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Conteúdo dos institutos do plebiscito, referendo e iniciativa popular

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Resumo:


  • A iniciativa popular se restringe a projetos de lei, excluindo atos administrativos, e não abrange emendas constitucionais.

  • A participação popular direta pode ocorrer em temas constitucionais, mas não pode alterar cláusulas pétreas ou as regras de divisão de competências entre os entes federativos.

  • O plebiscito e referendo geralmente têm efeitos vinculantes, exceto quando há ressalva expressa na lei, e a consulta popular é facultativa, exceto em casos específicos previstos na Constituição.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo descreve, de forma sucinta, o objeto dos institutos do plebiscito, referendo e iniciativa popular, destacando, em especial, se possuem natureza vinculante ou consultiva, obrigatória ou facultativa.

Sumário: 1. Introdução. 2. Objeto. 2.1. Vinculante ou Consultiva? 2.2. Obrigatório ou facultativo. 3. Conclusões.


1.Introdução

Antes do advento da Lei Federal nº 9.709/98, alguns doutrinadores colocavam no objeto as diferenças entre plebiscito e referendo, seja destinando o primeiro apenas a atos do executivo, enquanto o segundo se resguardaria aos atos legislativos, como defendia Pinto Ferreira[2]; seja por caber ao referendo apenas assuntos normais, enquanto ao plebiscito caberiam assuntos extraordinários, consoante pugnava Maria Victória de Mesquita Benevides[3]; ou mesmo porque o plebiscito dispensaria o processo legislativo, enquanto o referendo apenas o modificaria, incluindo nele a participação popular, nos termos da posição de Francisco Wildo Lacerda Dantas[4], acerca do ponto de vista de Pontes de Miranda.

 De outra banda, outros doutrinadores[5] preferiam depositar no momento da consulta ao povo, se antes (plebiscito) ou depois (referendo) da realização do ato, a diferença entre os dois institutos.  E esta corrente refletiu-se no momento de se regulamentar a matéria no Congresso Nacional, que valorou o assunto optando por manter esta diferenciação no texto legal (Lei Federal nº 9.709/98).

A fixação deste ponto faz-se premissa importante para a perfeita compreensão do assunto, pois ao se analisar o objeto destes institutos, a abordagem partirá do pressuposto de que não há diferença entre assuntos que podem ser submetidos a referendo ou plebiscito.


2 . Objeto

Quando se fala em objeto, está-se a falar a respeito de que matérias podem ou não ser submetidas à manifestação popular direta. A questão é controvertida, havendo pontos de vista mais ou menos abrangentes.

Quanto à iniciativa popular, percebe-se que esta se refere exclusivamente a leis, pelo que se descarta a utilização desta via para a apresentação de atos administrativos - para esse fim, a margem de liberdade do povo é ainda maior, uma vez que não se exigem requisitos mínimos de assinantes, respeito à forma, etc., pelo que a utilização do direito de petição, a apresentação de propostas em audiências públicas, entre outros, são meios válidos de se provocar à deliberação do Executivo. E mais, a Lei nº 9.709/98, em seu art. 13, estabeleceu que a iniciativa deve se restringir a projetos de lei, ficando de fora do seu campo de abrangência projetos de Emenda Constitucional.

Ademais, tem-se que interpretar tais institutos de forma sistemática, considerando-os como integrantes do ordenamento jurídico e não como proposições estanques, isoladas. Por isso, ao se falar de iniciativa popular legislativa deve-se partir do pressuposto de que nem todas as matérias podem por meio dela ser iniciadas, de forma que quando a Constituição resguarda a determinado órgão ou pessoa a iniciativa de leis referentes a matéria específica, não poderá haver iniciativa popular legislativa acerca desta (matéria), pois se assim fosse estar-se-ia a contrariar o sistema jurídico como um todo, alterando por meio desse artifício (apresentação de projeto de lei pelo povo) mecanismos de cautela que a Constituição reservou para casos específicos, devido as peculiaridades de certas questões.

