da guarda pode ou não enfraquecer a convivência familiar. Ainda relatam crescentes casos de alienação parental. Nesse cenário de escolha da guarda pode surgir um processo de manipulação dos filhos. Um dos genitores o provoca para que o outro seja afastado do convívio. Da análise do material de pesquisa pode-se estabelecer uma relação entre os tipos de guarda e a alienação parental. A guarda unilateral apresenta um cenário propício ao surgimento da alienação. A metodologia consiste em revisão de fontes doutrinárias, jurisprudência e reportagens jornalísticas.

Palavras-chave: Alienação parental. Guarda unilateral. Síndrome da alienação parental.

Sumário: Introdução. 1 O instituto da guarda: evolução histórica e disciplinamento jurídico atual. 1.1 Evolução histórica: a guarda e o poder familiar até a constituição federal de 1988. 1.2 A guarda e o poder familiar após a constituição de 1988. 1.3 O exercício da guarda durante a união estável ou o casamento conforme o atual código civil. 2 A guarda após o fim da união estável ou do casamento. 2.1 A guarda unilateral. 2.2 A guarda compartilhada ou conjunta. 2.3 A guarda alternada. 2.4 Comparações entre a guarda unilateral e a guarda compartilhada. 2.5 Principais disposições do código civil de 2002 sobre a guarda. 3 Alienação parental e sua respectiva síndrome: considerações iniciais. 3.1 Conceito de alienação parental e sua respectiva síndrome. 3.2 Motivos e atitudes típicas do genitor alienador. 3.3 O mecanismo que instala a síndrome da alienação parental e os seus estágios. 3.4 Falsas acusações de abuso sexual e o uso do poder judiciário. 3.5 Sequelas perniciosas da síndrome da alienação parental. 4 Relacionando a guarda unilateral e a síndrome da alienação parental. 4.1 Contexto do divórcio ou do fim da união estável. 4.2 A guarda unilateral e a síndrome da alienação parental: teorias e pesquisas. 4.3 A guarda unilateral e a síndrome da alienação parental: exemplos na jurisprudência pátria.  Considerações finais.  


Introdução

O Código Civil dispõe que cabe aos pais a guarda dos filhos menores. Segundo a melhor doutrina guardar corresponde a ter estes em companhia daqueles para que tanto o direito à convivência familiar como outras necessidades infanto-juvenis possam ser atendidas.

Durante o casamento ou a união estável os pais exercem a guarda simultaneamente. Após a ruptura do vínculo conjugal os pais permanecem com a guarda, pois este dever não desaparece exceto se também findo o poder familiar, pois a guarda é instituto a bem dos interesses dos filhos. O exercício desta se modificará através das opções trazidas pela lei civil: guarda unilateral ou compartilhada. A doutrina acrescenta a guarda alternada.

O primeiro tipo é a mais tradicional e adotada ainda hoje. Um dos genitores segue residindo com os filhos e acompanhando suas atividades intensamente enquanto ao outro cabem seguir horários de visitas e fiscalizar a educação da prole. O segundo modelo permite que os pais convivam com os filhos e tomem decisões de modo mais parecido ao que faziam durante a união conjugal. O terceiro tipo apontado é raro.

Neste cenário de divórcio ou fim da união estável pode surgir a alienação parental. Consiste em um processo empreendido por um dos progenitores (progenitor alienante) tendo como alvo o outro (progenitor alienado). O alienante manipula seus filhos para que odeiem o alienado e o evitem. Quando os filhos se negam a conviver com o alienado está instalada a síndrome da alienação parental.

O primeiro capítulo aborda a evolução do instituto da guarda até a atual legislação. O segundo trata dos tipos de guarda. O terceiro explica a alienação parental e sua síndrome. O último capítulo atende ao objetivo principal: verificar qual a relação entre guarda unilateral e o surgimento da alienação (e sua respectiva síndrome).

Este trabalho é relevante por trazer dois temas bastante discutidos atualmente: guarda de filhos e síndrome da alienação parental. A metodologia consiste em revisão da bibliografia correspondente: doutrinas, jurisprudências e reportagens em fontes impressas ou na internet.


