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A omissão inconstitucional do Estado de Goiás em implementar a Defensoria Pública Estadual

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13/12/2013 às 07:44
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5. A situação dos necessitados em Goiás

A fim de ilustrar a urgência da instalação da Defensoria Pública e a trágica situação das pessoas necessitadas em Goiás, colacionamos alguns casos paradigmáticos que denunciam a consequência da ausência da Instituição nessa unidade da federação. Os casos compõem um volume bastante amplo, de modo que elencar todos os exemplos extrapolaria os limites do presente trabalho.

5.1. O caso dos assassinatos de pessoas em situação de rua em Goiânia

Inicialmente, destaca-se que já passa de 40 o número de pessoas em situação de rua assassinadas na Capital do Estado de Goiás durante o ano de 2013, conforme noticiou o Jornal O Popular:

Mais um morador de rua é morto durante a madrugada

Por Rosana Melo

Mais um morador de rua foi assassinado em Goiânia na madrugada de ontem, na esquina da Rua 230 com a 9ª Avenida, na Vila Nova. Ainda sem identificação, o homem de aproximadamente 35 anos era conhecido por usuários de droga da região como Coroa.

Ele estava com mais quatro pessoas usando droga no local quando dois homens em uma motocicleta vermelha passaram e o garupa atirou na vítima, atingida nas costas. O tiro transfixou e saiu no peito do homem.

Segundo a ocorrência da Delegacia de Homicídios, a perícia informou preliminarmente que o tiro foi disparado de uma arma de calibre pequeno, provavelmente 22. A delegada Tatiana Barbosa, adjunta da Delegacia de Homicídios, investiga o caso.

Esta é a 40ª execução de morador de rua ou em situação de rua nos últimos 15 meses na capital, além de um ocorrido em Aparecida de Goiânia e outro em Trindade. Dez tentativas de homicídio contra a população de rua são investigadas pela Polícia Civil.

A Polícia Civil, responsável pelas investigações, nega relação entre os crimes e descarta a existência de um grupo de extermínio de usuários de droga que moram nas ruas da cidade. Em maio, o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, enviou documento ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedindo que a Justiça Federal de Goiás apure as mortes.”[6] (grifamos)

Em um desses homicídios, a vítima foi uma criança de apenas 11 anos de idade, agredida com pauladas até a morte, juntamente com um outro adulto de aproximadamente 30 anos de idade.[7]

O interessante nesses casos é que as Polícias Militar e Civil justificam as mortes alegando serem as vítimas usuárias de drogas, como se este fato reduzisse o valor de suas vidas ou a dignidade a elas intrínseca.

Em casos como tais, a Defensoria Pública pode atuar na tutela coletiva dessas pessoas, pleiteando no Poder Judiciário a proteção da vida e a realização de políticas públicas previstas no Plano Nacional para a População em Situação de Rua, regulado pelo Decreto Federal nº 7.053/2009, dentre as quais o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas de saúde, assistência social, moradia, segurança, respeitando-se, assim, a dignidade de tais pessoas e valorizando-se o respeito à vida e à cidadania.

Além disso, por força da Lei Complementar Federal nº 80/94, a Defensoria Pública tem poderes para fazer encaminhamentos e requisitar atendimentos no âmbito do Sistema Nacional de Assistência Social, bem como no Sistema Único de Saúde.

Ademais, a Defensoria Pública tem legitimidade para apresentar petição individual na qualidade de representante das vítimas de violações de Direitos Humanos perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, por meio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que, além de recomendar a adoção de medidas provisórias para a proteção da população em situação de rua no Brasil, pode levar o caso até a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no intuito de obter a condenação do Estado brasileiro pela violação dos direitos humanos da população em situação de rua em Goiânia.

A esse respeito, vale mencionar o Projeto População em Situação de Rua da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro[8], que tem como objeto a inclusão social da população em situação de rua e a viabilização de acesso a justiça a esse grupo que, tradicionalmente, nunca teve condições de tutelar juridicamente seus direitos e interesses, sempre marcados pela exclusão social e caracterizados como vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes.

Vale ainda a menção ao Projeto Atendimento Jurídico à População em Situação de Rua da Cidade de São Paulo, nascido de uma demanda formulada pelo Movimento Nacional de População de Rua, em uma parceria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo com a Defensoria Pública da União, tendo como primeiro fruto a celebração de Acordo de Cooperação entre o Ministério da Justiça e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, objetivando a conjugação de esforços dos partícipes, com o fim de desenvolver e estruturar o PROGRAMA DE ATENDIMENTO JURÍDICO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO ESTADO DE SÃO PAULO, a ser desenvolvida pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo com o apoio da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.

