Resumo: O presente estudo, por meio de uma pesquisa documental e bibliográfica, aborda a questão do tabaco e do dano na responsabilidade civil. A responsabilidade civil passa por um processo, que não é recente, de releitura de seus preceitos e elementos. Nesse evolver o foco da responsabilidade civil antes no causador da agressão tem se deslocado para a vítima, na pessoa que teve o seu bem jurídico lesado, o que tem permitido um alargamento dos tipos de dano. Hoje já não se fala apenas no dano patrimonial, mas também no moral, no institucional, no estético e no dano social. Este último busca empreender uma forma de responsabilidade civil por danos à coletividade de pessoas, como é aquele dano provocado pelo tabaco a fumantes ativos e passivos.
1 Introdução
As modificações trazidas pela Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, provocaram uma profunda reformulação no ordenamento jurídico pátrio. A responsabilidade civil, por sua vez, não está indene a essas as alterações, também está se modificando e se adaptando.
Neste ínterim, os elementos da responsabilidade civil também são revisitados e novas teorias e ideias passam a circular sob a sua órbita. O dano é um bom exemplo dessas alterações, pois como se sabe o foco da responsabilidade civil se deslocou do ofensor, da noção de culpa, para privilegiar a pessoa do ofendido, atribuindo uma nova dimensão à noção de dano. Além disso, cada vez tem se procurado analisar a responsabilidade civil sob a vertente da socialização e dos danos causados a coletividade, envolvendo a questão dos direitos ou interesses coletivos e difusos.
Neste estudo será analisada a questão da responsabilidade civil e dos novos danos, tendo como foco os prejuízos causados pelo tabaco a saúde pública e a possibilidade de se falar de indenização por um dano social por lesão a interesse coletivo.
2 O dano
Entre os elementos da responsabilidade o dano parece ocupar lugar de destaque, aliás, como salienta Tepedino, Barboza e Moraes[1] “sem dano não há ato ilícito, ainda que esteja diante de uma conduta antijurídica.” Daí Cavalieri[2] ensinar que “sem dano não há responsabilidade.”
Nesse sentido Cavalieri[3], conceitua dano como uma “lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral.”
Para Tepedino, Barboza e Moraes[4], dano é “a lesão a um bem jurídico”; já para Schreiber (2011, p. 35), o dano é uma lesão a um interesse tutelado”.
Stocco[5] esclarece que não é qualquer dano que é indenizável, não basta que seja um dano econômico, sendo “fundamental que traduza, ainda, um ‘dano jurídico’, quer dizer, um bem jurídico cuja integridade o sistema normativo proteja, garantindo-o como um direito do indivíduo.”
Ora, se o próprio sistema normativo da responsabilidade civil se alterou com o deslocamento do foco do causador para a vítima, para a pessoa, é possível dizer que também a noção de dano pode ter se alterado. Isso nos permite analisar a questão do alargamento dos preceitos da responsabilidade civil com relação aos chamados “novos danos” em referência “a visão tradicional do dano que somente vê aquelas duas espécies, o patrimonial e o moral.”[6]
Assim, a noção de dano antes ligada apenas à questão do dano patrimonial e moral, evoluiu para abordar outras possibilidades de dano como o estético na forma da Súmula 387 do Superior Tribunal de Justiça, o dano moral coletivo[7], o dano institucional[8] e ainda o chamado dano social[9]. Sendo último, talvez o menos conhecido e ainda talvez o que desperte uma maior inovação no sistema jurídico brasileiro.
3 O dano social
Segundo Braga Netto[10], a quebra das barreiras entre direito público e privado sob a luz da Constituição suscitou expressiva alteração na “compreensão metodologia: ao direito civil, como um todo – e não apenas a setores seus, como o sistema de consumo – cabe coibir abusos, reequilibrar posições, estabelecer limites.” Diante de novos parâmetros constitucionais, surge a noção de socialização que mantém:
relação direta com a principiologia adotada pelo Código Civil de 2002, que escolheu entre um de seus regramentos básicos a sociabilidade: valorização do nós em detrimento do eu, a superação do caráter individualista e egoísta da codificação anterior. Justamente por isso, os grandes ícones privados têm importante função social: a propriedade, o contrato, a posse, a família, a empresa e também a responsabilidade civil.[11]
A função social da responsabilidade civil passa obrigatoriamente pelo reconhecimento, pela proteção e, na medida do possível, pela promoção da pessoa. Essa acepção considera então a pessoa em suas diversas possibilidades, inclusive no meio em que vive. Outrossim, sob a ótica dos novos danos a função da responsabilidade civil fulcrada no restitutio in integrum e na manutenção do status quo ante, coloca-se como suficiente apenas para as questões patrimoniais, sendo insuficiente quando o dano alcance a pessoa individual ou coletivamente admitida. Nesse último caso, esta função da responsabilidade civil se torna ainda mais inócua quando se esta diante da possibilidade de condutas que lesem um bem jurídico, que de alguma forma prejudique, sem justificativa aceitável, socialmente à comunidade.
