Resumo: O presente trabalho propõe-se a examinar a situação jurídica dos cerca de seis milhões de estudantes deste país que, ao final do ensino médio, veem-se obrigados a participar do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, inicialmente criado com a finalidade exclusiva de avaliar o desempenho dos estudantes e, consequentemente, das instituições de ensino. Ocorre que, com o passar dos anos, o Exame Nacional do Ensino Médio, doravante citado, neste artigo, exclusivamente por ENEM, transmudou-se, incontestemente, seja num Processo seletivo, seja num concurso público para ingresso na grande maioria das universidades deste país. Assim, se antes os estudantes, ao final do ensino médio, tinham a opção de se submeterem à prova do ENEM, hoje, sob pena de se virem completamente alijados do ensino superior, veem-se compelidos a realizarem a prova do ENEM, já que, repita-se, poucas são as instituições de ensino superior deste país que não utilizam os resultados do ENEM para o ingresso em seus quadros. Basta mencionar o fato de que todas as universidades federais brasileiras utilizam o resultado do ENEM como única via de acesso aos seus quadros. Assim, o objetivo deste trabalho é mostrar que, conquanto se trate de um processo seletivo federal, tem ignorado solenemente tanto os ditames da Constituição da República Federativa do Brasil quanto da Lei do Processo Administrativo Federal – Lei nº 9.784/1999, que regula todo e qualquer processo administrativo federal no âmbito da Administração Pública Federal. Por fim, trazemos à colação recentes decisões exaradas pelo Poder Judiciário que trazem alento e esperança a todos que acreditam no Estado que respeite os direitos fundamentais de seus cidadãos.
Palavras-chave: Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM. Processo seletivo. Obrigatoriedade. Recurso Administrativo. Constituição Federal e Lei Federal nº 9.784/1999. Entendimentos jurisprudenciais.
INTRODUÇÃO
Este artigo pretende trazer o debate e alguns esclarecimentos sobre a situação jurídica dos cerca de seis milhões de jovens candidatos a uma vaga em instituições de ensino superior neste país.
No período de uma década temos presenciado quase que a extinção dos antigos vestibulares, que eram os processos seletivos realizados por cada instituição de ensino separadamente, e que hoje são realizados por poucas e isoladas instituições de ensino superior, para vermos o nascimento do ENEM, concebido inicialmente como um mecanismo para avaliar a qualidade do ensino fundamental no país e que se transmudou num “grande e único vestibular”, vale dizer, num grande processo seletivo para o ingresso na grande maioria das instituições de ensino superior, entre elas todas as universidades federais.
O problema é que a falta de credibilidade do ENEM tem sido publicamente demonstrada por todos os meios de imprensa, que noticiam e demonstram erros crassos e inaceitáveis em redações que acabam por habilitar, em detrimento de uma meritocracia, fundamento de um Estado Democrático de Direito, seus autores a ingressarem em instituições de ensino superior, mormente as instituições públicas de ensino superior.
E, não bastassem todas as matérias veiculadas nos meios de imprensa, matérias essas que tem levado ao descrédito o ENEM como forma de seleção para as instituições de ensino superior, temos presenciado o oficial desrespeito aos princípios basilares de nossa Carta Magna e à Lei do Processo Administrativo Federal – Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
Assim, objetiva-se, com o presente trabalho, (i) mostrar a imprescindibilidade de se obedecer a Constituição Federal, por óbvio, e a Lei Federal nº 9.784/1999, em todos os processos seletivos e concursos públicos realizados pela Administração Pública Federal Direita e Indireta; (ii) mostrar que a Administração Pública Federal, e, em especial, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, não está obedecendo a Constituição Federal e tampouco cumprindo os termos de referida lei, à qual se encontra vinculada; e, por fim, (iii) mostrar como o Poder Judiciário tem decidido nas questões por ele enfrentadas.
DOS PRINCÍPIOS CONSTITUICIONAIS TRAZIDOS PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Constituição Federal de 1988 trouxe, em seu artigo 5º, diversos princípios que são a base do Estado Democrático de Direito, quais sejam:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXIII – todos têm o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
(...)
XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;
(...)
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos e ela inerentes; (...)”
A ideia é que todos tenham acesso a todas as informações dos órgãos públicos que possam influir na sua esfera jurídica, na defesa de direitos e no esclarecimento de situações de interesse pessoal, com os necessários contraditório, ampla defesa e recurso. Afinal, de que adianta ter acesso a situações de interesse pessoal sem que se possa exercer o contraditório e interpor os recursos para a preservação dos direitos? O direito constitucionalmente assegurado de esclarecimento de situações pessoais é meio para o exercício do contraditório e da ampla defesa.
DA LEI FEDERAL Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999.
O direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder, bem como os direitos ao contraditório e à ampla defesa, erigidos a dogmas do Estado Democrático de Direito, foram disciplinados, no âmbito federal, pela Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, publicada no DOU de 1.2.1999.
Referida lei, que, de acordo com sua ementa, “Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal”, dispõe, em seu artigo 56 e seguintes, verbis:
“Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito.
§ 1º O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de 5 (cinco) dias, o encaminhará à autoridade superior.
§ 2o Salvo exigência legal, a interposição de recurso administrativo independe de caução.
§ 3º Se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria enunciado da súmula vinculante, caberá à autoridade prolatora da decisão impugnada, se não a reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar o recurso à autoridade superior, as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.”
***
“Art. 59. Salvo disposição legal específica, é de 10 (dez) dias o prazo para interposição de recurso administrativo, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida.
§ 1º Quando a lei não fixar prazo diferente, o recurso administrativo deverá ser decidido no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão competente.
§ 2º O prazo mencionado no parágrafo anterior poderá ser prorrogado por igual período, ante justificativa explícita.”
***
“Art. 60. O recurso interpõe-se por meio de requerimento no qual o recorrente deverá expor os fundamentos do pedido de reexame, podendo juntar os documentos que julgar convenientes.” (grifou-se)
DO EDITAL Nº 01, DE 08 DE MAIO DE 2013.
Não obstante restar claro que o ENEM é um processo seletivo, como tem entendido o Poder Judiciário na jurisprudência que ora se colaciona:
“DIREITO ADMINISTRTIVO E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. ENEM. VISTA DE PROVA DE REDAÇÃO. 1. A sentença condenou o INEP a dar vista da prova de redação ao autor/apelado e, se fosse o caso, modificar sua nota após o recurso do candidato, fixando honorários advocatícios em 10% do valor da causa. 2. Em concurso público, não cabe ao Judiciário examinar o critério de formulação e avaliação das provas, e tampouco das notas atribuídas aos candidatos, resguardando-se a discricionariedade administrativa e a isonomia entre os candidatos, e limitando a sua atuação à análise da legalidade do edital e dos atos administrativos na aplicação do certame, salvo casos excepcionais, se demonstrado erro grosseiro na formulação de questão. A análise das respostas dos candidatos, se certas ou erradas, escapa aos limites da apreciação judicial, que não pode, com base em juízo próprio, imiscuir-se na atividade administrativa, participando do processo seletivo. Precedentes deste Tribunal. (...)
(TRF da 2ª Região, Sexta Turma Especializada, Apelação 201251010002108, Rel. Des. Federal Nizete Lobato Carmo, DJ 22.11.2012) (grifou-se)
*****************************************************************************
“ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ENEM. REVISÃO DA PROVA DE REDAÇÃO. RECONTAGEM DE PONTOS DE PROVA DE CANDIDATO. METODOLOGIA DE CORREÇÃO. AFRONTA INEXISTENTE. LEGALIDADE. SISTEMA PREVISTO NO EDITAL. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAR CRITÉRIOS DA BANCA. VISTA DE PROVA. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. – Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, alvejando decisão que, nos autos de ação de rito ordinário, deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela requerida “para determinar que a Ré, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a contar da intimação, adote todas as medidas cabíveis no seu âmbito de atribuição, de forma a promover a revisão e recontagem dos pontos atribuídos em razão de avaliação a que foi submetido a autora Thais Farias de Lemos ( CPF 122.753.897-92 e inscrição 1110.04133490) no ENEM 2011, bem como revisão da prova de redação, além dos esclarecimentos necessários à metodologia empregada na correção das referidas avaliações – provas objetivas e de redação. – Em casos como o dos autos, em que se discute a revisão de notas obtidas em processoS seletivos públicos, ao que tudo indica, vêm predominando na jurisprudência do STJ o entendimento que “o Poder Judiciário não pode substituir a banca examinadora, tampouco se imiscuir nos critérios de correção de provas e de atribuição de notas –“ ( RMS 33.884/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 6.12.2011, DJe 13.12.2011). – Na espécie, não foi comprovado que a atuação dos examinadores desatendeu as exigências de legalidade ou desrespeitou o princípio da vinculação ao edital. – Recurso parcialmente provido para reformar a decisão agravada, mantendo-se, contudo, o direito da candidata à vista de prova.”