1 O instituto da guarda: evolução histórica e disciplinamento jurídico atual

Antes de se abordar diretamente o instituto da guarda de filhos menores pelos seus genitores é necessário se explicar de que forma se compreende o alcance da autoridade que estes pais podem ter em relação à prole. É em virtude deste poder conferido ao pai e à mãe que estes possuem a prerrogativa de terem a guarda de seus filhos. A guarda, portanto, está intrinsecamente ligada à autoridade exercida pelos pais, atualmente denominada poder familiar.

Será mostrada a origem da regulamentação deste poder pelo direito romano, que é o germe de parte da legislação civil brasileira. No tocante a esta, será abordada a partir das ordenações coloniais, passando pelo Código Civil de 1916 e leis posteriores: Estatuto da Mulher Casada e lei do Divórcio. Os assuntos “poder familiar” e “guarda” andarão paralelamente no presente capítulo, até a abordagem específica deste último tema, já sob a ótica do direito atual, compreendendo a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002.

1.1 Evolução histórica: a guarda e o poder familiar até a constituição federal de 1988

A origem da regulamentação jurídica do poder familiar funda-se no direito romano, que, contudo, concebia este poder como uma autoridade completamente diversa da que é exercida atualmente pelos pais em relação a seus filhos. Em primeiro lugar, a própria denominação desta autoridade parental era diferente: chamava-se pátrio poder, e estava concentrado na figura de um paterfamilias.

Em Roma reconhecia-se que o indivíduo do sexo masculino poderia tornar-se chefe de família, ou paterfamilias, sendo o ancestral mais antigo de todo um núcleo familiar extenso. A família romana, de fato, excedia os limites do núcleo formado pelos pais e seus filhos:

“Em nossos dias, em sentido estrito, família é a unidade formada pelo casal e filhos. Cada filho que se casa constitui nova família, da qual se torna chefe, de tal modo que os netos não estão subordinados ao avô, mas ao pai. Em Roma, ao contrário, família é o complexo de pessoas colocadas sob a patria potestas de um chefe - o paterfamilias. A patria potestas não se extingue pelo casamento dos filhos que, tendo a idade que tiverem, sejam casados ou não, continuam a pertencer à família do chefe. Daí, o grande número de membros da família romana (CRETELLA JR, 2000, p. 77).”

Percebe-se que a patria potestas não se restringia ao exercício da função paterna, porque também abarcava o poder de comando de um extenso clã formado por pessoas que compartilhavam com o paterfamílias não apenas laços sanguíneos. Além da abrangência deste poder, salta aos olhos de todo o estudioso do direito a sua intensidade, tendo em vista a peculiar prerrogativa de decisão sobre a vida e a morte dos filhos, o denominado ius vitae ac necis.

“O paterfamilias poderia dispor da vida dos filhos, vende-los, abandoná-los e puni-los. Quanto à esposa, o paterfamílias exercia o manus, ou potestas maritalis, que era análogo ao pátria potestas, não permitindo à mulher nenhum poder sobre seus filhos, vez que, estaria sob a tutela de seus filhos homens quando da morte do marido (QUINTAS, 2010, p.10).”

No direito romano, portanto, conclui-se que havia a outorga de poderes absolutos a um único indivíduo e que este não poderia ser do sexo feminino, caracterizando assim o embrião de um modelo de família patriarcal e hierarquizado (DIAS, 2010).

Inspiradas neste ordenamento jurídico da antiguidade é que surge, no Brasil colônia, a primeira legislação tratando do pátrio poder: ordenações, leis e decretos promulgados em Portugal, legitimadores da exclusividade do homem em possuir a pátria potestade. Mas haviam deveres expressamente previstos que o pai deveria cumprir, por exemplo: educar os filhos de acordo com suas posses e condições; nomear-lhes tutor testamentário; defendê-los em juízo ou fora dele e reclamá-los de quem ilegitimamente os detenha (COMEL, 2003). 

 Frise-se que tais incumbências somente recaiam sobre os filhos legítimos, excluindo-se aqueles classificados como incestuosos, espúrios ou adulterinos, já que a legislação brasileira ainda distinguia a prole conforme se originasse de relações dentro do casamento ou não (DIAS, 2010). O único modelo de família que merecia tratamento do legislador era aquela formada por homem, mulher e filhos, oriunda do matrimônio religioso católico.

