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O fenômeno da prescrição intercorrente sob as diversas perspectivas do processo de execução

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2. DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

A prescrição intercorrente deve ser entendida como aquela que ocorre durante o processo, portanto, no seu trâmite. Ocorre devido à inércia prolongada e ininterrupta do autor da ação, neste caso perdendo a sua pretensão. Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 515) assim leciona sobre essa forma de prescrição:

Configura-se a prescrição intercorrente quando o autor de processo já iniciado permanece inerte, de forma continuada e ininterrupta, durante lapso temporal suficiente para a perda da pretensão. Interrompida a prescrição, o prazo voltará a fluir do último ato do processo ou do próprio ato que a interrompeu (a citação válida, v.g.), devendo o processo ser impulsionado pelo autor.

Essa forma de prescrição está implicitamente disciplinada no parágrafo único do artigo 202 do Código Civil de 2002, dispondo que: “A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper”.

Para Barros (1994, v.1, p. 201) a prescrição intercorrente é “a que se verifica durante a tramitação do feito na justiça, paralisado por negligência do autor na prática de atos de sua responsabilidade”.

Portanto, claros são os conceitos quando expressam que a paralisação é decorrente da inércia do autor, de uma negligência de sua parte, configurando uma passividade quanto a sua conduta de dar prosseguimento no processo por meio de atos processuais necessários. Em decorrência dessa linha de pensamento, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 106 que assim dispõe:

Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência.

Desta sorte, não pode haver a aplicação do instituto da prescrição intercorrente quando a mora é do próprio poder judiciário, pois não estaria se tratando no caso de inércia voluntária por parte do autor, pois em certas circunstâncias este se vê impedido de agir.


3. DO PROCESSO DE EXECUÇÃO

Na abordagem do tema em que se objetiva esse trabalho, faz-se necessário umbreve tratamento introdutório sobre o processo de execução. Destarte, de forma nobre, Araken de Assis (2002, p.69) cita Francesco Carnelutti que afirma:

Se o interesse é uma situação favorável à satisfação de uma necessidade; se as necessidades humanas são ilimitadas; se, ao invés, limitados são os “bens”, ou seja, a porção do mundo exterior apta a satisfazê-las, produto necessário da convivência do homem com outros homens é o “conflito de interesses”.

Após a impecável exposição de Francesco Carnelutti, pode-se afirmar que as relações jurídicas são movidas por interesses voltados à satisfação das necessidades dos indivíduos e, mais ainda, não sendo todas elas saciáveis frente aos meios idôneos limitados, gerar-se-ão conflitos contínuos de interesses na sociedade.

O importante de ser salientado é que nem todos esses conflitos gerados merecem apreciação do poder judiciário, todavia, muita ilusão se constrói em cima do fato de que quaisquer litígios devem ser levados à apreciação judiciária, causando-se, portanto, uma patologia jurídica[27].

Esses conflitos quando levados à apreciação do poder judiciário, a quem competeajurisdição, serão submetidos a um juízo que será dado no processo de cognição (conhecimento) transformando, portanto, o fato concreto em direito abstrato, dizendo o juiz quem dos litigantes tem razão e declarando o direito aplicável ao conflito, impondo também uma regra de conduta. Neste momento deve ser afastada a incerteza que recai sobre os direitos discutidos [28]. Nasce no fim desse procedimento o título executivo judicial.

Duas situações podem ocorrer após esse juízo: o conflito se resolve quando a parte a quem foi imposta uma obrigação pelo juiz por “espontaneidade” a cumpre; ou o título executivo judicial não é cumpridopor inadimplência, portanto, necessitará de uma nova intervenção do Judiciário para satisfazer o direito do credor a fim da pacificação social. Nessa segunda situação ocorrerá a execução, na qual o Poder Judiciário tomará as medidas necessárias, buscando obter o resultado que seja o mais próximo possível daquele que resultaria do adimplemento da prestação devida ao credor [29].

A execução pode ocorrer no sistema do sincretismo processual (adotado no sistema processual atual), no qual as ações possuem duas fases procedimentais sucessivas (fase do conhecimento e fase executiva), assim como pode ocorrer no sistema da autonomia das ações, no qual haverá um Processo para cada forma de tutela (de conhecimento, cautelar ou executiva), forma esta utilizada com maior frequência na execução de títulos extrajudiciais.  Essa diferenciação é importante para o objeto em estudo, pois para haver o processo de execução deve existir a iniciativa da parte (artigo 262, Código de Processo Civil), no caso, a parte que possui a pretensão.

Ademais, cabe ressaltar que os títulos executivos podem ser judiciais (artigo 475-N, Código de Processo Civil) ou extrajudiciais. Aqueles são frutos do procedimento cognitivo, estes são os que não decorrem de fase cognitiva, sendo os arrolados no artigo 585 do Código de Processo Civil e em lei especial (letra de câmbio, nota promissória, duplicata, cheque, debêntures). Os títulos executivos extrajudiciais trazem grau de certeza menor que os títulos executivos judiciais, justificando o risco de promover desde logo a execução [30].