(TRF da 2ª Região, Oitava Turma Especializada, Agravo de Instrumento 201202010015794, Rel. Des. Federal Vera Lucia Lima, DJ 10.07.2012) (grifou-se),
e que portanto se submete a todos os supratranscritos princípios constitucionais que devem reger a Administração Pública, no dia 9 de maio de 2013 o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP, publicou o EDITAL Nº 01, DE 08 DE MAIO DE 2013 – EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO – ENEM 2013, sem a previsão da possibilidade de interposição de recursos das notas das redações, em flagrante afronta aos postulados constitucionais da ampla defesa e do contraditório, previstos no já transcrito artigo 5º, incisos XXXIV e LV, da Constituição Federal.
Ademais, o caput do supratranscrito artigo 56 é claro no sentido de que não se trata de opção, dada ao administrador, de fazer ou não a previsão, no edital de qualquer processo seletivo, de recurso administrativo. Ele diz que das decisões administrativas cabem recurso, e, na em não havendo disposição específica, aplica-se a regra geral do artigo 59, que dispões ser de 10 (dez) dias o prazo para recurso administrativo.
Inquestionável, portanto, que, em sendo a Lei nº 9.784/1999, aplicável à Administração Pública Federal, conforme se verifica da sua ementa, o EDITAL Nº 01, DE 08 DE MAIO DE 2013 – EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO – ENEM 2013, por não fazer a previsão de recurso administrativo das provas de redação, é flagrantemente ilegal e inconstitucional.
DO QUE VEM SENDO DECIDIDO PELO PODER JUDICIÁRIO ACERCA DO DIREITO AO RECURSO NO ENEM
Trazemos à colação, por fim, recentíssimo julgado, em que o Juízo da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, em sentença prolatada em 28 de março de 2012, assim se pronunciou, confirmando a tutela antecipada anteriormente deferida para o fim de dar vista de prova da redação ao candidato e modificar a sua nota após seu recurso:
“Da leitura dos textos acima, conclui-se que o ENEM, a partir do ano de 2009, deixou de ser mero instrumento de avaliação da qualidade das instituições de ensino para tornar-se substituto do exame vestibular para ingresso em diversas instituições de ensino superior, públicas e privadas. Deixou de ser uma prova a que a maioria dos alunos se submetia voluntariamente, de forma desinteressada, e passou a ser verdadeiro “concurso público” para ocupação de vagas nas universidades e para obter os benefícios do PROUNI (art. 3º da Lei 11.096/05).
Se é assim, e se o ENEM tornou-se o principal critério para a distribuição de recursos públicos referentes à educação de terceiro grau, impõe-se maior rigor na observância nos princípios do caput do art. 37 da Constituição, notadamente no que diz respeito à legalidade e à impessoalidade.
(...)
O direito a ter vista da redação para poder interpor recurso também é decorrência do princípio da impessoalidade, uma vez que a correção de redações é, por sua própria natureza, sujeita a subjetivismos, sendo impensável que a Administração atribua caráter definitivo à nota irrecorrível, ainda que atribuída por dois examinadores, pois é passível de erro material, conforme tem divulgado a imprensa. Ademais é um direito do candidato saber onde errou, até para poder se preparar para uma próxima oportunidade.
