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Possibilidade de redução da pena-base para aquém do mínimo legal

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03/11/2013 às 14:15
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5 – Problemática:

Uma vez analisadas as questões relativas às fases de aplicação de pena no ordenamento jurídico brasileiro, mostra-se de imensurável importância a detida abordagem ao ponto controvertido caracterizador do presente estudo.

Objeto de incansáveis discussões tem sido a possibilidade, ou não, de se reduzir a pena-base abaixo de seu mínimo legal, no segundo momento de fixação da pena do sistema trifásico criado pelo professor Nélson Hungria.

Com base no disposto na Súmula 231 do Superior tribunal de Justiça, pode-se verificar que as circunstâncias atenuantes não possuem o escopo de conduzir a pena-base aquém de seu mínimo legal[18].

Todavia, a partir do supramencionado entendimento jurisprudencial, surgem algumas dúvidas. Afinal no caso concreto, ante a configuração de circunstâncias atenuadoras, poderá a pena-base ser reduzida abaixo do mínimo predisposto em lei?

Para melhor ilustrarmos a problemática existente no assunto em comento, é válido utilizar o exemplo mencionado pelo ilustre professor Rogério Greco em sua inigualável obra doutrinária, in litteris[19]:

“Suponhamos que o agente, menor de 21 anos a época dos fatos, tenha praticado o delito de furto simples. O Juiz após analisar todas as circunstâncias judiciais, decide aplicar a pena base em seu mínimo legal, vale dizer um ano de reclusão. No segundo momento, verifica-se que nos autos foi comprovada a sua menoridade por intermédio de documento próprio e que não existem circunstâncias agravantes...”.

Diante do exemplo acima mencionado, como deverá comportar-se o magistrado competente para decidir o caso? Deve aplicar de plano a letra fria da jurisprudência sustentada pelo STJ, ou poderá diante do caso concreto aplicar a causa atenuantes existente em favor do réu e conduzir a pena aquém de seu mínimo legal?

Neste conflituoso ponto, pode ser verificado que a doutrina não possui um entendimento uníssono quanto a melhor decisão a ser tomada pelos julgadores nos casos diariamente apresentados.


6 – Disposições e entendimentos favoráveis a Súmula 231 do STJ

Ab initio, antes de adentrar ao estudo dos posicionamentos contrário a hipótese de aplicação da pena-base aquém de seu mínimo legal, demonstra-se de inestimável necessidade a realização de uma efetiva análise ao texto da súmula 231 do STJ, que assim assevera:

“A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.

Com base no texto da referida súmula, pode-se concluir que, no caso em concreto, mesmo que o magistrado, na primeira fase do sistema trifásico, aplique a pena base em seu patamar mínimo por não existirem circunstâncias prejudiciais em desfavor do réu (Art. 59 do CP), em sua segunda fase da dosimetria penal, na hipótese de deparar-se com uma circunstância atenuante, restará impedido de concedê-la, ante a proibição de conduzir a pena aquém de seu mínimo legal.

Comungando com o disposto no texto legal da Súmula 231 do STJ, o ilustre mestre do Direito Penal brasileiro Fernando Capez, em sua obra doutrinária manifesta o entendimento de que é legalmente vedada a redução da pena base para aquém do mínimo legal nas duas primeiras fases do sistema trifásico previsto no art. 68 do Código Penal.

A fim de ilustrar o posicionamento adotado pelo mestre, vale transcrever trecho de seu manual acadêmico[20]:

“Em nenhuma dessas duas primeiras fases, o juiz poderá diminuir ou aumentar a pena fora de seus limites legais (Súmula 231 do STJ). Ao estabelecer a pena, deve-se respeitar o princípio da legalidade, fazendo-o dentro dos limites legais, como prevê o art. 59, II, do CP. Aplicadas fora dos limites da lei penal, surge uma subespécie delituosa, com um novo mínimo e um novo máximo. E, mais, cria-se um novo sistema, o das penas indeterminadas”.

