2. SISTEMAS DE ConTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL
Conforme dicção esquemática de Dirley da Cunha Júnior[18], o controle de constitucionalidade no Brasil compreende: 1ª hipótese - Controle difuso-incidental, provocado por via de exceção ou defesa, em um caso concreto, perante qualquer juízo ou tribunal; e 2ª hipótese - Controle concentrado-principal, provocado por via das ações específicas, perante o STF, tais como, ADI por ação ou por omissão, ADI interventiva, ADC e ADPF.
Delineada essas premissas, seguem-se as especificidades que identificam toda a sistemática do controle de constitucionalidade.
2.1. Classificação das espécies de inconstitucionalidade:
2.1.1. Quanto ao parâmetro - Formal ou material:
A Constituição define o processo formal de elaboração das leis que estritamente devem ser seguidos para que se tenha validade, bem como a observância de limites materiais no conteúdo ali inserido. É o que se chama de parâmetro formal e material.
I) Vício formal: também conhecida como nomodinâmica ou orgânica[19], que traduz inobservância de regra de competência legislativa, ou da não observância do processo legislativo devido, tal como o caso de incompetência de determinado ente para tratar de tema específico. Como exemplo, Luís Roberto Barroso[20] cita: “[...] a Assembleia Legislativa de um Estado da Federação editar uma lei em matéria penal ou em matéria de direito civil, incorrerá em inconstitucionalidade por violação da competência da União na matéria.”
Nesta, pode-se ter tanto vícios formais subjetivos, que digam respeito à pessoa que tenha a competência para legislar determinada matéria; como também, vícios formais objetivos, que é o processo legislativo devido ora apontado.
II) Vício material: conhecido como de conteúdo, substancial ou doutrinário ou nomoestática[21]. Quanto a tais vícios, denota-se incompatibilidade de texto entre a lei em tese elaborada, com a CF. Como exemplo, fixação da remuneração de certa categoria de servidores acima do limite constitucional.
De regra, necessariamente toda Constituição possui supremacia material, em alusão a teoria da pirâmide escalonada de Kelsen. No entanto, essa supremacia não se insere estritamente no campo jurídico, uma vez que, a supremacia jurídica diga respeito a forma, ou seja, de que modo foi elaborada.
Nessa premissa, indaga-se a qual sentido o parâmetro deve ser observado para auferir possibilidade de controle; se questões de cunho material ou formal. Nesse sentido, Marcelo Novelino indica que, a fiscalização do controle possa se basear no chamado “bloco de constitucionalidade”, expressão essa elaborada pelo francês Louis Favoreu e utilizada pela jurisprudência do STF, que segundo a sua doutrina, nada mais seria a abstração de dois sentidos:
Bloco de constitucionalidade pode variar conforme o sentido atribuído. Em sentido estrito, compreende a totalidade de normas constitucionais, expressas ou implícitas, constantes na Constituição formal. Em sentido amplo, abrange também normas infraconstitucionais, desde que vocacionadas a desenvolver, em toda a sua plenitude, a eficácia dos postulados e dos preceitos inscritos na Lei Fundamental. [22] (Grifei).
Sendo que, por esse parâmetro se indique as normas de referência, volta-se a questão anteriormente indagada se deve observar questões materiais ou formais. Como já observado, a Constituição de regra possui supremacia material, porém, num caso hipotético, uma norma que tenha esse conteúdo material, mas não for formalmente constitucional, não servirá de parâmetro, salvo exceções como, por exemplo, normas que tratem de direitos humanos, que, conforme entendimento do supremo possuem status supralegal, tal como o exemplo da proibição de prisão civil do depositário infiel (STF - RE 39703/RS[23]).
2.1.2. Quanto à conduta ou objeto - Por ação ou por omissão:
Essa primeira classificação está diretamente ligada à conduta praticada pelo poder público, e se tal conduta padece de ação ou omissão que incorra em inconstitucionalidade.
Para Canotilho, apud Lenza[24], “[...] enquanto a inconstitucionalidade por ação pressupõe a existência de normas inconstitucionais, a inconstitucionalidade por omissão pressupõe a violação da lei constitucional pelo silêncio legislativo (violação por omissão)”.
