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Aplicabilidade da arbitragem em conflitos consumeristas

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28/08/2013 às 08:28
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5 ARBITRAGEM

A arbitragem, regulada pela Lei nº: 9.307/96 é uma forma de solução de conflitos, feita por um terceiro, chamado árbitro, estranho à relação das partes ou por um órgão, que é escolhido por elas, impondo a solução do litígio. É uma forma voluntária e não obrigatória de solucionar o conflito.

Cachapuz (2000) apresenta o seguinte conceito de arbitragem: “Arbitragem é o meio convencional de solução de conflitos, baseado no âmbito da vontade, onde as pessoas podem renunciar aos direitos disponíveis de que são titulares e, naturalmente, submeter as controvérsias à apreciação de Juízo Arbitral.”

A arbitragem vem sendo utilizada pelos povos desde a antiguidade para dirimir seus litígios.

Na Antiguidade e na Idade Média, a arbitragem era largamente utilizada a fim de se evitar confronto bélico. Desde a fundação de Roma até o fim da República, a arbitragem predominava na resolução de controvérsias relacionadas à dominações territoriais pela conquista. Aquela época, os dominados não reconheciam as leis dos dominadores, assim recorriam a terceiros para que dirimissem seus conflitos, instituindo, arbitragem consensual. (BARCELLOS, 2007. p.59)

No domínio das relações públicas, os mais antigos tratados contêm cláusulas compromissórias, a exemplo do Tratado de Paz concluído em 445 a.C., entre Esparta e Atenas.

Na Roma antiga, segundo Cachapuz (2000, p.28) a Arbitragem se evidencia nas duas formas de processo romano agrupadas na “ordo judiciorum privatorum” o processo das “legis actiones” e o processo “per formulas”. Em ambas, o mesmo esquema procedimental arrimava o processo romano: a figura do pretor preparando a ação, primeiro mediante o enquadramento da ação na lei e depois, acrescentando a elaboração da fórmula, e em seguida, o julgamento por um “iudex” ou “arbiter”, que era simples particular idôneo incumbido de julgar.

A mesma autora relata que a partir do século XII, a Idade Média está repleta de casos de Arbitragem entre cavaleiros, barões, proprietários feudais, e entre soberanos distintos, além de ter surgido nessa época a Arbitragem Comercial, pela posição dos comerciantes em resolver seus conflitos fora dos tribunais, com base nos usos e nos costumes.

Na era contemporânea, a arbitragem é utilizada com êxito em diversos países.

Desde então, a arbitragem floresceu por todas as partes do Globo, fazendo-se presente com mais força na Itália, França, Bélgica. Tais países serviram de modelo para o mundo ocidental e vêm sustentando grandes transformações nesta área, em razão das controvérsias surgidas em razão do Mercado Comum Europeu. (BARCELLOS, 2007, p.60)

Szklarowsky (2004) faz um breve relato sobre a arbitragem na Itália, França e Bélgica. A Itália regulamentou a arbitragem na lei 28/93, para adaptar-se à Convenção de Genebra de Arbitragem, de 1961, e à Convenção de Estrasburgo, de 1966. Na arbitragem italiana, que influenciou a lei brasileira, a sentença não é passível de recurso, cabendo somente a interposição de ação de nulidade nos casos expressamente previstos. Na França, o Código Napoleônico que trazia disposições sobre a arbitragem, foi alterado em 1980, pelo Decreto 354, que regulou a arbitragem interna e internacional. Relata que o modelo francês de arbitragem possui caráter jurisdicional, com autoridade de coisa julgada, desde o momento em que a sentença é proferida. Confere ao árbitro a prerrogativa de julgar por equidade, quando estipulado em cláusula compromissória. Na Bélgica, a arbitragem foi regulamentada em 1972, no Code Judiciaire Belge. O modelo belga confere ao árbitro amplos poderes, e a sentença arbitral possui os mesmos efeitos da judicial.

Em Portugal, Szklarowsky (2004) comenta que a Constituição “autoriza a instituição de tribunais arbitrais, cometendo à lei a disciplina sobre os casos e as formas em que estes tribunais se podem constituir”. O referido autor infere ainda que o direito português admite a arbitragem nos litígios de consumo e que a Lei Portuguesa do consumidor (lei nº 24, de 31 de julho de 1996), em seu art.14, I, explicita que incumbe aos órgãos e departamentos da Administração Pública promover a criação e apoiar centros de arbitragem, visando resolver os conflitos de consumo.