Além da forma normativa que se extrai dos princípios da Administração Pública do art. 37 da Constituição, e da ausência de lei ou de qualquer outra norma clara sobre a forma do ENEM (não há lei regulamentando esse exame, a delegação de sua realização para o INEP foi feita por Portaria que não estabelece critérios nem procedimento, e estes só foram estabelecidos pelo INEP, ao que tudo indica, no Edital do Exame), é a própria Lei 9.784/99 – Lei do Processo Administrativo (que, por óbvio, se sobrepõe às normas do Edital) que reconhece concretamente o direito subjetivo invocado pela Impetrante:
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processo administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
...
V – divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;
...
VII – indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;
VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
IX – adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
...
III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito.
§ 1º O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior.
§ 2º Salvo exigência legal, a interposição de recurso administrativo independe de caução.” (grifou-se)
A Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por sua vez, tem confirmado, por unanimidade, todas as antecipações de tutela deferidas no sentido de se garantir aos candidatos o prazo de 10 (dez) dias para apresentação de recurso de redação, nos moldes da Lei nº 9.784/99, senão vejamos:
“CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ENEM 2011. PROVA DE REDAÇÃO. DISCREPÂNCIA ENTRE AS TRÊS AVALIAÇÕES REALIZADAS. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. DIREITO DO ALUNO. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RESERVA DE VAGA NO CURSO SUPERIOR PRETENDIDO. CABIMENTO. IMPROVIMENTO. 1. Agravo de instrumento desfiado contra decisão que deferiu a antecipação de tutela requestada para determinar que o ora agravante conceda ao recorrido o prazo de 10 (dez) dias para apresentar recurso à correção da sua prova de redação, determinando, ainda, a apresentação da relação nominal contendo as notas dos candidatos às vagas do curso de Ciência da Computação da UFAL, até o 99º classificado no curso matutino e 117º do vespertino, bem como a informação dos motivos, pelos três avaliadores, para as atribuições de suas notas. Restou determinado, ainda, cautelarmente, que a UFAL reserve ao autor 1 (uma) vaga no curso de Ciência da Computação, nas duas opções (matutino e vespertino), permitindo que, acaso exitoso o seu recurso, ele possa efetuar sua matrícula. 2. Conquanto o ENEM não se apresente como um concurso público, o seu resultado tem sido utilizado pelas entidades de ensino superior como elemento de aprovação para os cursos que são oferecidos, e tal faculdade tem sido respeitada pelo sistema educacional do país. Desta feita, ainda que, originariamente, na essência, não tenha esse caráter de concurso público, na prática, integra o processo de seleção para o ingresso no ensino superior, sendo, inclusive, em alguns casos, o único mecanismo para esse acesso. 3. O Termo de Ajustamento de Conduta pactuado entre o INEP e o Ministério Público Federal não tem o condão de afastar a apreciação do Judiciário em situações como a presente, em que se alega lesão de direito, em face da garantia constitucional prevista no art. 5º, XXXV da CF/88, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. 4. Não demonstração de que a revisão da prova de redação do candidato por um terceiro avaliador atinge a finalidade do duplo grau de jurisdição. A hipótese em exame evidencia que, além de o objetivo do duplo grau não ter sido atingido, o critério de avaliação da autarquia revelou manifesta injustiça e ausência de razoabilidade, haja vista a grande disparidade das notas conferidas por tais avaliadores. 5. Embora as regra do edital vinculem tanto a Adminsitração quanto o administrado, é consabido que os princípios basilares da Constituição Federal devem ser sempre observados, ainda que o edital silencie a respeito. Manutenção da decisão objurgada nos seus exatos termos, haja vista que as medidas determinadas representam o exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa e concretizam o princípio do duplo grau, assegurados constitucionalmente. 6. Agravo de instrumento improvido.” (TRF5, AG 00035129220124050000, Des. Fed. Franciso Wildo, Segunda Turma, DJE 28.06.2012) (grifos nossos)
