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Programa Carpe Diem: uma nova esperança para os presos provisórios e para a sociedade

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4 Ressocialização

De uma maneira genérica o dicionário Priberamdescreve a ressocialização como ato ou efeito de ressocializar ou de se ressocializar, ou seja, é o ato ou efeito de socializar ou socializar-se novamente a pessoa à sociedade.

Nas palavras de Santos (1987, p. 135), em criminologia, ressocialização é “a reintegração do delinquente na sociedade, presumivelmente recuperado.”.

O artigo 1º da Lei de execução penal[16] dispõe que um dos objetivos da execução penal é proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Evidentemente, uma vez que é possível a execução provisória, esse objetivo não se restringe ao condenado e ao internado, atingindo também o preso provisório ainda não condenado. Outrossim,

a Reforma Penal de 1984 trouxe, com a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), em seus artigos 4º e 61, VII, uma alusão à finalidade ressocializadora da execução penal ao convocar a sociedade para uma efetiva participação e cooperação no processo de execução da pena criminal. Essa ressocialização como reinserção social é denominada como processo de diálogo entre o Estado e o delinquente, à medida que a sociedade passa a fazer parte e acompanhar a execução da pena. (Shecaira; Junior, 2002, p. 147)

Sendo um dos objetivos da execução penal, a ressocialização abrange a assistência e ajuda na conquista de meios capazes de permitir o retorno do aprisionado ao meio social em condições que propiciem sua integração (MIRABETE, 2004). Assim, a ressocialização do preso não é uma opção, mas sim um dever.

Desse modo,

o presidiário tem direito a que o Estado atue para reformá-lo moral e intelectualmente, devolvendo ao curado e recuperado o convívio coletivo. Malgrado as pressões coercitivas inerentes ao próprio recinto prisional, incumbe ao Estado orientar, corrigir e reeducar o preso, evitando que se desfigure de vez e sobre como frágil embarcação no oceano revolto. (FERNANDES, N.; FERNANDES, V., 1995, p. 301)

 Albergaria (1996, p. 139) tem a concepção de que:

a ressocialização é um dos direitos fundamentais do preso e está vinculada ao Welfare State (estado social de direto), que [...] se empenha por assegurar o bem-estar material a todos os indivíduos, para ajudá-los fisicamente, economicamente e socialmente. O delinquente como indivíduo em situação difícil e como cidadão, tem direito à sua reincorporação social. Essa concepção tem o mérito de socializar e exigir a cooperação de todos os especialistas em ciências do homem para uma missão eminentemente humana e que pode contribuir para o bem-estar da humanidade.

Nesse contexto, o programa foi idealizado visando “aprimorar a ressocialização dos presos primários acusados de crime de pequeno potencial ofensivo”[17].

E, de acordo com Albergaria (1978, p. 173) “A readaptação social do condenado nos estabelecimentos fechados realiza-se principalmente pelo trabalho e a reeducação (escolar, profissional e social).”

No programa Carpe Diem, esse trabalho de ressocialização é feito com o apoio de psicólogos, assistentes sociais e agentes de segurança, além da cooperação da Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania (CRSC), Fundação Professor Dr. Manoel Pedro Pimentel de Amparo ao Preso (FUNAP), dos Narcóticos Anônimos (NA), dos Alcoólicos Anônimos (AA), e do suporte de Prefeituras Municipais da região, entre vários outros colaboradores.

Também são aplicadas diariamente laborterapias e terapias multidisciplinares (como atendimentos em grupo, atendimentos individuais, videoterapia, musicoterapia, palestras e etc.), com psicólogos, professores, advogados, assistentes sociais, entre outros, tudo visando a reintegração social do interno.

Ao deixar o Programa Carpe Diem o interno recebe um encaminhamento feito conforme sua necessidade, para que se possa dar andamento ao processo de ressocialização fora do estabelecimento prisional, tendo o auxílio de órgãos de apoio social, de saúde, entre outros serviços oferecidos pelo poder público municipal e organizações não governamentais, durante o período de seis meses.

Essa inserção social do infrator deve ser feita pelo Estado, contando com o apoio e cooperação de profissionais especializados como: psicólogos, assistentes sociais, professores, advogados entre muitos outros, para que o direito fundamental do infrator de ressocializar-se não seja lesado. Nesse ponto, “Devemos entender que, mais que um simples problema de Direito Penal, a ressocialização, antes de tudo, é um problema político-social do Estado. Enquanto não houver vontade política, o problema da ressocialização será insolúvel.” (GRECO, 2008, p. 493)

Mas isso não é um problema só do Estado. Bitencourt (2012, p. 592), citando as sugestões docriminólogo italiano Alessandro Baratta para o combate à delinquência, lembra que:

Todos os segmentos sociais devem conscientizar-se de que a criminalidade é um problema de todos e que não será resolvido com o simples lema “Lei e Ordem”, que representa uma política criminal repressiva e defensora intransigente da ordem (geralmente injusta) estabelecida. [...] É indispensável uma transformação radical da opinião pública e da atitude dos cidadãos em relação ao delinquente se se pretende oportunizar-lhe a possibilidade de ressocializar-se. Se isso não ocorrer, será muito difícil a reincorporação ao sistema social de uma pessoa que sofre processo de marginalização e de estigmatização.