Na Argentina a arbitragem está disciplinada no Código Processual Civil e Comercial. Segundo Delgado (2003), a Lei 24.573 estabelece a exigência da mediação, em caráter obrigatório, antes do ingresso de qualquer ação em sede civil ou comercial. Acrescenta Szklarowsky (2004), que o sistema argentino, tal qual o brasileiro, em caso de uma das partes se negar a submeter-se ao juízo arbitral, após assinar a cláusula arbitral, pode peticionar ao juiz para que supra a parte renunciante. A modelo do que ocorreu na Espanha, a Argentina criou um sistema estruturado de arbitragem de consumo, com fundamento na Lei 24.240, de 1993 e no Decreto 276 de 1998, que instituiu no país o Sistema Nacional de Arbitragem de Consumo.

Em breve relato sobre a arbitragem no Uruguai e no Paraguai, Delgado (2003) apenas cita que a arbitragem no Uruguai é regulada pelo Código Geral de Processo da República Oriental do Uruguai, nos artigos 472 a 507 e que, no Paraguai, a arbitragem está no Código de Processo Civil, nos artigos 774 a 835.

Szklarowsky (2004) comenta que a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai, firmaram o Protocolo de Olivos, para solucionar controvérsias entre os Estados participantes do Mercosul, através da arbitragem, prevendo a criação do Tribunal Permanente de Revisão, que julga a discórdia entre as partes, quando for impossível a solução, através de negociação direta ou da intervenção do Grupo Mercado Comum.

Nos Estados Unidos, a arbitragem “é regulada pelo US Arbitration Act, de 1925, que confere caráter de irrevogabilidade, executoriedade e validade, aplicáveis a todo tipo de contrato” (SZKLAROWSKY, 2004). Esse diploma se expandiu graças à American Arbitration Association - AAA, que é uma instituição privada, sem fins lucrativos, que oferece serviços ao público na administração de arbitragem, contando com um grupo significativo de árbitros e sedes físicas, oferecendo, assim, a logística adequada para os procedimentos arbitrais em todos os estados norte-americanos.

No Brasil, segundo Barcellos (2007, p 60), a arbitragem já era prevista nas Ordenações Filipinas, e continuou em vigor na Constituição de 1824, que em seu art. 160, estabelecia que as partes poderiam nomear juízes-árbitros para solucionar litígios cíveis, com decisões irrecorríveis, se assim fosse convencionado.

Cachapuz (2000, p.224) ensina que “o Brasil, de certa forma, tem tradição na utilização desse sistema extrajudicial. A nível de estado soberano, no século passado, questões de fronteira foram, satisfatoriamente resolvidas por Arbitragem.”

O Código Comercial de 1850, segundo Cachapuz (2000, p.31) estabelecia o arbitramento obrigatório nas causas entre sócios de sociedades comerciais, durante a existência da sociedade ou companhia, sua liquidação ou partilha, conforme determinava o art. 294. Em 1850, o regulamento, nº 737, em seu artigo 411, tornou o juízo arbitral obrigatório para a solução de causas comerciais. Em 1866, a Lei 1.350, revogou diversas disposições da arbitragem, e consequentemente, gerando o seu desuso.

Barcellos (2007, p.60) explica que a arbitragem vinha sendo utilizada por diversos países em suas relações internacionais, mas voltou a ganhar espaço no Brasil, em 1923, quando o país aderiu ao Protocolo de Genebra. E depois, como apresenta Cachapuz (2000, p.33) os códigos de processo civil de 1939 e 1973, “adotaram a arbitragem em sua modalidade facultativa de ‘juízo arbitral’, pelo qual as partes podiam submeter seu litígio a árbitros, mediante compromisso que o instituía, observados determinados requisitos”.

Para Barcellos (2007, p.60/61), ainda assim, o instituto da arbitragem não foi democratizado no país e até a década de 90, a prática comercial brasileira desconhecia a arbitragem, devido àquela época em que o processo arbitral era submetido ao controle judicial. Para a autora, a Lei 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, foi a precursora da Lei 9.307/96.

