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Assessoria jurídica pode avaliar adequação da pesquisa de preços realizada pela Administração Federal na fase interna da licitação e devolver autos para complementação da instrução, antes do cumprimento do art. 38, parág. ún. da Lei 8.666/83

03/10/2013 às 17:17
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É possível à assessoria/consultoria jurídica avaliar a pesquisa de preços realizada na fase interna da licitação.

Introdução

Frequentemente, os órgãos responsáveis pelas contratações dos órgãos públicos da esfera federal discordam da competência da assessoria jurídica para avaliar a pesquisa de preços realizada na fase interna da licitação. Há também desacordo sobre a possibilidade de a assessoria/consultoria jurídica retornar os autos para complementação da instrução, no que tange especificamente à pesquisa de preços inadequada, antes do cumprimento do artigo 38, parágrafo único da Lei 8.666/83.

Em razão disso, percebeu-se a necessidade de esclarecimento sobre a questão.


1. Competência da Assessoria Jurídica na esfera federal.

Inicialmente, é preciso observar que a Lei Complementar 73, de 10 de fevereiro de 1993, a qual instituiu a lei Orgânica da Advocacia-Geral da União – AGU, estabelece as competências das consultorias jurídicas da seguinte forma:

 Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:

I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;

II - exercer a coordenação dos órgãos jurídicos dos respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas;

III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;

IV - elaborar estudos e preparar informações, por solicitação de autoridade indicada no caput deste artigo;

V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

VI - examinar, prévia e conclusivamente, no âmbito do Ministério, Secretaria e Estado-Maior das Forças Armadas:

a) os textos de edital de licitação, como os dos respectivos contratos ou instrumentos congêneres, a serem publicados e celebrados;

b)os atos pelos quais se vá reconhecer a inexigibilidade, ou decidir a dispensa, de licitação.

Dessa feita, torna-se claro que o exame prévio e conclusivo “dos textos de edital de licitação, como os dos respectivos contratos ou instrumentos congêneres, a serem publicados e celebrados” é apenas uma, de várias outras competências dos órgãos consultivos da AGU.

Deve-se observar, com detida atenção, a previsão do inciso V do artigo 11 da LC 73/93: “assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica”.

Obviamente, a elaboração de pesquisa orçamentária é um ato administrativo, então, não restam dúvidas de que compete à assessoria/consultoria jurídica assistir no controle interno da legalidade administrativa desse mencionado ato, o qual é oriundo de órgão ou entidade sob a coordenação ministerial.

Basta isso para que se estabeleça a interpretação dessa Lei Complementar, no sentido de que é admissível a análise da correção da pesquisa de preços elaborada na fase interna da licitação.

De qualquer modo, vale apontar que o objetivo implícito da previsão do parágrafo único do artigo 38 da Lei 8666-93[1]é prevenir a descoberta tardia de defeitos do procedimento licitatório ou de algum ato administrativo. Nesse sentido, encontra-se o ensinamento de Marçal Justen Filho[2].

A preocupação legal é apropriada, porquanto um defeito descoberto ao fim da licitação ou já na fase da execução contratual é muito mais prejudicial ao interesse público do que aquele apontado antes da publicação da licitação ou da autorização da contratação direta, conforme o caso.

Certamente, uma pesquisa de preços mal elaborada pode ensejar uma impugnação administrativa ou judicial ou, até mesmo, a anulação de todos os atos a ela posteriores.

A pesquisa orçamentária realizada sem parâmetros adequados poderá ensejar a fixação de preços de referência e/ou de preços máximos superfaturados ou abaixo do mercado.

Em ambas as hipóteses, o interesse público poderá ser prejudicado. No caso de superfaturamento, o pregoeiro admitirá como ganhadora uma proposta cara demais para a administração. Por outro lado, na fixação de preços muito baixos, poderão ser afastadas da concorrência empresas com credibilidade, permitindo-se, por vezes, a adjudicação do objeto a aventureiras, que não conseguirão manter o valor proposto durante a execução do contrato. Igualmente, a fixação de preço demasiadamente baixo pode ensejar uma licitação deserta ou fracassada.

