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A manifestação de opiniões por militares estaduais em redes sociais ou congêneres face ao tipo penal do art. 166.

Uma análise sob a égide da ordem constitucional vigente

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17/08/2013 às 10:23
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O crime militar de publicação ou críticas indevidas padece de inconstitucionalidade ou está consonante à ordem constitucional vigente?

Resumo: O presente artigo traça uma discussão sobre a consonância do art. 166 do Código Penal Militar, que prevê o crime de “Publicação ou crítica indevida” com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e sua aplicabilidade aos militares estaduais, quando da publicação de comentários ou conteúdo similar em redes sociais, blogs ou outros meios disponíveis na internet.

Palavras-chave: liberdade de expressão; crítica indevida; hierarquia e disciplina militar; crime militar.


INTRODUÇÃO

O Código Penal Militar Brasileiro foi promulgado ainda no ano de 1969 e desde então pouquíssimas e pontuais alterações legislativas o alcançaram, mais precisamente um total de quatro modificações. Tal aspecto, aliada ao fato de a norma substantiva militar ter sido editada durante o regime militar vigente no Brasil no período de 1964 a 1985 propiciam constantes questionamentos por parte de operadores do Direito e jurisconsultos quanto ao seu possível anacronismo, se considerada a nova ordem constitucional inaugurada com o advento da abertura democrática do país no ano 1985 e coroada com a promulgação da Constituição Federal de 1988. As aspirações e princípios regentes de ambos são naturalmente antagônicos, e aquele deve se amoldar a esta última por questão de lógica jurídica, já que se encontra em nível hierárquico normativo inferior, segundo a teoria elaborada por Hans Kelsen, por se tratar do que ele denominou de “norma hipotética fundamental”, devendo, pois, todas as normas do sistema jurídico a qual pertence se alinhar a ela:

A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental - pressuposta. A norma fundamental - hipotética, nestes termos - é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora. (KELSEN, 1987, p. 240)

Há o entendimento então de que a lei penal militar não acompanhou os avanços sociais, políticos, culturais e tecnológicos pelos quais passou a sociedade desde a sua entrada em vigência, movimentos estes que alcançaram também o interior dos quartéis, posto que estes não podem ser compreendidos como ilhas. O militar é oriundo da sociedade e dela não é alijado ao ser investido no seu cargo de militar, mas tão somente passa a integrar uma classe especial de servidores públicos, que no caso dos policiais militares são denominados militares estaduais, nos exatos termos do art. 42 da Constituição Federal de 1988 que dispõe que “os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”. (grifo do autor), (BRASIL, 1988)

Neste contexto, o objetivo do presente artigo se constitui em analisar sob o prisma da legislação penal militar e suas interpretações dadas pela jurisprudência e pelos doutrinadores a aplicabilidade do tipo penal erigido pelo art. 166 do Código Penal Militar, que sob a rubrica de “Publicação ou crítica indevida” dispõe que é crime militar punível com pena de detenção de dois meses a um ano “Publicar o militar ou assemelhado, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar públicamente [sic] ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Govêrno [sic]: [...]” aos fatos em que integrantes das polícias militares ou corpos de bombeiros militares, ambos considerados militares estaduais, publicam ostensivamente em redes sociais ou blogs ou congêneres críticas a atos praticados por autoridades militares, sobre variadas matérias.

Por todo o exposto, busca-se no presente estudo responder aos seguintes questionamentos fundamentais: a conduta dos militares estaria abarcada pelo tipo penal em comento? A norma penal neste ponto específico padeceria de inconstitucionalidade ou estaria consonante à ordem constitucional vigente? É o que será apresentado adiante.


2 O CRESCIMENTO DA INTERNET NO BRASIL E INFLUÊNCIAS NO COMPORTAMENTO DA SOCIEDADE BRASILEIRA

É irrefutável que o avanço da democratização do acesso à internet no Brasil é um fenômeno em franca expansão e, por conseguinte, também cresce em percentuais expressivos a utilização dos sites denominados redes sociais e também de outras formas de expressão pela rede mundial de computadores como os blogs e os propagadores de vídeos pessoais.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), dão conta de que mais de 166 milhões de pessoas possuem acesso à internet no Brasil, dos quais 77 milhões são usuários constantes, o que corresponde a percentuais bastantes relevantes da população total brasileira que é de aproximadamente 200 milhões de habitantes. (BRASIL, 2011)

Segundo a revista Veja, ainda em meados de maio de 2013, somente a rede social Facebook alcançou a marca de 73 milhões de usuários somente no Brasil (SBARAI, 2013), o que só corrobora que a utilização do meio virtual como um ambiente de relacionamento interpessoal e de exercício do direito de manifestação do pensamento é um fato irrefutável, basta considerar as manifestações ocorridas no período de 15 a 30 de junho do ano corrente nas em várias cidades do país, durante a realização da Copa das Confederações da FIFA[1], quando a principal ferramenta de mobilização dos participantes foi a rede social Facebook.