Em processo de evolução da matéria, a Lei n.9.099/95, precursora da Lei 9.307/96, ao dispor sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, veio admitir (por meio dos artigos 24, 25 e 26) julgamentos utilizando-se a arbitragem, com árbitro escolhidos pelas partes, com a possibilidade de se proferir decisão por equidade, sujeitando o laudo à homologação judicial, pro sentença irrecorrível. Mister é ventilar que toda a gama de legislação acima citada carecia de sustentação, de regulamentação, que permitisse a imediata execução do instituto da arbitragem no país. (BARCELLOS, 2007, p.61)

Com a aprovação da atual Lei de Arbitragem, Lei nº 9.307, de 23/09/1996, também conhecida como Lei Marco Maciel, a sentença arbitral passou a produzir os mesmos efeitos da sentença judicial do poder judiciário, e ao árbitro foram conferidos os mesmos poderes do juiz de fato e de direito, determinando ainda que a sentença arbitral não está sujeita a homologação do poder judiciário e não cabe recurso à decisão.

A arbitragem ganha atualidade com a Lei nº: 9.307/96. São oferecidos matizes novos ao instituto, procurando torná-lo mais eficaz e apto a atender as necessidades de hoje, enfrentando os empecilhos de seu desenvolvimento e fazendo com que a cláusula arbitral afaste a competência do Judiciário para dirimir a futura controvérsia oriunda do contrato. (CACHAPUZ, 2000, p.225)

Conforme Barcellos (2007, p.61) mesmo com a aceitação da Lei da Arbitragem pela elite jurídica do país, muito se discutiu acerca de sua inconstitucionalidade, em razão da irrecorribilidade da sentença arbitral, invocando violação ao inciso XXXV, do artigo 5º, da Carta Constitucional.

O presente trabalho não tem o escopo de adentrar nessas digressões, mas concorda com as conclusões de Cachapuz (2000, p.47), no sentido de que:

[...] a arbitragem é uma opção concedida pelo sistema normativo vigente e, portanto, de faculdade oferecida às partes litigantes para buscarem essa forma alternativa de solução de conflitos. A inconstitucionalidade ocorreria se os jurisdicionados estivessem sempre obrigados a buscar a solução de seus conflitos de natureza patrimonial por intermédio do juízo arbitral, o que significaria a inadmissível exclusão e, aí sim, afronta ao art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

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A partir da Lei de Arbitragem diversas inovações vêm ocorrendo na área, em diversos ramos do direito, e assim, segundo Barcellos (2007, p.63), surgiram leis que, mesmo sem tratar especificamente do tema, fazem menção à arbitragem para solucionar pendências. Dentre outras inovações, cita a Emenda Constitucional 45/2004, que permite a aplicação da arbitragem em conflitos coletivos na Justiça do Trabalho e a Lei 11.232/2005, que acrescentou ao Código de Processo Civil o art.475-N, inciso IV, confirmando a sentença arbitral no rol dos títulos executivos judiciais.

Como se vê, aos poucos, a arbitragem vem ganhando destaque como meio alternativo de solução de conflitos.


6 A ARBITRAGEM NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS CONSUMERISTAS

A aplicação da arbitragem na resolução de conflitos consumeristas não é uma prática nova no meio jurídico internacional.

“O sistema de arbitragem na relação de consumo encontra-se em fase avançada, principalmente nos países Europeus” (OLIVEIRA, 2005). Segundo o autor, a União Européia desde 1985 utiliza uma série de medidas para facilitar resoluções de conflitos em questões de consumo, a fim de evitar as prolongadas discussões judiciais. Para tanto, implantou a Rede Extrajudicial Européia, estendendo a arbitragem para o comércio eletrônico.

Oliveira (2005) destaca dois países que fazem ampla utilização da arbitragem nas relações de consumo: Portugal e Espanha, enfatizando que Portugal possui Centros de Resolução de Disputas Consumeristas, que são líderes da arbitragem, registrando em média, dez mil casos por ano. Para ele, a Espanha possui o sistema de arbitragem de consumo mais amplo, totalmente baseado na voluntariedade, resultando-se extremamente efetivo e vantajoso para os consumidores, com ampla adesão desses e de fornecedores. Há ainda alguns autores, como Zuliane (2003) e Carvalho (2008) que citam a arbitragem de consumo na Argentina, por ser o país sul-americano que fomenta a solução extrajudicial de controvérsias consumeristas, tendo se baseado no modelo Espanhol.

