7. Conclusões
No retorno interdisciplinar à compreensão do sujeito assalariado, verifica-se que seus caracteres cingem-se à tríade do despossuimento, coação e expropriação. Se o trabalhador é o produtor da riqueza na modernidade, prossegue expropriado da propriedade que cria. Se a liberdade de trabalho é proclamada nos discursos jurídicos, a realidade de necessidade lhe impele, como única opção, a se vender como mão de obra. Se pelo império da necessidade tem que se vender, pouco espaço haverá para manifestação de uma vontade livre. Seja no fordismo ou no toyotismo, mantém-se o processo de intensificação do trabalho assalariado, em reforço da condição dependente do trabalhador, inclusive com a vertente de dependência consentida pela lógica da colaboração. Desta análise, constata-se que dependência se apresenta prévia e estruturalmente ao próprio contrato de trabalho.
O diagnóstico, conforme visão oriunda da política, economia e sociologia, é que a atipicidade flexível e suas inovações modistas no mundo do trabalho são veiculadoras de mais precariedade no lugar de um status de proteção advindo do contrato de trabalho e sua tutela jurídica. Sem o medo da possibilidade de um outro regime político-social, não há mais razão econômica para o capitalismo manter, de maneira irresignada, um sistema (custoso) de proteção em favor do assalariado, bem típico de um Estado Social. Na mesma política, os dilemas estão postos: cumprir o programa constitucional de uma sociedade estruturada na dignidade humana, que dialoga com o valor social do trabalho e a livre iniciativa, na conciliação destes pela ideia de justiça social; ou, no plano do economicus, implementar uma sociedade baseada na busca da eficiência e riqueza que qualifica as tutelas jurídicas como obstáculos (onerosamente) desnecessários.
Como compromissária da primeira opção de justiça social, a dependência econômica se apresenta como a caracterização do trabalhador como o sujeito despossuído, coagido e expropriado. Por não possuir propriedade substancial – o que não significa pobreza individual –, é conduzido a vender de sua força de trabalho como simples valor-de-uso, quando poderia, caso tivesse propriedade, vendê-la como valor-de-troca. Sendo obrigado a se vender, assume socialmente uma posição de assujeitado ao poder daquele que pode lhe comprar, inclusive dirigindo-o ou não. Por fim, a riqueza que se produz neste trabalho – o valor agregado – não lhe pertence, eis que, juridicamente, é a propriedade originária do empregador, apesar de pressupor uma propriedade prévia.
Na operacionalização desta ideia ressignificada de dependência, articula-se uma racionalidade de abertura e amplitude conceitual, que transfere para o conceito de trabalho autônomo o padrão fechado da tipicidade. Na ruptura com o positivismo, afasta-se, igualmente, da pretensão de completude dos conceitos jurídicos, inclusive reconhecendo a inadequação de um conceito milimétrico que tende a ineficácia e obsolência pela inovação, complexidade e pela processualidade histórica. Como contraposição à ideia de dependência econômica, a autonomia é, então, advinda da titularidade sobre uma organização produtiva, ainda que seja diminuta, isto é, a existência de propriedade suficiente (e trabalho humano) para a constituição da ideia (ampla) de empresa é que caracteriza a autonomia. Infere-se que é justamente a propriedade que cria as condições para o exercício do poder de direção ou mesmo propicia sua delegação para os chefes, gerentes, entre outros.
Afirmar a dependência como econômica demarca o aspecto econômico da relação, oriundo do poder que a propriedade confere ao seu titular. Destina-se a frisar que o Direito do Trabalho é, essencialmente, o Direito capitalista do Trabalho, o qual ao mesmo tempo que confere uma civilidade à expropriação do trabalho dos não-proprietários prossegue mantendo esta relação estruturalmente de expropriação. Neste desiderato, a dependência econômica proposta, quando comparada à subordinação jurídica, tem muito mais a oferecer, seja na identificação da essência (e não da consequência) do assalariamento, inclusive a par das singularidades brasileiras, seja pela delimitação conceitual aberta perante as realidades formalmente disfarçadas ou pela aptidão a desfazer as ocultações capitalistas, a dependência econômica incorpora melhor as tarefas do Direito do Trabalho na busca por dignidade humana e justiça social.
8. Referências
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Notas
[2]Tese de doutorado defendida pelo autor em 29/07/2011 na Universidade Federal do Paraná, sob orientação da Professora Dra Aldacy Racid Coutinho, intitulada: “A (re)significação do critério da dependência econômica: Uma compreensão interdisciplinar do assalariamento em crítica à dogmática trabalhista”.
[3]Tais debates foram enfrentados e aprofundados na dissertação de mestrado, no Capítulo intitulado Crise do Direito do Trabalho (OLIVEIRA, 2009).