Com efeito, por força do artigo 1º, caput, da Lei Complementar nº 80/94, com a redação que lhe foi dada pela Lei Complementar nº 132/2009: A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.

Ademais, dentre as funções institucionais da Defensoria Pública previstas no artigo 4º da lei mencionada, estão, entre outras, a orientação judicial e a defesa dos necessitados, em todos os graus (inciso I); promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico (inciso II); promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes (inciso VII); promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela (inciso X), bem como exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado (inciso XI).

Destarte, verifica-se a completa omissão do Estado de Goiás em respeitar e garantir os direitos humanos da população em situação de rua, de modo que a implantação da Defensoria Pública significaria conferir a proteção e a promoção dos direitos humanos desses que podem ser considerados socialmente invisíveis.

5.2. O caso da unidade de cumprimento de Medida Socioeducativa de Internação em um batalhão da Polícia Militar

A Constituição Federal, em seu artigo 227, estabelece como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar os direitos de crianças e adolescentes, com absoluta prioridade e, no artigo 228, assegura que os menores de dezoito anos são inimputáveis, sujeitos às normas da legislação estadual.

Segundo as Regras Mínimas das Nações Unidas Para a Proteção dos Jovens Privados em Liberdade, denominadas Diretrizes de Tóquio:

“Art. 32. O desenho dos centros de detenção para jovens e o ambiente físico deverão corresponder a sua finalidade, ou seja, a reabilitação dos jovens internados, em tratamento, levando devidamente em conta a sua necessidade de intimidade, de estímulos sensoriais, de possibilidades de associação com seus companheiros e de participação em atividades esportivas, exercícios físicos e atividades de entretenimento.”

No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, Lei nº 8.069/90, em seu artigo 121, caput, prevê que “a internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.”

Ainda, o art. 125, caput, do ECA, dispõe que “é dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança.”

Ademais, segundo o artigo 15 da Lei nº 12.594/2012, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) e regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional, são requisitos específicos para a inscrição de programas de regime de semiliberdade ou internação, a comprovação da existência de estabelecimento educacional com instalações adequadas e em conformidade com as normas de referencia.

Outrossim, no artigo 17, caput e § 1º da lei citada acima, está expresso que a estrutura física da unidade deverá ser compatível com as normas de referência do SINASE, sendo vedada a edificação de unidades socioeducacionais em espaços contíguos, anexos, ou de qualquer outra forma integrados a estabelecimentos penais.

Seguindo as diretrizes previstas para a política de atendimento a crianças e adolescentes, dentre elas, a contida no inciso V, do artigo 88, do ECA, a integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional, o Fórum Nacional dos Defensores Públicos Coordenadores de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes recomendou:

“I  - As Defensorias Públicas Estaduais manterão atendimento jurídico especializado aos adolescentes e jovens nas unidades de cumprimento de medida socioeducativa privativa de liberdade (internação e semiliberdade);

II – O atendimento in loco ao adolescente ou ao jovem privado de liberdade, para fins de comunicação de sua situação processual (art. 124, III e IV do ECA), observará periodicidade minima mensal e, preferencialmente, sem prévio aviso a direção da unidade quanto à data de sua realização;

III – O atendimento supramencionado deverá ser realizado, preferencialmente, pelo Defensor Público com atribuição para atuar no processo de conhecimento e/ou de execução que determinou a privação de liberdade do adolescente e do jovem”.

Distanciando-se completamente das normas especiais voltadas à proteção de crianças e adolescentes, o Estado de Goiás instalou um centro de internação para adolescentes em um batalhão da Polícia Militar, sendo certo que a existência de uma unidade nessas condições é incompatível com as normas do SINASE.

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Após inspeção realizada na unidade, o Ministério Público do Estado de Goiás propôs Ação Civil Pública em face do Estado de Goiás e da Secretaria Estadual de Cidadania e Trabalho pedindo que sejam condenados a edificar, instalar e colocar em efetivo uma unidade de internação de adolescentes responsabilizados por atos infracionais em Goiânia. Requereu-se, ainda, a imposição de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) no caso de atraso na edificação, instalação ou colocação em efetivo funcionamento da referida unidade, nos termos do artigo 213, §2º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Louvável a iniciativa do Ministério Público goiano com a propositura da Ação Civil Pública acima mencionado. Entretanto, por vezes, as atribuições do parquet se chocam com os direitos dos adolescentes, uma vez que o Ministério Público também é a Instituição responsável pela persecução infracional, incumbida de promover a representação de ato infracional atribuído a adolescentes, sendo certo que a existência da Defensoria Pública representaria uma maior proteção aos adolescentes, sobretudo nos casos em que os interesses do parquet estiverem em conflito com os de adolescentes responsáveis por atos infracionais.

