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Contratação de serviços de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal na Administração Pública

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5 – Os serviços “treinamento e aperfeiçoamento de pessoal”, do art. 13, VI, da L. 8.666/93

A expressão utilizada pela norma geral das licitações não é precisa se considerado o segmento de Gestão de Pessoas. A terminologia hoje existente é variada para significar as mesmas espécies de serviços, só sendo útil mesmo para o campo da Ciência da Administração. Segundo Chiavenato[10], utiliza-se a expressão treinamento, quando se quer indicar uma ação educacional que visa a um resultado rápido, aplicado de forma sistemática, com o objetivo de repassar ou atualizar conhecimentos, habilidades ou atitudes relacionados diretamente à execução de tarefas ou à sua otimização no trabalho; desenvolvimento, quando a ação está associada à ideia de resultados de médio prazo e se propõe a um crescimento cognitivo, emocional e pessoal; e, capacitação, para referir-se a ação educacional, tanto para treinamento como para desenvolvimento. Todas elas são ações que visam desenvolvimento, aperfeiçoamento ou manutenção de competências. O termo aperfeiçoamento é o menos preciso. Na verdade, falar em “aperfeiçoar” significa dizer, no sentido mais puro, que o indivíduo está a caminho da perfeição, o que é uma utopia, pois não é possível alguém pretender chegar à perfeição. Atualmente quase não é empregado, sendo utilizado como sinônimo de desenvolvimento.

Para os fins a que se destina este trabalho, passaremos a empregar a nomenclatura legal, apenas para causar menor dificuldade com o emprego de variadas expressões.

Prosseguindo, não nos parece razoável interpretação restritiva para considerar que o art. 13, VI quis limitar como conceito de serviço técnico especializado apenas as ações de treinamento, devendo ser estendido a todas as ações de educação, em todos os níveis. Assim, qualquer que seja o nome que se dê para o serviço (treinamento, aperfeiçoamento, desenvolvimento, capacitação, ensino) o mesmo estará alcançado pelo inciso VI, do art. 13 da Lei 8.666/93. Estão incluídos nesse contexto a contratação de professores, instrutores e conferencistas quando chamados por via direta (pessoa física); contratação de cursos de extensão (curta ou longa duração), de graduação ou de pós-graduação na forma in company; inscrição em cursos de extensão, de graduação ou de pós-graduação abertos a terceiros na forma presencial ou no sistema EAD.

5.1 – Natureza dos serviços de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal

Que os serviços acima epigrafados atendem ao primeiro requisito, não resta dúvida, porquanto descritos no inciso VI, do art. 13. Diante disso, o próximo passo será determinar se, e em que casos, tais serviços assumem características singulares a ponto de tornar a licitação inviável. E para esse exame é mister que se faça uma análise sobre o que compõe o núcleo do objeto treinamento, pois é exatamente nele onde se identificará a peculiaridade que poderá torná-lo singular.

Chamamos de núcleo do objeto do serviço a parcela da execução que lhe dá identidade, que materializa a execução. A obrigação principal, que em qualquer serviço é um fazer. No serviço de limpeza, e.g., o núcleo do objeto reside na ação de limpeza propriamente dita (o fazer). A metodologia, a periodicidade, os equipamentos e insumos constituem parte da especificação, mas não é por eles que o serviço se dá por executado, ou seja, sem o fazer o objeto não se materializa. Apenas quando o servente, aplicando a metodologia, seguindo a periodicidade e utilizando os equipamentos e insumos descritos no Termo de Referência, realiza a limpeza é que o serviço se dá por executado. Eis aí o núcleo do objeto limpeza. Ainda no mesmo exemplo, se examinarmos o núcleo do objeto, perceberemos que, qualquer que seja o profissional, a empresa, o local de execução, a região do País em que for executado, o serviço será basicamente realizado da mesma forma. Em outro dizer, aplicando a metodologia e demais especificações, o resultado será idêntico e os objetivos perfeitamente alcançados, independentemente de quem o faça ou onde seja executado. Daí porque não se pode dizer que o serviço de limpeza possui natureza singular. O objeto permite comparação objetiva entre as várias propostas. O mesmo, via de regra, não ocorre nos serviços de treinamento.

