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A Carteira de Trabalho e Previdência Social como prova de tempo de contribuição.

Súmula nº 75 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais

Leia nesta página:

Cabe ao INSS provar a existência de fraude ou inexistência de contrato de trabalho, para desconsiderar as anotações existentes na Carteira de Trabalho e Previdência Social dos segurados.

No dia 12 de junho de 2013, a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais (TNU) aprovou o Enunciado nº 75 de sua Súmula, com o seguinte teor:

“A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) em relação à qual não se aponta defeito formal que lhe comprometa a fidedignidade goza de presunção relativa de veracidade, formando prova suficiente de tempo de serviço para fins previdenciários, ainda que a anotação de vínculo de emprego não conste no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS)”.

A fim de compreender a razão da edição desse enunciado, recorda-se que o art. 19 do Decreto nº 3.048/99, em sua redação originária, trazia a presunção de veracidade das anotações na CTPS para a comprovação de filiação à Previdência Social, da relação de emprego, do tempo de contribuição e dos salários-de-contribuição:

“Art. 19. A anotação na Carteira Profissional e/ou na Carteira de Trabalho e Previdência Social vale para todos os efeitos como prova de filiação à previdência social, relação de emprego, tempo de serviço e salário-de-contribuição, podendo, em caso de dúvida, ser exigida pelo Instituto Nacional do Seguro Social a apresentação dos documentos que serviram de base à anotação”.

Excepcionalmente, podia o INSS solicitar a apresentação de documentos complementares, a fim de ratificar o contido nas anotações.

O dispositivo foi modificado pelo Decreto nº 4.079/2002, que manteve a presunção relativa à Carteira de Trabalho e acrescentou, ao seu lado, as informações existentes no CNIS:

“Art. 19. A anotação na Carteira Profissional ou na Carteira de Trabalho e Previdência Social e, a partir de 1º de julho de 1994, os dados constantes do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS valem para todos os efeitos como prova de filiação à Previdência Social, relação de emprego, tempo de serviço ou de contribuição e salários-de-contribuição e, quando for o caso, relação de emprego, podendo, em caso de dúvida, ser exigida pelo Instituto Nacional do Seguro Social a apresentação dos documentos que serviram de base à anotação”.

Todavia, o Decreto nº 6.722/2008 novamente alterou a norma, para excluir a presunção de veracidade até então conferida à CTPS, mantendo esse status apenas quanto ao CNIS:

“Art. 19.  Os dados constantes do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS relativos a vínculos, remunerações e contribuições valem como prova de filiação à previdência social, tempo de contribuição e salários-de-contribuição”.

Desse modo, a Carteira de Trabalho, isoladamente e desde essa modificação, não é aceita pelo INSS como prova da filiação ao RGPS, da relação de emprego, do tempo de contribuição e dos salários-de-contribuição. Permanece apenas a presunção de que os dados constantes do CNIS comprovam a filiação à Previdência Social.

A principal razão dessa mudança está na maior confiabilidade da Administração Pública sobre as informações existentes no Cadastro Nacional de Informações Sociais. Enquanto a CTPS é documento que pertence ao segurado empregado, fica em sua posse e só é apresentado ao INSS na eventualidade de requerimento de benefício, o CNIS é de acesso permanente pelo agente público e é com base nele (juntamente com o software PLENUS) que as contribuições são verificadas e os benefícios são concedidos. Logo, a Carteira de Trabalho é examinada pelo INSS apenas para a comparação dos dados fornecidos ou para a conferência de vínculos anteriores à criação do CNIS (tendo em vista que o art. 80, I, da Instrução Normativa INSS/PRES nº 45/2010 ainda lista a CTPS como meio de prova do exercício da atividade do segurado empregado urbano ou rural).

Contudo, não deveria a norma do Regulamento da Previdência Social ter excluído a Carteira de Trabalho, que é o documento profissional de todos os trabalhadores no Brasil desde a sua criação em 21 de março de 1932 (pelo Decreto nº 21.175/32).

Atualmente, a CLT (Decreto-Lei nº 5.452/43) mantém a CTPS como documento obrigatório para o desempenho de qualquer emprego (urbano ou rural) e do exercício autônomo de atividade profissional remunerada (art. 13-A). Apesar de o art. 40, II, da CLT, limitar os efeitos da CTPS perante a Previdência Social apenas para o fim de declaração de dependentes, não há coerência legal na imposição de um documento para comprovar o vínculo de trabalho e, por outro lado, não aceitá-lo (isoladamente) para fins previdenciários.

