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Delação premiada

03/10/2013 às 07:07
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O instituto da delação premiada, ao mesmo tempo, representa um importante mecanismo de combate à criminalidade organizada e traduz-se num incentivo legal à traição e, até mesmo, à possível margem para acomodação das investigações criminais.

A delação “premiada”, em voga na atualidade por estar presente nos comentários dos periódicos sobre as investigações que permeiam as várias Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), teve origem, no Direito brasileiro, quando das “Ordenações Filipinas”, no seu Livro V, que vigorou de janeiro de 1603 até a entrada em vigor do Código Criminal do Império de 1830. No Título VI das referidas Ordenações, onde havia a definição do crime de “Lesa Majestade”, tratava da DELAÇÃO PREMIADA sob a rubrica “Como se perdoará aos malfeitores que derem outros à prisão” e abrangia, inclusive, criminosos, já condenados ou aguardando julgamento, que delatassem delitos alheios.

Delação é a responsabilização de terceiro, feita por um suspeito, investigado, indiciado ou réu, realizada no bojo de seu interrogatório ou outro ato. “Delação Premiada” é a incriminação incentivada pelo Legislador, que tem por objetivo premiar o delator, concedendo-lhe benefícios diversos no processo penal, tais como: redução de pena, perdão judicial, aplicação de regime de cumprimento de pena de forma abrandada, etc.

Há atualmente, uma série de diplomas legais que cuidam, mesmo que de forma sutil, do instituto, como a Lei do Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) em seu art. 8º, parágrafo único; Lei do Crime Organizado (Lei 9.304/95) em seu art. 6º; o próprio Código Penal brasileiro quando trata do crime de Extorsão mediante seqüestro (art. 159, § 4º); Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/98) em seu art. 1º e 5º; Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Lei 9.807/99) nos arts. 13 e 14 e na Nova Lei Antitóxicos (Lei 10.409/2002) no art. 32,§ 2º.

O legislador brasileiro, sob a influência das regulamentações havidas no direito italiano, criou uma causa de diminuição da pena para o autor ou partícipe (seja ele de maior ou menor importância) que, ao  delatar a atividade de seus parceiros na empreitada criminosa, tem sua pena reduzida.

Conforme dito anteriormente, alguns dispositivos legais tratam especialmente do assunto, senão vejamos:

Lei n.º 8.072/90, art.8º, § único – O participante que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços).

Código Penal - crime de extorsão mediante seqüestro, através da adição do § 4º ao art. 159 do Código Penal.

§ 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.

A Lei 11.343/06 prevê o instituto no art. 41 o qual dispõe:

art. 41.  O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.

O instituto vem sofrendo recorrentes críticas pois alguns o consideram eticamente inadequado pois estimula a traição, comportamento insuportável para os padrões morais modernos, seja dos homens de bem, seja dos mais vis criminosos.

Sob o prisma jurídico, indiretamente rompe com o princípio da proporcionalidade da pena, já que se punirá com penas diferentes pessoas envolvidas no mesmo fato e com idênticos graus de culpabilidade, mitigando a teoria monista que giza que todos aqueles que concorrerem de qualquer forma para o crime incidem nas penas a ele cominadas.

O instituto, em si mesmo, dá mostras de traços contrários à ética, pois pode apresentar-se como uma verdadeira TRAIÇÃO por parte do DELATOR em busca de benefícios que satisfaçam necessidades próprias em detrimento das do DELATADO(S).

Com a publicação e vigência imediata da Lei n. 9.807, de 13.7.99, foram estabelecidas "normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas", instituiu-se "o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas" e dispôs-se "sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal"

A Lei 9.807/99 prevê a possibilidade de extensão dos benefícios em qualquer situação, em qualquer procedimento, uma vez que não faz ressalvas. Giza o art. 13 e seguintes da referida lei:

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:

I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;

II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;

III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.

Art. 15. Serão aplicadas em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física, considerando ameaça ou coação eventual ou efetiva.

§ 1º Estando sob prisão temporária, preventiva ou em decorrência de flagrante delito, o colaborador será custodiado em dependência separada dos demais presos.

§ 2º Durante a instrução criminal, poderá o juiz competente determinar em favor do colaborador qualquer das medidas previstas no art. 8º desta Lei.

§ 3º No caso de cumprimento da pena em regime fechado, poderá o juiz criminal determinar medidas especiais que proporcionem a segurança do colaborador em relação aos demais apenados.

Notemos que há previsão para o perdão judicial e para a redução da pena em 1/3 a 2/3.

A pergunta que surge é se há alguma limitação para a incidência do instituto em determinadas legislações específicas ou no próprio código. A resposta é a de que não há. O que existe são rigores maiores para sua aplicação, tais como na Lei de Drogas e na Lei de Crimes Hediondos.