Todo esse processo de universalização do acesso aos meios de comunicação telemáticos obviamente não excluem as corporações privadas ou públicas, inclusive as militares, que ao contrário têm utilizado o potencial da rede mundial de computadores e das redes sociais para se aproximarem do seu público-alvo e fortalecerem sua imagem institucional.

É neste contexto que surge a questão fundamental objeto do presente estudo, pois dadas as facilidades oferecidas pela internet ao seu usuário de poder com alguns toques no teclado do computador ou do seu telefone celular expressar suas opiniões, sobre qualquer assunto, para um público indeterminado de pessoas, mostra-se totalmente factível que aquele usuário que pertença aos quadros das corporações militares estaduais possa então criticar atos de seus superiores hierárquicos ou praticados pelo comando da instituição a qual pertence.

Ao manifestar suas opiniões sobre os atos que venham a ser praticados pelo superior hierárquico, por meio de publicações em redes sociais estaria o militar praticando um ilícito penal militar ou estaria no pleno exercício regular do seu direito constitucional de liberdade de expressão? Esta será a discussão travada na seção a seguir.


3 A MANIFESTAÇÃO DE OPINIÕES POR MILITARES ESTADUAIS PELA INTERNET OU REDES SOCIAIS: ANÁLISE SOB O PRISMA CONSTITUCIONAL

As corporações militares estaduais, assim compreendidas as polícias militares e os corpos de bombeiros militares, são instituições militares nos termos da Constituição Federal, sendo regidas pelos princípios da hierarquia e disciplina. Os seus integrantes são considerados militares estaduais e estão, portanto, sujeitos à ordem jurídica dos membros das Forças Armadas, tanto que figuram como forças auxiliares do Exército Brasileiro. É o que se extrai da leitura dos trechos da Constituição Federal transcritos a seguir:

Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

§ 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores. (grifo do autor)

[...]

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

[...]

§ 2º - Não caberá "habeas-corpus" em relação a punições disciplinares militares.

§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:

I - as patentes, com prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são conferidas pelo Presidente da República e asseguradas em plenitude aos oficiais da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes privativos os títulos e postos militares e, juntamente com os demais membros, o uso dos uniformes das Forças Armadas;

II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente será transferido para a reserva, nos termos da lei;

III - O militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antigüidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei;

IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve;

V - o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos;

VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra;

VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior;

VIII - aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV;

X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. (BRASIL, 1988)

Demonstrada a natureza militar das corporações estaduais, embora estas não tenham, prima facie, a missão de defesa do país, mas sim de promover a segurança pública, nos termos do art. 144 da Constituição Federal, não há dúvida de que os seus membros estão sujeitos à lei penal militar destinada às Forças Armadas, o que é ratificado nos ensinamentos de Assis (2007, p. 44) ao asseverar que:

A Constituição de 1988, a Cidadã, pôs fim à discussão (sempre nos pareceu inusitada) de serem ou não os integrantes das Polícias Militares, Militares, na mesma relação que os integrantes das Forças Armadas.

O art. 42 da Carta Magna, estabeleceu serem Servidores Militares Federais, os integrantes das Forças Armadas e, Servidores Militares dos Estados, Distrito Federal e Territórios, os integrantes de suas polícias militares e corpos de bombeiros militares.

E ainda, o art. 125, §§3º e 4º, previu a possibilidade de a Lei Estadual criar a Justiça Militar Estadual, [...] com competência para processar e julgar policiais militares e bombeiros militares, nos crimes militares definidos em lei.

Estando, pois, os militares estaduais sujeitos à lei substantiva militar, ao se manifestarem contra atos praticados por seus superiores ou pela Administração Militar ou ainda pelo Governo, estariam, portanto, passíveis da reprimenda cominada pelo art. 166 do Código Penal Militar Brasileiro (CPM)? A resposta não poderia ser outra que não fosse positiva, embora, mesmo diante da aridez de estudos sobre o tema, exista posicionamento contrário, como o manifestado por Medeiros (2011) ao defender que o tipo penal em comento não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, com os seguintes dizeres:

Nossos legisladores, juristas, doutrinadores e operadores do Direito Penal Militar, necessitam abrir seus olhos, ouvidos e mentes, somente assim poderão distinguir um militar se manifestando livremente e carente de informação de um delinquente. Assim, caso um militar esteja sob investigação em Inquérito Policial Militar, ou processado perante a Justiça Militar da União ou dos Estados como incurso no art. 166 do CPM, estará, em tese, submetido a uma atividade ilegal e inconstitucional por flagrante violação de preceito fundamental. Nestes casos, restará impetrar Habeas Corpus ou provocar os entes competentes a propor, nos termos da Lei 9.882/99, ação para processamento e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, conforme dispõe o inciso LXVIII, art. 5º ou §1º, art. 102, ambos da CRFB/88. (grifo deste autor)

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Afirma ainda Medeiros (2011) que a conduta vedada pelo art. 166 do CPM padeceria de atipicidade, por aplicação da teoria da atipicidade conglobante, pois:

(...) uma norma ordena o que outra parece proibir (cumprimento de dever jurídico),quando uma norma parece proibir o que outra fomenta [o Código Penal Militar em contraposição à Constituição], quando uma norma parece proibir o que outra norma exclui do âmbito de proibição, por estar fora da ingerência do Estado, e quando uma norma parece proibir condutas cuja realização garantem outras normas, proibindo as condutas que a perturbam. (grifo deste autor)

Respeitado o entendimento do retromencionado autor, inobstante o caráter de direito fundamental da liberdade de expressão, por sua localização topográfica na Constituição Federal, os postulados da hierarquia e disciplina impõem certas restrições que só são exigíveis dos militares, dada as peculiaridades de sua missão, de modo a não ser possível considerar que tal direito, como qualquer outro, seja absoluto.

Os primados da hierarquia e disciplina impõem ao integrante da corporação militar o dever de acatamento ao seu superior hierárquico e obediência aos regulamentos que regem a vida na caserna. Certamente, não seria razoável aceitar que um militar, independente de seu posto ou graduação, viesse a criticar publicamente atos ou fatos que aqueles que se encontrem em posição hierarquicamente superior à sua tenham praticado, pois tal conduta representaria um risco para os próprios princípios basilares das instituições militares. Não resta dúvida que o prestígio das corporações militares estaria abalado, pois questões internas seriam trazidas para discussão externa, por pessoas que não possuem conhecimento sobre as peculiaridades da vida castrense e sequer do contexto em que foi praticado o ato do superior.

Obviamente não se defende aqui que o militar que tenha se sentido prejudicado por ação de superior hierárquico seu deva apenas resignar-se e deixar de buscar a restauração de seus direitos violados, haja vista representar tal procedimento uma janela para abusos ou arbitrariedades. Porém, não é a partir de manifestações públicas que deve ser buscada a satisfação pretendida, mas sim através de tutela jurisdicional ou administrativa, nos termos da lei, com fundamento na garantia constitucional da indisponibilidade da proteção jurisdicional[2].

É dever dos militares tratarem entre si com camaradagem e respeito mútuos, não parecendo ser producente que subordinados passem a criticar em redes sociais, blogs ou qualquer outro veículo aberto ao público as ações dos seus superiores hierárquicos ou assunto atinente à disciplina militar. Neste diapasão, o Regulamento de Continências, Sinais de Respeito e Cerimonial das Forças Armadas assim dispõe:

[...]

Art. 2º. Todo militar, em decorrência de sua condição, obrigações, deveres, direitos e prerrogativas, estabelecidos em toda a legislação militar, deve tratar sempre:

I - com respeito e consideração os seus superiores hierárquicos, como tributo à autoridade de que se acham investidos por lei;

II - com afeição e camaradagem os seus pares;

III - com bondade, dignidade e urbanidade os seus subordinados.

§ 1º Todas as formas de saudação militar, os sinais de respeito e a correção de atitudes caracterizam, em todas as circunstâncias de tempo e lugar, o espírito de disciplina e de apreço existentes entre os integrantes das Forças Armadas.

§ 2º As demonstrações de respeito, cordialidade e consideração, devidas entre os membros das Forças Armadas, também o são aos integrantes das Polícias Militares, dos Corpos de Bombeiros Militares e aos Militares das Nações Estrangeiras. (BRASIL, 2009) (grifo deste autor)

A própria posição topográfica do art. 166 do CPM, tipificador do crime rubricado de publicação ou crítica indevida demonstra a razão de sua existência. O delito militar está inserto no Título II da Parte Especial da Lei Penal Castrense, que contém os crimes contra a autoridade ou disciplina militar, tendo como objetivo, portanto, proteger os bens jurídicos da hierarquia e disciplina militares, bem como prestígio das instituições militares, que nas palavras de Assis devem ser respeitados entre os militares em qualquer circunstância (ASSIS, 2007, p. 166). Tais pilares estariam certamente em risco caso fosse autorizado ao militar criticar abertamente os atos de seu superior, devendo sempre ser levado em conta que a proteção não é dada à pessoa, mas ao cargo que por ela é ocupado na estrutura hierárquica da corporação militar.