A título de exemplo da atuação da Defensoria Pública na tutela de direitos de adolescentes internados, vale destacar a atuação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que intentou ação civil pública em face da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente – Casa (antiga Febem) em Ribeirão Preto, visando impedir a raspagem forçada de cabelos dos adolescentes lá internados. Foi deferida medida liminar, e a demanda foi julgada procedente em primeiro grau. A Fundação Casa apresentou recurso de apelação, mas a este foi negado provimento, a unanimidade, pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, relatora a Desembargadora Olívia Alves, em 25/07/2011 (Processo 0533279-71.2919.8.26.0000).[9]

“Vale acrescentar que, após a discussão suscitada pela Defensoria de Ribeirão Preto, as práticas de raspagem ou corte coativos foram abolidas em todas as unidades de internação do Estado.” (SOUSA, 2013, p. 22)

Desse modo, fica demonstrado que o Estado de Goiás não vem cumprindo com o direito à proteção integral a que fazem jus os adolescentes, por força do artigo 227 da Constituição e artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois ausente um dos atores do Sistema de Justiça e de proteção às crianças e adolescentes em Goiás, a Defensoria Pública.

5.3. O caso da menina Julia Gabriele em Anápolis

Em 06 de novembro de 2013, o portal G1 e o programa de televisão Bom Dia Goiás noticiaram a situação peculiar da menina Julia Gabriele, que tem 9 anos de idade e pesa 14 kg, tendo nascido com paralisia cerebral[10], com necessidade de medicamentos e suplementos de uso contínuo e por tempo indeterminado, os quais não tem sido fornecidos pelo Município de Anápolis, mesmo após ter se comprometido, em março de 2013, a dar “total suporte” à criança.

A mãe da menina conta que todos os meses Julia toma quatro caixas de dois medicamentos, um no valor de R$ 60,00 (sessenta reais) e outro de R$ 30,00 (trinta reais). Além disso, há a necessidade de fraldas antialérgicas e materiais usados em uma sonda, perfazendo um gasto total mensal de mais de R$ 500,00 (quinhentos reais), valor que não tem condições de pagar sem prejuízo de seu sustento e de sua família.

Segundo o Defensor Público paulista Luiz Rascovski, “a questão dos medicamentos, notadamente sua dispensação pelo Poder Público, consiste em uma das principais pautas de enfrentamento por qualquer Defensoria Pública”. (RASCOVSKI, 2013, p. 163)

Em razão da integralidade do sistema único de saúde, a obrigação de fornecer medicamentos cabe a todos os entes da Federação, sendo, portanto, de responsabilidade solidária da União, Estados, Distrito Federal e Municípios o fornecimento de medicamentos. Diante disso, a parte necessitada pode escolher em face de qual ente ajuizará sua demanda.

Nesse sentido, há farta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pelo que colacionamos a seguir a ementa de acórdão da 2a Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 195.192-3, proveniente do Rio Grande do Sul:

“MANDADO DE SEGURANÇA - ADEQUAÇÃO - INCISO LXIX, DO ARTIGO 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Uma vez assentado no acórdão proferido o concurso da primeira condição da ação mandamental - direito líquido e certo - descabe concluir pela transgressão ao inciso LXIX do artigo 5º da Constituição Federal. SAÚDE - AQUISIÇÃO E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - DOENÇA RARA. Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

(STF, RE 195192, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 22/02/2000, DJ 31-03-2000 PP-00060 EMENT VOL-01985-02 PP-00266)” (grifamos)

Do mesmo modo, o Superior Tribunal de Justiça:

“ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO OU CONGÊNERE. PESSOA DESPROVIDA DE RECURSOS FINANCEIROS. FORNECIMENTO GRATUITO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS. 1. Em sede de recurso especial, somente se cogita de questão federal, e não de matérias atinentes a direito estadual ou local, ainda mais quando desprovidas de conteúdo normativo. 2. Recurso no qual se discute a legitimidade passiva do Município para figurar em demanda judicial cuja pretensão é o fornecimento de prótese imprescindível à locomoção de pessoa carente, portadora de deficiência motora resultante de meningite bacteriana. 3. A Lei Federal n.º 8.080/90, com fundamento na Constituição da República, classifica a saúde como um direito de todos e dever do Estado. 4. É obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo, as mais graves. 5. Sendo o SUS composto pela União, Estados-membros e Municípios, é de reconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade passiva de quaisquer deles no pólo passivo da demanda. 6. Recurso especial improvido.