Nos serviços de treinamento, a apresentação, objetivos gerais e específicos, publico alvo, metodologia e o conteúdo programático constituem características técnicas do objeto, mas definitivamente não é seu núcleo. O objeto do serviço de treinamento só se materializa com a aula (o fazer). É por meio desta ação que o professor/instrutor, fazendo uso da metodologia diadático-pedagógica, utilizando os recursos instrucionais e aplicando o conteúdo programático, realiza o objeto. Portanto, o núcleo do serviço é a própria aula. Ora, se é a aula, não se pode, em regra, considerar que seja um serviço usual ou executado de forma padronizada; não se pode admitir que, quem quer que seja o executor (o professor), desde que aplicando os recursos acima, obtenha os mesmos resultados. Afinal, como é próprio do humano, as pessoas são diferentes entre si.

Cada professor possui sua técnica própria, sua forma de lidar com grupos, sua empatia, sua didática, suas experiências pessoais, seu ritmo e tom de voz. Tudo isso compõe um conjunto que os tornam incomparáveis entre si. Ademais disso, cada turma, porque composta de pessoas, também possui características que distinguem uma da outra, o que torna cada aula diferente uma da outra. Um grupo maior se comporta diferente de um com menos participantes; uma turma pode ser mais indagadora do que outra; uma turma pode ser heterogênea em relação à experiência e grau de escolaridade. Tudo isso requer do profissional, a cada serviço, a necessária adaptação. Inclusive o próprio professor será diferente a cada aula proferida, ainda que do mesmo tema, pois em um curso ouve uma pergunta de um aluno, que levanta uma questão não imaginada, conduzindo o desenvolvimento do conteúdo a uma vertente não programada; para outra turma, leu um livro ou artigo recém publicado que o leva a pesquisar novamente o assunto tratado e, eventualmente, provocará mudança de visão e conceitos. Quer dizer, as aulas sempre serão diferentes, seja na condução, seja no conteúdo, seja na forma de exposição. Não há como negar que cada aula (cada serviço) é, em si, singular, inusitado, peculiar. Nesse diapasão, vale transcrever excerto do Acórdão 439/1998-Plenário, que será melhor abordado mais adiante, citando lição de Ivan Barbosa Rigolin, em artigo publicado ainda sob a vigência do Decreto-Lei 2.300/86:

“O mestre Ivan Barbosa Rigolin, ao discorrer sobre o enquadramento legal de natureza singular empregado pela legislação ao treinamento e aperfeiçoamento de pessoal (...) defendia que: ‘A metodologia empregada, o sistema pedagógico, o material e os recursos didáticos, os diferentes instrutores, o enfoque das matérias, a preocupação ideológica, assim como todas as demais questões fundamentais, relacionadas com a prestação final do serviço e com os seus resultados - que são o que afinal importa obter -, nada disso pode ser predeterminado ou adrede escolhido pela Administração contratante. Aí reside a marca inconfundível do autor dos serviços de natureza singular, que não executa projeto prévio e conhecido de todos mas desenvolve técnica apenas sua, que pode inclusive variar a cada novo trabalho, aperfeiçoando-se continuadamente.” (Treinamento de Pessoal - Natureza da Contratação in Boletim de Direito Administrativo - Março de 1993, págs. 176/79)

O mesmo não ocorre com os treinamentos cujo núcleo do serviço não reside na aula, mas no método a ser aplicado. Nesses, a intervenção do professor é acessória, não sendo determinante na obtenção dos resultados esperados. A metodologia, sim, é que a responsável pelo alcance desses resultados. Os cursos na metodologia Kumon é um excelente exemplo. Este método preconiza um “estudo individualizado que busca formar alunos autodidatas...com material didático próprio e auto-instrutivo, que permite ao aluno desenvolver os exercícios com o mínimo de intervenção do orientador....”[11] (grifamos). O núcleo do objeto, ou seja, seu elemento essencial é o método e o material didático empregado. Nesse caso, não se vê presente o requisito da singularidade, pois quem quer que seja o orientador, em razão de sua mínima intervenção, serão o método e o material didático os principais responsáveis pela obtenção dos resultados.