Assim é que a tese de Azevedo[12] busca fundamentar uma nova espécie de dano, o chamado dano social. Para ele, utilizando como ponto de referência a segurança, os atos dolosos ou gravemente culposos, - que também recebem o nome de negativamente exemplares – não são prejudiciais material ou moralmente apenas à pessoa do lesado, mas à sociedade como um todo, pois diminuirá a qualidade coletiva de vida com diminuição imediata da tranquilidade social e com a quebra da confiança e, por isso, mesmo gera um dano social.
Logo, certas condutas que, trazidas para o campo da responsabilidade civil, se apresentam, às vezes até rotineiras, como negativamente exemplares também causam dano à sociedade e conduzem a um inevitável rebaixamento da qualidade coletiva de vida. Azevedo[13] cita como exemplo uma empresa de transporte aéreo que “atrasa sistematicamente os seus vôos, não basta, na ação individual de um consumidor, a indenização pelos danos patrimoniais e morais da vítima. É evidente que essa empresa – ou outra que a imite – esta diminuindo as expectativas de bem-estar de toda a população.”
Assim, a tese defendida por Azevedo[14] para justificar os danos sociais assim se apresenta:
Portanto, a nossa tese é bem clara: a responsabilidade civil deve impor indenização por danos individuais e por danos sociais. Os danos individuais são os patrimoniais, avaliáveis em dinheiro – danos emergentes e lucros cessantes – e os morais, - caracterizados por exclusão e arbitrados como compensação para a dor, para as lesões de direito da personalidade e para danos patrimoniais de quantificação precisa possível. Os danos sociais, por sua vez, são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição de sua qualidade de vida. Os danos sociais são causa, pois, de indenização punitiva por dolo ou culpa grave, especialmente, repetimos, se atos que reduzem as condições coletivas de segurança, e de indenização dissuasória, se atos em geral da pessoa jurídica, que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população.
Para Tartuce[15], “muito além da simples reparação dos danos materiais e morais” o que se propõe é “uma nova modalidade: o dano social.” Esses danos sociais seriam lesões à sociedade relacionadas com o rebaixamento do seu patrimônio moral e com a redução na qualidade de vida.
Ainda segundo Tartuce[16], o dano social pode repercutir na esfera patrimonial e não patrimonial e se distingue tanto do dano patrimonial quanto do moral, devido ao fato de ter como prejudicado, como vítima, a sociedade. O mesmo autor complementa:
O dano social é aquele que repercute socialmente, podendo gerar prejuízos de ordem patrimonial ou imaterial aos membros da coletividade. Há um rebaixamento moral, uma perda de qualidade de vida. O dano social esta caracterizado, por exemplo, nas condutas socialmente reprováveis, que fazem mal ao coletivo, movidas pelo intuito egoísta.
O dano, relacionado às questões de segurança ou à ausência dela, como exemplo, extrapola a pessoa que efetivamente tenha sofrido com a violência para abarcar toda a sociedade que passa a sentir os efeitos da insegurança e da impunibilidade. No dano social, como já referido, a vítima é a sociedade e o direito, desse modo, passa a proteger aquela comunidade. O que nos parece em acordo com a evolução dos Direitos Fundamentais cuja concepção adotada no Estado Democrático de Direito foca a proteção dos chamados direitos coletivos e difusos. [17]
Assim, no caso da violência ou em outro como o relacionado aos atrasos constantes de vôos, o dano individual pode ser pequeno, mas socialmente poderá se agigantar. Esse prejuízo social é que será avaliado como dano social. Para tanto, será necessário pensar não em uma reparação pelo dano patrimonial ou até mesmo pelo moral, mas na imputação de uma sanção pelo rebaixamento da qualidade de vida da coletividade, pela conduta exemplarmente negativa para usar a expressão de Azevedo[18].
