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Lei 12.850 de 2013 e o conceito de organização criminosa

08/01/2014 às 11:12
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O legislador preencheu uma lacuna, mas perdeu a oportunidade de estabelecer um tipo penal para quem fizesse parte da organização criminosa.

Em 1995 a Lei 9.034 veio a lume, tendo como finalidade dispor sobre os meios operacionais para prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas.

Em decorrência do incremento do tráfico de drogas e da lavagem de capitais, mas não por exclusividade deles, o crime organizado vem desde algum tempo desenvolvendo-se em todo o mundo. Por óbvio, seria necessária uma melhor estruturação do Estado para o enfretamento dessas organizações.

No entanto, por uma falha legislativa, a lei que dispôs sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, deixou de conceituá-las.

Buscando preencher esse vácuo legislativo, diversos doutrinadores e julgadores passaram a adotar a conceituação prevista na convenção das Nações Unidas contra o crime Transnacional, convenção esta homologada no Brasil pelo Decreto 5.015 de 2004, mais conhecida como Convenção de Palermo. Aliás, esse foi o entendimento da 5ª Turma do STJ, no HC 77.771-SP.

Tal interpretação sofreu muitas críticas, em especial, por ferir o princípio da legalidade. Segundo Luis Flávio Gomes[1], em se tratando de norma penal incriminadora, era necessário que o próprio parlamento interno definisse o crime. Isso porque os tratados e convenções configuram fontes diretas (imediatas) do Direito internacional penal (relações do indivíduo com o ius puniendi internacional, que pertence a organismos internacionais – TPI, v.g.), mas não servem de base normativa para o Direito penal interno (que cuida das relações do indivíduo com o ius puniendi do Estado brasileiro).

O STF, no HC 96.007-SP, adotou esse posicionamento. O Ministro Marco Aurélio, relator do caso, entendeu que o crime de lavagem de dinheiro, não poderia ter como fundamento a hipótese prevista no artigo 1º, inciso VII (organização criminosa), da Lei 9.613/98, definindo a conduta como atípica. De acordo com o voto, por não existir no ordenamento jurídico definição do crime de organização criminosa, surge a atipicidade, posto que  apenas conceituada na  Convenção de Palermo de 2000, introduzida no Brasil por meio de Decreto.  “Sem a definição da conduta e a apenação, não há prática criminosa glosada penalmente”, referiu o iminente Ministro.

Veja-se que esse julgado é de 12 de junho de 2012. Pouco mais de um mês após, em 24 de julho, foi publicada a Lei 12.694, que conceituou as organizações criminosas, colocando por terra qualquer discussão a esse respeito. Além dessa nova definição, a citada lei trouxe disposições referentes ao processo e julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por tais “empresas do crime”.

O legislador preencheu uma lacuna, mas perdeu a oportunidade de estabelecer um tipo penal para quem fizesse parte da organização. Fato esse que, com o advento da recente lei 12.850 foi superado, com a criação de tipo penal em seu art. 2º e parágrafos.  No entanto, junto com o novo tipo, veio uma nova conceituação de organização criminosa.

 Vejamos esse quadro comparativo:

Convenção de Palermo

Lei 12.694 de 24 de julho de 2012

Lei 12.850 de 02 de agosto de 2013

(…) grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”.

Art. 2º: “Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”.

Art. 1º, §1º: Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

A lei mais recente, exige a participação de no mínimo 4 (quatro) pessoas na organização, enquanto a lei anterior exigia 3 (três) participantes.

Importante, também, o uso da expressão “infração penal”; gênero, do qual o crime é espécie, juntamente com a contravenção penal.

Por fim, a novel legislação, estabeleceu a exigência de que essas infrações penais tenham pena máxima superior (não mais igual ou superior) a 4 (quatro) anos, disposição essa, mais adequada à sistemática do Código de Processo Penal (vide arts. 313, I e 322 do CPP).

Houve, portanto, revogação tácita parcial da lei anterior, no que pertine à conceituação de organizações criminosas. Assim como, expressamente, revogou totalmente (ab-rogou) a Lei 9.034/95.

De maneira que, com a Lei 12.850 de 02 de agosto de 2013, que entrará em vigor após a vacatio legis de 45 dias, temos superada a problemática relativa ao conceito de organização criminosa. Resta agora o enfrentamento efetivo dessas corporações criminosas com uso das técnicas de investigação criminal e meios de obtenção de provas dispostos no mesmo diploma legal.

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Nota

[1]GOMES, LUIS FLÁVIO. Organização criminosa. Conceito. Inexistência desse crime no Brasil.  Disponível em:http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2012/11/16/organizacao-criminosa-conceito-inexistencia-desse-crime-no-brasil/ . Data de acesso 04 de agosto de 2013.

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Sobre o autor
Cassiano Desimon Cabral

Delegado de Polícia no Estado do Rio Grande do Sul. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luis Flávio Gomes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABRAL, Cassiano Desimon. Lei 12.850 de 2013 e o conceito de organização criminosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3843, 8 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26349. Acesso em: 18 abr. 2024.

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