É devido a isso a importância da atuação preventiva da consultoria, ao avaliar a regularidade da pesquisa de preços constante dos autos.

Ora, se, ao ser encaminhado o processo para a análise da assessoria/consultoria jurídica, não houver a pesquisa de preços em sua versão final, não será possível ao parecerista prever nem mesmo como será elaborado o orçamento posteriormente ao parecer. Por conseguinte, será quase impraticável ao parecerista estabelecer condicionantes para a aprovação da pesquisa. A única alternativa (apesar de válida) consistirá na utilização de recomendações genéricas e não muito eficazes, justamente por não refletirem a realidade do caso concreto, como: “a pesquisa de preços deve ser eficaz, ampla, retratar a realidade do mercado”.

Ressalte-se que de nada adianta haver nos autos uma pesquisa incompleta, uma vez que sua finalização talvez origine algo completamente diferente do apresentado à assessoria/consultoria jurídica, sendo completamente imprevisível. Assim, por ser impraticável ao parecerista prenunciar o resultado, retorna-se para o mesmo problema apresentado acima, acerca da única alternativa restante. 

É preciso recordar-se que no Estado Democrático de Direito brasileiro, à assessoria/consultoria jurídicacompete o controle de legalidade e legitimidade dos atos administrativos preventivamente. Nesse sentido, transcreve-se o escóliode Rommel Macedo[3] sobre a atividade especificamente da AGU:

Tratam-se, em verdade, de atividades vinculadas aos ditames normativos e aos princípios constitucionais, que têm, repita-se um nítido papel de controle, garantidor do Estado Democrático de Direito. Interessante, por fim, notar que o próprio Caetano (1996,t.1,p.168), ao distinguir a função executiva desempenhada no processo administrativo daquela realizada no processo jurisdicional, afirma que, neste, o órgão “procede sobretudo mediante operações intelectuais: verifica os fatos e ajusta-lhes o Direito aplicável”.

(...)

Na atual ordem constitucional brasileira, a Advocacia –Geral da União , enquanto Função Essencial à Justiça, mostra-se basilar para o Estado Democrático  de Direito, na medida em que exerce controle de legalidade e de legitimidade, tanto no desempenho de suas competências preventivas (consultoria e assessoramento jurídicos) quanto postulatórias (representação judicial e extrajudicial da União).

(...)

Pode-se, em suma, afirmar que a Advocacia – Geral da União, embora não constitua, organicamente, um poder – em virtude de sua dependência orgânica em face do Executivo – exerce sim uma função constitucional autônoma (MOREIRA NETO, 2005, p.49) em relação à função executiva (binômio governo-administração). Tal função autônoma, denominada advocacia do Estado, englobando o conjunto de competências preventivas e postulatórias, é, materialmente, uma função de controle, imprescindível para a subsistência do Estado Democrático de Direito .

Por conseguinte, é da esfera de atuação da assessoria/consultoria jurídica a verificação da pesquisa de preços, para, se necessário, ajustar-lhe o Direito aplicável.

Compreendendo essa esfera de competência da assessoria jurídica, o Tribunal de Contas da União – TCU possui jurisprudência vasta no sentido de recomendar ao órgão jurídico um efetivo controle da fase prévia da licitação, especialmente da legalidade da pesquisa de preços constante nos autos, não se limitando no exame das minutas licitatórias:

Aperfeiçoe os controles, quando da emissão do necessário parecer jurídico  presente nos processos licitatórios, de forma a contemplar todos os aspectos básicos essenciais e prévios a realização do certame.

(Acórdão 670/2008 Plenário)

Envide esforços para aperfeiçoar os controles, quando da emissão do necessário parecer jurídico presente nos processos licitatórios, de forma a contemplar todos os aspectos básicos essenciais e prévios à realização do certame, como  necessidade de demonstrativo detalhado de formação de preços nos processos licitatórios, detalhamento de penalidades de acordo com nível de  descumprimento contratual e o correto enquadramento dos casos de repactuação contratual.