Diante do acima exposto, é correto afirmar que, sempre que o núcleo do serviço de treinamento for a aula (o fazer) significará que a atuação do professor será determinante para o alcance dos resultados pretendidos, apontando a natureza singular do serviço. Em contrapartida, caso o método supere a intervenção do mestre, o treinamento não apresentará o elemento da singularidade. Percebe-se que a lógica do dever geral de licitar, em relação a estes serviços se inverte, sendo, a singularidade a regra geral, na medida em que a quase totalidade das ações de capacitação são umbilicalmente dependentes da intervenção do professor. Somente em caráter excepcional é que um treinamento anotará características tão próprias que exigirá menor interferência do orientador.

Para afastar de vez a confusão que ainda persiste existir em relação ao conceito de singularidade, abordemos a situação da contratação de cursos e treinamentos que não são especializados ou originariamente montados para o órgão contratante. Ficamos com um exemplo clássico: Curso de Redação Oficial ou Atualização em Língua Portuguesa.

Ouço com enorme frequência o argumento segundo o qual estes cursos não seriam de natureza singular porque “o tema não é complexo e há muitos professores de português no mercado”. Mais uma vez precisamos insistir que singularidade não é sinônimo de exclusividade ou raridade. Não é a quantidade de oferta de profissionais que indica a presença desse elemento no serviço, mas sim o exame do componente de seu núcleo. Ora, todos nós, em nossa formação, desde o ensino fundamental, lembramos de professores que nos causava entusiasmo e daqueles com os quais aprendíamos com maior dificuldade. Dos que nos despertava interesse sobre a disciplina e daqueles cujo tempo da aula rezávamos para passar mais depressa. Se há professores que alcançam melhores resultados com seus alunos em relação aos seus pares, a conclusão a que se chega não será outra senão a de que, mesmo sendo um curso sobre tema de nível mais elementar, e havendo milhares de professores aptos, se a intervenção do mestre for determinante para o alcance dos resultados desejados, presente estará o elemento singular do serviço.

5.2 – Os cursos no sistema EAD

Uma questão atual que se deve levantar é em relação aos cursos no sistema à distância (EAD). A primeira vista, pode-se ter a sensação que pelo fato de ser dependente de recursos de tecnologia da informação e a plataforma ser a mesma para todos os alunos e turmas, teríamos aqui claro exemplo de curso padronizado, portanto, não singular, o que é um grande equívoco. Os recursos tecnológicos, apesar de padronizados, não constituem o núcleo (sempre ele a ser investigado) central do objeto, mas sim, o seu respectivo conteúdo. E este, afinal, é um trabalho predominantemente intelectual. A elaboração do material instrucional e o desenvolvimento do conteúdo (o fazer) são orientados pela perspectiva pessoal do Professor-Conteudista, o qual possui método de trabalho, visão científica e experiência que lhes são próprios. Ademais, os melhores cursos desenvolvidos no sistema EAD são ditados pela a intervenção do tutor como componente determinante na obtenção dos resultados. As orientações sobre dúvidas dos alunos, mediação em fóruns de discussão e a correção de trabalhos é uma atividade igualmente intelectual, e não mecanicamente automatizada. Por conseguinte, assim como os cursos presenciais, os cursos no sistema EAD também guardam, em regra, as características de singularidade, admitindo-se, excepcionalmente, que haja algum nessa sistemática cujo método supere a intervenção do Professor-Conteudista e o do Tutor.