Zuliane (2003) ensina que arbitragem de consumo na Argentina está condicionada à adesão prévia e voluntária das partes envolvidas no conflito. Os laudos arbitrais não comportam recursos e podem ser executados. O consumidor pode procurar uma câmara arbitral sem a obrigatoriedade de um advogado. E, caso a empresa demandada não venha a aderir à arbitragem ou se recuse a comparecer, o consumidor pode denunciar à Direção Nacional do Comércio Interior, que é o órgão encarregado da defesa do consumidor.

Acompanhando o modelo Espanhol, Zuliane (2003) apresenta que o sistema argentino é voluntário, ou seja, depende da adesão das duas partes envolvidas, aceitando a arbitragem para solucionar o conflito e assumindo a obrigação de cumprir o laudo arbitral. O tribunal arbitral é formado por um árbitro presidente, que será um funcionário estatal, e dois outros árbitros: um representante de associação de consumidores e outro de associação do empresário, que representam, não os litigantes, mas sim, o setor afetado. Somente os consumidores podem solicitar uma arbitragem de consumo e a administração tem o dever de desenvolver um sistema de arbitragem que resolva as queixas ou reclamações dos consumidores.

A Espanha, desde 1978, em sua Constituição, já previa a criação de mecanismos eficazes para garantir a proteção da segurança, saúde e interesses dos consumidores. Em 1984, foi criada a Lei Geral de Defesa dos Consumidores e Usuários (Lei nº: 26/84), que, através do artigo 31, dispôs sobre a criação de um sistema arbitral para resolução de conflitos de consumo.

Estabeleceu-se, por meio do citado artigo, que o governo deveria criar, mediante a prévia audiência dos setores interessados e de associações de consumidores e usuários, um sistema arbitral que, sem formalidades especiais, atendesse e resolvesse com caráter vinculante e executivo para ambas as partes, as queixas e reclamações originadas de conflitos surgidos em meio às relações de consumo. Como pressuposto desse sistema, concorreria a absoluta voluntariedade no que concerne à sua adesão por parte tanto de consumidores quanto de usuários, e a inarbitrabilidade dos conflitos que envolvessem intoxicação, lesão ou morte, ou para os quais concorressem indícios consideráveis de delito. (VERÍSSIMO, s.d.)

E assim, em 1988, foi editada a lei espanhola de arbitragem, que criou os órgãos de arbitragem espanhóis, que reconheceu e passou a ter aplicabilidade em relação às arbitragens de conflitos de consumo, estabelecendo que o governo iria regulamentar a composição, a designação, funcionamento dos órgãos arbitrais consumeristas.

Com base no permissivo legal, foi editado, em 3 de maio de 1993, o Real Decreto nº 636, dispondo especificamente sobre o sistema de arbitragem de consumo na Espanha, regulando, com detalhes, o objeto das arbitragens de consumo, a constituição e o funcionamento das juntas arbitrais, o aperfeiçoamento do convênio arbitral, o procedimento arbitral de consumo, o laudo arbitral de consumo e as feições gerais do sistema arbitral de consumo. (VERÍSSIMO, s.d.)

Segundo Veríssimo (s.d.) as juntas arbitrais são os órgãos que articulam todo o sistema arbitral de consumo. São vinculadas às Oficinas Municipais de Informação ao Consumidor; sendo instituições de natureza pública, ligadas à administração direta, compostas obrigatoriamente por representantes dos setores interessados, das organizações de consumidores e das administrações públicas. Possuem distinta competência territorial e material, sendo que as juntas nacionais conhecem apenas as reclamações apresentadas por associações de consumidores com atuação nacional.

Uma junta arbitral pode ser criada por iniciativa da administração competente mediante acordos firmados com o Instituto Nacional de Consumo, nos quais se estabelecem seu âmbito funcional e territorial de acordo com critérios que levam em conta a preferência pela menor competência territorial e pelo estabelecimento das arbitragens no local de domicílio do consumidor. (VERÍSSIMO, s.d.)

Com relação à composição das juntas, Veríssimo (s.d.) leciona:

De qualquer modo, as juntas são sempre compostas por um presidente e por um secretário, nomeados pela administração pública a que estiverem ligadas dentre os funcionários que estiverem a seu serviço.

