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Autorização ambiental de funcionamento

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25/06/2013 às 08:45
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5. AUTORIZAÇÃO AMBIENTAL DE FUNCIONAMENTO COMO INSTITUTO DIFERENCIADO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Após citar os vários conflitos existentes entre as legislações estaduais e as normas federais supracitadas, Viana (2007) opina:

Quanto à existência de autorização ambiental em diversas normas estaduais, a discussão é mais complexa. A despeito de entendimentos contrários, o instrumento do licenciamento ambiental, no Brasil, foi direcionado à outorga de licenças, ou seja, atos administrativos vinculados e definitivos, declaratórios de direito preexistente e geradores de direito subjetivo, no âmbito do seu prazo de validade. É o que consta, implícita ou expressamente, nas principais normas federais sobre licenciamento ambiental (Lei 6.938/81, Decreto 99.274/90 e Resoluções CONAMA 001/86 e 237/97).

(...)

A despeito disso, vários estados (AP, BA, DF, ES, MS, MG, PA, PE, RR, SE) criaram a modalidade da autorização ambiental, com caráter discricionário e precário, constitutivo de direitos e não gerador de direitos subjetivos, para atividades não sujeitas a LP/LI/LO ou a EIA/RIMA, ou ainda para atividades temporárias, de pequeno porte ou de impacto ambiental reduzido. Tal autorização tem, em geral, natureza declaratória, e às vezes independe de fiscalização por parte do órgão ambiental.

Em síntese, para os fins de cumprir as normas federais, qualquer empreendimento potencialmente poluidor ou degradador do meio ambiente sujeitar-se-ia, em tese, a licenciamento ambiental, com a obtenção sucessiva de LP, LI e LO. Mesmo aquele que não cause impacto ambiental significativo estaria sujeito a licenciamento, embora dispensasse a elaboração de EIA/RIMA, substituído por outro estudo mais simplificado ou específico.

Entretanto, como dito, em Minas Gerais, com a Deliberação Normativa[27] COPAM n.74/2004, há uma flexibilização até mesmo da necessidade de licenciamento ambiental, mediante a introdução da modalidade de autorização ambiental.

A DN COPAM 74/2004 é a norma que regulamenta o licenciamento ambiental no Estado de Minas Gerais e estabelece critérios para classificação dos empreendimentos e atividade em conformidade porte e potencial poluidor.

Segundo a norma - por nós aqui questionada quanto a aspectos de constitucionalidade e legalidade de alguns de seus pontos-, a regularidade ambiental de empreendimentos enquadrados nas Classes 1 e 2[28], perfaz-se com a obtenção da denominada Autorização Ambiental de Funcionamento - AAF.

A DN 74/2004 - violando até mesmo a própria normatização estadual[29], de hierarquia imediatamente superior, mas, mormente, colocando por terra a legislação federal já citada - exigiu para a concessão da AAF, tão somente: a) Cadastro iniciado através de Formulário Integrado de Caracterização do Empreendimento preenchido pelo requerente; b) Termo de responsabilidade, assinado pelo titular do empreendimento e Anotação de Responsabilidade Técnica ou equivalente do profissional responsável e c) Autorização ambiental para Exploração Florestal – APEF e de Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos.

Trata-se, a Autorização Ambiental de Funcionamento – AAF, de novo sistema de controle ambiental[30], podendo ser entendida como um ato administrativo que autoriza o funcionamento de atividades cujos impactos ambientais não são, por definição, significativos para pôr em marcha processos de licenciamento junto aos órgãos estaduais. Exigi-se que o responsável legal pelo empreendimento assuma, formalmente, a responsabilidade por eventuais danos ao meio ambiente (via Termo de Responsabilidade) e que o profissional legalmente habilitado, às expensas desse empreendedor, promova prévia avaliação ambiental e defina o sistema de controle adequado, atestando a regularidade do empreendimento com as normas ambientais, tudo formalizado pela Anotação de Responsabilidade Técnica (ART).

Se os impactos ambientais não são significativos, assim qualificados pelos integrantes do SISNAMA por meio de seus respectivos atos normativos, não há obrigatoriedade de licenciamento ambiental e, via de consequência, de exigência de licença ambiental a que se refere o art. 12 da Lei Federal 6.938/81. O que se há de exigir, em Minas Gerais, é a comprovação da regularidade ambiental, o que se faz com a apresentação da Autorização Ambiental de Funcionamento, único ato exigível nessa hipótese (evidentemente, se o município exigir o licenciamento ambiental, os dois atos autorizativos serão necessários e suficientes à comprovação da regularidade).

Com efeito, a AAF não pode ser considerada uma forma de licenciamento ambiental, o que resta ainda mais evidente nos casos de empreendimentos minerários, eis que não possibilita a avaliação do status quo ante e a posteriori pela Administração, razão pela qual não se faz possível a regular recuperação ambiental.