Em consequência, a Turma Nacional de Uniformização manteve seu entendimento de que “a carteira de trabalho e previdência social em que conste o registro de saída de emprego é prova suficiente ao segurado para os fins do art. 15, II, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91” (Incidente de Uniformização nº 200472950046899, rel. Juiz Federal Osni Cardoso Filho, j. 25/04/2005, DJ 27/01/2006).

Após a mudança realizada pelo Decreto nº 6.722/2008, essa compreensão foi reafirmada na TNU:

“PREVIDENCIÁRIO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE URBANA. ANOTAÇÃO EM CTPS. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE. FALTA DE REGISTRO NO CNIS.

1. As anotações em CTPS presumem-se verdadeiras, salvo prova de fraude. O ônus de provar a fraude recai sobre o INSS: o ônus é de quem alega o fato apto a afastar a presunção juris tantum.

2. Ao recusar validade à anotação na CTPS por falta de confirmação no CNIS, o INSS presume a má-fé do segurado, atribuindo-lhe suspeita de ter fraudado o documento. A jurisprudência repudia a mera suspeita de fraude. Além disso, a presunção de boa-fé é princípio geral do direito.

3. Não se pode exigir do segurado mais do que a exibição da CTPS. O segurado, para se acautelar quanto à expectativa de aposentadoria, não tem obrigação de guardar mais documentos do que a CTPS, que, por lei, sempre bastou por si mesma para o propósito de comprovar tempo de serviço.

4. A ausência de registro no CNIS não perfaz prova cabal da falsidade da anotação de vínculo de emprego na CTPS. É máxima da experiência que muitas empresas operam na informalidade, sem respeitar os direitos trabalhistas dos empregados, os quais nem por isso ficam com o vínculo de filiação previdenciária descaracterizado. O segurado não pode ser prejudicado pelo descumprimento do dever formal a cargo do empregador.

5. É notória a deficiência da base de dados consolidada no Cadastro Nacional de Informações Sociais. O CNIS é criação recente, razão pela qual não congloba eficientemente a integralidade de informações relativas aos vínculos de filiação previdenciária, sobretudo quanto às relações de emprego muito antigas. A ausência de informação no CNIS sobre determinado vínculo de emprego não é garantia de que a respectiva anotação de vínculo de emprego em CTPS é fraudulenta.

6. Existem situações excepcionais em que a suspeita de fraude na CTPS é admissível por defeitos intrínsecos ao próprio documento: por exemplo, quando a anotação do vínculo de emprego contém rasuras ou falta de encadeamento temporal nas anotações dos sucessivos vínculos, ou, ainda, quando há indícios materiais sérios de contrafação. Se o INSS não apontar objetivamente nenhum defeito que comprometa a fidedignidade da CTPS, prevalece a sua presunção relativa de veracidade.

7. Uniformizado o entendimento de que a CTPS em relação à qual não se aponta qualquer defeito formal que lhe comprometa a fidedignidade goza de presunção relativa de veracidade, formando prova suficiente de tempo de serviço para fins previdenciários, ainda que a anotação de vínculo de emprego não seja confirmada no CNIS.

8. Incidente improvido” (Incidente de Uniformização nº 0026256-69.2006.4.01.3600, rel. Juiz Federal Rogério Moreira Alves, j. 16/08/2012).

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Outra decisão posterior manteve tais conclusões:

“PREVIDENCIÁRIO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE URBANA. ANOTAÇÃO EM CTPS. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. INCIDENTE PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Considero comprovada a divergência jurisprudencial em razão do que conheço do Agravo Regimental para provê-lo e conhecer do Incidente de uniformização.

2. As anotações em CTPS presumem-se verdadeiras, salvo prova de fraude. O ônus de provar a contrafação recai sobre o INSS. Afinal, é consabido que aquele que alega o fato apto a afastar a presunção juris tantum é quem se incumbe de realizar a prova.

3. Ao recusar validade à anotação na CTPS por falta de confirmação de prova testemunhal, o INSS presume a má-fé do segurado, atribuindo-lhe suspeita de ter fraudado o documento. A jurisprudência repudia a mera suspeita de fraude. Além disso, a presunção de boa-fé é princípio geral do direito.