De regra a mulher não chegava a exercer a pátria potestade propriamente dita; quando muito apenas se reconhecia que os filhos lhe deviam respeito e obediência. Caso fosse viúva, pela ausência do marido é que deveria ocupar o lugar deste último, mas só continuaria nesta posição até que se casasse novamente, quando perderia o poder familiar sobre os filhos do primeiro leito (COMEL, 2003).

O Código Civil de 1916 repetiu a ideia de que o papel de chefe da família cabia ao homem, sendo que a mulher ganhava ainda posição secundária, conforme o art. 380: “Durante o casamento, exerce o pátrio poder o marido, como chefe de família (art. 233), e, na falta ou impedimento seu, sua mulher.” Até então o ordenamento jurídico brasileiro, por consagrar a supremacia dos interesses do pai, obviamente não concebia a autoridade parental como um conjunto pura e simplesmente de deveres. Ressalta Silvio Baptista (2000) que os doutrinadores da época conceituavam o pátrio poder como o conjunto de direitos subjetivos do chefe de família. As obrigações que lhe cabiam frente aos filhos (como o dever de sustento e educação) na verdade decorriam de imperativos de ordem moral, subprodutos da sua própria autoridade naturalmente emanada da figura paterna.

Como a questão da guarda está relacionada ao poder de direção exercido sobre os filhos menores, à época as regras que definiam o exercício da guarda levavam em conta o direito do pai, ou o direito da mãe, não havendo preponderância dos interesses da prole. Prova disto eram as disposições do Código que cuidavam do assunto.  Se o fim do matrimônio ocorresse por “culpa” da mãe, por exemplo, caberia ao pai obter a guarda. A discussão acerca da quebra dos deveres conjugais era decisiva para o estabelecimento da nova dinâmica familiar pós-separação. E caso a mãe obtivesse a guarda os filhos do sexo masculino só ficariam com ela até os seis anos de idade, restando-lhe a guarda das filhas (QUINTAS, 2010).

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O Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/62) não chegou a alterar substancialmente o Código de 1916, pois manteve a prevalência masculina no exercício do pátrio poder, embora de início se tenha a impressão de que houve a primeira tentativa em atribuir também à mulher parcela idêntica do referido poder (DIAS, 2010), conforme a nova redação dada ao art. 380:

“Durante o casamento, compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores, passará o outro a exercê-lo com exclusividade. Parágrafo único. Divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para a solução da divergência (grifo nosso).”

Até este ponto nenhuma modificação radical foi percebida, exceto em relação à viúva que contraía novas núpcias. O art. 393 passaria a dispor que ela não perderia mais os direitos decorrentes do pátrio poder sobre os filhos do matrimônio anterior (COMEL, 2003). Embora não tenha sido suficiente para revolucionar o panorama jurídico referente ao exercício da patria potestas, percebe-se que nesta época o legislador já entrava em contato com ideais atenuantes da rígida noção hierarquizada e patriarcal de família, que até então vinha sendo consagrada de modo absoluto nas leis civis.

Em 1.977 a Lei do Divórcio trouxe verdadeiras inovações no tocante à guarda de filhos. Extinguiu-se a antiga regra que determinava limite de idade para que os filhos permanecessem sob a guarda da mãe e foi ainda mais explícito do que o Código de 1916 na situação em que se verificasse a inépcia de ambos os pais para serem guardiões. A nova lei estabelecia expressamente que o juiz, convencido da falta de condições propícias ao exercício da guarda por parte dos pais, poderia colocar os filhos do ex-casal sob a guarda de outro familiar levando-se em conta do grau de parentesco e proximidade (BAPTISTA, 2000).

Ressalte-se que, até então o ordenamento brasileiro não alterou a regra de que caberia o estabelecimento de comum acordo acerca da guarda sempre que a separação fosse consensual.

 Também se deve atentar para outra modificação trazida pela Lei do Divórcio: a fundamentação da sentença não deveria mais restringir-se ao conjunto de mandamentos estáticos que regiam a guarda; o juiz estaria autorizado a levar em consideração o interesse dos filhos, conforme se infere da expressão contida no final do § 1º do art. 10: “Se pela separação judicial forem responsáveis ambos os cônjuges, os filhos menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz verificar que de tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles.” Expressamente esta prerrogativa do magistrado surge mais adiante, no art. 13: “Se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com os pais.” (BAPTISTA, 2000).