Rebatendo o argumento de que a infração penal em comento perecera por inconstitucionalidade tem-se que o Supremo Tribunal Federal ao julgar ação de habeas corpus interposto por paciente ao qual era imputada tal conduta, em momento algum a Corte Suprema afastou a vigência do dispositivo, conforme se verifica pela ementa do julgado a seguir, que embora tenha deferido o writ o fundamento foi o fato de o paciente ser militar da reserva e não a inconstitucionalidade do tipo penal:

EMENTA: Crime militar: publicação ou crítica indevida (C. Pen. Militar, art. 166): não o pode cometer o militar da reserva ou reformado.

Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime. 1ª Turma, 12.05.1998. HC 75676 / RJ - RIO DE JANEIRO Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCEJulgamento:  12/05/1998,  Primeira Turma. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 1998)

Outrossim, recentes julgados do Superior Tribunal Militar têm demonstrado a plena vigência do art. 166 do CPM, como é possível atestar pelos acórdãos que se seguem:

CRÍTICA INDEVIDA (ART. 166, CPM). CRIME DE INSUBORDINAÇÃO. "SURSIS". VEDAÇÃO LEGAL PARA CONCESSÃO. 1. Pratica o crime previsto no art. 166 , do CPM , o militar que, livre e conscientemente, dirige críticas indevidas, sabidamente inverídicas, a seu superior hierárquico, de modo a ser percebido por indeterminado número de pessoas. "Trata-se de ato de insubordinação e de indisciplina, que não podia deixar de ser punido como crime previsto no capítulo referente à insubordinação." (Sílvio Martins Teixeira). 2. É vedada a concessão de "SURSIS" no crime de insubordinação. Inteligência dos artigos 88 , II , a , do CPM e 617 , II , a , do CPPM . Provido o apelo do MPM, reformando-se a sentença absolutória. Decisão majoritária. STM - APELAÇÃO(FO) Apelfo 48033 PE 1997.01.048033-1 (STM) (SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR, 1998)

Mais recentemente foi publicado o seguinte acórdão:

EMENTA. APELAÇÃO. COMUNICAÇÃO FALSA DE CRIME. DESACATO A SUPERIOR. PUBLICAÇÃO DE CRÍTICA INDEVIDA. 1. PRELIMINAR DE NULIDADE. ALEGAÇÃO DE VÍCIOS EM IPM. INDEFERIMENTO. Não encontra amparo legal arguição de nulidade do feito aventada pelo agente, uma vez que eventuais vícios ocorridos no IPM não refletem na ação penal que possui instrução probatória independente da colheita de elementos realizada no inquérito e, que serve apenas como subsídio para a propositura da ação penal. 2. COMUNICAÇÃO FALSA DE CRIME. REPRESENTAÇÃO INDEVIDA CONTRA SUPERIOR. DOLO. DELITO CONFIGURADO. Inadmissível alegação do Apelante, Bacharel e Mestre em Direito que, declarando-se achar vítima de atos ilegais, representou indevidamente contra superior imputando-lhe a ocorrência de crime que sabia não ter se verificado. Presença da vontade livre e consciente em incriminar indevidamente. Dolo caracterizado. 3. DESACATO. ATITUDE REFLETIDA. MENOSPREZO CONTRA SUPERIOR. CONDENAÇÃO. Diante das provas colhidas nos autos, não há que se falar em mera descompostura ou arrogância do agente que em atitude refletida menosprezou superior proferindo palavras injuriosas. Induvidosa a prática do delito do art. 298, parágrafo único do CPM . 4. PUBLICAÇÃO DE CRÍTICA INDEVIDA. CONFISSÃO DO ACUSADO. Comprovada a incidência do agente no tipo previsto no artigo 166 do CPM , que confessou ter veiculado em blog pessoal e sites da internet matérias com conteúdo crítico a superior hierárquico e à disciplina da organização militar. STM - APELAÇÃO AP 1258120117030203 RS 0000125-81.2011.7.03.0203 (STM) (grifo deste autor)

Por derradeiro, apresentar-se-á a seguir acórdão do corrente ano, proferido pelo Supremo Tribunal Federal, demonstrando uma vez mais que o tipo penal do art. 166 não teve sua vigência afastada com o advento da Constituição Federal de 1988, é o que se verifica adiante:

Habeas corpus. 2. Crime militar. Paciente denunciado porque teria praticado o delito de incitamento (art. 155 do CPM) e de publicação ou crítica indevida (art. 166 do CPM). 3. Indeferido o pedido de extensão da ordem concedida pelo STF ao corréu no HC 95348, em razão de as situações fáticas não se confundirem. 4. Em que pese à extensa peça acusatória, com vários denunciados, no que diz respeito ao paciente,

houve individualização da conduta acoimada criminosa. 4. As condutas narradas na denúncia não se subsumem ao tipo penal do art. 155 do CPM porque em nenhum momento houve incitação ao descumprimento de ordem de superior hierárquico. 5. As condutas e episódios descritos na inicial acusatória também não se subsumem ao art. 166 do CPM, que tipifica o delito de publicação ou crítica indevida. 6. O direito à plena liberdade de associação (art. 5º, XVII, da CF) está intrinsecamente ligado aos preceitos constitucionais de proteção da dignidade da pessoa, de livre iniciativa, da autonomia da vontade e da liberdade de expressão. 7. Uma associação que deva pedir licença para criticar situações de arbitrariedades terá sua atuação completamente esvaziada. 8. O juízo da tipicidade não se esgota na análise de adequação ao tipo penal, pois exige a averiguação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente. A Constituição Federal é peça fundamental à análise da adequação típica. 8. Ordem concedida. (HABEAS CORPUS 106.808 RIO GRANDE DO NORTE, 09/04/2013)

Inobstante, tenha sido deferido o habeas corpus em favor do réu da ação retrocitada, contra decisão do Superior Tribunal Militar, o fundamento invocado no douto voto do Ministro Gilmar Mendes, relator do processo, foi o de que não havia adequação do fato ao tipo penal, visto que as críticas propugnadas pelo paciente não eram contra ato de superior seu, mas sim contra a situação em que se encontravam os policiais militares e bombeiros militares do Estado de Pernambuco, devendo ainda ser ressaltado que o réu era o presidente de associação representativa dos militares daquela Unidade da Federação.

Por todo o exposto, resta demonstrado que não há se falar em incongruência do ilícito penal objeto do presente artigo com a lei maior do país, mas tão somente de que esse constitui-se como uma mitigação do direito à liberdade plena de expressão prevista na Constituição, justamente pela condição de militar do possível agente e pela necessidade de proteção aos princípios da hierarquia e disciplina.

Vale ressaltar, neste contexto, que a Constituição ao cuidar dos militares impõe restrições inclusive quanto ao seu direito à liberdade de ir e vir, dispensando a ordem judicial ou o flagrante delito para a decretação da prisão de um militar quando da prática de ilícitos tipicamente castrenses, inclusive os de natureza administrativa disciplinar, vedando ainda a concessão de habeas corpus neste último caso. Não resta dúvida que a liberdade de locomoção é um direito civil muito mais relevante que o próprio direito à manifestação do pensamento e, ainda assim, para garantir a preservação dos pilares básicos das instituições militares é mitigado. É o que se verifica pela leitura dos dispositivos transcritos a seguir:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; (grifo deste autor)

Art. 142. [...]

§ 2º - Não caberá "habeas-corpus" em relação a punições disciplinares militares. (grifo deste autor) (BRASIL, 1988)

Sustentar, portanto, que o tipo penal previsto no art. 166 do CPM tratar-se-ia de uma afronta aos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição não parece ser o melhor entendimento, conforme fundamentado no presente trabalho pela doutrina, pela jurisprudência e pelo próprio texto constitucional, pois o militar não é frustrado do seu direito à liberdade de convicção e manifestação do pensamento. Este poderá se manifestar publicamente sobre qualquer matéria que lhe convier, no ambiente real ou virtual, desde que o conteúdo não seja crítico a ato de seu superior hierárquico ou verse sobre a disciplina militar, ou ainda não seja contra resolução do seu governante[3], posto que este exerce a função de seu comandante maior, embora civil, caso contrário sua conduta se subsumirá ao preceito primário delineado no tipo penal em comento, estando sujeito, portanto, à reprimenda prevista na lei penal militar.

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Sobre o autor
João Paulo Fiuza da Silva

Oficial da polícia militar de Minas Gerais. Bacharel em Ciências Militares e em administração

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, João Paulo Fiuza. A manifestação de opiniões por militares estaduais em redes sociais ou congêneres face ao tipo penal do art. 166.: Uma análise sob a égide da ordem constitucional vigente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3699, 17 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25144. Acesso em: 24 nov. 2024.

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