Dessa forma, onde a Constituição reserva ao Presidente da República a titularidade privativa para a propositura de projeto de lei, não se pode alterar essa disposição por meio da iniciativa popular legislativa, como nos casos de projeto de lei sobre criação de cargos, empregos ou funções públicas na administração direta e indireta, ou aumento de sua remuneração; ou criação, estruturação e atribuição dos Ministérios e órgãos da administração pública.

Do mesmo modo, apenas aos Presidentes dos Tribunais cabe o envio das respectivas propostas orçamentárias anuais, bem como apenas ao Supremo Tribunal Federal a iniciativa da lei especificada no art. 93 da CF (Estatuto da Magistratura), não se podendo contornar tais vedações atribuindo-as a outros poderes ou pessoas, por intermédio da iniciativa popular legislativa.

Já no que diz respeito a plebiscito e referendo, parte-se do pressuposto que os dois podem ser utilizados para os mesmos pontos que se desejam submeter à consulta popular, cabendo analisar se existem ou não limitações materiais quanto a isso.

Preliminarmente, importante ter-se na retentiva a noção de que o poder soberano cabe ao povo, que o exerce de forma direta ou indireta, pelo que a regra é não haver limitação ao seu exercício direto. Daí, que tais limitações devem decorrer necessariamente de disposição expressa ou implícita do sistema jurídico.

Em outros países, como Portugal, existe uma lista enorme de assuntos que não podem ser submetidos à consulta popular, a exemplo de questões tributárias ou financeiras, fato que influenciou muitos doutrinadores pátrios a propugnarem que o mesmo se desse por aqui. Contudo, tal fenômeno não se repete no Brasil, onde não existe nenhuma lista excludente de assuntos a serem submetidos à manifestação direta da soberania popular, estabelecendo o legislador (Lei nº 9.709/98, art. 2º, caput) que tanto questões administrativas (diferentemente do que dispôs para a iniciativa popular), quanto questões legislativas podem ser submetidas à consulta, e mais, também o podem questões constitucionais.

Entretanto, a inexistência de lista excludente não significa a inexistência de exclusões, mas sim que estas se encontram implícitas no sistema.

Daí decorre que quando a Constituição, no § 4º do seu art. 60, preceitua a impossibilidade de se deliberar sobre as cláusulas pétreas - abolição do voto direto, secreto, universal e periódico; da forma federativa; da separação dos Poderes; e dos direitos e garantias individuais -, não se pode submeter tais assuntos à consulta popular, pois essa não derroga os princípios constitucionais nem os cânones interpretativos do sistema jurídico, e se o fizesse isso equivaleria a uma violação indireta a normas cogentes.

Segundo as lições de Hans Kelsen[6], in verbis:

Com mais eficácia, porém, podem ser excluídas pela Constituição lei de determinado conteúdo. O catálogo de direitos e liberdades fundamentais, que forma uma parte substancial das modernas constituições, não é, na sua essência, outra coisa senão uma tentativa de impedir que tais leis venham a existir.

Portanto, se a Constituição determina a impossibilidade de se legislar sobre determinado conteúdo, é lógico que não se pode, por meio dos mecanismos de participação popular, fraudar-se tal vedação.

Do mesmo modo, a consulta popular não pode alterar as regras de divisão de competências entre os entes federativos, nos termos estabelecidos no texto constitucional. Por exemplo, não pode o Município submeter à consulta popular assuntos da competência legislativa ou administrativa exclusivas da União ou dos Estados, e assim por diante - e.g. plebiscito municipal para deliberar acerca de legislação nuclear, ou plebiscito nacional acerca da construção ou não de uma estação de tratamento de esgotos em pleno Centro de Maceió.

Nesse ponto, infere-se na temática a questão do âmbito territorial da consulta, devendo prevalecer no território municipal as questões de preponderante interesse local, nos Estados as questões de interesse regional e no plano nacional questões de interesse nacional, as razões para isso podem ser encontradas em Maria Victória de Mesquita Benevides[7], in verbis:

se o princípio da teoria democrática repousa na soberania popular, esta pressupõe não apenas capacidade de decisão do povo, como também capacidade de conhecimento da questão em causa. Aí, a distinção entre consultas nacionais e locais é da maior importância, sobretudo em países de vastas dimensões territoriais. No plano regional ou local, é claro que o eleitorado terá maiores condições para conhecer, participar e julgar.