[4]Nesta situação, a noção de subordinação teria que ser um pouco mais sutil, uma vez que “[...] o grau de dependência dos trabalhadores de profissão liberal, por causa da natureza especial da prestação, é mui tênue e não apresenta alguns de seus elementos característicos, como seja a sujeição ao empregador no que tange à iniciativa ou método de trabalho” (GOMES; GOTTSCHALK, 2005, p. 93).
[5]Em todas, realça-se o aspecto da integração do trabalho em detrimento ao aspecto da sujeição pessoal às ordens. Cita-se a: subordinação estrutural de Maurício Delgado Godinho (2006); a subordinação estrutural-reticular de José Eduardo Chaves Junior e Marcus Menezes Barberino Mendes (2008); a subordinação integrativa de Lorena Porto (2009); a subordinação potencial de Danilo Gaspar (2011).
[6]A hegemonia da teoria da subordinação jurídica é obra de um positivismo cientificista doutrinário, que rechaçou conceitos subjetivistas, apoiando-se na (pseudo) neutralidade e segurança de um conceito (dito) objetivo. O critério da subordinação jurídica é interpretação doutrinária e jurisprudencial de um dispositivo legal bem mais amplo que, literalmente, refere-se só a dependência (OLIVEIRA, 2009).
[7]No lugar da coação legal ao trabalho, adota-se a coação pela fome e necessidade ao trabalho. “O velho paradigma do trabalho forçado não é pois recusado enquanto se constitui o embrião de uma condição de assalariado “moderna”. Ao contrário, ele acompanha e tenta enquadrar seus primeiros desenvolvimentos. O que pode ser perfeitamente entendido: as condições de trabalho são tais nas primeiras concentrações industrias, que é preciso estar sob a mais extrema sujeição da necessidade para aceitar semelhantes “ofertas” de emprego, e os infortunados assim recrutados aspiram somente a deixar o mais rápido possível esses lugares de derrelição” (CASTEL, 1998, p. 206).
[8]Nestes termos, Karl Marx anteviu os caracteres do fordismo e do toyotismo na recorrente dinâmica de intensificação do trabalho, descrevendo a lógica capitalista de intensificação do trabalho: Não existe a menor dúvida de que a tendência do capital, com a proibição definitiva de prolongar a jornada de trabalho, é compensar-se com elevação sistemática do grau de intensidade do trabalho e de converter todo aperfeiçoamento da maquinaria em meio para absorver maior quantidade de força de trabalho (MARX, 2006, p. 476).
[9] O “assemelhado ao empregado” do direito alemão é mais um exemplo do retorno à dependência econômica. “Impressiva, em tais prestadores-colaboradores, é a marca da dependência econômica que os acaba por conduzir a uma situação fática de equivalente à relação de emprego, o que é enfaticamente ressaltado por Wollenschläger, quando define o assemelhado como aquele que frequentemente se encontra em situação de carência econômica tal qual o empregado tutelado” (VILHENA, 2005, p. 545-546).
[10]Na mesma trilha, a Recomendação 198 da OIT afirma o objetivo de tornar claras as definições em cada legislação nacional dos critérios de reconhecimento do vínculo de emprego, visando assegurar a proteção legal contra situações de trabalho “encubierto”.
[11] A crítica de Orlando Gomes e Elson Gottschalk é forte contra o extrajurídico. Afirmam que “[...] padecem do mesmo vício de origem [a dependência econômica e dependência social]. Pretendem caracterizar um contrato com elementos metajurídicos. O erro de seus defensores provém de procurarem, preferentemente, analisar a condição social e econômica do trabalhador, em vez de examinar a relação jurídica da qual ele participa. [...] O equívoco dos que adotam critérios extrajurídicos reside exatamente no fato de se não preocuparem com a fixação do elemento característico do contrato de trabalho, mas sim com a qualidade da pessoa que deve ser protegida” (GOMES; GOTTSCHALK, 2005, p. 141).
[12]O jovem Orlando Gomes, conjugando as contribuições de La Cueva e Sinzeheimer, aponta que o direito de propriedade funda uma situação de poder do empregador sobre o empregado. Convém reproduzir o elucidativo trecho: “É fato incontroverso que a propriedade não confere apenas um poder sobre as coisas, mas, também, sobre os homens. Nos domínios da produção de riqueza, esse poder do proprietário concretiza-se, juridicamente, em um conjunto de faculdades através de cujo exercício faz sentir sua autoridade sobre os trabalhadores, isto é, sobre os homens que, não podendo ser proprietário de meios de produção, põem, à disposição dos que podem, a sua força-trabalho” (GOMES, 1944, p. 119).