6. PROCEDIMENTO SIMPLIFICADO NA CONTRAMÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

O processo de licenciamento ambiental, apesar de moroso e trabalhoso, sempre permitiu uma discussão em alto nível sobre o controle ambiental das atividades produtivas, com transparência, participação dos diversos setores interessados e o devido controle social. 

No caso de licenciamento ambiental, a análise técnica do processo é realizada pelo exame da documentação (RCA/PCA ou EIA/RIMA, seguido do PCA) pela equipe técnica e pela vistoria ao empreendimento. Em algumas situações previstas em norma, são realizadas audiências públicas para conhecimento e participação das comunidades, bem como solicitadas informações complementares aos documentos apresentados.

Depois de vistoriado o empreendimento e analisadas todas as informações do processo, é emitido parecer técnico, composto pelos seguintes itens: resumo, introdução, discussão dos estudos apresentados pelo empreendedor, contemplando a caracterização do empreendimento, avaliação do diagnóstico ambiental, impactos identificados e medidas mitigadoras, conclusões e propostas de condicionantes para a concessão da licença. Esse parecer é revisto e aprovado pelo gerente e diretor da área técnica e encaminhado para a Procuradoria Jurídica. Nessa etapa, com o parecer jurídico, o processo de licenciamento é concluído e encaminhado para julgamento pelas câmaras técnicas do COPAM.[31]

Noutro passo, não há no procedimento simplificado de emissão da AAF a apresentação, pelo empreendedor, de qualquer Avaliação de Impacto Ambiental – AIA[32], pelo que não será possível averiguar a extensão dos danos causados. Paira-nos, assim, algumas dúvidas:

Mas como explorar os recursos minerais e preservar o meio ambiente ao mesmo tempo?

Considerando-se que a exploração de uma jazida de minério provoca impacto ambiental, extrair matéria básica do meio ambiente para produção de bens e serviços, implica estabelecer qual é o limite para o crescimento e o desenvolvimento sustentável, e a partir de então considerar essa atividade como não abusiva e o dano como reparável. [33]

Ocorre que o limite para o crescimento é estabelecido pelos estudos prévios, necessários ao licenciamento ambiental[34], que representa um importante avanço para o desenvolvimento sustentável e constitui um bom exemplo a ser seguido pelos países em desenvolvimento. CARNEIRO, Ricardo apud SOARES, 2011 [35], acrescenta:

(...)a utilização de recursos naturais por parte das atividades humanas implica necessariamente um interferência, em graus e formas variadas, no equilíbrio ecológico do meio ambiente, enquanto bem de uso comum da inteira coletividade.

Ocorre, portanto, uma apropriação privada de um bem de titularidade difusa, sem que a sociedade seja por isso devidamente compensada em razão dos custos sócias (extenalidade negativas) (...)

Mas como a coletividade será compensada se, com a AAF, não existiu uma avaliação prévia in locu para prevenir quais os impactos ambientais da atividade? Para realização da atividade mineraria é imprescindível o estudo de impacto ambiental[36].

É o princípio da prevenção que fundamenta a realização do plano de recuperação anteriormente ao exercício da atividade, abrindo ensejo para que, o Poder Público, determine as medidas possíveis de mitigação e compensação dos impactos a serem gerados, ao mesmo tempo em que permite que a reabilitação da área faça parte de todo o processo produtivo, criando, para o agente econômico, a preocupação em produzir o menor grau de prejuízo ao meio ambiente.

No caso das atividades minerárias, a AAF, embora contribua para a regularização formal de empreendimentos de menor porte e potencial poluidor, retirando-os da clandestinidade, promove, simultaneamente, por não vir acompanhada de estudos de impactos e, mormente, de fiscalização, um retrocesso no controle ambiental efetivo dessas atividades. Este é o entendimento da melhor doutrina[37]:

De fato, a AAF imprime maior agilidade na regularização ambiental do empreendedor lpor parte do órgão ambiental, mas ela exclui os estudos ambientais e a AIA. Assim, na ausência de maiores informações socioambientais, o órgão ambiental corre o risco de autorizar empreendimentos, mesmo que de menor porte e potencial poluidor, em locais ou condições inadequadas. Além disso, ela não permite o estabelecimento de condicionantes, uma vez que, entre outros documentos de natureza formal, a AAF compõe-se somente de um termo de responsabilidade de que a empresa x, assessorada tecnicamente pela consultoria y, está cumprindo as leis ambientais. Com isso, perde-se um importante instrumento para resguardar tanto o meio ambiente local quanto os interesses das comunidades vizinhas.

(...)