Quanto às questões constitucionais, por influência de legislações alienígenas, especialmente a portuguesa, fortemente influenciada pelas lições de Canotilho, alguns doutrinadores pátrios posicionaram-se contrários a possibilidade de consulta popular a respeito de temas constitucionais, pois a própria CF estabelece um procedimento específico para isso, e figuraria cláusula pétrea implícita a impossibilidade de sua alteração para inclusão de consulta popular anterior ou posterior. De outro lado, outros se posicionaram francamente favoráveis inexistência dessa limitação no ordenamento jurídico brasileiro (e.g. Darcy Azambuja e José Afonso da Silva), entre os quais vale a pena transcrever significativa síntese da lavra de Fábio Comparato[8], in verbis:

Havendo a Constituição de 1988 admitido o exercício direto da soberania popular como princípio, a sua exclusão, para as emendas de revisão, dependeriam de uma norma explícita. Como esta não existe, deve-se concluir que toda e qualquer reforma da Constituição pode ser ratificada – como também iniciada – pelo voto popular. Seria, no entanto, da maior conveniência que este princípio constitucional implícito fosse declarado e regulado por lei complementar.

Entre os que defendiam a impossibilidade de manifestação popular por meio de referendo ou plebiscito acerca de temas constitucionais, é significativa a opinião de Carlos Ayres Britto[9]:

se o plebiscito tem os seus contornos dependentes de lei ordinária (e tem), ele só pode operar como sucedâneo da própria lei ordinária. Se a lei pudesse ir além, no assunto, ela passaria a comandar todo o processo legislativo constitucional. Passaria de simples Lei Ordinária a Lei Extraordinária, de hierarquia máxima, na medida em que decidiria da própria sorte das leis complementares e até das emendas constitucionais.

No entanto, tal ponto de vista partia da premissa de que, no plebiscito, o povo substituía o legislador ordinário. Ora, o plebiscito (em raciocínio extensível ao referendo) não substitui o legislador ordinário, mas sim altera o processo legislativo ordinário, acrescendo a ele mais um elemento, qual seja a participação popular direta, pelo que mesmo em temas constitucionais pode se dá a participação, pois ela não elimina a exigência de emenda constitucional, mas apenas acrescenta a consulta popular aos outros requisitos do processo legislativo.

E tal entendimento se cristalizou na lei regulamentadora desses institutos, que previu explicitamente a possibilidade de consulta popular sobre temas constitucionais, como anteriormente esclarecido.

2.1 Consultas vinculantes ou consultivas?

Preliminarmente, deixe-se claro que os institutos do plebiscito, referendo e iniciativa popular sempre alteram o processo legislativo ou administrativo, sendo refutável, no direito brasileiro, qualquer argumentação no sentido de se considerar algum desses institutos como supressores da instância competente para a análise da questão.

Em outros termos, esses institutos não suprimem os poderes constituídos, mas sim cooperam com estes, alterando o rito normal do processo de formação da vontade estatal, para aproximá-lo da vontade popular, sem jamais subtraírem as instâncias normais de poder para revelar, isoladamente, a vontade estatal.

Com este tópico pretende-se responder a questão se as manifestações populares realizadas geram a vinculabilidade ou não do poder a qual se referem, ou seja, se após a materialização da participação popular por meio dos institutos do referendo, plebiscito e iniciativa popular, o Executivo, no caso de atos administrativo, ou Legislativo, no caso de leis (ou emendas constitucionais), têm que acatar dita manifestação popular.

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A questão também pode ser posta em outras bases: da manifestação popular por meio de um dos institutos tratados nesse estudo, entre os efeitos jurídicos que passam a gerar no campo da eficácia, após a sua materialização, estaria a obrigatoriedade dos poderes constituídos deliberarem no sentido de atender à vontade popular?