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6 – A demonstração de notória especialização

Considerando que já foram enfrentados os dois primeiros requisitos para a configuração da inviabilidade de competição na contratação de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal, resta avançarmos sobre o último obstáculo. Determinamos o alcance do art. 13, VI, bem como vimos como se detecta o elemento que torna singular o serviço e quando essa singularidade não é verificada, passemos agora desafiar o problema da notória especialização. Avancemos, pois.

Parece-nos suficiente o texto da lei para dar solução a eventuais impasses, mas a prática tem demonstrado que não é bem assim. A primeira vista, tem-se uma falsa ideia de que notório especialista deva ser amplamente conhecido, quase famoso. Lógico que não. Veja-se o texto legal:

Art. 25 - Omissis

...

§ 1º - Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

Do texto acima transcrito não é possível encontrar nada que chegue perto da ideia de fama ou algo do gênero. Notório especialista é o profissional (ou empresa) que nutre entre seus pares, ou seja, “...no campo de sua especialidade...” a partir do histórico de suas realizações, quer dizer “...decorrente de desempenho anterior...ou de outros requisitos relacionados com suas atividades...” elevado grau de respeitabilidade e admiração, de forma que se “...permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.”

O parágrafo sub examine indica o norte de quais peculiaridades ou requisitos são considerados idôneos para aferir se um profissional é ou não notório especialista, a saber: “...desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica...”. Mais ainda. A expressão “...ou de outros...” dá bem o tom de rol exemplificativo desses requisitos. O legislador admite, portanto, que outros conceitos e requisitos, não ditados no texto expresso da lei, podem servir de base à conclusão de que o profissional escolhido é o mais adequado à satisfação do contrato. Nota-se também, que a enumeração dos requisitos são alternativos. Significa que não é obrigatório que estejam todos contemplados na justificativa da escolha, bastando apenas o apontamento de um deles para balizar a escolha. É bom que se diga que essa análise deve estar relacionada com as finalidades do objeto. Para Marçal Justen Filho[12] a notória especialização “dependerá do tipo e das peculiaridades do serviço técnico-científico, assim como da profissão exercitada.” Vamos a um exemplo prático retirado de um caso que me foi trazido em sede de consulta.

Determinada Secretaria Estadual de Segurança Pública, ao organizar evento sobre criminalidade e segurança pública, pretendeu contratar um policial civil para proferir uma palestra direcionada aos policiais civis, militares e corpo de bombeiros. O tema seria relacionado a “abordagem policial”. A organização do evento, a cargo do setor de Gestão de Pessoas, pretendeu realizar a contratação com fundamento no art. 25, II c/c 13, VI, da L. 8.666/93.

Chegando o processo na Assessoria Jurídica, não houve dificuldade em reconhecer a presença dos requisitos necessários ao enquadramento legal pretendido, exceto pela não demonstração de notória especialização. Houve, portanto, concordância de que se tratava de um serviço técnico (1º requisito) e que o mesmo tinha natureza singular (2º requisito). Porém, entendeu a douta Assessoria que o profissional escolhido não apresentava nenhum dos requisitos constantes do § 1º, do art. 25, pois era servidor de nível médio, sem nenhum livro ou artigo publicado e sem histórico na atividade docente ou como conferencista.

A organização do evento argumentou que a escolha havia recaído na pessoa do indicado pelo fato de ser ele policial de carreira com mais de 35 anos de atividade policial, sem nenhuma anotação negativa em seus assentamentos, altamente condecorado, muito conhecido e respeitado no meio policial pela sua lisura, ética e retidão no exercício das suas atividades. Acrescentou ainda que a expectativa da organização era no sentido de que, pelo fato de ser policial com larga experiência operacional, suas palavras seriam melhor assimiladas pelo público alvo a que se destinava a palestra.