Pela primeira vez a lei delimitou as obrigações do ex-cônjuge que não dispunha da guarda, regulando que a este (genitor visitante) caberiam as atribuições de fiscalizar a manutenção e educação dadas aos filhos pelo guardião, bem como estabeleceu a expressão “direito de visitas”, correspondente à prerrogativa que o genitor visitante possuiria de manter contato com a prole conforme acordado judicialmente (DIAS, 2010).

Outras disposições de cunho menos inovador também trazia a lei: quando houvesse separação de fato, a guarda caberia preferencialmente ao cônjuge com quem os filhos já estavam à época da ruptura matrimonial. Quando a separação fosse motivada por doença mental de um dos consortes, o magistrado conferia o dever de assumir a guarda e a educação dos filhos ao cônjuge que tivesse melhores condições. Em qualquer hipótese, sempre que o juiz verificasse a existência de sérios motivos para não deferir a guarda a nenhum dos pais, poderia o filho ficar sob a responsabilidade de pessoa idônea da família.

Até aqui, de maneira significativa o modo de exercício do pátrio poder não se modificou, devido à tradicional concepção de família que ainda se achava arraigada na mentalidade do brasileiro, devido à enorme influência do direito romano na elaboração das primeiras leis e nos costumes vigentes no Brasil: um homem e uma mulher, que através do casamento se uniam e procriavam. Sobre a regência da vida conjugal e dos filhos, prevaleceria a vontade final do marido, por força do modelo patriarcal que a lei expressamente não chegava a vedar.

Apesar disto, em outro aspecto do pátrio poder já se observa o início de uma sensível e gradativa modificação: aos direitos inerentes à patria potestas se contrapunham deveres, pois o exercício do pátrio poder não se resumia à autoridade, à voz de mando; também passava a compreender o respeito aos direitos do filho, sobretudo à sua integridade moral e física, conforme se denota na lei do Divórcio, ao permitir que o juiz relativizasse suas normas levando em conta os “interesses do filho”.

1.2 A guarda e o poder familiar após a constituição de 1988

Do exposto, pode-se afirmar que desde a época colonial a sociedade brasileira admitia que dentro da família houvesse apenas uma rígida divisão de papéis, dentro da qual cabia à mulher e aos filhos menores obediência ao chefe (marido):

“O elo familiar era voltado apenas para a coexistência, sendo imperioso para o “chefe” a manutenção da família como espelho de seu poder, como condutor ao êxito nas esferas política e econômica. O casamento e as filiações não se fundavam no afeto, mas na necessidade de exteriorização do poder, ao lado - e com a mesma conotação e relevância - da propriedade. O filho na família patriarcal era mais um elemento de força produtiva (SILVA, C. M., 2004, p. 128).”

Ao longo da história de nosso país, contudo, registrou-se gradual transformação nos cenários político, social e econômico, o que afetou substancialmente a tradicional configuração familiar.

“Esse quadro não resistiu à revolução industrial, que fez aumentar a necessidade de mão-de-obra, principalmente para desempenhar atividades terciárias. Foi assim que a mulher ingressou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família, que se tornou nuclear, restrita ao casal e à prole. Acabou a prevalência do caráter produtivo e reprodutivo da família, que migrou do campo para as cidades e passou a conviver em espaços menores. Isso levou à aproximação de seus membros, sendo mais prestigiado o vínculo afetivo que envolve seus integrantes (DIAS, 2010, p. 28, grifo do autor).”

De fato, a admissão da mão de obra feminina foi o germe de uma verdadeira revolução comportamental, seguida da invenção da pílula contraceptiva, tornando a mulher não mais um ser totalmente submisso ao homem. Ainda frise-se a lenta porém, significativa evolução legislativa pátria que culminou com a do divórcio em 1.977, atendendo aos anseios de uma sociedade que não desejava mais viver sob o dogma da necessidade de formação do núcleo familiar somente a partir do primeiro matrimônio (QUINTAS, 2010).

