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As funções legislativas do Poder Executivo no Direito Tributário

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28/06/2013 às 10:49
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5. Atividade normativa das agências reguladoras

Apesar de recente no Brasil, a atividade normativa das agências reguladoras é antiga nos Estados Unidos. Além disso, essa atividade apresenta uma ruptura clara com a visão tradicional da legalidade. Não se pretende aqui realizar um estudo profundo sobre o assunto, mas apenas apontar essa nova função legislativa do Poder Executivo.

Com a reforma do Estado nos anos 90, foi introduzido no Brasil o modelo das agências reguladoras. Elas surgiram como resposta às privatizações e à necessidade de regular e controlar a atuação das empresas e serviços transferidos para a iniciativa privada. Pode-se dizer que as agências reguladoras possuem competência regulatória que envolve delegação de poderes regulamentares e atribuição de poderes de polícia para fiscalizar atividades econômicas privadas (JUSTEN FILHO, 2002).

Transferiu-se, também, poderes para criação de normas relativas às atividades sob responsabilidade de cada agência, retirando dos demais órgãos do executivo qualquer atribuição. Por isso as agências reguladoras são chamadas de independentes, visto que possuem certa autonomia frente à Administração Pública direta. O objetivo em relação à autonomia das agências refere-se à necessidade de que suas decisões e regras sejam, essencialmente, técnicas. Pretendeu-se retirar qualquer outro interesse que possa influenciar no controle da área de atuação.

Além disso, com a aprovação das leis que criam as agências, as mesmas passaram a ter autonomia na criação de normas em relação ao Poder Legislativo. Isso não significa que o legislativo não possa legislar sobre matérias de atuação das agências. Significa apenas que, no silêncio da lei, as agências têm autonomia para criarem normas.

A visão clássica da legalidade requer a adequação da atuação da Administração Pública à lei. No entanto, com as agências reguladoras, criou-se uma competência normativa em favor destas, sem necessidade de lei. Verifica-se assim, uma ruptura no princípio da legalidade. Essa ruptura tem por fundamento as complexidades técnicas das matérias reguladas pelas agências e a necessidade de celeridade e eficiência na atuação do Estado frente a serviços essenciais. Tais características não seriam encontradas no processo legislativo, justificando o novo modelo implantado.

É necessário destacar que o modelo das agências reguladoras é alvo de críticas. A primeira delas refere-se à legitimidade democrática. Faltaria às agências legitimidade para formular normas de caráter geral, posto que seus diretores não são eleitos, mas indicados pelo chefe do executivo. Além disso, o poder normativo das agências iria de encontro ao princípio da legalidade insculpido no art. 5º, inciso II da Constituição.

Em matéria tributária, apesar da autonomia normativa das agências, é imperativo o respeito ao regime jurídico tributário para instituição de tributos. Verifica-se, entretanto, no âmbito de atuação das agências, que o preço público é o instrumento mais adequado para remuneração de serviços. Nesse caso, não há necessidade da observância dos princípios tributários.

Por fim, cabe dizer que as normas das agências reguladoras são possíveis de revisão pelo poder judiciário e, como dito, podem ser objeto de novo processo legislativo. Entretanto, fica claro que essas normas fogem ao conceito clássico da legalidade uma vez que são emanadas por um órgão independente, mas inserido no Poder Executivo. Além disso, não regulamentam detalhes de uma lei, mas definem regras direcionadas às empresas que atuam na área de controle da agência, criando e restringindo direitos.


6. Conclusão

Conclui-se que, no ordenamento jurídico brasileiro, o Poder Executivo possui vasta competência legislativa prevista na própria Constituição. O Executivo pode legislar por delegação expressa do Legislativo, ressalvados os limites impostos pela Constituição. Além disso, pode editar medidas provisórias com força de lei, com âmbito bastante limitado pela Emenda Constitucional nº 32/2001.

Nesses dois casos em que o Executivo pode legislar, verifica-se que se trata de situações excepcionais e extraordinárias, não sendo possível a utilização desses institutos jurídicos como forma ordinária de criação legislativa. A lei delegada exige a autorização do Legislativo e a imposição de parâmetros e limites à delegação. A medida provisória exige a caracterização da necessidade e urgência.

Esse não é o caso do regulamento. Os regulamentos podem ser editados pelo Executivo para execução de lei, para realizar o que foi permitido em delegação legislativa, para atender a situação de emergência ou para cumprir o determinado pela própria Constituição (decreto autônomo). Exceto o regulamento de necessidade ou de urgência, o Executivo utiliza o poder regulamentar para situações do dia-a-dia da administração. O regulamento é imprescindível para o funcionamento da Administração Pública, inclusive para a Administração Tributaria. Parte da doutrina reconhece maior espaço de atuação do regulamento, inclusive no direito tributário, mas a maioria da doutrina mencionada entende o regulamento como um instrumento limitado à execução da lei, dirigida aos servidores públicos subordinados à autoridade que expediu o ato regulamentar.

Por último, foi apresentada a atividade normativa das agências reguladoras. Esse modelo foi apenas recentemente introduzido no Brasil, mas demonstra a necessidade de se outorgar maior poder normativo ao Executivo para o exercício de atividades técnicas. Não se trata de usurpação da função legislativa, mas do reconhecimento de que a sociedade atual é muito complexa e observa mudanças muito velozes que não podem ficar a mercê do moroso processo legislativo. O modelo das agências reguladoras pretendeu criar instituições autônomas para tratar e normatizar assuntos de grande relevância nacional, de grande interesse econômico e de expressiva complexidade técnica.

Conclui-se ao final, que, apesar da definição tradicional do princípio da legalidade, existe uma tendência para se delegar ao Poder Executivo atividades normativas técnicas, sendo a delegação legislativa ampla uma exceção. Neste contexto, deve-se então reavaliar a legalidade, a fim de que seja possível ao Estado acompanhar o atual ambiente de mudanças e complexidades.

Entretanto, no âmbito do Direito Tributário essas atividades legislativas do Executivo devem ser exercidas com bastante cautela, a fim de que não seja a vontade do povo substituída pela vontade do Estado. O princípio da legalidade exige o autoconsentimento para instituição e majoração dos tributos, o que ocorre apenas através de lei.


7.  Bibliografia

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Notas

[1][1] Segundo Clemerson Merlin Clève (2011, p. 285), “no direito constitucional brasileiro, assim como no espanhol (decretos legislativos), no italiano (leis delegadas ou decretos legislativos) e no português (decreto-lei editado em virtude e autorização legislativa), a lei autorizada proveniente do Executivo, qualquer que seja o seu nome, assume grau hierárquico equivalente ao da lei ordinária.”

[2] O sentido dado pelo autor ao princípio monárquico não é a forma de Estado, extinta com a Revolução,  mas refere-se a instrumentos e institutos jurídicos que concentram poder na autoridade máxima do governo.

[3] Nesses autores se inserem Celso Antônio Bandeira de Mello, Clemerson Clève Merlin, Roque Carrazza, Geraldo Ataliba, dentre outros.

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Sobre o autor
Huaman Xavier Pinto Coelho

Graduado em Direito pela UFOP. Pós graduado em Gestão Pública pela UFOP. Mestre em Direito pela FUMEC. Procurador do Município de Ouro Preto (MG). Professor de Direito Tributário na UFOP. Advogado e consultor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Huaman Xavier Pinto. As funções legislativas do Poder Executivo no Direito Tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3649, 28 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24797. Acesso em: 19 abr. 2024.

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