Em caso negativo (entre os efeitos jurídicos desses institutos não estaria a vinculação), os poderes desejam apenas conhecer a opinião do povo, saber o seu sentimento a respeito de uma decisão que deverão tomar, ou já tomaram, recebendo a denominação de consultiva. Em caso afirmativo, os poderes ficam obrigados a agir em conformidade com o que o povo decidiu, recebendo tal fato a denominação de vinculante.

Quanto à iniciativa popular legislativa, é de bom alvitre lembrar-se que esta apenas altera o momento inicial do processo legislativo, quer dizer, ela apenas provoca uma alternância na legitimidade ordinária para a propositura dos projetos de lei. Dessa forma, seria uma contradição em termos torná-la obrigatória, pois isso implicaria afirmar que projeto proposto é projeto aceito, passando-se por cima da deliberação, pelo que ela é, sempre, consultiva.

No tocante ao plebiscito com objeto especificado no próprio texto constitucional, no art. 18, §§ 3º (c/c 48,VI) e 4º, e repetido na legislação ordinária regulamentadora (Lei nº 9.709/98, arts. 4º, 5º e 7º), há diferença estabelecida pelo legislador quanto a sua vinculabilidade ou não. Explica-se: ao mesmo tempo em que o legislador impôs a obrigatoriedade do plebiscito para que haja a incorporação, fusão ou desmembramento, criou também mais um elemento necessário à materialização do fato, qual seja a necessidade de aprovação por meio de lei complementar federal para Estados, e de lei estadual (obedecendo os requisitos estabelecidos em lei complementar estadual) para Municípios.

Almino Affonso[10], comentando o preceito do art. 18, § 3º da CF (extensível ao § 4º do mesmo artigo), assim se manifestou quanto à justificativa de tal diferenciação, in verbis:

são Estados a alterarem a sua configuração geopolítica, com riscos de uma repercussão direta no próprio pacto federativo. É legítimo, portanto, que o Congresso Nacional diga a última palavra, desde que as populações diretamente interessadas, mediante plebiscito, já tenham dado  a sua aprovação e tenham sido ouvidas as respectivas Assembléias Legislativas.

Afora razões de ordem política, que envolvam a unidade federativa, o surgimento de novos Estados – por qualquer das modalidades previstas na norma constitucional – demanda a análise de vários aspectos de ordem administrativa, social, econômica e financeira, difíceis de serem avaliados na consulta popular e que não podem deixar de sê-lo, sob pena de as populações abrangidas se exporem a uma aventura danosa a seus interesses. Sem dúvida, essa é uma razão de ser a mais da cautela do legislador constituinte ao impor, além da consulta plebiscitária, a aprovação do Congresso Nacional por lei complementar.

Pela justificativa da inclusão da exigência de lei complementar percebe-se que o legislador constituinte, nesse caso, elegeu o efeito consultivo para a consulta em questão, uma vez que o Legislativo pode deliberar diferentemente do que as populações interessadas decidiram, devido ao aspecto especial de que se reveste a questão (por envolver o princípio federativo, erigido à condição de cláusula pétrea pela CF).

Já no que se refere aos outros institutos (excluído o plebiscito com objeto específico), o legislador, nem o constituinte, nem o ordinário ao regulamentar a matéria, especificou se seria consultivo ou vinculante o seu efeito, pelo que a extração da resposta depende de esforço interpretativo, à luz do nosso sistema jurídico, tal qual se passa a expor.

No que diz respeito ao referendo, é de se observar que o mesmo implica consulta popular posterior à lei ou ato administrativo, consoante já analisado. Neste caso, para se precisar o seu efeito quanto a eficácia vinculante ou não, faz-se indispensável a interpretação teleológica do instituto, a fim de se perquirir a sua finalidade.

Para isso, importante se relembrar o art. 1º da CF, que diz ser o povo o verdadeiro titular do poder soberano, e que cabe ao próprio povo exercer esse poder, por meio do seus representantes eleitos, ou diretamente.

Ora, se o povo é o verdadeiro titular do poder soberano, nos casos em que se pretende auferir a manifestação direta dele acerca de ato administrativo ou lei já deliberados, parece ser mais lógico entender-se que a finalidade buscada é a de caber ao povo a última palavra sobre o assunto.