Por fim, Araken de Assis (2002, p. 140) afirma que há dois requisitos necessários pra realizar qualquer execução, sendo eles o inadimplemento (artigos 580 a 582) e o título (artigos 583 a 586). Citado por Araken de Assis, Liebman leciona:

O título funciona como “condição necessária e suficiente da execução”, observado o tradicional princípio nullaexecutiosine titulo. O inadimplemento corresponde à “situação de fato” que pode dar lugar à execução. Esses requisitos de fato e de direito são erigidos porque a execução implica consequências muito graves ao patrimônio do executado, motivo por que ela se subordina a “rigorosas condições de admissibilidade”.

3.1. DA SUSPENSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO

No curso do processo executivo podem ocorrer fatos que podem obstar o procedimento ordinário dos atos processuais. Desta forma, o Código de Processo Civil Brasileiro dispõe nos artigos 791 ao 793 sobre o tratamento da suspensão do processo executivo.

Cândido Rangel Dinamarco (2000, p. 141), apresenta o que deve ser entendido como suspensão do processo de execução, desta forma, aduz que “a suspensão é uma situação jurídica provisória e temporária, durante o qual o processo (embora pendente, sem deixar de existir) detém o seu curso e entra em vida latente”.

As causas elencadas no artigo 791 não se tratam de rol taxativo, enumerando as seguintes causas: a) suspensão total ou parcial, quando recebidos com efeito suspensivo os embargos à execução; b) suspensão nas hipóteses previstas no art. 265, I a III, sendo essas a morte ou perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu representante legal ou de seu procurador, pela convenção das partes e quando for oposta exceção de incompetência do juízo, da câmara ou do tribunal, bem como de suspeição ou impedimento do juiz; c) suspensão quando o devedor não possuir bens penhoráveis. A não taxatividade existe quando se admite para suspensão o recebimento de embargos de terceiro (art. 1052, Código de Processo Civil Brasileiro) e o motivo de força maior (arts. 265, V c/c 598, Código de Processo Civil Brasileiro).

A terceira causa de suspensão (art. 791, III) deve ser vista como a mais importante para o objeto de estudo desse trabalho. Trata-se da suspensão quando o devedor não possui bens penhoráveis. A execução por quantia faz-se com a expropriação, se os bens não forem localizados não há como prosseguir. Os autos serão remetidos para arquivamento, sem que haja a extinção, até a localização dos bens penhoráveis do devedor [31].

O que se discute nessa causa é o fato de quando não localizados bens passíveis de penhora do devedor e sendo esses autos remetidos ao arquivamento, estará suspenso o processo de execução, portanto, pelo artigo 793 do Código de Processo Civil Brasileiro “é defeso praticar quaisquer atos processuais, exceto quando o juiz ordenar providências cautelares urgentes”. Desta sorte, o problema se encontra na contagem do prazo de prescrição intercorrente quando há a suspensão do processo e a impossibilidade de agir processualmente do credor por dispositivo legal (artigo 793). Esse será o objeto de discussão no próximo tópico, elencando a aplicação da prescrição intercorrente no processo de execução.


4. DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO DE EXECUÇÃO

Após discorrer sobre os principais temas que abrangem o objeto de estudo deste trabalho, cabe iniciar a discussão sobre a aplicação do instituto da prescrição intercorrente no processo executivo.

Em geral, a prescrição intercorrente nos processos civis não é admitida devido ao fato da morosidade do processo ser do próprio poder judiciário, como visto anteriormente pela súmula 106 do Superior Tribunal de Justiça.

Todavia, a tese da prescrição intercorrente é admitida em sede de procedimento fiscal e de execução de título judicial, ressalvadas as hipóteses em que o entendimento é de que a suspensão do processo de execução, impedindo atos processuais do exequente, não possa configurar prazo de prescrição intercorrente, fato que será abordado no decorrer desses estudos.

4.1. DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA HIPÓTESE DA NÃO LOCALIZAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS DO DEVEDOR NO PROCESSO DE EXECUÇÃO

Visto que ocorre a suspensão do processo de execução quando o devedor não possui bens penhoráveis (artigo 791, III, Código de Processo Civil Brasileiro) e que havendo suspensão, segundo o artigo 793 do Código de Processo Civil, fica impedida a prática de quaisquer atos processuais, salvo providências cautelares urgentes, faz-se necessária a indagação de que nessas situações anteriormente mencionadas o processo estará inerte (sem procedimentos processuais) e, por isso, discute-se a aplicação da prescrição intercorrente.