Outro fator se somaria a este cenário de transformações: o reconhecimento das crianças e adolescentes como sujeito de direitos. Até a Constituição Federal de 1988 a legislação que tratava de menores se ocupava unicamente de disciplinar medidas repressivas em relação àqueles que delinquiam e maneiras de se minimizar os índices de crianças e jovens que estavam entregues ao abandono material e moral. Os juristas concebiam em um primeiro momento que a situação jurídica infanto-juvenil seria disciplinada pela Doutrina Penal do Menor, e a partir dos anos 20 pela Doutrina da Situação Irregular (QUINTANA, 2009).

Em ambos os casos o menor era considerado objeto da norma jurídica, pois sobre sua pessoa recaíam leis de cunho assistencialista ou penal, percebendo-se que, além de não ter direitos reconhecidos, não eram todos os menores que mereciam ser alvo da legislação (DELFINO, 2009). Esta situação foi sendo revertida, de início, no plano internacional, após a Segunda Grande Guerra com a consolidação da Organização das Nações Unidas, criada em 1948. Este órgão seria o responsável por editar tratados normativos nos quais se reconheciam garantias às crianças e adolescentes, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959. Inaugurou-se uma nova maneira de legislar sobre infância e adolescência, seguindo-se a Doutrina da Proteção Integral.

À época da promulgação da Carta Magna em 1988 o Brasil se encontrava em meio a este panorama, do qual resultou uma nova concepção de família, fundamentada desta vez em uma distribuição de prerrogativas menos desigual entre homens e mulheres, a facilitação para que os casais não permanecessem em matrimônios insatisfatórios e o prestígio que a Doutrina da Proteção Integral alcançava a nível externo, influenciando a legislação de vários países a reconhecerem em seus textos legais que crianças e adolescentes não eram mais simples destinatários de ações estatais ou objeto de uma autoridade paterna.

Em relação ao tratamento dispensado a homens e mulheres a Constituição de 1988 inovou ao consagrar a igualdade jurídica, eliminando o papel subsidiário feminino na direção da sociedade conjugal:

“Inicialmente, a Constituição Federal consagrou a igualdade entre o homem e a mulher como direito fundamental, no art. 5º, inc. I, nos seguintes termos: ‘homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações’. Depois, já de modo mais específico, no art. 226, § 5º, estabeleceu que ‘os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher’ (COMEL, 2003, p. 40).”

 Em consonância com a mencionada inovação a lei civil de 1916 restou obsoleta, dando lugar ao Código Civil de 2002 (CC/02), sem contar com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que, juntos, consagraram o equânime exercício do poder familiar por homens e mulheres, em relação aos filhos menores de idade ou maiores incapazes. Vide o artigo 21 do estatuto:

“Art. 21 O poder familiar será exercido em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.” 

Após a promulgação do novo texto constitucional a doutrina passou a questionar o uso do termo “pátrio poder”. Era inevitável interpretar-se, antes mesmo do advento do mencionado estatuto, que a partir de então o poder conferido com supremacia ao pai seria igualmente outorgado à mãe. Mas a manutenção do termo “pátrio” seria inadequada, por referir-se exclusivamente à figura masculina (SILVA, C. M., 2004).

A mudança na expressão “pátrio poder” também ocorreu porque a autoridade naturalmente exercida pelos pais passou a ser alvo de uma nova compreensão, no tocante ao seu objetivo e ao seu exercício. Atualmente, a finalidade consiste em proteger os interesses daqueles sobre os quais os genitores exercerão sua autoridade, tornando-se, assim, um instrumento a serviço da criança e do adolescente. Deve ser “[...] exercido no proveito, interesse e proteção dos filhos menores, advêm de uma necessidade natural de alguém que os crie, eduque, ampare, defenda, guarde e cuide de seus interesses, regendo suas pessoas e seus bens” (DINIZ, 2007, p. 515, v. 5).

