Em 1995 a Lei 9.034 veio a lume, tendo como finalidade dispor sobre os meios operacionais para prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas.
Em decorrência do incremento do tráfico de drogas e da lavagem de capitais, mas não por exclusividade deles, o crime organizado vem desde algum tempo desenvolvendo-se em todo o mundo. Por óbvio, seria necessária uma melhor estruturação do Estado para o enfretamento dessas organizações.
No entanto, por uma falha legislativa, a lei que dispôs sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, deixou de conceituá-las.
Buscando preencher esse vácuo legislativo, diversos doutrinadores e julgadores passaram a adotar a conceituação prevista na convenção das Nações Unidas contra o crime Transnacional, convenção esta homologada no Brasil pelo Decreto 5.015 de 2004, mais conhecida como Convenção de Palermo. Aliás, esse foi o entendimento da 5ª Turma do STJ, no HC 77.771-SP.
Tal interpretação sofreu muitas críticas, em especial, por ferir o princípio da legalidade. Segundo Luis Flávio Gomes[1], em se tratando de norma penal incriminadora, era necessário que o próprio parlamento interno definisse o crime. Isso porque os tratados e convenções configuram fontes diretas (imediatas) do Direito internacional penal (relações do indivíduo com o ius puniendi internacional, que pertence a organismos internacionais – TPI, v.g.), mas não servem de base normativa para o Direito penal interno (que cuida das relações do indivíduo com o ius puniendi do Estado brasileiro).
O STF, no HC 96.007-SP, adotou esse posicionamento. O Ministro Marco Aurélio, relator do caso, entendeu que o crime de lavagem de dinheiro, não poderia ter como fundamento a hipótese prevista no artigo 1º, inciso VII (organização criminosa), da Lei 9.613/98, definindo a conduta como atípica. De acordo com o voto, por não existir no ordenamento jurídico definição do crime de organização criminosa, surge a atipicidade, posto que apenas conceituada na Convenção de Palermo de 2000, introduzida no Brasil por meio de Decreto. “Sem a definição da conduta e a apenação, não há prática criminosa glosada penalmente”, referiu o iminente Ministro.
Veja-se que esse julgado é de 12 de junho de 2012. Pouco mais de um mês após, em 24 de julho, foi publicada a Lei 12.694, que conceituou as organizações criminosas, colocando por terra qualquer discussão a esse respeito. Além dessa nova definição, a citada lei trouxe disposições referentes ao processo e julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por tais “empresas do crime”.
O legislador preencheu uma lacuna, mas perdeu a oportunidade de estabelecer um tipo penal para quem fizesse parte da organização. Fato esse que, com o advento da recente lei 12.850 foi superado, com a criação de tipo penal em seu art. 2º e parágrafos. No entanto, junto com o novo tipo, veio uma nova conceituação de organização criminosa.
Vejamos esse quadro comparativo:
Convenção de Palermo |
Lei 12.694 de 24 de julho de 2012 |
Lei 12.850 de 02 de agosto de 2013 |
(…) grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”. |
Art. 2º: “Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”. |
Art. 1º, §1º: Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. |
A lei mais recente, exige a participação de no mínimo 4 (quatro) pessoas na organização, enquanto a lei anterior exigia 3 (três) participantes.
Importante, também, o uso da expressão “infração penal”; gênero, do qual o crime é espécie, juntamente com a contravenção penal.
Por fim, a novel legislação, estabeleceu a exigência de que essas infrações penais tenham pena máxima superior (não mais igual ou superior) a 4 (quatro) anos, disposição essa, mais adequada à sistemática do Código de Processo Penal (vide arts. 313, I e 322 do CPP).
Houve, portanto, revogação tácita parcial da lei anterior, no que pertine à conceituação de organizações criminosas. Assim como, expressamente, revogou totalmente (ab-rogou) a Lei 9.034/95.
De maneira que, com a Lei 12.850 de 02 de agosto de 2013, que entrará em vigor após a vacatio legis de 45 dias, temos superada a problemática relativa ao conceito de organização criminosa. Resta agora o enfrentamento efetivo dessas corporações criminosas com uso das técnicas de investigação criminal e meios de obtenção de provas dispostos no mesmo diploma legal.
Nota
[1]GOMES, LUIS FLÁVIO. Organização criminosa. Conceito. Inexistência desse crime no Brasil. Disponível em:http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2012/11/16/organizacao-criminosa-conceito-inexistencia-desse-crime-no-brasil/ . Data de acesso 04 de agosto de 2013.