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Inconstitucionalidade da ampliação da competência originária por prerrogativa de função do Supremo Tribunal Federal

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3 – Algumas conclusões

Em sintética análise da legislação e jurisprudência aplicáveis à competência originária do Supremo Tribunal Federal, defendemos até aqui que a Constituição Federal é explícita e taxativa quanto àqueles que em tese devem ser julgados diretamente pela última instância, principalmente porque disso resulta a supressão de direitos e garantias fundamentais, como o juiz natural, ampla defesa e duplo grau de jurisdição, estes em hipótese alguma suplantáveis por razões de conveniência ou praticidade processual.

O Egrégio Supremo Tribunal Federal assim vinha decidindo de forma majoritária desde o cancelamento da Súmula 394, poucos anos após a promulgação da Constituição de 1988. No entanto, ao julgar o caso do que a imprensa conservadora apelidou de “Mensalão”, houve um corte nesse entendimento e, por razão de conveniência e oportunidade, trinta e cinco réus tiveram suprimidos seus direitos à primeira e segunda instância, quando apenas três gozavam da prerrogativa de foro no julgamento da Ação Penal 470.

A impressão de que o julgamento da Ação Penal 470 não alterará a jurisprudência consolidada, tendo se tratado de um caso excepcional, fica mais forte à medida em que localizamos recente decisão monocrática, publicada em 08/03/2013, portanto posteriormente ao julgamento da Ação Penal 470, em que foi determinado o desmembramento da ação penal para que quinze réus fossem julgados pelo juiz natural, mantendo-se apenas o réu detentor do mandato de deputado federal sob o julgamento originário do Supremo Tribunal Federal. Segue trecho da ementa:

AP 600/SP

DECISÃO

COMPETÊNCIA – PRERROGATIVA DE FORO – PROCESSO – DESMEMBRAMENTO.

AÇÃO PENAL – DILIGÊNCIAS – COMPLEMENTAÇÃO.

1. O Gabinete prestou as seguintes informações:

(...)

 2. A competência do Supremo é de direito estrito. As balizas que a revelam estão na Constituição Federal. Normas instrumentais comuns, como são as relativas à conexão probatória e à continência, não a elastecem. No mais, cumpre concluir as diligências requeridas pelo Ministério Público Federal.

3. Providenciem:

3.1. O desmembramento do processo, formando-se autos para remessa ao Juízo da 2ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional e Crimes de Lavagem de Valores da Seção Judiciária de São Paulo, visando a sequência da ação penal no tocante àqueles que não detêm a prerrogativa de serem julgados pelo Supremo. Neste, deve permanecer a ação quanto ao Deputado Federal;

3.2. A complementação das diligências, tal como preconizado pelo Ministério Público Federal.

4. Publiquem.

Brasília, residência, 02 de março de 2013, às 13h.

Ministro MARCO AURÉLIO Relator

(AP 600/SP, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 02/03/2013, publicado em DJe-08/03/2013)

Interessante notar que a justificativa para a própria existência da competência originária do Supremo Tribunal Federal para julgar alguns agentes públicos é justamente a de evitar pressões políticas externas que comprometam a imparcialidade do julgamento, seja para absolver, seja para condenar, considerando-se que a formação profissional e experiência dos integrantes da Corte Suprema lhes daria idoneidade suficiente para resistir inclusive à opinião pública, permitindo atenção aos autos, às provas e, estritamente, à Constituição.

Ao negar o desmembramento da Ação Penal 470, contrariando a jurisprudência dominante até então, a Corte adotou um comportamento no mínimo antagônico com a própria razão de ser de sua competência originária.  

A tese da existência de um tribunal de exceção para julgar os réus da Ação Penal 470, alguns deles ligados ao Partido dos Trabalhadores, não fica mais forte apenas pela recente decisão democrática acima citada, mas também quando verificamos que no Inq 2.280/MG, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, instaurado para apurar o “Mensalão Tucano”, o desmembramento do feito foi deferido sem qualquer estardalhaço ou atenção dos setores conservadores da imprensa que, desde sempre, detêm maior poder sobre os meios de comunicação no país.

Segundo o Ministro Marco Aurélio, em voto prolatado no julgamento do Inquérito 2.462-7/RO, de Relatoria do Ministro Cesar Peluzo, a prerrogativa de foro deve ser vista como uma exceção estritamente prevista na Constituição e que não pode ser alargada por normas instrumentais comuns, sob pena de ferir de morte garantias constitucionais. Segue um trecho do voto:

“Há mais, verifica-se o envolvimento de cidadãos que teriam, constitucionalmente, direito a certos juízos naturais. E a atração do processo para esta corte, sem norma constitucional que a preveja, acaba por ferir de morte – é o meu convencimento – o princípio do juiz natural, o princípio do devido processo legal, até porque ocorrerá o julgamento em penada única, aspecto negativo da própria prerrogativa de foro, quando normalmente existe a possibilidade de revisão de possível decreto condenatório. O Supremo também pode errar quer na arte de proceder, quer na de julgar e, decidindo, não há a quem recorrer”. (Inq 2462, Relator Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 05/06/2008, DJe-162 DIVULG 28-08-2008 PUBLIC 29-08-2008 EMENT VOL-02330-01 PP-00098)  (grifos nossos)

A supressão das garantias constitucionais dos réus da Ação Penal 470 em detrimento da preservação das garantias constitucionais dos acusados do “Mensalão Tucano” nos faz refletir sobre mais uma garantia constitucional violada: o princípio da igualdade.

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A análise dos princípios violados pelo julgamento originário perante o Supremo Tribunal Federal merece artigo e estudo próprio, posto que a supressão do direito ao duplo grau de jurisdição, se é inconstitucional para aqueles que não detém prerrogativa de função, também é inadmissível para aqueles que a detém, o que nos leva a refletir sobre a inconstitucionalidade do próprio dispositivo constitucional, diante de princípio supralegal que foi reconhecido pelo Brasil ao assinar o Pacto de São José da Costa Rica na Convenção Americana de Direitos Humanos.

Desta forma, concluímos as presentes reflexões com a transcrição do artigo 8º, 2, h, do Decreto 678/1992, que internalizou no Brasil o Pacto de São José da Costa Rica:

“Artigo 8º - Garantias Judiciais

1.                  Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

2.                  Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

(...)

h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior”.

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Sobre a autora
Gabriela Shizue Soares de Araújo

Advogada em São Paulo (SP), atuando em Direito Administrativo, Tributário e Eleitoral.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Gabriela Shizue Soares. Inconstitucionalidade da ampliação da competência originária por prerrogativa de função do Supremo Tribunal Federal . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3605, 15 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24438. Acesso em: 22 dez. 2024.

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