Ora, como não reconhecer notória especialização no presente caso?! Pouco importava se o profissional tem nível superior ou médio; se já publicou artigos e livros. A palestra era operacional e o palestrante escolhido reunia as condições que permitiam inferir que ele, no caso concreto, era indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação dos interesses da Administração. Claro, se a palestra tivesse tema mais complexo, por exemplo, sobre Processo Penal, dirigida a Magistrados, Promotores e Procuradores de Justiça, faltar-lhe-ia requisitos importantes justamente por não se tratar de “seu campo de especialidade”. Mas para esse mesmo público alvo, caso o tema da palestra fosse algo relacionado à atividade operacional do policial, para esse fim, mais uma vez poderia ser considerado notório especialista.

A contratação, ao final, foi efetivada.

6.1 – A discricionariedade intrínseca do ato de escolha do profissional ou empresa

Não há discrepância na doutrina, tampouco na jurisprudência, quanto ao entendimento, bastante espancado neste trabalho, de que a singularidade não significa exclusividade. Se assim o fosse, tratar-se-ia de inviabilidade fática de licitação, tal qual o é a aquisição de produto exclusivo, e a contratação fundamentar-se-ia na cabeça do artigo 25 da norma geral de licitações. Logo, para a execução do serviço certamente haverá algumas alternativas dentre as quais uma deverá ser selecionada pela autoridade competente.

José dos Santos Carvalho Filho[13] aponta que a norma não é capaz de ditar com rigor todas as condutas que um agente administrativo deve assumir para exercer as funções que lhe são cometidas. Ante essa impossibilidade, para variadas situações a “própria lei oferece a possibilidade de valoração da conduta”. São os casos em que o agente, para expedir o ato, avaliará, com seu sentir íntimo a conveniência e a oportunidade dos atos que vai praticar porquanto na qualidade de administrador dos interesses coletivos. É exatamente o que ocorre no presente caso.

Ao conceituar “notória especialização”, o dispositivo legal encerra com a expressão “que permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato”. Não restam dúvidas de que essa escolha dependerá de uma análise subjetiva da autoridade competente para celebrar o contrato. Nem poderia ser diferente, pois se a escolha pudesse ser calcada em elementos objetivos a licitação não seria inviável. Ela é impossível justamente porque há impossibilidade de comparação objetiva entre as propostas.

Consequentemente, uma vez que a escolha se dará por meio de uma avaliação subjetiva, ou seja, juízo de valor pessoal de quem detém a competência para realizar a escolha, partir da soma de informações sobre a pessoa do executor (experiências, publicações, desempenho anterior etc), em comparação com esses dados dos demais possíveis executores, nítido está que a escolha é essencialmente discricionária. Será a autoridade competente que, respeitando o leque de princípios a que se submete a atividade administrativa, notadamente, legalidade, impessoalidade, indisponibilidade do interesse público e razoabilidade, e ainda, sopesando as opções à sua disposição, com fulcro em seu juízo de conveniência, indicará aquele que lhe parecer ser o “indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.” Mais uma vez nos socorreremos de excerto do já citado Acórdão 439/98-Plenário, TCU, que traz citação de brilhante lição de Eros Roberto Grau:

“Sobre a prerrogativa da Administração de avaliar a notória especialização do candidato, invocamos novamente os ensinamentos de Eros Roberto Grau, na mesma obra já citada: '...Impõem-se à Administração - isto é, ao agente público destinatário dessa atribuição - o dever de inferir qual o profissional ou empresa cujo trabalho é, essencial e indiscutivelmente, o mais adequado àquele objeto. Note-se que embora o texto normativo use o tempo verbal presente ('é, essencial e indiscutivelmente, o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato'), aqui há prognóstico, que não se funda senão no requisito da confiança. Há intensa margem de discricionariedade aqui, ainda que o agente público, no cumprimento daquele dever de inferir, deva considerar atributos de notória especialização do contratado ou contratada.' (Eros Roberto Grau, in Licitação e Contrato Administrativo - Estudos sobre a Interpretação da Lei, Malheiros, 1995, pág. 77) (grifamos)