Deste modo, diante dos supramencionados argumentos, pode-se concluir que o professor, posiciona-se de maneira favorável a aplicação da Súmula 231 do STJ, entendendo que caso o magistrado sentenciante reduza a pena base para aquém do mínimo legal prescrito em lei, estaria ferindo o princípio constitucional da legalidade, fazendo surgir por meio de sua decisão novas cominações de um tipo penal.

Além disso, para aqueles que defendem a legitimidade da Súmula em quaestio, o critério adotado pelo Código Penal é claro, já que os limites, nas duas primeiras operações de fixação da pena, decorrer não só dos textos legais, mas também por critérios lógicos, já que na hipótese de inexistência de parâmetros para a fixação da pena, encontrar-se-ia em vigência um sistema de ampla indeterminação das penas[21].

No mesmo passo, acerca da impossibilidade de redução da pena base abaixo de seu mínimo legal, manifesta-se o mestre Julio Fabrinni Mirabete, que em sua obra doutrinária afirma[22]:

“Uma característica fundamental das circunstâncias judiciais atenuantes e agravantes é de não servir para a transposição dos limites mínimo e máximo da pena abstratamente cominada. Assim a presença de atenuantes não pode levar a aplicação a abaixo do mínimo, nem a de agravantes acima do máximo.”

Apesar de atualmente manifestar entendimento contrário as disposições da Súmula 231 do STJ, o doutrinador César Roberto Bitencourt em sua obra acadêmica, explica os motivos que conduzem alguns doutrinadores a posicionarem-se favoráveis a decisão sumulada, in litteris[23]:

“Acompanhávamos no passado a corrente tradicional, segundo a qual as atenuantes e as agravantes não podiam levar a pena para aquém ou para além dos limites estabelecidos no tipo penal infringido, sob pena de violar o primeiro momento da individualização da pena, que é do legislativo, privativo de outro poder, e é realizada através de outros critérios e com outros parâmetros, além de infringir os princípios da reserva legal e da pena determinada (art. 5º, XXXIX e XLVI, da CF), recebendo a pecha de inconstitucional, por aplicar pena não cominada. Quando a pena-base estivesse fixada no mínimo, impediria sua diminuição, ainda que se constata-se in concreto a presença de uma ou mais atenuantes, sem que isso caracteriza-se prejuízo ao réu, que já teria recebido o mínimo possível”.

Apesar de louváveis doutrinadores possuírem entendimento favorável a vedação de redução da pena-base para aquém de seu mínimo legal, com fundamento exclusivo no texto da Súmula 231 do STJ, faz-se necessária a efetivação de uma análise aos posicionamentos adotados por uma parcela doutrinária, que baseada nos principais princípios relacionados aos Direitos do Homem.


7 – Disposições e entendimentos contrários a Súmula 231 do STJ

Voltada para os pressupostos fundamentais do Estado Democrático de Direito – que não transige com a responsabilidade penal objetiva e muito menos com as interpretações analógicas contrárias ao réu – atualmente existe um novo entendimento doutrinário que sustenta a possibilidade da pena-base ser conduzida para abaixo do mínimo legal.

De início é válido dizer que com base no texto legal do artigo 65 do CP, pode-se concluir que as circunstâncias atenuantes sempre atenuam a pena, não existindo qualquer determinação que excepcione a sua aplicação aos casos em que a pena base tenha sido fixada acima do mínimo legal.

Em breve análise ao texto do supracitado artigo pode-se facilmente notar que o legislador utilizou o adverbio sempre, demonstrando sua intenção de que a redução não pode deixar de ser aplicada quando existir uma circunstância atenuante em favor do réu, mesmo que a pena-base seja fixada em seu grau mínimo.

O artigo 65 do Código Penal possui natureza de norma cogente, vez que a efetivação de uma interpretação divergente ao conteúdo de seu texto legal viola não apenas o princípio da individualização da pena, como também o princípio da legalidade estrita.

A norma cogente em Direito Penal é aquele que versa sobre ordem pública, sendo máxima a obrigação de sua aplicação quando trata de assuntos relacionados à individualização constitucional da pena.