4. Não se pode exigir do segurado mais do que a exibição da CTPS. O segurado, para se acautelar quanto à expectativa de aposentadoria, não tem obrigação de guardar mais documentos do que a CTPS, que, por lei, sempre bastou por si mesma para o propósito de comprovar tempo de serviço.

5. A ausência de registro no CNIS ou falta de prova testemunhal não deduz a falsidade da anotação de vínculo de emprego na CTPS. É máxima da experiência que muitas empresas operam na informalidade, sem respeitar os direitos trabalhistas dos empregados, os quais nem por isso ficam com o vínculo de filiação previdenciária descaracterizado. O segurado não pode ser prejudicado pelo descumprimento do dever formal a cargo do empregador.

6. Existem situações excepcionais em que a suspeita de fraude na CTPS é admissível por defeitos intrínsecos ao próprio documento: por exemplo, quando a anotação do vínculo de emprego contém rasuras ou falta de encadeamento temporal nas anotações dos sucessivos vínculos, ou, ainda, quando há indícios materiais sérios de contrafação. Se o INSS não apontar objetivamente nenhum defeito que comprometa a fidedignidade da CTPS, prevalece a sua presunção relativa de veracidade.

7. Incidente parcialmente provido para: (a) reiterar o entendimento de que goza de presunção relativa de veracidade a CTPS em relação à qual não se aponta qualquer defeito formal que lhe comprometa a fidedignidade, formando prova suficiente de tempo de serviço para fins previdenciários, ainda que as informações não sejam confirmadas no CNIS ou por prova testemunhal; (b) determinar que a Turma Recursal de origem proceda à adequação do acórdão recorrido à tese uniformizada pela TNU, reexaminado a possibilidade de reconhecimento de período comum laborado na empresa Panificação Oliveira LTDA, entre 02.05.1969 a 30.06.1971 e 01.08.1971 a 20.02.1975.” (Incidente de Uniformização nº 2008.71.95.005883-2, rel. Juiz Federal Herculano Martins Nacif, j. 17/10/2012).

Com o mesmo entendimento, também utilizado como precedente na elaboração do Enunciado nº 75: Incidente de Uniformização nº 2009.71.63.001726-4, rel. Juiz Federal Rogério Moreira Alves, j. 27/06/2012.

Em resumo, a Turma Nacional de Uniformização manteve a presunção (relativa, por admitir prova em contrário) de veracidade da CTPS como meio prova de filiação à Previdência Social, da relação de emprego, do tempo de contribuição e dos salários-de-contribuição, pelos seguintes motivos: (a) o segurado empregado, empregado doméstico ou trabalhador avulso tem a obrigação de apresentar sua CTPS; pois os demais documentos relativos ao contrato de trabalho são mantidos pelo empregador; (b) a omissão do empregador em inserir o vínculo no CNIS, ou em recolher contribuições previdenciárias, ou em depositar os valores na conta vinculada do FGTS do trabalhador, não constituem prova da ausência do contrato de trabalho, que pode ser demonstrado por meio das anotações na CTPS (não apenas do vínculo, mas também de férias, alterações de salários, mudanças de cargo, etc.); (c) presume-se a boa-fé, e não a má-fé do segurado; (d) rasuras na CTPS, problemas na sequência temporal dos vínculos ou indícios materiais de falsificação podem motivar a desconsideração do vínculo (ou de seus termos inicial e final) pelo INSS, incumbindo ao segurado o ônus de apresentar outras provas de sua existência.

Portanto, cabe ao INSS provar a existência de fraude ou inexistência de contrato de trabalho, para desconsiderar as anotações existentes na Carteira de Trabalho e Previdência Social dos segurados, que mantêm sua presunção relativa de veracidade.

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Sobre os autores
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Adir José da Silva Júnior

Mestre em Direito - PPGD/UFSC (Área de Concentração: Direito, Estado e Sociedade). Graduado em Ciências Jurídicas pela UFSC. Especialista em Direito Processual Civil (UNISUL), Gestão Pública (UNISUL) em Direito Previdenciário (CESUSC). Formado pela Escola Superior de Magistratura Federal de Santa Catarina (ESMAFESC). Analista Judiciário Federal. Ocupa a função de Diretor de Secretaria da 1a Vara Federal de Capão da Canoa-RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente ; SILVA JÚNIOR, Adir José. A Carteira de Trabalho e Previdência Social como prova de tempo de contribuição.: Súmula nº 75 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3652, 1 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24831. Acesso em: 25 abr. 2024.

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