Em relação a essa afirmação, no mesmo precedente, encontramos as palavras de Jacoby, in verbis:

“Portanto, cabe ao administrador avaliar se determinado profissional é ou não notório especialista no objeto singular demandado pela entidade, baseando-se, para tal julgamento, no desempenho anterior do candidato e nas demais características previstas no § 1º do art. 25 da Lei de Licitações. Quem, senão o administrador, poderá dizer se determinado instrutor é 'essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato', (...) Apenas ele, mediante motivação em que relacione as razões da escolha, poderá identificar no professor ou na empresa contratada os requisitos essenciais impostos pelas particularidades do treinamento pretendido. ('in' Contratação Direta sem Licitação, Brasília Jurídica, 1ª ed., 1995, pág. 306) (grifo acrescentado)

É idêntica a posição de Celso Antônio Bandeira de Mello[14], que, com a habitual precisão, esclarece que:

“É natural, pois, que, em situações deste gênero, a eleição do eventual contratado — a ser obrigatoriamente escolhido entre os sujeitos de reconhecida competência na matéria — recaia em profissional ou empresa cujos desempenhos despertem no contratante a convicção de que, para o caso, serão presumivelmente mais indicados do que os de outros, despertando-lhe a confiança de que produzirá a atividade mais adequada para o caso. Há, pois, nisto, também um componente inelimitável por parte de quem contrata.”

Não pode, pois, ser subtraído do próprio alvitre da autoridade, e só a ela competirá, a decisão sobre qual notório especialista deva recair a contratação. O que não se admitirá é que a escolha não seja calcada em argumentos que não se direcionem à conclusão de que o escolhido possui notória especialização, nem tampouco que os argumentos sejam flagrantemente desarrazoados; que a escolha seja pautada por um capricho ou uma preferência meramente pessoal. Entre vários professores, a autoridade poderá, sim, optar pelo que se mostrar, em seu sentir, mais adequado, mesmo que seja autor da proposta mais elevada. Porém, não estará livre de apontar as razões pelas quais reconheceu nele o profissional mais adequado.

6.2 – Quem detém o notório saber: o professor ou a empresa?

Outro questionamento de ordem prática que é comumente suscitado é o problema de se identificar se é a empresa ou o profissional o detentor da notória especialização. Em princípio, pode parecer um obstáculo de simples solução. É que o art. 25, II da Lei cita ambos a partir do emprego da conjunção alternativa ou (...com profissionais ou empresas...). De fato, a norma admite que possa ser considerado notório especialista tanto o profissional como a empresa. Quanto ao profissional, não há qualquer dificuldade de reconhecimento. Mas em relação à empresa, o assunto é outro.

Há dois tipos de empresa nesse segmento: as empresas de organização de eventos; e, as instituições com objetivo social voltada ao ensino e pesquisa. Nesse último conjunto, há instituições vinculadas ao Poder Público, em geral, fundações, e privadas. E estas últimas, se subdividem entre as que têm e as que não têm fins lucrativos.

Em um primeiro plano, cumpre destacar que a empresa (pessoa jurídica) só pode ser considerada notória especialista quando ela própria for responsável por produção técnica ou científica. É o caso das instituições ou empresas cujo objetivo social é voltado ao ensino e pesquisa, seja ela vinculada ao poder público ou de natureza privada, com ou sem fins lucrativos. Nesses casos, a escolha certamente se dará em função da produção técnica ou científica com a assinatura da instituição, ou seja, aquilo que confere notoriedade para a instituição, tais como, cursos reconhecidos nacional ou internacionalmente, anuários, periódicos, relatórios, pesquisas, além daqueles requisitos exemplificados no §1º do art. 25, II, ou seja, “...organização, aparelhamento, equipe técnica...”.