Nesse passo, parece oportuno mencionar Aguiar Dias[19] para quem o dano comporta duas acepções:
a) a vulgar, de prejuízo que alguém sofre, na sua alma, no seu corpo ou seus bens, sem indagação de quem seja o autor da lesão de que resulta; b) a jurídica, que, embora partindo da mesma concepção fundamental, é delimitada pela sua condição de pena ou de dever de indenizar, e vem a ser o prejuízo sofrido pelo sujeito de direitos em consequências da violação destes por fato alheio.
Essa concepção de dano sob a acepção jurídica, inobstante parta de uma concepção fundamental que admite ainda a lesão da “alma”, traz consigo uma tendência atual ao admitir a noção de pena ou de dever de indenizar.
Nesse sentido, assim como a noção de culpa e dolo encontram diferentes acepções nos Direitos Civil e Penal a noção de pena também comporta diferentes concepções. Essa concepção de pena admitida no campo civil permite adequar ao dano social uma espécie de reparação baseada em novas bases, fora dos preceitos utilizados para a quantificação do dano patrimonial ou moral. O dano social busca então as suas bases nas noções de dissuasão e desestimulo.
Para Azevedo[20], embora a dissuasão e o desestímulo tratem de dano social e ambas tenham o mesmo fundamento, suas finalidades são diferentes. Isso porque na dissuasão, a pena, tem como finalidade um fato passado e foca apenas o agente causador do dano. Já o desestímulo, busca o efeito de atingir fatos futuros e tem como alvo, além do próprio ofensor, outros que tenham intenção de realizar condutas semelhantes, donde resulta também um caráter didático.
Admitida a noção de dano social como um dano decorrente de uma conduta exemplarmente negativa que gera dano a sociedade com o rebaixamento da qualidade de vida, será analisada, em seguida, se a utilização de tabaco fumado poderia ser considerada como dano social.
4 O dano social e o tabaco
O produto mais popular e principal forma de disseminação do tabaco é o cigarro. O cigarro conta com “mais de 4.720 substâncias presentes na fumaça”, entre substâncias da própria nicotiana tabacum e outras adicionadas pela indústria. “De todas estas substâncias, a nicotina é reconhecida como sendo a causadora da dependência”[21].
O potencial viciogênico da nicotina é extremamente alto - oitenta por cento das pessoas que experimentam acabam dependentes[22].
Às substâncias já presentes no tabaco, no processo de industrialização, ainda são incorporadas outros aditivos, como ensina Rosemberg[23]:
Dos 600 aditivos que a indústria emprega no tabaco, para torná-lo mais palatável, vários têm a função de liberar mais nicotina. Entre estes, o mais importante é a amônia. Esta é alcalina e eleva o pH da nicotina. Quanto mais alto o pH, de 11 para cima, maior a liberação da nicotina, maiores são sua difusão orgânica e penetração pelas membranas celulares nos tecidos. Com o pH elevado, a nicotina é mais retida no organismo porque é mais facilmente reabsorvida pelos túbulos renais, diminuindo sua eliminação, e, com isso, elevando sua concentração sanguínea. Com esse processo, eleva-se a nicotino-dependência, como se disse, tornando o tabagista escravo do cigarro
Percebe-se que a única finalidade da adição, pela indústria de tabaco, da amônia, por exemplo, é aumentar o nível de liberação de nicotina, ou seja, aumentar o poder viciogênico da droga, tornar a pessoa cativa, dependente. O fator dependência aliada a décadas de propagandas que relacionavam o uso do cigarro a status social, esportes e uma vida saudável criaram gerações de dependentes à nicotina e com isso o consumo de cigarro, alcança, hoje de forma generalizada todas as faixas etárias, somando 17% de fumantes no país[24].
O termo conceitual “saúde” já foi entendido como o estado de ausência de doença[25], entretanto atualmente, seguindo as orientações da Organização Mundial de Saúde – OMS, “firmou-se o entendimento de que o conceito de saúde não implica apenas na ausência de doenças, mas o completo bem-estar, físico, mental e social.”[26] Posição expressamente adotada pelo Brasil ao promulgar, na forma do Decreto 3321/99, o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais "Protocolo de São Salvador” que reconhece no art. 10 que:
1. Toda pessoa têm direito à saúde, compreendendo-se como saúde o gozo do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social.
2. A fim de tomar efetivo o direito à saúde, os Estados-Partes comprometem-se a reconhecer a saúde como bem público (BRASIL, 1999)
Além disso, na forma do Decreto 3321/99 a saúde passa a ser considerada como bem público, e como tal considerado sob as vertentes econômicas, sociais e jurídicas como bem reconhecido e protegido e, por outro lado, passível de ser lesado.