(STJ, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 16/11/2004, T2 - SEGUNDA TURMA)” (grifamos)

Destarte, diante da recusa do fornecimento de medicamentos e suplementos à menina Julia Gabriele, por parte do Município de Anápolis, caberia à Defensoria Pública do Estado de Goiás promover o acesso à justiça dessa criança, representada por sua mãe, pleiteando o fornecimento de medicamentos em face do Estado de Goiás e do Município de Anápolis.

Nota-se, portanto, a necessidade de uma Defensoria Pública autônoma, nos moldes do § 2º, do art. 134, da Constituição Federal, uma vez que, por vezes, sua atuação poderá levar o Estado de Goiás a ser condenado a efetivar direitos fundamentais.

Desta forma, mostra-se, mais uma vez, a urgência da implantação de uma Defensoria Pública em Goiás, alinhada com seu mister constitucional de promover o acesso à justiça aos necessitados, com autonomia frente a possíveis desmandos e interferência em sua atuação por parte do Estado instituidor.

5.4. O caso da Sra. Maria do Socorro Lopes

Em 12 de fevereiro de 2012, o Jornal O Popular deu notícia do sentimento de desamparo que assola a dona de casa Maria do Socorro Lopes, de 48 anos, que desistiu dos serviços oferecidos pela Defensoria Pública de Goiás para conseguir que o pai de seu filho voltasse a pagar a pensão alimentícia de seu filho de 14 (quatorze) anos de idade.

A única informação que ela obteve é de que o Judiciário expediu, em julho de 2011, uma intimação para o ex-marido, mas ele ainda não teria recebido o documento. “Nunca me apresentaram a minha advogada nem explicaram o porquê da demora. Só me mandam aguardar e dizem que não podem acompanhar o meu caso porque os advogados têm muitas pilhas de processos”, lamenta. “Os termos jurídicos são muito difíceis de entender e é muito ruim quando ninguém te orienta. Fiquei traumatizada”, pondera, acrescentado que não tem dinheiro para comprar um uniforme para o filho ir à escola.[11]

As palavras da Sra. Maria do Socorro demonstram o desamparo e a negativa de acesso à justiça, que não se confunde com o mero acesso ao Poder Judiciário, devendo ser entendido como acesso a uma ordem jurídica justa (WATANABE), rápida e eficaz.

Nesse contexto, afirmamos que o caso ora relatado representa uma negativa de acesso à justiça pela própria Defensoria Pública do Estado de Goiás, uma vez que a falta de estrutura, aliada ao despreparo dos “defensores públicos” para lidar com o cidadão necessitado, levaram a Sra. Maria do Socorro a desistir de buscar a tutela jurisdicional.

Desse modo, Defensores Públicos devem ser vocacionados e preparados para lidar com os destinatários de seus serviços, deixando de lado os formalismos e os termos jurídicos de difícil compreensão pelo cidadão leigo, adotando uma linguagem clara, simples e direta no trato com os “consumidores” mais necessitados do sistema de justiça.

Assim, revela-se emblemática a situação de Maria do Socorro e de seu filho, pois demonstra como o cidadão pobre é despido dos mais elementares direitos, como é o direito a alimentos e o direito de acesso à justiça. “A pobreza leva as pessoas a se crerem culpadas pela sua situação, a viverem mergulhadas na vergonha e no medo do julgamento alheio”. (AUDOLENT e FAYARD, 2002, p. 52)

Segundo a Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro, Andréa Sepúlveda Brito Carotti:

“O estigma, medo de reprimendas, a vergonha de sua própria aparência, as constantes humilhações sofridas decorrentes das inúmeras carências, tudo leva as pessoas que vivem na pobreza a não exercerem seus direitos de cidadania. Do confronto com o desdém de outras pessoas nasce a falta de confiança em si mesmo e o isolamento – e, naturalmente, a falta de participação na vida política da comunidade. Sendo assim, é possível sustentar-se que a redução da pobreza acarretaria uma cidadania que se pode dizer natural ou espontânea – com mais potencial para ser duradoura”. (CAROTTI, 2012, p. 76 – 7)

Portanto, a Defensoria Pública deve atuar estrategicamente na luta contra a erradicação da pobreza e da redução das desigualdades sociais, buscando a emancipação e o empoderamento de seus assistidos (CAROTTI, 2012), tornando-os cidadãos, cientes de seus direitos e deveres inerentes ao Estado Democrático de Direito.

Nesse contexto, faz-se necessário que o Estado de Goiás implemente uma Defensoria Pública orientada à redução da pobreza, com uma atuação estratégica, por meio de Defensores Públicos preparados e vocacionados para a carreira.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Bruno Malta. A omissão inconstitucional do Estado de Goiás em implementar a Defensoria Pública Estadual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3817, 13 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26107. Acesso em: 24 nov. 2024.

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