Assim, de modo esquematizado extraem-se da doutrina de Lenza[25] as seguintes diferenças:
I) Inconstitucionalidade por ação: positiva, ou por atuação; o poder público pratica determinados atos contrários às normas constitucionais, sujeitando ao controle abstrato em ADI, ADC ou ADPF a depender do caso. Podem conter vício de decoro parlamentar (ex: caso mensalão), ou vício material, ou vício formal dividindo-se esse em orgânico, formal propriamente dita, ou por violação a pressupostos objetivos do ato.
II) Inconstitucionalidade por omissão: negativa, ou silêncio legislativo; o poder público “deixa” de praticar norma apregoada pela CF, cabendo a depender do caso, ADI por omissão em controle abstrato, ou o Mandado de injunção (MI) pelo controle difuso concreto.
Nesse último caso, tem-se o exemplo clássico da greve de servidores públicos, que encontra menção na CF, em seu art. 37, VII, porém ainda dependente de lei específica, encontrando essa omissão inconstitucional, questionada por diversas vezes em MI[26].
É o que o Ministro Celso de Mello[27] chamou de “erosão constitucional”, quando há omissão estatal no dever primordial delegado a ele, ou seja, o de legislar, “[...] qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança ilegítima da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário.”
2.1.3. Quanto à extensão - Total ou parcial:
Ainda há a questão relacionada à abrangência que atingirá a inconstitucionalidade, em que, poderá ser na totalidade da Lei ou ato normativo, tal como observa Novelino, “[...] não restando nenhuma parte válida a ser aplicada”[28], bem como, em parcialidade.
Como exemplo de parcialidade, note o teor do art. 6º, V da Lei n. 8.906/994 que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil, tendo frase restringida conforme tachado:
Art. 6º: V - não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar;[29]
2.2. Momentos de realização do controle de constitucionalidade:
Antes de adentrar aos dois momentos de realização de controle, cumpre expor uma distinção importante que algumas doutrinas trazem, qual seja, a inconstitucionalidade quanto ao momento de edição da norma, o que não se confunde com o momento de realização do controle.
Assim, destacam-se dois modos de inconstitucionalidade quanto ao momento de edição: a originária e a superveniente.
I) Originária: o parâmetro a ser observado é anterior ao objeto, ou seja, já existia a regra constitucional originariamente para parâmetro da lei subsequente. A Constituição já vigia quando da criação desta lei que não observou seus preceitos.
Nesse sentido expõe Marcelo Alexandrino e Vicente Paulino:
O reconhecimento da inconstitucionalidade originária pressupõe, portanto, o confronto entre a lei e a Constituição vigente no momento da sua produção. Por exemplo, se estivermos nos referindo à inconstitucionalidade originária de uma lei produzida era 1985,certamenteo confronto desta será coma Constituição de 1969,quevigoravaquandotal diploma legal hipotético foi elaborado.[30]
II) Superveniente: ao contrário daquela, o parâmetro desta é norma constitucional posterior, discutindo-se a constitucionalidade de norma já vigente a época dessa inovação. Para a maioria da doutrina, não há nesse caso uma inconstitucionalidade, mas sim uma revogação, ou não recepção pela Constituição, tal como o caso ocorrido da Lei de Imprensa de 1967, anterior a promulgação da CF/88.
2.2.1. Preventivo ou prévio:
Insta indicar que, o controle Preventivo é aquele realizado ainda nos tramites processamento da lei. Ele ocorre no momento de apresentação do ainda projeto de lei, visando anteceder qualquer lesão a regras constitucionais.
Poderá ser realizado por qualquer dos três Poderes nas seguintes formas:
I) Pelo Legislativo: podem realizar esse controle parlamentares e a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ no art. 58, CF). A CCJ é um Órgão do Legislativo inserida, nas duas casas do Congresso Nacional (Câmara dos Vereadores e Senado Federal), bem como as Assembleias Legislativas em âmbito estadual e a Câmara de vereadores no município.