**********************************************************************
“CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ENEM 2011. DISPONIBILIZAÇÃO DO ESPELHO DIGITALIZADO DA PROVA DE REDAÇÃO. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. DIREITO DO ALUNO. INTELIGÊNCIA DO ART.5º, XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPROVIMENTO. 1. Agravo de instrumento desafiado contra decisão que deferiu parcialmente o pedido de antecipação da tutela, determinando que o agravante disponibilize imediatamente para o recorrido o espelho digitalizado de sua prova de redação do ENEM 2011 com as correções da banca examinadora, abrindo-lhe prazo para recurso. 2. Conquanto o ENEM não se apresente como um concurso público, o seu resultado tem sido utilizado pelas entidades de ensino superior como elemento de aprovação para os cursos que são oferecidos, e tal faculdade tem sido respeitada pelo sistema educacional do país. Desta feita, ainda que, originariamente, na essência, não tenha esse caráter de concurso público, na prática, integra o processo de seleção para o ingresso no ensino superior sendo, inclusive, em alguns casos, o único mecanismo para esse acesso. 3. Existência de interesse do aluno em rever o resultado obtido – através do acesso ao espelho da prova de redação e da concessão de prazo para recurso – como forma de obter a média compatível com uma possível matrícula em curso de entidade superior, autorizado pelo Ministério da Educação. Caracterização de litígio, haja vista a resistência do recorrente ao atendimento da pretensão autoral, ensejando, por conseguinte, a aplicação dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição. 4. O Termo de Ajustamento de Conduta pactuado entre o INEP e o Ministério Público Federal não tem o condão de afastar a apreciação do Judiciário em situações como a presente, em que se alega lesão de direito, em face da garantia constitucional prevista no art. 5º, XXXV da CF/88, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. 5. Embora as regras do edital vinculem tanto a Administração quanto o administrado, é consabido que os princípios basilares da Constituição Federal devem ser sempre observados, ainda que o edital silencie a respeito. Direito à apresentação do espelho da prova de redação e de recurso administrativo, que representam o exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa e concretizam o princípio do duplo grau, assegurados constitucionalmente. 6. Agravo de instrumento improvido.” (TRF5, AG 00029144120124050000, Des. Fed. Franciso Wildo, Segunda Turma, DJE 17.05.2012) (grifos nossos)
CONCLUSÃO
O Poder Executivo Federal criou o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM -, inicialmente com o objetivo de avaliar a qualidade do ensino médio em nosso país.
De instrumento de avaliação da qualidade do ensino, o resultado do ENEM passou a ser utilizado por algumas instituições de ensino como forma de acesso ao ensino superior. Hoje, o resultado do ENEM, a par de significar um dos maiores processos seletivos do mundo, é utilizado pela grande maioria das instituições de ensino superior como a única forma de acesso aos seus quadros, sendo certo que constitui-se na única forma de ingresso nas universidades federais.
Processo seletivo que inquestionavelmente é, referido por alguns juízes como verdadeiro concurso público, deve obediência à Constituição Federal e à Lei Federal nº 9.784/99, que, tratando do processo administrativo federal, assegura a todos o direito ao recurso administrativo.
Ocorre que o recém-publicado EDITAL Nº 01, DE 08 DE MAIO DE 2013 – EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO – ENEM 2013, perpetuando violações constitucionais e legais que já vinham sendo feitas em suas edições anteriores, não garante o recurso administrativo da nota final da redação, alijando milhões de estudantes deste país ao ensino superior sem o contraditório, ampla defesa e seus consectários legais.
Felizmente, e para salvaguarda de nosso Estado Democrático de Direito, temos visto decisões prolatadas pelo Poder Judiciário, tanto em primeiro quanto em segundo grau, no sentido de se assegurar a força normativa da Constituição Federal de 1988 e a efetividade da Lei Federal nº 9.784/99, garantindo aos estudantes tanto o acesso às suas redações e respectivas correções quanto, e principalmente, o devido recurso administrativo.
BIBLIOBRAFIA
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed. rev. e atual.. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24ª ed. rev. ampl. e atual.. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30ª ed. atual. por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.