Mas encontram-se fora do conceito de notória especialização as empresas de organização de eventos[15], porque sua atividade não é singular. Afinal, elas apenas reúnem e coordenam vários serviços para a consecução do objeto (realização do curso), que em medida alguma, só excepcionalmente, seriam considerados singulares, tais como: aluguel de espaço e de equipamentos, impressão de material didático, serviços de Buffet, hospedagem, transporte, entre outros, inclusive, a contratação do profissional que irá ministrar o curso. Não podem, portanto, ser consideradas notórias especialistas. Mas, na prática, isso acaba causando uma perturbação, pois na grande maioria dos casos a escolha se dá em função do profissional, que é de fato o notório especialista, mas o contrato é celebrado em nome de uma empresa de organização de eventos. Ora, se estas empresas não podem ser consideradas notórias especialistas, como seria possível justificar apontar a singularidade do serviço e a notória especialização do profissional, mas assinar contrato com a empresa? Para melhor entender e dar solução correta a esse impasse, antes, é preciso conhecer um pouco do mercado de treinamento.

O segmento de treinamento de pessoal é muito vasto. Há incontáveis empresas, instituições e profissionais para as mais diversas áreas. A contratação pode ser realizada com empresas ou diretamente com os profissionais. Mas de um modo geral, raramente os profissionais são contratados diretamente como pessoa física, mediante Recibo de Pagamento a Autônomo-RPA. Duas são as razões. De um lado, para o contratante sai mais dispendioso, pois além dos honorários, o contratante deve recolher 20% da remuneração ao INSS, o que eleva a despesa total. Assim, os órgãos evitam contratar por essa forma. Por outro lado, para o profissional também é desinteressante. Quando contratado diretamente pelos órgãos costumam ser orientados a incluir no valor dos honorários, as despesas relativas a transporte, estadia, alimentação e todas as demais necessárias ao cumprimento do contrato. Essas despesas são, portanto, antecipadas com recursos do próprio profissional para somente serem ressarcidas ao tempo do adimplemento da Administração. Cediço que é, infelizmente, os atrasos de pagamento provocados pelos órgãos da Administração Pública, o risco da contratação passa a ser extremamente elevado. Daí porque os profissionais, em sua maioria, evitam a contratação nesses moldes. A forma mais comum de contratar o profissional é por intermédio de empresas de organização de eventos. A pergunta que se faz é: como justificar a contratação? A resposta pode estar no próprio art. 25 da Lei 8.666/93, em seu inciso III.

Já ficou assente que a inexigibilidade de licitação aqui tratada se funda na impossibilidade de comparação objetiva das propostas. Em outro dizer, que a seleção da proposta mais vantajosa, necessariamente, far-se-á por critérios de ordem valorativa de cunho pessoal do agente competente (ato discricionário). Teleologicamente, é a mesma origem do reconhecimento da inviabilidade de competição para contratação de profissionais do setor artístico, isto é, impossibilidade de comparação objetiva entre as possíveis propostas. Realmente, se uma Prefeitura quer contratar um(a) cantor(a) ou banda popular para animar a festa de aniversário da cidade, não teria como estabelecer critérios objetivos para avaliar as várias propostas dos mais diversos artistas, inclusive com estilos musicais também variados.

Mas veja-se que o art. 25, inciso III, autoriza a contratação do artista não só por via direta, mas também “... através de empresário exclusivo...”. Por analogia, a mesma solução pode ser conferida à contratação de professores, quando contratados por intermédio de empresas de organização de eventos. Não é desarrazoado reconhecer que o docente atuará mediante intermediação, exatamente como é comum na classe artística. Entendo que a situação é mais que análoga; é quase idêntica a dos profissionais do setor artístico. Como o cerne da inexigibilidade é o mesmo, não haveria óbice algum na contratação do profissional através de seu empresário, in casu, as empresas do ramo de organização de eventos. Não que o professor contratado tenha que demonstrar ser exclusivo de forma permanente de uma certa empresa de organização de eventos. Mesmo porque isso é quase inexistente no mercado. Mas, para o projeto específico, alvo da contratação, sem dúvida, atuará em caráter de exclusividade. Uma exclusividade relativa. Mas, uma exclusividade.