Às juntas incumbe a nomeação do presidente de cada colégio arbitral designado para a solução de um determinado litígio em particular, que deverá ser funcionário da administração e bacharel em direito, salvo algumas hipóteses em que pode haver acordo em contrário pelas partes ou no caso de conflitos que envolvam a própria administração pública. Os colégios arbitrais são sempre compostos de três membros, sendo os outros dois escolhidos dentre membros de associações de consumidores e de empresários, de ofício ou por indicação das partes, conforme certos critérios. Se as partes houverem optado expressamente pela arbitragem de direito, esses dois membros deverão ser advogados no exercício da profissão. Cada junta mantém listas atualizadas contendo os nomes das pessoas autorizadas a atuarem como árbitros ou presidentes em colégios arbitrais.

Ao explicar como funciona o procedimento das juntas arbitrais consumeristas na Espanha, Veríssimo (s.d.) ensina que, surgida a controvérsia consumerista, o consumidor tem a faculdade de sua resolução por meio da via arbitral, por intermédio de uma associação de classe ou por iniciativa própria, sem necessidade de representação por advogado. Apresentada a solicitação à junta arbitral competente, o fornecedor é notificado para firmar convênio arbitral. Formalizado o convênio é feita a designação do colégio arbitral, que vai ouvir as partes e tentar a conciliação. Se necessário, serão requeridas provas. Produzidas as provas, os árbitros estão obrigados a proferir o laudo no prazo máximo de quatro meses. O laudo goza da eficácia das sentenças judiciais e deverá ser cumprido no prazo o termo estipulado pela junta. Não havendo o cumprimento do laudo, sua execução pode ser realizada no juízo de primeira instancia do lugar em que houver sido proferido.

Para garantir a eficácia desse sistema, em face ao seu caráter voluntário, garantindo a participação dos fornecedores nesse procedimento, o Real Decreto, instituiu a criação de um distintivo, conhecido por contraseña, que é outorgado às empresas que se submetem ao sistema arbitral, por meio de um convênio firmado com uma junta arbitral.

Esse distintivo, consistente em um selo em que três setas brancas convergem para o centro de um quadrilátero alaranjado, é, então, utilizado pelas empresas com fins publicitários, consistindo um atrativo que se agrega a seus produtos e gera segurança quanto à sua qualidade.

A submissão ao sistema arbitral mediante oferta pública se dá através de convênio firmado com uma junta arbitral de consumo, devendo do termo da oferta constar, obrigatoriamente, o âmbito de sua extensão, a submissão expressa aos termos do Real Decreto 636/93, o compromisso de cumprimento do laudo e o prazo de validade da oferta, subentendida por prazo indeterminado na falta deste. (VERÍSSIMO,  s.d.)

Como se pode ver, o sistema de arbitragem de consumo espanhol é um meio extrajudicial de resolução de conflitos, composto por um procedimento simples, sem formalidades especiais. Tem como principais características a voluntariedade, a imparcialidade e a gratuidade. Seus laudos possuem caráter vinculante e executivo e, além disso, é célere.

No Brasil, muito se discute sobre a utilização da arbitragem como um dos mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo. Tal discussão circunda o art.51, VII, CDC, que classifica como nulas de pleno direito, as cláusulas contratuais que determinem a utilização compulsória da arbitragem. Mas para chegarmos a esse ponto, é necessário lançar nota de alguns pontos sobre a Lei 9.307/96.

O artigo 1º da Lei de Arbitragem estabelece que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

A arbitragem cuida de conflitos de interesses que versem sobre um bem patrimonial; o objeto da arbitragem consiste em direito patrimonial disponível, alcançando direitos ou bens que compõem o patrimônio das partes, que têm a possibilidade de dispor livremente deles, de acordo com suas vontades. As relações de consumo enquadram-se nos negócios patrimoniais disponíveis.

O artigo 3º da Lei traz em seu texto, que “as partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.”

O artigo 4º desta Lei traz o conceito de cláusula compromissória, da seguinte maneira: “é a convenção por meio da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir relativamente a tal contrato.”

Para Silva (2010, p.294), a cláusula compromissória é a “disposição ou cláusula inserta no contrato, encerrando a promessa de que as divergências havidas entre os contratantes serão submetidas ao veredicto de árbitros escolhidos no momento aprazado”.