Decidir que questões devem ser submetidas a referendo é atitude privativa dos titulares da legitimidade para propositura da consulta, todavia, uma vez que se opte pela realização do referendo, está-se realizando o princípio da soberania da vontade popular, constante do art. 1º da CF, em seu mais puro significado. Dessa forma, uma vez que se decida a favor da consulta popular, a regra é que a mesma gere efeitos vinculantes, cabendo ao povo a palavra final; só se admitindo a interpretação contrária caso haja ressalva expressa posta na lei, isto é, a regra é o efeito vinculante, exceto se a lei disser expressamente o contrário.

O mesmo se passa quanto ao plebiscito, se nele o povo exerce diretamente o poder, parece ser a finalidade do instituto vincular o administrador ou legislador a atuar de acordo com a vontade popular. Entretanto, no plebiscito a consulta é prévia em relação à deliberação quanto ao ato, de forma que o poder público tem uma margem de liberdade um pouco maior do que no referendo, por ainda poder redigir o texto da lei ou ato. Isso não infirma o dito no começo do parágrafo, mas apenas afirma que o poder competente para a elaboração da lei ou ato vincula-se à vontade popular, mas não nos absolutos termos do que ocorre no referendo, pois ainda haverá a redação do texto, podendo o poder competente, nesse momento, estabelecer um conteúdo eficacial um pouco maior ou menor.

Por exemplo, no referendo a lei já foi aprovada, o povo então se manifesta pela sua rejeição, parece óbvio que aquela lei não pode vir a gerar efeito algum - só podendo ser novamente posta em debate na mesma sessão legislativa, a exemplo do que ocorre com todo projeto de lei rejeitado, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional, nos termos do art. 67 da CF -, uma vez que a soberania popular já se pronunciou nesse sentido; por outro ângulo, se o povo ratifica a lei, ela está apta a gerar efeitos nos exatos termos em que foi produzida, pois a manifestação popular debateu sobre a medida já posta, de modo que em qualquer dos casos há vinculação.

Já no plebiscito, se a lei ou ato são negados, ocorre efeito semelhante ao do referendo, ou seja, o poder competente não pode desdizer a vontade popular e aprovar aquilo que fora negado. Outrossim, se a lei ou ato são aprovados, ainda ficará restando a elaboração do texto, e neste momento o poder competente poderá estabelecer o prazo para entrada em vigor, de onde virão os recursos específicos, ou coisas desse jaez, que não podem contrariar a vontade popular, mas tem certa margem de liberdade quanto aos efeitos buscados.

Essa argumentação encontra sucedâneo comparativo em outro dispositivo da Carta Magna, o art. 68, disciplinador da chamada lei delegada, onde o Congresso Nacional delega ao Presidente da República a elaboração de determinada lei, mas este tem que fazê-lo nos termos da delegação do Congresso, que especifica o conteúdo e os termos de seu exercício (§ 2º). No plebiscito, ocorre algo semelhante, ficando o legislador ou administrador vinculados ao resultado da consulta popular efetivada, devendo atuar de acordo com o conteúdo aprovado, mas tendo uma margem de liberdade um pouco maior do que no referendo (inclusive, por não haver prazo para aprovação ou outro mecanismo que lhe dê prioridade), entretanto, sem poder contradizer o resultado.

Nesse sentido, soaria improcedente eventual argumentação que por serem anteriores à elaboração do ato haveria similitude entre plebiscito e iniciativa popular quanto a esse aspecto, pois nesta alguns eleitores (em número bem menor do que os que se manifestam num plebiscito ou num referendo, diga-se de passagem) propõem algo a ser debatido pelo poder competente, enquanto no plebiscito o poder competente consulta a opinião popular, previamente, sobre um assunto controvertido, abrangendo essa consulta o universo da totalidade dos eleitores da respectiva circunscrição territorial.