Neste passo, tem-se que é fundamental a participação da sociedade, além da atuação do poder público, para que a ressocialização do preso seja efetivamente concretizada, já que “a ressocialização do delinquente implica um processo comunicacional e interativo entre indivíduo e sociedade” (BITENCOURT, 2004, p. 152).

No programa Carpe Diem, essa participação da sociedade se dá especificamente com a aplicação dos Mecanismos de Diminuição de Vulnerabilidade, quando, ao ser solto, o participante do programa é atendido, entre outros, por organizações não governamentais.

Além disso, o programa conta com apoiadores como a AME - Amor Exigente, o AA – Alcoólicos Anônimos, o NA – Narcóticos Anônimos, o GRASA – Grupo de Apoio contra Álcool e Drogas Santo Antônio, a ACAP – Associação Cristã de Assistência Plena, a FADI – Faculdade de Direito de Sorocaba, a UNIP – Universidade Paulista – Sorocaba, o SOS – Serviços de Obras Sociais, e a VERIS – Grupo IBMEC Educacional de Serviço Social. Também há a participação da família do preso.

Sobre isso, é essencial compreender que

não se pode atribuir às disciplinas penais a responsabilidade exclusiva de conseguir a completa ressocialização do delinquente, ignorando a existência de outros programas e meios de controle social de que o Estado e a sociedade devem dispor com objetivo ressocializador, como são a família, a escola, a Igreja, etc. (BITENCOURT, 2012, p. 598).

Para todo esse trabalho de ressocialização do preso também

é imprescindível acreditar na viabilidade da reforma ou emenda do delinquente, que não pode ser visto como um monstro sinistro e malsão, de perversidade total e incurável. [...] O criminoso deve ser entendido como um doente que pode ser recuperado e readaptado à vida social. [...] Admitir que todo preso é passível de regeneração não é devaneio humanitário. Todo homem pode ser recuperado através de aprendizado moral e intelectivo, conquanto possa ser uma criatura controvertida, incoerente e paradoxal. O preso evidentemente não é um anjo, mas todas as tentativas devem ser feitas para que ele se conserve humano ou, decaído, torne a ser útil aos seus semelhantes.  (FERNANDES, N.; FERNANDES, V., 1995,p. 301 e 302)

A reintegração dos infratores à sociedade é um trabalho complexo e árduo, mas que ao alcançar seu objetivo propicia uma grande melhoria na qualidade de vida de toda sociedade, e não apenas na vida do indivíduo infrator, uma vez que ao se integrar o indivíduo novamente à sociedade, com a sua devida reestruturação psicossocial, ele terá maiores chances de se enquadrar nos padrões da moral e dos bons costumes, valorizando os meios de vida e profissões lícitas. E consequentemente, o número de incidências criminais diminuirá, juntamente com os números da reincidência.

Portanto, com a ressocialização todos ganham: o preso e o egresso, assim como o restante da sociedade.


Considerações finais

O nosso sistema prisional é sabidamente ineficaz, especialmente quanto à sua finalidade de prevenção e ressocialização. Desse modo, práticas que auxiliem o alcance dessas finalidades, como propõe o Programa Carpe Diem, são fundamentais, e para toda a sociedade.

Analisando somente os dados disponibilizados pelo Programa Carpe Diem, há fortes indícios de que houve significativa redução da reincidência após a implantação desse programa e, consequentemente, que há sinais de eficácia do programa para conter novos casos de criminalidade.

Além disso, também há prenúncios de que a expectativa do programa, de ressocializar os infratores presos provisoriamente, foi alcançada, tendo em vista a redução dos índices de reincidência no Centro de Detenção Provisória de Sorocaba, observando-se os integrantes do programa que foram atingidos pela atividade.

Embora a análise dos dados ter indicado a efetividade do Programa, é preciso ressaltar que não é possível afirmar que realmente houve uma eficaz ressocialização dos presos atendidos e uma consequente diminuição da reincidência. Primeiro porque somente puderam ser estudados os dados fornecidos pelo próprio Centro de Detenção Provisória em que é desenvolvido o programa, já que não há informações de outros órgãos, bem como não foram localizados dados de outros Centros de Detenção Provisória, para que pudesse ser feita uma comparação com um estabelecimento prisional em que não é aplicado o Programa. Em suma, inobstante os esforços caminharem no sentido da efetividade do trabalho, não existiu um grupo de controle que pudesse estar sujeito a condições de experiência similares, garantindo um parâmetro de dados resultantes da observação dos integrantes desta pesquisa.