A colaboração do réu deve ser voluntária, e não induzida. Mas, e se o réu não colaborou na fase policial e posteriormente, em juízo, auxilia na identificação dos demais co–autores ou partícipes com a localização da vítima e recuperação do produto do crime, será possível agraciá-lo com o perdão judicial?

Poderão surgir, em tese, três correntes de entendimento:

a) impossibilidade, pois sendo possível a colaboração e eventual "retribuição" legal na fase de investigação, o réu deverá colaborar espontaneamente desde o início, e, assim, a reticência na fase policial afastaria a voluntariedade da colaboração;

b) possibilidade, sendo válida a colaboração pois atingiu aos objetivos almejados previstos nos incisos I a III do art. 13, constituindo–se direito público subjetivo do réu diante da delação eficaz consumada;

c) moderada, sendo possível a aplicação dos benefícios legais se os co–autores ou partícipes foram identificados somente na fase judicial, em virtude da colaboração do réu, alcançando-se também os demais objetivos; ou já identificados, mas a vítima ainda não tenha sido localizada, assim como o produto do crime.

Quanto à vítima, importante destacar que a lei expressamente exige no inciso II, do art. 13, seja localizada com "sua integridade física preservada", para que o agente faça jus ao perdão judicial; caso contrário, se da colaboração voluntária resultar na "identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços" (art. 14).

Lembremos que a denúncia anônima (delação apócrifa), apesar de haver expressa vedação constitucional ao anonimato, é um poderoso instrumento que a Polícia possui para impedir alguns crimes, assim como encontrar produto de crime e até, em alguns casos, encontrar a vítima e em outros casos raros, levar os criminosos à condenação. A denúncia anônima prova a imensidão de pessoas que, diante de um juiz, poderiam levar, ao menos, indícios, quando não a própria prova desejada para encontrar a verdade real e, encontrando-a, haver condenação e impor justiça.

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O que se tem observado é que a delação “premiada” surge quando há, na maioria das vezes, um desajuste entre os envolvidos; quando um se sente prejudicado pela persecução penal e é desamparado pelos demais comparsas. Esta situação de angústia e desespero, unida à intenção de beneficiar-se, é que conduz o indivíduo a valer-se do referido instituto.

Muito se tem discutido se há ou não um interesse primário em COLABORAR com a JUSTIÇA ou, se há, alguma conversão do caráter do criminoso para o bem ou para o arrependimento. O que tem prevalecido é o entendimento de que o Delator visa a um interesse primário próprio em desfavor dos demais comparsas.

Muitos problemas podem ser identificados quando da utilização do instituto, pois ele pode gerar a acomodação da autoridade incumbida da apuração dos fatos que, passando a contar com a possibilidade de delação, poderá deixar de dedicar-se com mais afinco na busca das condições indispensáveis a municiar o titular do direito de Ação Penal a ingressar em Juízo, ou seja, na busca de provas da existência do crime e dos indícios suficientes da autoria.

O instituto, ao mesmo tempo, representa um importante mecanismo de combate à criminalidade organizada e traduz-se num incentivo legal à traição e, até mesmo, à possível margem para acomodação das investigações criminais.

A polêmica em torno do instituto da “delação premiada” continuará existindo, seja pelo âmbito ético, seja pela sua má utilização ou, até mesmo, pela falta de uma normatização adequada. Aos operadores e estudiosos do Direito, incumbe o dever de utilizá-la cum grano salis, notadamente em razão da ausência de adequada regulamentação e unidade em seu regramento. Ela não pode ser um fim em si mesma, MAS UM MEIO que, se for somado aos demais meios legais postos à mão da autoridade incumbida da persecução penal, levará à tão salutar busca da VERDADE REAL no Processo Penal e à indispensável JUSTIÇA!


Bibliografia:

FILHO, Eduardo Espínola Filho, Código de Processo Penal Anotado, Vol. I e II, 6ª Edição, Editora Rio, Rio de Janeiro, 1980;

FERNANDES, Antônio Scarance, Processo Penal Constitucional, 4ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2005;

MARCÃO, RENATO FLÁVIO in Revista Forense on-line link: http://www.forense.com.br/Artigos/Autor/RenatoFlavio/delacao.htm; acesso em 20/05/2006;

MIRABETE, Júlio Fabbrini, Processo Penal, 10ª Edição, Editora Altas, São Paulo; 2000;

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso de Processo Penal, 3ª Edição, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2004;

TORNAGHI, Hélio, A Relação Processual Penal, 2ª Edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1987; 

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Sobre o autor
Rodrigo Murad do Prado

advogado, pós-graduando em Direito Privado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRADO, Rodrigo Murad. Delação premiada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3746, 3 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25451. Acesso em: 19 abr. 2024.

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