Nem tampouco procederia se defender que a diferença entre um dos efeitos provocados pelo plebiscito do art. 18, §§ 3º e 4º (quanto a vinculabilidade), e o plebiscito sem objeto especificado no texto constitucional, comprovaria tratar-se de institutos diferentes, pois o que assemelha os dois é terem os mesmos elementos constitutivos no suporte fáctico abstrato, e não os efeitos, pois não se deve confundir o plano da existência com o da eficácia, e neste, o legislador pode atribuir alguns efeitos diferentes a institutos similares.

Em suma, soa mais convincente defender-se serem plebiscito e referendo vinculantes.

Mas mesmo nos casos em que o efeito é consultivo, isso não significa que o mesmo é desprovido de utilidades, pois qualquer decisão investida da legitimidade da participação popular tem forte peso sobre os poderes constituídos, como muito bem resume Maria de Victória de Mesquita Benevides[11], verbis:

Portanto, o importante é registrar que, mesmo nos países em que o referendo é meramente consultivo, o Parlamento pode se sentir moral e politicamente comprometido com o resultado das consultas.

Por fim, cumpre salientar que na regulamentação da matéria, além de não especificar o efeito vinculante no texto legal, o legislador perdeu a chance de aprimorar os mecanismos legislativos relativos ao processamento dos assuntos submetidos à consulta popular, por exemplo: poderia ter estabelecido prazo para a deliberação dos projetos submetidos à vontade direta do povo, onde não havendo deliberação no período estabelecido, este seria imediatamente colocado na pauta do dia. Ao revés, o legislador apenas suspendeu a tramitação de projetos porventura submetidos à consulta popular até que se conhecesse o resultado da mesma (o que chega a ser óbvio, pois seria incompreensível submeter-se um projeto à manifestação do povo, e pô-lo em vigor antes do resultado da consulta, tornando-a inócua).

2.2. Obrigatório ou facultativo?

Nesse item coloca-se em foco a obrigatoriedade ou a facultatividade de haver a consulta popular para que o poder competente tome uma decisão sobre determinado assunto.

Por tudo quanto até agora exposto percebe-se que a regra é a facultatividade, a manifestação popular só se dá quando a população resolve propor, segundo os requisitos legais, determinada lei, ou quando o titular do poder de convocação da consulta decide realizá-la.

Entretanto, tal regra tem exceção, manifestando-se esta no caso em que a Lei Maior elege a consulta popular elemento do suporte fáctico de determinada normatividade, o que acontece nas normas que se referem a desmembramento, fusão ou incorporação de Estados ou Municípios. A justificativa para essa exigência a mais já foi anteriormente analisada.

Portanto, nesse caso, a Lei estabelece a obrigatoriedade da consulta popular, elegendo o plebiscito como elemento do suporte fáctico abstrato.

Aparentemente pode-se achar estranha a inclusão de um fato jurídico (fato ou conjunto de fatos que foi ou foram juridicizado (s) pela incidência da norma), no caso o plebiscito já realizado, como elemento do suporte fáctico de norma referente a outro fato jurídico (incorporação, fusão ou desmembramento). Mas nisso não há nenhum absurdo jurídico, nenhuma falta de técnica jurídica, pois fatos jurídicos, bem como efeito jurídicos, podem compor o suporte fáctico de outras normas, como bem demonstra Marcos Bernardes de Mello[12], verbis:

O fato jurídico e o efeito jurídico estão no mundo jurídico, mas nem por isso deixam de integrar, com essa característica de jurídico, o mundo em geral, dito mundo dos fatos[...] se a norma jurídica tem como pressuposto de sua incidência (= suporte fáctico) fato já juridicizado por outra norma jurídica (= fato jurídico), somente se comporá seu suporte fáctico se aquele fato já existir juridicizado.

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Sobre o autor
Angelo Braga Netto Rodrigues de Melo

Especialista e Mestre em Direito pela UFAL. Professor de Direito Civil, Administrativo e Tributário dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação de diversas instituições de Ensino Superior. Autor do livro "Substituição Tributária Progessiva no ICMS - Teoria e Prática". Procurador de Estado. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Angelo Braga Netto Rodrigues. Conteúdo dos institutos do plebiscito, referendo e iniciativa popular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3780, 6 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25704. Acesso em: 22 dez. 2024.

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