Apesar disso, nós entendemos que toda tentativa de auxílio ao preso, como se dispõe o Programa Carpe Diem, é sempre bem vinda. É claro que há muito a ser feito e melhorado, a começar por uma estatística realizada por um órgão distinto do Centro de Detenção Provisória de Sorocaba.

A par disso, seria interessante a implantação desse Programa em outros Centros de Detenção Provisória, não só para possibilitar o auxílio na ressocialização do preso e na prevenção da reincidência em outros locais, como também para propiciar uma melhor análise acerca da eficácia e do desenvolvimento do Programa Carpe Diem.


Referências

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Notas

[1] A resolução nº 113, de 20-04-2010, do Conselho Nacional de Justiça dispõe sobre o procedimento da execução de pena privativa de liberdade e medida de segurança; no Estado de São Paulo o Provimento nº 58/89, Capítulo V, Seção VIII, itens 126 a 129, disciplina o procedimento da execução penal. (JULIOTTI, 2011).

[2] “Art. 42 – Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo da prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.”

[3] “Art. 387 – (...) § 2º O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”.

[4] Informações disponíveis em <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={D574E9CE-3C7D-437A-A5B6-22166AD2E896}&Team=&params=itemID={C37B2AE9-4C68-4006-8B16-24D28407509C};&UIPartUID={2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26}>. Acesso em 02/03/2013

[5]No Estado de São Paulo, a assistência jurídica aos presos hipossuficientes também é prestada pelos advogados da FUNAP – Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel de Amparo ao Preso. (JULIOTTI, 2011).

[6] A Resolução nº 12, de 18 de Dezembro de 2009, do Conselho Nacional de política Criminal e Penitenciário (CNPCP), recomenda que aos presos provisórios sejam reconhecidos antecipadamente os direitos previstos na Lei de Execução Penal, a qualquer tempo, pelo juízo onde se encontra o feito. (JULIOTTI, 2011).

[7] Os presos provisórios, por força do art. 84 da Lei de Execução Penal, bem como pelo exposto no art. 5º, inciso 4 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), devem permanecer obrigatoriamente separados dos detentos condenados por sentença transitada em julgado. (JULIOTTI, 2011).

[8] Conforme informações disponíveis em <http://www.sap.sp.gov.br>. Acesso em 02/05/2013.

[9] Informações retiradas dos sites <www.premiomariocovas.sp.gov.br/2011/arquivos_m7/P10184projeto_carpe_diem_cdp_sorocabafinalizado.doc>, <http://www.funap.sp.gov.br/projeto_carpediem.htm>, <http://www.sap.sp.gov.br/common/noticias/0400-0499/not450.html> e <http://cdpsorocaba-programacarpediem.blogspot.com.br/>, todos acessados em 22 de setembro de 2012.

[10] Não são atendidos pelo Programa os delitos tipificados na Lei de Crimes Hediondos e na Lei de Drogas.

[11] Estatística fornecida pelo Centro de Detenção Provisória de Sorocaba, atualizada até 01/03/2013.

[12]Nos termos do artigo 63 do Código Penal “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.”

[13] Conforme notícia disponível em <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/15703-ministro-peluso-destaca-importancia-do-programa-comecar-de-novo>. Acesso em 02/03/2013.

[14] Conforme notícia disponível em <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/18527-ipea-pesquisara-reincidencia-criminal-no-brasil>. Acesso em 02/03/2013.

[15] Estatística fornecida pelo Centro de Detenção Provisória de Sorocaba, atualizada até 01/03/2013.

[16] Art. 1º - A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

[17]Conforme notícia disponível em <http: //www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=202181&c=5000>. Acesso em 16 mar. 2012.

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Sobre as autoras
Edmara de Oliveira

Estudante do curso de Direito, na Universidade de Sorocaba- UNISO

Maria Isabel de Faria

Estudante do curso de Direito, na Universidade de Sorocaba- UNISO

Nadia Campanha Almagro

Estudante do curso de Direito, na Universidade de Sorocaba- UNISO

Janaina Ferreira Silva

Estudantes do curso de Direito, na Universidade de Sorocaba- UNISO

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Edmara ; FARIA, Maria Isabel et al. Programa Carpe Diem: uma nova esperança para os presos provisórios e para a sociedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3733, 20 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25351. Acesso em: 27 dez. 2024.

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Orientadora: Profa. Ma. Fernanda Ueda

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