O compromisso arbitral surge com o aparecimento do litígio acerca de contrato havido entre as partes, com a finalidade de solucionar o conflito. No compromisso são estabelecidas as regras para a instauração e condução do procedimento arbitral que vai dar início à fase jurisdicional da arbitragem. Diferencia-se a cláusula compromissória do compromisso arbitral, pois na primeira, as partes se comprometem a submeter à arbitragem litígios futuros; no compromisso arbitral o litígio presente está sendo submetido à arbitragem.

A grande diferença entre a cláusula e o compromisso é temporal, pois enquanto a primeira é a porta para resolver diferenças futuras através da justiça privada definindo a relação jurídica e declarando que pendências futuras serão resolvidas pela Arbitragem, no compromisso, os litígios já existem, concordando as partes em dirimir seu conflito através do procedimento arbitral. (CACHAPUZ, 2000, p. 90)

Assim, tem-se de modo geral, que o instituto da arbitragem, através da cláusula compromissória, conjuntamente com o compromisso arbitral, tem o efeito de retirar do Judiciário a solução das controvérsias, remetendo-a a árbitros- juízes indicados pelas partes.

Apesar de retirar do Judiciário a solução do litígio, a arbitragem não impede o acesso aos tribunais, pois a lei não poderá excluir da apreciação do Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito (art 5º, XXXV, CF). As partes é que pretendem que a matéria não seja apreciada pelo Judiciário. O controle jurisdicional pode ser feito quanto à execução da sentença arbitral, quanto à forma e estrutura, podendo a parte, pedir a nulidade da sentença arbitral em caso de descumprimento do contido na Lei 9.307.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu art.51, VII, fulmina, com vício de nulidade, as cláusulas contratuais das relações de consumo que determinem a utilização compulsória de Arbitragem. O que o Código pretendeu, na verdade, foi impedir que o fornecedor, servindo-se da sua posição mais favorecida em relação aos consumidores, condicionasse a solução dos eventuais conflitos de relação de consumo a árbitros menos sensíveis à posição de inferioridade dos consumidores, ou, ainda, que desprezasse as regras contidas no aludido Código, através da escolha em contratos de adesão; [...] Aliás, não há qualquer proibição no diploma do consumidor que vede a possibilidade de as partes encerrarem sua relação processual através da transação. (CACHAPUZ, 2000, p.63)

No mesmo sentido, Filomeno (2007a, p.85), destaca:

[...] escopo desse dispositivo é dar cobro à pedra de toque da filosofia consumerista, segundo a qual se considera o consumidor não apenas a parte vulnerável, nas relações de consumo, como também destinatário final de tudo que é colocado à sua disposição no mercado de consumo.

Para Filomeno (2007a, p.84), com a velocidade cada vez maior e diversificada com que as relações negociais, e consequentemente os conflitos delas oriundos, vêm se desenvolvendo, a arbitragem é uma forma de desafogar a justiça oficial, gerando soluções mais rápidas tomadas da maneira mais informal possível. O mesmo autor, ao comentar os estudos da Professora Cláudia Lima Marques relata que a tendência é que se repute inválida a cláusula compromissória que por ventura exista em um contrato de consumo. No entanto, o autor citado entende que a arbitragem não se aplica às relações de consumo; para ele é “incompatível, em princípio, o novo juízo arbitral, com os marcos angulares da filosofia consumerista” (FILOMENO, 2007a, p.89).

A nova ‘lei do juízo arbitral’, ao par de não ter revogado o inciso VII do art. 51 do CDC, é com ele incompatível, porquanto induz à aceitação de sua instituição em contratos de adesão, infringindo os princípios da vulnerabilidade, boa-fé e equidade que devem presidir as relações de consumo, já que compulsória essa instituição, se pactuada em cláusula compromissória, sendo exigível, inclusive, judicialmente.

Ainda que superado esse óbice epistemológico-jurídico, somente quando o consumidor concordar expressamente, e desde que, previamente cientificado quanto à inserção daquela cláusula, seria ela válida até para os efeitos dos próprios dispositivos da lei específica a respeito, consoante, aliás, expressa disposição do art.4º,§2º da Lei 9.307/96. (FILOMENO, 2007a, p.93)

Mas tal posicionamento não significa que o juízo arbitral não seja cabível nas relações de consumo. Nery Junior (2007, p.592) entende que:

O juízo arbitral é importante fator de composição dos litígios de consumo, razão porque o Código não quis proibir sua constituição pelas partes do contrato de consumo. A interpretação a contrario sensu da norma sob comentário indica que, não sendo determinada compulsoriamente, é possível instituir-se a arbitragem.