Novelino[31] explana que, na Câmara dos Deputados, as propostas antes de sua apreciação, serão encaminhadas a CCJ para exame de constitucionalidade por meio de uma parecer terminativo, sendo possível recurso interno contra este, com apreciação em plenário. Já no Senado Federal há a CCJ para opinar sobre as matérias lhes submetidas, sendo que, em parecer que se ateste a inconstitucionalidade, a proposta pode ser arquivada pelo Presidente do Senado, ou admitido o recurso contra tal parecer, se não unânime.
II) Pelo Executivo: no caso deste Poder, o controle prévio passa pelo crivo do Chefe do Executivo por meio do veto (art. 66, § 1º, CF), quando o considerar inconstitucional ou mesmo contrário ao interesse público. Tal como destaca Lenza[32], “O primeiro é o veto jurídico, sendo o segundo conhecido como veto político.”
III) Pelo Judiciário: nesse último caso considerado ímpar, ainda segundo Lenza[33] e entendimento majoritário no STF, ocorrerá quando visar a garantir ao parlamentar devido processo legislativo, que não seja desconforme as regras Constitucionais, tal como os preceitos das cláusulas pétreas (art. 60, § 4º da CF).
É um direito subjetivo, ou seja, próprio do parlamentar que, por via de impetração do mandado de segurança, que vise um processo legislativo conforme os preceitos constitucionais, possibilitando sua vedação na participação em tal processo.
Ainda, deve-se asseverar que, por tratar-se de direito subjetivo, isso incorre a não possibilidade de participação de terceiros nessa impetração de mandado de segurança, ainda que haja perda superveniente do mandado do parlamentar, uma vez que, tal legitimidade é necessária, declarando a extinção do processo de mandado de segurança, assim já decidido no STF[34], no MS 27.971.
2.2.2. Repressivo ou posterior:
O controle Repressivo de regra é realizado pelo Poder Judiciário, por meio do controle difuso ou concentrado. Basicamente será realizado quando a lei já estiver promulgada e publicada. Ressalte-se que tais explicações são apenas uma premissa do que será tratado em tópico determinado posteriormente.
Também é possível sua realização pelos outros Poderes (Legislativo e Executivo), com possibilidade até mesmo do Tribunal de Contas da União (TCU). Entretanto, sua conotação repressora está atrelada necessariamente a lei já estabelecida, onde se analisará se essa possui algum vício formal ou material.
I) Poder Legislativo: as exceções à regra da possibilidade desse controle por esse Poder estão dispostas em dois artigos da Constituição.
Primeiramente o art. 49, V, que estabelece: “É da competência exclusiva do Congresso Nacional: V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.”[35]
Segunda exceção é a prevista no art. 62 da CF que, submete ao Congresso Nacional as Medidas Provisórias adotadas pelo Presidente da República, quando de relevância e urgência. Isso porque, pode ocorrer o caso de tal Medida Provisória não possuir caráter relevante ou urgente, sendo que, em nítido flagrante de inconstitucionalidade, poderá o Judiciário se pronunciar.
Terceira exceção diz respeito ao controle realizado pelo TCU, Órgão auxiliar do Legislativo, conforme disposição da súmula 347 do STF, mas isso no que diga respeito a sua competência de analise das contas.
II) Poder Executivo: hipótese polêmica que sugere a indagação se, sabendo o Chefe do Executivo que a Lei é inconstitucional, poderia assim deixar de aplica-la. Apesar de Lenza se posicionar a favor do controle repressivo realizado pelo Chefe do Executivo, alerta corrente contrária posicionando no seguinte:
[...] com o advento da CF/88, que ampliou a legitimação para o ajuizamento da ADI (art. 103, expandida para a ADC pela EC n. 45/2004), não mais se admitiria o descumprimento de lei inconstitucional pelo Chefe do Executivo.[36]
Dessa forma, entende-se que, visto a ampliação do rol de legitimados para propor ações que versem sobre o controle de Constitucionalidade, não haveria mias justificativa de ser, do descumprimento de determinada Lei pelo Chefe do Executivo, uma vez que, ele poderá valer dos meios adequados para contestar a legalidade da lei em questão.