(Acórdão 525/2008 Segunda Câmara)

Crer que apenas competiria à assessoria/consultoria jurídica a análise das minutas licitatórias e não do restante do procedimento seria equivalente a não se interpretar sistematicamente a Lei de Licitações e Contratos. O mero exame do edital e seus anexos não obedeceria materialmente à lei. É preciso comparar as minutas com os demais documentos precedentes dos autos, a fim de que a apreciação seja realmente efetiva.

É em razão do exposto que se avalia como possível e adequado o retorno dos autos pela consultoria jurídica à unidade de origem, para que seja completada a instrução processual.

Essa matéria foi objeto do PARECER Nº AGU/CGU/NAJ/MG-874/2008-MACV, datado de 7 de outubro de 2008, o qual motivou a Consultoria Jurídica junto ao Estado de Minas Gerais (CJU/MG), órgão da Advocacia-Geral da União, a fixar orientação normativa, aplicável apenas no âmbito de atuação daquele órgão:

ORIENTAÇÃO NORMATIVA NAJ-MG Nº 07, DE 17 DE MARÇO DE 2009: APROVAÇÃO JURÍDICA NOS TERMOS DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART.38 DA LEI 8666/93.

1 - Face à sua autonomia técnica, o advogado responsável pela aprovação de procedimento licitatório, dispensas e inexigibilidades de licitação e demais hipóteses de contratos, convênios e ajustes celebrados pela Administração Pública Federal, pode determinar a regular instrução do feito previamente à sua aprovação, ou optar pela aprovação condicionada ao cumprimento de recomendações constantes de seu parecer.

2 - Caso o parecerista opte pela aprovação condicionada, a autoridade consulente responde de forma pessoal e exclusiva pela omissão decorrente de eventual realização do procedimento sem a devida observância das recomendações, cujo cumprimento era requisito do ato de aprovação.

Referência: PARECER Nº AGU/CGU/NAJ/MG-874/2008-MACV

A instrução do processo depende de vários requisitos, sendo a pesquisa de preços um deles. É por isso que a AGU elaborou listas de verificações, disponíveis em seu sítio eletrônico, a fim de auxiliar os órgãos públicos na apreciação da existência das condições que devem constar nos autos, antes do envio do processo para a consultoria jurídica.

A correta instrução é da responsabilidade do administrador. O mais recomendado é o seu cumprimento, previamente ao envio dos autos, para o atendimento do artigo 38, parágrafo único, a fim de possibilitar a análise adequada por este órgão jurídico.

O exercício da autonomia técnica, pelo advogado, ao retornar os autos para complemento da instrução processual, não pode ensejar responsabilidade ao advogado. Excerto do PARECER Nº AGU/CGU/NAJ/MG-874/2008-MACV, peça referida anteriormente, também se encontra nesses termos:

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Quanto à segunda questão remanescente, considera-se que a recomendação de retorno ou não do procedimento encontra-se na esfera de autonomia técnica do parecerista, ou seja, o Advogado da União ou Assistente Jurídico, no desempenho de suas atribuições, exerce a livre expressão de seu pensamento e de sua atividade científica – art. 5º, IV e IX, da Constituição da República. E mais, o advogado possui em seu resguardo a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 – Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.

O Estatuto da OAB, por sua vez, assim dispõe sobre a citada autonomia:

Art. 1º São atividades privativas de advocacia:

(...)

II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

(...)

Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.

§ 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei.

(...)

Art. 7º São direitos do advogado:

I - exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional;

Relembre-se, de todo modo, que, consoante a jurisprudência do TCU citada neste parecer, o aconselhado é o retorno dos autos pelo advogado ao constatar a instrução precária do processo.

Ao mais, não é razoável a alegação de que o envio dos autos à consultoria, antes de finalizada a pesquisa de preços, seria justificado pela busca da celeridade e eficiência administrativa.