No que tange ao entendimento de que a circunstância atenuante não pode conduzir a pena aquém de seu mínimo legal, demonstra-se equivocado, vez que partiu de uma interpretação analógica desautorizada, baseada na proibição que constava no texto legal do paragrafo único do artigo 48 do Código Penal de 1940, frise-se, não repetida, na reforma realizada na Parte Geral do Código Penal em 1984.

Faz-se necessário destacar o irretocável entendimento esposado por Cesar Roberto Bitencourt em sua obra doutrinaria, in litteris[24]:

“Ademais, naquela orientação, a nosso juízo superada, utilizava-se de uma espécie sui generis de interpretação analógica entre o que dispunha o antigo art. 48, paragrafo único, do Código Penal, (parte Geral revogada), que disciplinava uma causa especial de diminuição, e o atual art. 65, que elenca as circunstâncias atenuantes, todas estas de aplicação obrigatória. Contudo, a não aplicação do art. 65 do Código Penal, para evitar que a pena fique aquém do mínimo cominado, não configura, como se imagina, interpretação analógica, mas verdadeira analogia – vedada em direito penal – para suprimir direito público subjetivo, qual seja a obrigatória (circunstância que sempre atenua a pena) atenuação da pena.”

Em suma, a omissão na aplicação de uma circunstância atenuante para não conduzir a pena-base para aquém do mínimo legal viola o disposto no artigo 65 do Código Penal, que não condiciona a sua aplicação dentro dos limites previstos, ferindo assim o direito público subjetivo do condenado a receber uma pena justa, legal e individualizada, caracterizando uma manifesta inconstitucionalidade.

 Neste sentido, válido ressaltar por mais uma oportunidade, a brilhante explanação do mestre César Roberto Bitencourt[25], que ao modificar seu entendimento acerca da possibilidade de redução da pena-base para abaixo do mínimo legal disposto em lei, afirma que:

“Em síntese, não há lei proibindo que, em decorrência do reconhecimento de circunstância atenuante, possa ficar aquém, do mínimo cominado. Pelo contrário, há lei que determina (art. 65), peremptoriamente, a diminuição da pena em razão de uma circunstância atenuante, sem condicionar seu reconhecimento a nenhum limite.”

No mesmo sentido, admitindo a possibilidade da redução da pena-base para aquém do mínimo legal, ante a existência de circunstâncias atenuantes, manifesta-se o doutrinador Luiz Regis Prado[26], valendo transcrever trecho de sua obra acadêmica, in verbis:

“... se na determinação da quantidade da pena base aplicável o juiz deve ater-se aos limites traçados no tipo legal do delito (art. 59, II), uma vez fixada aquela, passa-se à consideração das circunstâncias atenuantes e das agravantes, em segunda fase, conferindo-se ao juiz a possibilidade de aplicar pena inferior ao limite mínimo, já que o artigo 68 não consigna nenhuma restrição. De conseguinte, embora vedada essa possibilidade no Código Penal de 1940, que adotava sistema bifásico para o cálculo da pena (com a apreciação simultânea das circunstâncias judiciais e das agravantes e atenuantes), tem-se como perfeitamente admissível, diante do sistema trifásico perfilhado pelo atual Diploma, que a sanção penal seja aplicada abaixo do limite mínimo abstratamente previsto”.

Rogério Greco[27], defensor do posicionamento em estudo, e contrário ao disposto no texto da Súmula 231 do STJ, ao expor seus entendimentos afirma que:

“O argumento de que o juiz estaria legislando se reduzisse a pena aquém do mínimo ou a aumentasse além do máximo não nos convence. Isso porque o art. 59 do Código Penal, que cuida da fixação da pena-base, é claro em dizer que o juiz deverá estabelecer a quantidade de pena aplicável nos limites previstos. O juiz jamais poderá fugir aos limites determinados pela lei na fixação pena-base. Contudo, tal proibição não se estende às demais etapas previstas pelo art. 68 do Código Penal.”

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Contudo, diante da obrigatoriedade de aplicação de circunstâncias atenuantes no momento de fixação da pena, surgem no mundo fático determinadas situações, de cunho reprovável, com o exclusivo ânimo de burlar a ordem estabelecida.