Para corresponder de maneira exata ao novo conceito trazido pela CF/88 alguns autores defendem o uso de outro termo, no lugar de “poder familiar”. Preferem uma segunda expressão (autoridade parental), argumentando que a primeira tem uma carga implícita de “[...] supremacia e comando que não se coaduna com o verdadeiro sentido” (SILVA, C. M., 2004, p. 134). De fato, a lei não dispõe do poder familiar como se fosse um direito subjetivo dos pais, mas sim o regula nos moldes de um “poder-dever”. Aos titulares deste poder tão singular caberia somente o direito de cumprir as próprias obrigações (BAPTISTA, 2000). Como sintetiza Rachel Pacheco de Souza:

“Na esteira de tais alterações sociais, o direito cuidou de se adaptar aos novos modelos estabelecidos, alcançando à cogência constitucional várias alterações significativas, entre as quais a isonomia conjugal, que culminou por influenciar no surgimento de um instituto paritário de proteção dos filhos incapazes: o poder familiar. Em conformidade com o que dispõe o Código Civil, o poder familiar será exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe [...] (2008, p. 09).”

Atualmente se concebe o poder familiar como instituto protetivo na medida em que, ao conferir prerrogativas aos pais em relação à pessoa e aos bens dos filhos menores, o faz para assegurar os direitos que estes últimos possuem. Como foi anteriormente explicado, crianças e adolescentes gradativamente passaram da condição de objetos da legislação a sujeitos de direitos, no plano internacional e, gradativamente, também no âmbito nacional dos países. Este reconhecimento está no caput do artigo 227 da CF:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Do exposto percebe-se que o poder familiar é um instrumento de preservação dos direitos e garantias constitucionalmente assegurados aos menores de idade, e deve ser exercido nos limites dispostos dentro da lei, a exemplo do Novo Código Civil e do ECA. Do CC/02 extrai-se o artigo 1.634:

“Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I – dirigir-lhes a criação e a educação;

II – tê-los em sua companhia e guarda;

III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V – representá-los, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha,;

VII – exigir-lhes que prestem obediência, respeito e serviços próprios de sua idade e condição.”

Maria Helena Diniz (2007, v.5) explica que a guarda diz respeito à prerrogativa dada aos genitores de terem os filhos em seu poder, com vistas ao cumprimento dos deveres de lhes prestar assistência material, moral e educacional. Para Denise Comel, aos pais cabe a guarda dos filhos para que seja formada uma

“[...] relação de tal proximidade que gere uma verdadeira comunidade de vida e interesses, em que haja constante troca de experiência, sentimentos e informações. Não fosse assim, não teria sentido algum a convivência dos filhos com os pais, posto que não é função com fim em si mesmo, se não que se constitui em meio para alcançar o objetivo maior de [...] assistir, criar e educar o filho que exige estreito relacionamento para troca de afetos, sentimentos, idéias, experiências e promover o desenvolvimento pleno e sadio do filho. Outrossim, a própria convivência familiar está alçada à categoria de direito fundamental da criança e do adolescente, conforme dispõe o art. 227 da CF, tão grande a sua importância na formação do filho (2003, p. 111).”

A prerrogativa de ter a guarda dos filhos, portanto, faz parte do poder familiar, mas não serve aos interesses dos detentores deste poder, muito pelo contrário: demonstra que estes possuem, no mínimo, a responsabilidade de manutenção material dos filhos, e também a obrigação de zelar por eles na esfera moral, propiciando assim o gozo do direito à convivência familiar.

O artigo 227 consagra que crianças e adolescentes têm este direito erigido à categoria de fundamental.  A importância da família para a formação biopsicossocial do ser humano é inconteste, à proporção em que funciona como o primeiro espaço dentro do qual a criança e o adolescente incorporarão os valores que fundamentarão, no futuro, suas atitudes em relação à comunidade que o rodeia e a si próprio. No seio do grupo familiar reside o locus nascendi de “[...] experiências afetivas, representações, juízos e expectativas” (SILVA, C. M., 2004, p. 132).

“Realmente, a família é condição indispensável para que a vida se desenvolva, para que a alimentação seja assimilada pelo organismo e a saúde se manifeste. Desabrochar para o mundo inclui um movimento de dentro para fora, o que é garantido pelos impulsos vitais vinculados à hereditariedade e à energia próprias do ser vivo. [...] A família é o lugar normal e natural de se efetuar a educação, de se aprender o uso adequado da liberdade, e onde há a iniciação gradativa no mundo do trabalho. É onde o ser humano em desenvolvimento se sente protegido e de onde ele é lançado para a sociedade e para o universo (CINTRA, In: CURY, 2006, p. 100).”