Porém, aos adeptos da possibilidade de realização do controle repressivo realizado pelo Chefe do Executivo, para que este não incorra em crime de responsabilidade pela não aplicação da Lei que entender inconstitucional, necessariamente deverá motivar seus atos, dando ampla publicidade por meio de decreto.
Os Tribunais possuem apenas votos mencionando o tema, mas nenhuma decisão concreta (STF – ADI 221-MC/DF[37] e STJ – REsp. 23.121/GO[38]). O que se entende de maneira coerente, é uma junção no sentido de permitir que o Chefe do Executivo negue o cumprimento da lei, com motivos fundamentados e por meio de decreto, ao mesmo tempo em que promova a ação específica ao caso.
2.3. Formas de Controle de constitucionalidade:
Quando se trata do controle de constitucionalidade é importante atentar-se a certos requisitos e classificações, sendo que, em alguns casos, tal controle só poderá ser realizado pelo Poder Judiciário, conforme explicações que se seguem nos itens subsequentes.
2.3.1. Quanto à competência - Concentrado ou o difuso:
Essa é uma classificação ímpar do controle de constitucionalidade, visto se aplicar apenas ao Órgão do Judiciário, não existindo controle concentrado ou difuso no âmbito dos Poderes Executivo ou Legislativo.
I) Concentrado: advém do sistema austríaco ou europeu estudado nas premissas históricas. Diz-se concentrado, em razão da concentração do controle em um órgão apenas, competente exclusivo para julgar as seguintes ações: ADI, ADPF, ADO, ADI Interventiva, e a ADC, ações essas, que serão estudadas no próximo capítulo. Nos dizeres de Cunha Júnior:
À vista desse modelo, instaura-se no Supremo Tribunal Federal uma fiscalização abstrata das leis ou atos normativos do poder público em confronto com a Constituição. Tal se dá em face do ajuizamento de uma ação direta, cujo pedido principal é a própria declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade.[39]
Porém, isso não quer dizer que somente o Supremo exerça essa competência. A competência será do Supremo quando o parâmetro para controle se basear na CF/88; mas, se o parâmetro for uma Constituição Estadual, será competente o Tribunal de Justiça do respectivo estado.
II) Difuso: originário do sistema norte-americano, foi introduzido no Brasil pela EC-16 de 1.965, e bem relembra Martins, Mendes e Nascimento que:
Esse modelo de controle de constitucionalidade desenvolve-se a partir da discussão encetada na Suprema Corte americana, especialmente no caso Marbury v. Madison, de 1803. A ruptura que a judicial review americana consagra com a tradição inglesa a respeito da soberania do Parlamento vai provocar uma mudança de paradigmas. A simplicidade da forma – reconhecimento da competência para aferir a constitucionalidade ao juiz da causa – vai ser determinante para a sua adoção em diversos países do mundo.[40]
Nos moldes atuais, esse controle é o realizado por qualquer juiz ou Tribunal, independentemente do grau de jurisdição, quando o ato questionado de sua constitucionalidade for relacionado à determinada lei; daí ser chamado também de controle aberto. Conforme Cunha Júnior[41], vale dizer: “Pressupõe a existência de um conflito de interesses, no bojo de uma ação judicial, na qual uma das partes alega a inconstitucionalidade de uma lei ou ato que a outra pretende ver aplicada ao caso.”
2.3.2. Quanto à finalidade – Abstrato ou concreto e sua abstrativização:
I) Abstrato: também denominado como aponta Novelino[42] por, “[...] controle por via de ação, por via direta ou por via de exceção”, em linhas gerais significa que, a proteção estará intimamente ligada à “ordem constitucional objetiva”. Parte-se da premissa da Lei e sua Constitucionalidade, com análise feita em tese, ou suposição, uma vez que não há caso concreto.