O Código do Consumidor que tem como princípio basilar a vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo, não permite que deliberações sejam tomadas nessa relação jurídica, de forma unilateral para prejudicar o consumidor. Ao aplicar a arbitragem nas relações de consumo, a norma, através do art.51, VII, vem impedir que o fornecedor, de forma unilateral, escolha entre jurisdição estatal ou arbitral e também impede que faça a escolha do árbitro sozinho.

Nery Junior (2007, p.592) lembra que “a opção pela solução do litígio no juízo arbitral, bem como a escolha da pessoa do árbitro, é questão que deve ser deliberada equitativa e equilibradamente pelas partes, sem que haja preeminência de uma sobre a outra.” E completa dizendo que:

Com isso queremos dizer que é possível, nos contratos de consumo, a instituição de cláusula de arbitragem, desde que obedecida, efetivamente, a bilateralidade na contratação e a forma da manifestação da vontade, ou seja, de comum acordo. ((NERY JUNIOR, 2007, p. 593)

Entendido que tal aplicação é possível, resta analisar qual órgão, ou, que pessoa exercerá as funções de árbitro. A lei é bem simples, ao estabelecer no art.13 que “pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.” E no parágrafo 3º complementa que de comum acordo, poderão as partes estabelecer o processo de escolha dos árbitros ou adotar as regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada.

O árbitro é uma pessoa que possui conhecimento na área em que se situa o conflito. Cabe a ele, dentro de sua competência legal, e, de acordo com Caetano (2002,p.33), dirimir litígios relativos aos direitos de conteúdo patrimonial ou econômico. Podendo valer-se do direito nacional ou internacional, de regras corporativas, ou mesmo das regras que as partes estipularem, desde que respeitados os bons costumes e a ordem pública.

Ainda sob a conceituação de Caetano (2002, p.34), os órgãos arbitrais institucionais têm caráter de entidades oficiais públicas; e, as entidades especializadas são as sociedades civis que têm por objetivo a arbitragem. Esses órgãos e entidades oferecem assistência e assessoramento, inclusive jurídicos aos usuários e árbitros; mantêm um banco de dados com nomes de profissionais de diversas áreas, aptos a exercerem a função de árbitros; têm regulamento próprio e ainda oferecem condições administrativas, materiais e de pessoal para o desenvolvimento da arbitragem.

Para Caetano (2002, p.35), no exterior, a arbitragem é utilizada com exclusividade no comércio internacional, através de órgãos institucionais mundialmente conhecidos.

São vários os tratados e convenções, inclusive das Nações Unidas, sobre arbitragem para o desenvolvimento do comércio internacional, onde pontifica a Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento do Comércio Internacional, conhecida pela sigla Uncitral. (CAETANO, 2002, p. 35)

Caetano (2002, p.35) indica algumas entidades que, segundo ele, possuem enorme organização de atuação internacional.

[...] São elas:

- a Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), com sede em Paris, em atividade desde 1919, que mantém na cidade do Rio de Janeiro o Comitê Brasileiro;

- a American Arbitration Association (AAA);

- a London Court International Arbitration; e

- a russa, International Commercial Arbitration Court (ICAC). (CAETANO, 2002, p.35)

No Brasil, Caetano (2002, p.35) cita como órgão conhecido, o Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima).

O presente trabalho tem o escopo de demonstrar que dentre os instrumentos alternativos para solução de conflitos das relações de consumo (art.4º, V, CDC), a arbitragem pode ser utilizada, aplicando-a através dos órgãos do SNDC.

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Sobre a autora
Betânia Fernandes Pinto

Bacharel em Administração pela FAC-Faculdade de Administração de Curvelo/MG Pós graduada em Controladoria e Finanças pela UFLA-Universidade Federal de Lavras/MG Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Sete Lagoas/MG Pós graduada em Direito Tributário pela UCAM- Universidade Cândido Mendes/RJ Servidora do TJMG-Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Betânia Fernandes. Aplicabilidade da arbitragem em conflitos consumeristas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3710, 28 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25153. Acesso em: 24 abr. 2024.

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