É imperioso ressaltar que o parecer jurídico, emitido com base em processo devidamente instruído, concretiza o verdadeiro sentido do princípio da eficiência. Logo, destaca-se a seguinte passagem do Despacho nº 1.077/2010/EA/CONSU/PGF/AGU:

“19. Outrossim, aos que defendem que o trânsito pela assessoria jurídica obstaria o princípio da eficiência, é de se lembrar que essa eficiência não é aquela baseada na rapidez e no afogadilho, mas sim a que busca uma gestão eficiente (cautelosa e correta em todas as suas fases), sob pena do desfazimento posterior por ilegalidade, portanto, o fato de os autos tramitarem obrigatoriamente pela procuradoria não induzirá à impossibilidade de contratação. Antes, porém, propiciará o cumprimento, pelos administradores, dos princípios administrativos, sobretudo os da eficiência e da impessoalidade e ainda trará à lume a premente necessidade de planejamento sistemático das aquisições pela administração assessorada.”

Esse trecho não menciona especificamente a necessidade da instrução estar completa para possibilitar a adequada análise jurídica, porém o raciocínio também é válido para essa situação. Portanto, assim podemos transpor o mencionado pensamento, para a presente situação:

Outrossim, aos que defendem que a exigência da assessoria jurídica de receber os autos com a instrução completa obstaria o princípio da eficiência, é de se lembrar que essa eficiência não é aquela baseada na rapidez e no afogadilho, mas sim a que busca uma gestão eficiente (cautelosa e correta em todas as suas fases), sob pena do desfazimento posterior por ilegalidade. Portanto, o fato de a consultoria solicitar receber os autos com a instrução completa não induzirá ao prejuízo da contratação. Antes, porém, propiciará o cumprimento, pelos administradores, dos princípios administrativos, sobretudo os da eficiência e da impessoalidade e ainda trará à lume a premente necessidade de planejamento sistemático das aquisições pela administração assessorada.

O prévio controle de legalidade não objetiva desarticular e desorganizar o trabalho dos órgãos públicos assessorados, mas, sim, o seu melhor desempenho.


Conclusão

Em face das considerações tecidas, conclui-se que é possível à assessoria/consultoria jurídica avaliar a pesquisa de preços realizada na fase interna da licitação. Ao mais, é possível e recomendável à assessoria/consultoria jurídica retornar os autos para complementação da instrução, quando houver pesquisa de preços inadequada ou inexistente, antes do cumprimento do artigo 38, parágrafo único da Lei 8.666/83.


Referências bibliográficas.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª edição. Editora Dialética. São Paulo: 2009

MACEDO, Rommel. Advocacia-Geral da União na Constituição de 1988. Ed. LTR, São Paulo, 2008.

SITES PESQUISADOS:

http://www.agu.gov.br/sistemas/site/PaginasInternas/NormasInternas/LicitacoesContratos.aspx?TIPO_FILTRO=LicitacoeseContratos/, acesso em 20-12-2012.

http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/arquivos/pdf/2012/Jul/13/Manual_Boas.pdf. Acesso em 20-12-2012.


Notas

[1]Art. 38.  (...)

Parágrafo único.  As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.

[2]“Deve reconhecer-se que a regra do parágrafo único destina-se a evitar a descoberta tardia de defeitos”. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª edição. Editora Dialética. São Paulo: 2009, p. 506.

[3]Advocacia-Geral da União na Constituição de 1988. Ed. LTR, São Paulo, 2008. P. 148 e 159-160.

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Sobre a autora
Gabriela Moreira Feijó

Advogada da União, com lotação atual na Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde. Pós-graduada em Direito Processual – Grandes Transformações, ministrada pela Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – LFG, em parceria com a Universidade do Amazonas- UNAMA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FEIJÓ, Gabriela Moreira. Assessoria jurídica pode avaliar adequação da pesquisa de preços realizada pela Administração Federal na fase interna da licitação e devolver autos para complementação da instrução, antes do cumprimento do art. 38, parág. ún. da Lei 8.666/83. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3746, 3 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25460. Acesso em: 28 mar. 2024.

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