II) Concreto: também chamado de incidental ou por via de defesa, a finalidade precípua dessa forma de controle, diz respeito a “direitos subjetivos”, porém, aplicada em casos concretos que são questionados no Judiciário; daí a conotação incidental.
Como toda ação que verse sobre sua constitucionalidade, primeiramente o juiz analisa a Lei partindo da Constituição, averiguando sua compatibilidade, tal como no plano abstrato. Observado o desrespeito, parte para a análise das violações aos direitos subjetivos afetados no caso em concreto; daí essa conotação.
Nesse sentido, quanto ao requisito subjetivo, é o que Mendes descreve:
O controle de constitucionalidade concreto ou incidental, tal como desenvolvido no Direito brasileiro, é exercido por qualquer órgão judicial, no curso de processo de sua competência. A decisão, “que não é feita sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão prévia, indispensável ao julgamento do mérito”, tem o condão, apenas, de afastar a incidência da norma viciada. Daí recorrer-se à suspensão de execução pelo Senado de leis ou decretos declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (CF 1967/69, art. 42, VII).[43]
Nessa doutrina, Mendes[44] ainda destaca que, a constitucionalidade suscitada pelas partes, poderá ser reconhecida inclusive ex ofício pelo juiz ou mesmo Tribunal, ressalvado nesse último caso, a previsão legal do art. 97 da CF, com a exigência do voto da maioria absoluta na declaração do ato.
III) Abstrativização: outra questão de importante destaque, diz respeito ao delineamento que vem ocorrendo no STF, no sentido de tendência de abstrativização, ou objetivação do controle Concreto. Isso porque, tal como explicado, no controle concreto se analise pressupostos subjetivos no incidente específico.
Porém, as decisões proferidas nesse tipo de controle, mesmo na hipótese do art. 97, CF (por maioria absoluta dos tribunais), são de efeitos inter partes (entre as partes) e sem vinculação, por que são decididas no controle difuso, diferentemente do controle abstrato onde os efeitos são mais abrangentes, da chamada eficácia erga omnes e que vinculam sua decisão e decididas no controle concentrado.
O entendimento do STF que começou a se direcionar nesse sentido, é justamente em observância do princípio da igualdade, vez que, quando decidido no controle concreto, à decisão como indicado, valeria apenas as partes do processo.
Para Gilmar Mendes que é defensor dessa corrente, o STF tem a guarda da Constituição cabendo a ele a interpretação final. Vejamos:
Se ao Supremo Tribunal Federal compete, precipuamente, a guarda da Constituição Federal, é certo que a interpretação do texto constitucional por ele fixada deve ser acompanhada pelos demais Tribunais e Turmas dos Juizados Especiais, em decorrência do efeito definitivo outorgado à sua decisão. Pouco importa que a decisão do Tribunal de origem tenha sido proferida antes daquela do Supremo Tribunal Federal no leading case, pois, inexistindo o trânsito em julgado e estando a controvérsia constitucional submetida à análise deste Tribunal, não há qualquer óbice para aplicação do entendimento fixado pelo órgão responsável pela guarda da Constituição da República.[45]
No mesmo sentido são os apontamentos de Lenza[46] sobre os principais argumentos que justificam esse novo posicionamento do STF no caso concreto: “Força normativa da Constituição; princípio da supremacia da Constituição e a sua aplicação uniforme a todos os destinatários; o STF enquanto guardião da Constituição e seu intérprete máximo; dimensão política das decisões do STF.”
Exemplificando, é o caso do que ocorre quanto à súmula vinculante, tal como disposto no art. 103-A da CF, que importa colacionar:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.[47]
Nesse exemplo, a edição da súmula vinculante é decidida no controle concreto de constitucionalidade estudado, conferindo o efeito erga omnes.
Outra situação que se apresenta na atualidade, são os inúmeros casos que se mostram a “repercussão geral” (art. 102, § 3º, CF), que, em RE haja a estrita necessidade dessa demonstração para admissibilidade do recurso.