A jurisprudência já pacificou seu entendimento em relação a esse assunto, manifestando contra a possibilidade de contagem de prazo prescricional nessa hipótese desuspensãosob o fundamento de que um dos requisitos basilares da prescrição é a inércia por parte do credor, entendendo essa inércia como passividade frente à violação do seu direito, agindo negligentemente e, por excelência, de forma voluntária. Partindo desse requisito não se pode falar de prescrição intercorrente quando a inércia do autor da ação não é derivada de suavontade, mas sim de um impedimento por disposição processual legal (art. 793, Código de Processo Civil) que o torna impedido de praticar quaisquer atos processuais, salvo providências cautelares urgentes. A impossibilidade de se encontrarem bens do devedor passíveis de penhora não poderá justificar, por serem circunstâncias alheias à vontade e poder de agir do credor, a aplicação da prescrição intercorrente, uma vez que só deve ser aplicada quando o credor não atender as diligências necessárias para o devido andamento do processo. A aplicação indevida da prescrição intercorrente estaria contrariando a função jurídica que esta possui, como já destacado em tópico anterior, trata-se de pena ao titular da prestação por sua negligência processual e não aquele credor que age de forma diligente, mas impedido de praticar atos processuais.

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Ao contrário da pacificação no entendimento da jurisprudência, há várias divergências doutrinárias no tratamento desse assunto. De início, pode ser colocado o posicionamento de doutrinadores que se fundamentam na função que a prescrição possui de evitar pretensões eternas e, consequentemente, proporcionar segurança jurídica nas relações. Nessa esteira de raciocínio, posiciona Araken de Assis afirmando que “a suspensão indefinida se afigura ilegal e gravosa, porque expõe o executado, cuja responsabilidade se cifra ao patrimônio (art. 591), aos efeitos permanentes da litispendência. Mesmo que a responsabilidade respeite a bens futuros, eles servirão ao processo futuro, e não, necessariamente, ao atual”. Também nesse entendimento está Greco Filho (1997, p. 145) sustentando que “suspenso o processo, recomeça a correr o prazo prescricional da obrigação. Esta circunstância é especialmente importante no caso de não serem encontrados bens penhoráveis. Decorrido o lapso temporal, o devedor pode pedir a declaração da extinção da obrigação pela prescrição”. Pode-se retirar desses entendimentos a admissibilidadeda prescrição intercorrente, pois a pretensão ad eternumestaria prejudicando o devedor.

O Direito Processual Civil não dispõe sobre prazo determinado de duração da suspensão do processo de execução, fato que poderia solucionar as divergências doutrináriasquanto à admissão da prescrição intercorrente no processo de execução.

Nesse sentido, Cândido Dinamarco (2004, p. 784) entende como solução desse problema a aplicação na execução comum o prazo estabelecido legalmente nas execuções fiscais (art. 40, Lei n. 6.830/1980):

É por isso muito razoável o entendimento de que, perdurando mais de um ano a paralisação por falta de bens, a partir de então comece a fluir o prazo para uma prescrição intercorrente se o executado nada diligenciar com o objetivo de localizar o que penhorar.

4.2. DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA EXECUÇÃO FISCAL

De forma bem mais pacífica, a legislação traz, no tratamento da execução fiscal, dispositivos que admitem a aplicação da prescrição intercorrente.

Desta forma, o artigo 40 da Lei n. 6.830 de 22-09-1980 dispõe sobre a suspensão do processo de execução fiscal em duas hipóteses, quando não for localizado o devedor ou quando não forem encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, no entanto, até 2004 a aplicação da prescrição intercorrente nesse processo era regulada pela súmula 314, editada pelo Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe:

Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente.

Em 2004 foi acrescentado no artigo 40 supramencionado, pela Lei n. 11.051, o parágrafo 4º que passa a dispor sobre essa situação da seguinte forma:

Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.

Por fim, cabe esclarecer de forma breve o procedimento realizado na situação elencada pelo artigo 40 supracitado. No ato da execução fiscal, se não for localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o juiz suspenderá a execução fiscal pelo prazo de um ano, período este em que não correrá a prescrição intercorrente. No decorrer deste prazo de um ano, se não for encontrado novamente o devedor ou não forem localizados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos. No momento em que houver a decisão que ordena o arquivamento dos autos, terá também o termo inicial da prescrição intercorrente, portanto, decorrido desse momento o prazo prescricional, após a oitiva da Fazenda Pública, o juiz reconhecerá, de ofício, a prescrição intercorrente e a decretará de imediato.

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Sobre o autor
Adilson Fernandes Braga Junior

Bacharelando em Direito pela Faculdade ESAMC Uberlândia. Pesquisador em grupos de pesquisa pela Faculdade ESAMC Uberlândia. Monitor de Língua Portuguesa I e II pela Faculdades ESAMC Uberlândia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA JUNIOR, Adilson Fernandes. O fenômeno da prescrição intercorrente sob as diversas perspectivas do processo de execução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3808, 4 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26041. Acesso em: 26 abr. 2024.

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