Adicionalmente, a AAF não se encaixa no procedimento integrado estabelecido há anos pelos órgãos mineral (DNPM) e ambiental (FEAM/COPAM) para os casos de licenciamento de atividades minerárias, a saber: de posse do alvará ou do relatório de pesquisa mineral, a empresa efetua os estudos ambientais (RCA/PCA ou EIA/RIMA) e pleiteia a LP junto ao órgão ambiental; obtida esta, o DNPM manifesta-se dizendo que o Plano de Aproveitamento Econômico – PAE é considerado satisfatório; com essa declaração, a empresa obtém a LI junto ao órgão ambiental, se cumpridas as condicionantes estabelecidas na LP; de posse da LI, a empresa volta ao DNPM para requerer a portaria de lavra; e só aí, após obtê-la, a empresa retorna ao órgão ambiental para solicitar a LO.

Inexiste um procedimento que viabilize a fiscalização efetiva do estado, diferente do constatado no Licenciamento Ambiental. Durante a etapa de licenciamento, há uma atuação constante do órgão ambiental junto ao empreendedor, orientando-o, da mesma forma que a consultoria por ele contratada, quanto às medidas necessárias à adequação ambiental da atividade[38].

A “procedimentalização” da avaliação dos impactos ambientais funciona como eficiente mecanismo da Administração para tutela preventiva da atividade, na medida em que propicia visibilidade ao processo de formação da vontade administrativa e também há, nessa ocasião, certo controle pela sociedade civil.

É comum entenderem como alcançada justiça somente quando for eficiente, rápida e acessível. Entretanto, deve-se ter a preocupação em não se incorrer em abusos de autoridade, de modo a submeter o cidadão a decisões antidemocráticas[39]. Afinal, a efetividade da cidadania, e do próprio Estado democrático de Direito, decorre do aceso ao processo, instituição capaz de garantir o controle e fiscalização.

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O discurso neoliberal de produtividade e rapidez afeta o fluxo processual, com decisões que não primam pela adequação constitucional. Não há uma busca pela legitimidade que, por sua vez, ocorrerá, somente, com o provimento partindo da análise das especificidades do caso concreto. [40]

O que deve defender-se é a existência de um tempo razoável para o acertamento das questões controvertidas e para a atuação dos sujeitos de maneira comparticipativa para formação dos provimentos, a significar que devem ser evitadas dilações indevidas do processo. Estas, em sua maioria, se referem a períodos prolongados de paralisia procedimental, nos quais não se praticam atos no processo ou o são fora da previsão legal do tempo em que devem ser realizados – etapas mortas do processo – (DIAS, 2010, p. 158)

A defesa cega da celeridade[41] está indo de encontro ao Estado Democrático de Direito, que exige decisões com qualidade e, quanto melhor o espaço de diálogo entre as partes, existindo maiores oportunidades de participação, melhores serão as decisões judiciais. Afinal, a decisão não se qualifica como justa pelo critério da rapidez, e se a justiça não se apresentar no processo não se poderá, também, na sentença. (GONÇALVES, 1992, p. 125)

Em verdade, a busca pela celeridade nos processos de tomada de decisão é uma tendência da sociedade moderna. Ocorre, contudo, que a etapa anterior à obtenção da LP, quando são definidas a viabilidade ambiental do empreendimento e sua alternativa técnica e locacional mais adequada, é extremamente importante ao desenvolvimento sustentável. O objetivo dos estudos ambientais, quaisquer que sejam eles, é subsidiar a tomada de decisão quanto à viabilidade ambiental do empreendimento e suas alternativas técnicas e locacionais.

Contrariando a busca atual pelo procedimento simplificado, Juarez Freitas explica que é nítido que as estratégias sustentáveis são necessariamente aquelas de longa duração, não as governadas por impulsos reptilianos ou pela compulsão da obsolescência programada (grifos nosso). [42]  E, ma linha de se frear abusos ambientais na busca pelo desenvolvimento, o autor acrescenta que a irracionalidade conducente à catástrofe nada mais é do que a resultante dos desejos dilapidadores e da ilusão cheia de sofismas do crescimento material ilimitado como solução.

Entrementes, independentemente de o procedimento simplificado ir ou não de encontro ao crescimento econômico de uma atividade - a mineração - pagadora de um volume alto de tributos, deve ser considerado insustentável o desenvolvimento que se tornar, a longo prazo, negador da dignidade dos seres vivos em geral[43].

Afinal, a sustentabilidade é que deve adjetivar, condicionar e infundir as suas características ao desenvolvimento, nunca o contrário.[44]

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Sobre a autora
Valkiria Silva Santos Martins

Advogada da União. Integrante do Grupo Permanente de Combate a Corrupção. Pós Graduanda em Advocacia Pública pelo IDDE em parceria com o Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Especializada em Direito Civil e Processual Civil pela UNICOC e em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Graduada em Direito pela Fundação Educacional Monsenhor Messias.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Valkiria Silva Santos. Autorização ambiental de funcionamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3646, 25 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24774. Acesso em: 27 abr. 2024.

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