Melhor ilustrando essa tendência do Supremo, outro caso interessante, foi o decidido pelo Supremo no Habeas corpus 82.959/SP[48]. No referido writ, decidiu-se que a vedação da progressão de regime indicada na Lei de Crimes Hediondos n. 8.072/90, violaria o princípio da individualização da pena, julgando tal vedação inconstitucional. Todavia, o que insta indicar é que, a decisão foi proferida em uma HC, por meio do controle difuso e concreto, e com efeitos erga omnes, nitidamente efeitos do controle abstrato; daí essa tendência de abstrativização do controle concreto. Do mesmo modo, tem-se decidido assim aos já indicados Mandados de injunção, quanto ao direito de greve de servidor público.
Porém, essa questão em pleno desenvolvimento, pode tomar rumos diferentes, no que concerne ao art. 103-A, da CF, sobre aprovação de súmulas vinculantes e o art. 97 da CF, por ocasião da Proposta de Emenda Constitucional n. 33 que pretende alterar o quórum de votação no julgamento, bem como submeter certas decisões ao Senado Federal.
Em síntese elucidativa sobre a PEC, essa tem como intuito proibir os atos emanados de sentenças do Supremo que, ao vislumbre do Poder Legislativo, estejam carregadas desígnio legislativos. Poderia submeter ao Congresso Nacional, a revisão de sentenças que, para estes, tenham extrapolado as atribuições de órgão julgador à órgão legislador negativo.
Denota-se que, em se tratando de decisões que não possuam cunho legislativo, submetidas à análise pelo Congresso Nacional, haveria nítida violação ao princípio da separação dos Poderes.
Nesse caso, pelo menos a uma primeira análise, deixaria de existir o sistema de freios e contrapesos “checks and balances system”, no controle de constitucionalidade realizado pelos 3 Poderes, visto que, não há entre eles hierarquia, mas há a clara necessidade de utilização desse sistema como modo de frenagem nas atribuições emanadas a cada um, o que, visto isso, submeteria assim, a referida PEC, necessariamente ao crivo de sua constitucionalidade.
2.3.3. Quanto à pretensão – Objetiva ou subjetiva e efeitos transcendentes dos motivos determinantes:
Como bem esclarece Barroso[49], o Supremo já apresentou sucessivas decisões estendendo os limites objetivos e subjetivos em julgados proferidos em sede de controle abstrato de constitucionalidade, como já discorrido no subitem anterior. Para melhor esclarecer a matéria, parte-se da divisão da sentença que são: relatório, fundamentação e dispositivo.
A chamada “transcendência dos motivos determinantes” ocorre quando a eficácia vinculante não se restringe tão somente a parte “dispositiva” da decisão, mas também, atingindo os “fundamentos” que a motivaram, ou seja, os motivos determinantes da decisão nessa transcendência, não apenas no que diga respeito à observância de constitucionalidade ou inconstitucionalidade.
Nessa linha, são os apontamentos da doutrina de Novelino:
A teoria da transcendência dos motivos, segundo a qual os princípios e motivos determinantes (ratio decidendi) da decisão proferida pelo STF devem ser vinculantes, chegou a ser adotada em algumas decisões proferidas no controle abstrato, mas atualmente, vem sendo refutada pelo Tribunal.[50]
Isso significaria dizer que, a ratio decidendi (fundamentos da decisão), também transcenderiam com efeitos vinculantes. Relembrando, no controle de constitucionalidade, as decisões possuem eficácia erga omnes e efeitos vinculantes. Estes últimos aplicados ao Poder Judiciário e a Administração Pública em todas as suas esferas.
É nessa questão que está à dissidência, visto haver entendimentos de vinculação só no “dispositivo” da sentença (que intrinsecamente trata sobre a inconstitucionalidade ou constitucionalidade), e outros no sentido de também vincular os motivos e fundamentos.
No STF as correntes não são uníssonas, com posicionamentos em dois sentidos, com pode-se vislumbrar na Reclamação 11.479/CE[51]. O entendimento contemporâneo do Supremo é de que, os motivos (fundamentos) invocados na referida decisão, não possuem o efeito vinculativo, aplicando-se tal efeito restritivamente a parte dispositiva da sentença.