Como exemplo de tal situação, poderíamos citar a hipótese em que o aplicador da lei penal tão somente reconhecer a existência da circunstância atenuante na decisão condenatória, mas deixar de efetuar a devida redução da pena, caracterizando-se esta hipótese como uma verdadeira fraude aos princípios constitucionais de aplicação da pena, mais especificamente ao princípio da reserva legal.

No mesmo caminhar, demonstra-se a hipótese do magistrado aplicar a pena-base acima do mínimo legal, mesmo que não exista fundamento jurídico para tanto, para que em uma segunda fase de aplicação da pena, simule o reconhecimento da circunstância atenuadora, retornado com a pena para o seu limite mínimo.

Neste ínterim, Rogério Greco[28] no auge de seu brilhantismo, nos ensina que:

“Além de inviabilizar um direito do sentenciado, essa interpretação faz com que, na prática, alguns juízes tentem observar a aplicação aumentando um pouco a pena-base para que, no momento posterior, possam vir a reduzi-la em consideração à existência de uma circunstância atenuante, o que fere, ainda mais, a menis legis. Essa “boa vontade” em aplicar a circunstância atenuante nada mais é do que uma forma de burlar a lei. Se o réu tinha em seu favor todas as circunstâncias judiciais previstas pelo art. 59, era direito seu que a pena-base fosse fixada em seu mínimo legal. O fato de o juiz aumentá-la um pouco para, mais adiante, vir a decotá-la a fim de aplicar a redução pela circunstância atenuante nada mais é que ludibriar a sua aplicação”.

Por fim, a conclusão sustentada por parte desta vertente doutrinária, é que de forma indiscutível a Súmula 231 do Superior tribunal de Justiça carece de adequado fundamento jurídico, é demonstra-se inconstitucional, vez que afronta diversos princípios constitucionais, principalmente no que tange a individualização da pena.

Válido frisar que a jurisprudência pátria tem se manifestado de maneira favorável a condução da pena-base para abaixo do seu mínimo legal, quando presentes circunstâncias atenuantes favoráveis ao réu, in litteris:

“I - Pena. confissão. atenuante que deve ser valorada punição aquém do mínimo. possibilidade. a confissão espontânea da autoria do crime atua sempre como uma circunstância atenuante de pena (art. 65, iii, d, do cp). e, para tanto, deve, sempre, ser adequadamente valorada, pois sua realização beneficia a todos. gera uma decisão judicial mais rápida para o caso concreto e complexo, afasta a incerteza do decisum, e, desta forma, o erro judiciário, proporciona o autor meditar sobre sua culpa, valorizando a vítima que resta pacificada por sua assunção (culpa). e na valorização da atenuante a punição final pode ficar aquém do mínimo. este posicionamento (pena aquém) não encontra obstáculos na lei penal. o artigo 59 não faz nenhuma menção a limites e o art. 65, expressamente, declara que aquelas circunstâncias sempre atenuam a pena. pena. II – omissis. III – omissis. Apelo ministerial improvido, por maioria de votos.” (apelação crime n.º 70005331228, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, relator: Des. Sylvio Baptista Neto, julgado em 19/12/02).

“Roubo duplamente qualificado. colidência de defesas prova. qualificadoras. pena. diminuição aquém do mínimo legal. I - omissis. II - omissis. III - possível aplicar-se a pena aquém do mínimo legal, a vista de atenuante. iv - omissis. Apelações providas em parte.” (apelação crime nº 70004908729, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, relator: Des. Umberto Guaspari Sudbrack, julgado em 18/12/02).

“Roubo. concurso de agentes. antecedentes. I – omissis. II - a atenuante da menoridade deve ser observada mesmo que leve a pena-base para aquém do mínimo. III - omissis. recurso parcialmente provido.” (Apelação crime n.º 70005343710, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, relator: Des. Genacéia da Silva Alberton, julgado em 11/12/02).

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Sobre o autor
Bruno Alexandre Leça Xavier

Acadêmico de Direito na Universidade Anhanguera/Niterói.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

XAVIER, Bruno Alexandre Leça. Possibilidade de redução da pena-base para aquém do mínimo legal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3777, 3 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25697. Acesso em: 22 dez. 2024.

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