Assim que a lesão causada a saúde física das pessoas é facilmente verificável pelas milhares de mortes e doenças associadas ao tabaco. A dependência a nicotina e partindo da influência negativa do tabaco sobre a saúde em relação ao “bem estar mental”, atualmente, a Organização Mundial da Saúde - OMS classifica a dependência ao tabaco como doença mental e desordem de comportamento com a indicação no Código Internacional de Doenças – CID:
Quadro 1 – Classificação Internacional de Doenças – CID 10[27] |
|
F 17 |
Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de fumo |
F 17.2 |
Síndrome de dependência nicotínica |
F 17.3 |
Estado de abstinência nicotínica |
Z 72 |
Problemas relacionados com estilo de vida |
Z 81.2 |
História de abuso de fumo |
T 65.2 |
Efeito tóxico do tabaco e da nicotina |
A difusão da utilização e a dependência ao tabaco levaram ao reconhecimento de que, atualmente, existe uma epidemia de tabagismo.[28] Essa epidemia de tabagismo gera milhares de dependentes e se relacionam com diversos tipos de doenças que vão desde as desordens e transtornos mentais relacionados até a problemas com o estilo de vida, o que ressalta o malefício do tabaco sobre outro aspecto da saúde o “bem estar social”.
Além dos danos relacionados a patologias decorrentes dos transtornos mentais e de comportamento e ao câncer, o tabaco também é relacionado às doenças do aparelho respiratório[29], as doenças cardiovasculares[30] e as doenças do aparelho digestivo[31].
Os malefícios causados pelo tabaco, levando em consideração a sua disseminação, são reconhecidos mundialmente, tanto que no âmbito da Organização das Nações Unidas, em Genebra, foi acordada e assinada pelos diversos países membros a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco. Documento assinado pelo Brasil, aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo no 1.012, de 27 de outubro de 2005, ratificado pelo Governo Brasileiro em 03 de novembro de 2005 e que vigora no país desde a publicação do Decreto 5.658, de 2 de janeiro de 2006.
A referida Convenção, como se verifica em seu próprio texto, se destina “a dar prioridade ao direito de proteção à saúde pública” e reconhece que o tabagismo é uma epidemia e um problema global com sérias conseqüências para a saúde pública[32].
O efeito nocivo do tabaco à saúde pública, segundo a OMS, revela que o tabaco é a principal causa de morte evitável no mundo e que mais de cinco milhões de pessoas morrem anualmente em decorrência de patologias relacionadas à dependência ao tabaco.
Dados apresentados por Delfino[33] indicam que, no Brasil, o “tabagismo é responsável, hoje, por 30% das mortes por câncer, 90% das mortes por câncer no pulmão, 25% das mortes por doenças coronarianas, 85% das mortes por doença pulmonar obstrutiva crônica e 25% das mortes por doenças cerebrovasculares”.
Os problemas causados pelo tabaco a saúde pública relevam também questões de ordem econômica, vez que segundo dados apresentados no relatório sobre a saúde no mundo de 2001 indicam que “o Banco Mundial estima que em países de alta renda a atenção de saúde relacionada com o tabagismo responde por 6 a 15,1% dos custos anuais da saúde”[34]. Esses dados compõem apenas parte do gasto público com saúde sem prever a totalidade dos custos tangíveis como perda do potencial de trabalho, entre outros e os custos intangíveis relacionados aos danos emocionais e morais das famílias decorrente da perda de vidas.
O tabaco considerado como problema de saúde pública deve ser ponderado tanto em relação ao fumante, tabagista ativo, quanto em relação às outras pessoas, vez que a poluição tabaco ambiental gera graves problemas também ao chamado tabagismo passivo.
O tabagista passivo pode ser considerado como aquele que é exposto involuntariamente “as substâncias produzidas pela combustão do tabaco”[35]
Segundo Carvalho[36]:
A fumaça emitida pela ponta do cigarro é cerca de quatro vezes mais tóxica que a fumaça aspirada pelo filtro pelo fumante, e o ar poluído contém, em média, três vezes mais nicotina, três vezes mais monóxido de carbono, e até cinquenta vezes mais substâncias cancerígenas do que a fumaça que entra pela boca do fumante depois de passar pelo filtro do cigarro.
A Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco[37] reconhece no artigo 8º que “a ciência demonstrou de maneira inequívoca que a exposição à fumaça do tabaco causa morte, doença e incapacidade” comprovando a nocividade da poluição tabaco ambiental.
Delfino[38], ao tratar das pessoas expostas a poluição tabaco ambiental alerta que “muitos desses não fumantes acabam morrendo de câncer pulmonar ou de outras doenças provocadas pelo tabaco, sem nunca terem fumado voluntariamente um único cigarro.”
Para Araújo[39] as fontes da poluição tabaco ambiental estão principalmente relacionadas ao ambiente de trabalho e ao ambiente doméstico.
Quadro 2 - Fontes de exposição à poluição tabágica ambiental[40] |
31% dos trabalhadores em ambientes internos que não estejam correntemente cobertos por uma política de ambiente livre de tabaco |
54% a 78% de jovens foram expostos na última semana a PTA (principalmente no ambiente doméstico) |
17% dos adultos estão expostos à PTA em suas próprias casas |
A concentração de PTA nos carros é 23 vezes maior que a observada nas residências dos fumantes |
Donde resulta que o problema do tabaco gera danos a saúde não apenas do fumante, mas também de toda uma coletividade de pessoas que voluntaria ou involuntariamente convivem ou se relacionam com o tabagista ativo.
Não é à toa que para Carvalho[41] a proibição de fumar em locais fechados encontra amparo no artigo 225 da Constituição da Federativa do Brasil, de 1988, “uma vez que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim considerado o meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho.”
Como se vê a discussão em torno dos danos causados pelo tabaco não deve ser vista apenas pela ótica da proteção da saúde do tabagista ativo, mas de toda uma coletividade, nela incluída além do tabagista ativo toda a sociedade. O direito constitucional de proteção a saúde deve ser visto, no caso do tabaco, além da ótica individual também pela coletiva. Outrossim, o tabagismo parece se encaixar na concepção de conduta exemplarmente negativa que gera dano a sociedade, se enquadrando como dano social.
O dano social causado pelo tabaco assume feições que lesa a interesse público propriamente tido, vez que a saúde pública é considerada como bem público[42] e também interesses particulares, se enquadrando, assim como interesse ou direito coletivo.
Os interesses ou direitos coletivos situam-se entre o interesse público e o interesse estritamente privado. Todos sabemos que a noção última de interesse público está ligada ao interesse da coletividade como um todo, uma que visa o bem geral, ao passo que o interesse privado diz respeito ao interesse individual, estritamente particular, de cada um. Para preencher o espaço entre o interesse estritamente individual e o interesse público (da coletividade como um todo) é que foi concebida uma categoria intermediária, na qual se compreendem os interesses coletivos, ou seja, aqueles referentes a toda a categoria ou grupo de pessoas que têm algo em comum.[43]
A legislação consumerista, mais adequadamente, divide os interesses ou direitos coletivos em interesses ou direitos difusos, considerados essencialmente coletivos; interesses ou direitos coletivos, considerados coletivos propriamente ditos; e direitos individuais homogêneos, que têm natureza coletiva apenas na forma de proteção.[44]
No caso do tabagismo o dano social se caracteriza como uma lesão a toda a sociedade sem que seja possível distinguir seus titulares individuais ou se possa dividir quem sofreu mais ou menos dano, donde resulta que a ofensa é a interesse ou direito difuso, possível de tutela por meio da ação civil pública.
A Lei 7.347, de 24 de julho de 1985[45] estabelece no inciso IV, do art. 1° que:
Art. 1° Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
(...)
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
Ainda por se tratar de dano social e cuja titularidade é da sociedade, cabe a legitimidade ativa para a defesa do interesse ou direito difuso ao Ministério Público ou ainda pelos demais legitimados previstos no art. 5° da Lei 7.347/85 com a exceção da União, dos Estados, Municípios e Distrito Federal. [46]
A exclusão mencionada no parágrafo anterior se justifica porque nos termos do art. 23 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência pública, o que não ocorre no caso do tabaco, vez que não há nenhuma norma que proíba a utilização de tabaco no País e as que existem são contraditórias e omissas.[47] Assim a legitimação passiva para responder pela indenização por dano social é da indústria do tabaco com a co-responsabilidade do Estado (por omissão).
Quanto a destinação dos valores recebidos em caso de eventual condenação por dano social, tendo em vista a titularidade da sociedade, tais valores devem ser recolhidos ao fundo nacional de defesa do consumidor, conforme previsto no art. 13 da Lei 7.347/85. (BRASIL, 1985)