Poder-se-ia defender que a tese da “exclusividade relativa” ora proposta não é totalmente adequada sob o argumento de que um único professor por trabalhar para várias empresas de organização de eventos, poderia figurar em várias propostas (de suas várias parcerias). Seguindo esse raciocínio, também seria admissível caber licitação, posto que haveria, em tese, vários contendores para o mesmo objeto (conteúdo e professor). Definitivamente não.

De fato, a realidade do mercado nesse segmento profissional possui essa configuração. Cada professor/conferencista atua ao lado de mais de uma empresa ou instituição. E é também verdade que, com extrema frequência, os órgãos, na fase interna da contratação, sobretudo, na fase de cotação de preços, acabam por receber propostas de várias empresas, tendo o mesmo profissional como âncora do projeto. Ocorre que a escolha por qual empresa esse profissional irá atuar, caso aceite o projeto, é do exclusivo alvitre dele próprio, e não das empresas pelas quais habitualmente atua. Ele é quem decidirá, ao seu talante, se aceitará ou não o projeto e qual empresa o intermediará junto ao contratante. Assim, mesmo podendo haver várias propostas, ao optar pela empresa que melhor lhe atenda, estará, o profissional, a conceder à sua escolhida, uma exclusividade relativa.

6.3 – A criteriosa escolha do profissional ou empresa

Reconhecendo que a eleição do profissional é uma decisão essencialmente discricionária, mas que, ao mesmo tempo, deve fundar-se em argumentos razoáveis, relevantes e verídicos, ao comparar-se os profissionais, ver-se-á que mais de um reúne excelentes condições de execução do objeto. Após a análise dos requisitos que o §1º, do art. 25 enumera (não se nega que são exemplificativos, ao mesmo passo que constituem eficiente bússola a orientar a análise) a indicação poderá ser direcionada por razões, que, talvez, isoladamente, não seriam suficientes para tanto. Sejamos práticos.

Digamos que um hospital público pretenda contratar um professor para ministrar curso de elaboração de termo de referência destinado aos servidores das áreas técnicas responsáveis pela especificação de insumos e equipamentos médico-hospitalares. Em pesquisa, verificou-se que há vários ótimos profissionais no mercado, com formação acadêmica, publicações importantes e vasta experiência docente no tema e com ótimas avaliações, estando três deles disponíveis para o projeto. Em qual deles poderia recair a escolha? Qualquer um. Assim, a autoridade competente terá que traçar algum parâmetro que justifique sua decisão. Dentre os três profissionais disponíveis um demonstrou ter ministrado anteriormente o treinamento em tela em hospitais públicos. Poder-se-ia justificar sua escolha exatamente por esse aspecto. A autoridade competente poderia inclinar-se licitamente na direção deste, sob a justificativa de que “dentre os profissionais disponíveis, este seria o mais adequado por ter vivenciado a experiência de ministrar cursos em órgãos da Saúde Pública, o que permite inferir que sua expertise docente conta com o conhecimento das peculiaridades inerentes aos produtos e equipamentos que habitualmente são adquiridos em hospitais públicos.

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Sobre o autor
Luiz Claudio de Azevedo Chaves

Graduado em Administração e Direito, especialista em Direito Administrativo pela UCAM. É Consultor Técnico da o Andreatta & Hinrichsen Advogados Associados e do Instituto Brasileiro de Administração Municipal-IBAM. Professor da FGV, da PUC-RIO, Escola Nacional de Administração Pública – ENAP, Escola de Administração Judiciária – ESAJ/TJRJ, Escola Nacional de Serviços Urbanos – ENSUR/IBAM. Autor da obra: Curso Prático de Licitações, os segredos da Lei 8.666/93, Lumen Juris/IBAM 2011.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, Luiz Claudio Azevedo. Contratação de serviços de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal na Administração Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3643, 22 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24763. Acesso em: 24 abr. 2024.

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