Pode-se afirmar que a família representa o núcleo em que o indivíduo primeiro descobrirá quais são as suas características e potencialidades, através da convivência com outras pessoas que a ele se vinculam por laços sanguíneos e/ou afetivos. Esses vínculos, exercitados no dia-a-dia, mostrarão como o indivíduo deverá portar-se diante dos seus semelhantes, ao ser lançado no meio social. Além de toda essa “herança cultural”, não se pode olvidar que a família tem o papel de mantenedora e transmissora de bens materiais e valores a eles referentes.

À primeira vista a convivência familiar estaria restrita ao contato cotidiano que a criança e do adolescente manteria com seus genitores e irmãos. Ainda hoje, o termo família “[...] traz à mente o modelo convencional: um homem e uma mulher unidos pelo casamento e cercados de filhos.” (DIAS, 2010, p. 40). Mas, em consonância com os ditames constitucionais, tanto a doutrina como a jurisprudência entendem que a criança e o adolescente devem ter assegurado o direito de conviver também com parentes, vizinhos e amigos, observando-se o grau de afetividade vivenciado pelo menor em relação a estes. Logo, aos detentores da guarda cabe respeitar o direito de convivência a ser usufruído por seus filhos. (NÓBREGA, 2008).

1.3 O exercício da guarda durante a união estável ou o casamento conforme o atual código civil

Ao visualizar-se a tradicional situação em que um casal mora com os filhos, naturalmente percebe-se que o dever de guarda é exercido tanto pelo pai como pela mãe concomitantemente. A convivência sob o mesmo teto torna quase que inseparável as noções de ter a guarda e ter a companhia da prole, mas na verdade a doutrina divide a guarda em dois tipos: jurídica ou legal e física, diferenciadas a seguir:

“A guarda legal ou jurídica, isto é, aquela atribuída por lei como elemento do poder familiar, refere-se à responsabilidade dos pais de decidir o futuro dos filhos, direcionando-os, vigiando-os e protegendo-os. Já a guarda física (ou material) é a presença do menor na mesma residência dos pais (QUINTAS, 2010, p. 23).”

No exemplo dado acima os pais possuem, cada um, os dois tipos de guarda. Logicamente a guarda jurídica é aquela da qual irão dispor automaticamente, pois decorre de lei. Mas no momento em que se analisa a mesma família sob o ponto de vista de ruptura do casamento, seja em razão de divórcio, seja pelo antigo procedimento de separação judicial, a configuração do exercício da guarda física sofrerá mudanças, conforme aduz Maria Berenice Dias:

“A guarda de filhos é, implicitamente, conjunta, apenas se individualizando quando ocorre a separação de fato ou de direito dos pais [...] com o rompimento da convivência dos pais, há a fragmentação de um dos componentes da autoridade parental. Ambos continuam detentores do poder familiar, mas, em regra, o filho ficava sob a guarda de um, e ao outro era assegurado o direito de visitas [...] (2010, p. 434-435).”

A autora quer dizer que enquanto dura a coabitação, o exercício do poder familiar é igualmente exercido por ambos, o que implica dizer que os dois detêm ao mesmo tempo guarda jurídica e guarda física (ou material). Mas a partir do rompimento deste casamento ou união estável inevitavelmente a guarda deverá sofrer modificações pelo fato de que o casal não habitará mais sob o mesmo teto. A jurista cita um exemplo de uma possibilidade de exercício da guarda após o fim da ruptura conjugal: a guarda unilateral. Este tipo foi adotado historicamente em nosso direito, conforme anteriormente explicado, sendo a regra a seguir desde o Código Civil de 1916: ao cônjuge inocente caberia residir com os filhos e prover suas necessidades, enquanto que ao outro sobraria o encargo de arcar com despesas e visitar a prole.

Com a nova ordem constitucional e o advento do Código Civil de 2002, contudo, a guarda passou a ser tratada sobre outra perspectiva, sobretudo no tocante ao seu exercício por pais que se separaram.

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Sobre a autora
Aniêgela Sampaio Clarindo

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Pós-graduanda em Direito de Família pela Universidade Regional do Cariri.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLARINDO, Aniêgela Sampaio. Guarda unilateral e síndrome da alienação parental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3583, 23 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24254. Acesso em: 23 dez. 2024.

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