O sistema eleitoral brasileiro tem tido uma constante intervenção do Estado nas decisões emanadas do sistema democrático, no qual, como bem aduz a Constituição Federal, todo o poder emana do povo que elege seus representantes por intermédio do sufrágio universal, secreto e periódico. Assim, há de se observar que a regra é a intervenção mínima do Estado na decisão soberana proveniente das urnas.
Dessa forma, convém ressaltar que, em se tratando de direito eleitoral, nada obsta a aplicação do Princípio da Intervenção Mínima do Estado e o da Insignificância, dominantes no direito penal, bem como as normas ligadas à aplicabilidade das penalidades no tempo e no espaço.
Nesse cenário, tem-se que a cada dois anos o cidadão é chamado a escolher aqueles que irão representá-los, seja no executivo ou legislativo. Não obstante, o querer oriundo da vontade popular muitas vezes é suprimido por sentenças judiciais que anulam a procuração outorgada aos eleitos, os quais figuram como protagonistas de denúncias de algum tipo de fraude eleitoral.
Diferentemente de alguns outros ramos do direito, o Direito Eleitoral requer uma intervenção mínima do poder estatal, uma vez que nesse ramo impera o poder democrático e a supremacia popular.
Em que pese o Princípio da Intervenção Mínima não esteja expressamente inscrito na Constituição Federal é um princípio limitador do poder punitivo estatal, impondo-se como o caminho inevitável para conter possíveis arbítrios do Estado.
Dessa forma, a implicância deste princípio, num preceito normativo, fiscalizador e punitivo, como é o Direito Eleitoral, acarreta a aplicação da punição da cassação de mandato somente quando se constituir meio necessário à proteção de bens jurídicos ou à defesa de interesses juridicamente indispensáveis à coexistência harmônica e pacífica da sociedade.
Daí surge o interesse de analisar a rubrica da cassação de mandatos, ato individual do judiciário, anulando a vontade popular depositada nas urnas eleitorais.
Sem ponderar os efeitos negativos, a segurança jurídica, o ato acabado e perfeito, a decisão judiciária vem e atropela o cenário desenhado nas urnas. Sem entrar na ceara dos motivos determinantes, o poder judiciário exorbita e adentra no poder do cidadão, determinando a perda do mandato e a saída imediata do titular do cargo. A sentença vem então como uma bomba, tanto para os eleitos como para o cidadão de bem que o elegeu.
Nesse momento cabe apenas se valer de recursos jurídicos disponibilizados pelo legislador para que essa intervenção do Estado não cause danos ainda maiores.
Preliminarmente, cumpre esclarecer aqui que o que se defende não são os motivos que determinaram a sentença, mas sim os métodos adotados na aplicação da pena, os quais extrapolam a vontade popular e devem ser meticulosamente observados, sob pena de transgressão dos princípios basilares do Estado democrático de Direito.
É certo que o sistema eleitoral brasileiro evolui muito, assim como é inegável que precisa ser modulado para realidades emergentes que surgem a cada pleito.
Nesse diapasão, as cassações que se deram nos últimos anos, principalmente no último pleito eleitoral, foram protagonizadas por dezenas de casos relacionados à compra de votos, troca de favores e abuso de poder econômico, o que acarreta em uma enorme repercussão negativa para a política e para todo o sistema eleitoral.
Tais fatos afetam não apenas aqueles diretamente atingidos com a perda do mandato eletivo, como também o andamento dos serviços derivados de seus cargos, além de trazer mudanças enormes na recontagem do coeficiente eleitoral, consequentemente mudando o cenário até então desenhado nas urnas.
Nesse sentido, a melhor maneira de se fazer cumprir as decisões proferidas nos processos eleitorais com certeza não é trazendo instabilidade e insegurança jurídica às eleições, mas procurando uma via em que se possa aplicar a lei, sem afastar a soberania popular e afetar profundamente a regularidade do pleito.
Desta forma, o modo de punir operante no atual sistema eleitoral é um tanto equivocado, arbitrário e em contradição com os princípios basilares constitucionais. Ademais, a aplicação das leis eleitorais e o processo de julgamento eleitoral nem sempre se mostram claros e objetivos, com decisões que, mesmo baseadas na mesma premissa, se mostram contraditórias entre si.
Perlustrando as decisões dos Tribunais Eleitorais por todo o país, observa-se a aplicação de sansões ora demasiadamente severas, gerando o sentimento de injustiça na população; ora superficiais e brandas, perpetuando uma imagem de impunidade dos expoentes políticos.
Deve-se atentar para o princípio fundamental do Estado brasileiro, base do ordenamento jurídico e político brasileiro, o qual se encontra incrustado ainda no primeiro artigo da Carta Magna:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Não se olvida que todas essas manobras ilegais utilizadas para obter sucesso no processo eleitoral e alcançar um cargo público precisam ser investigadas e punidas. No entanto, a punição deve observar o limite adotado pelo princípio da segurança jurídica, evitando-se que condutas que produziram efeitos mínimos em todo o contexto eleitoral possam elidir o voto democrático e livre dos demais.
Não se pode admitir que o Estado usurpe o poder democrático do sufrágio universal, consubstanciado pelo voto, e sentencie a perda de mandato outorgado pelo cidadão.
No mais, muitas dessas sentenças são fundamentadas em denúncias de compra de votos, prática que, embora seja clara afronta à lisura do pleito eleitoral, em grande parte dos casos se mostra incapaz de influenciar a decisão eleitoral como um todo. Resta evidente assim a transgressão ao Princípio da Insignificância.
Para que um cidadão seja eleito e assuma um mandato eleitoral, faz-se necessário, dentre outras coisas, uma quantidade expressiva de votos. Destarte, é preciso que um número significativo de pessoas o escolha como seu representante e a ele confie seu voto. Nesse raciocínio, é incompreensível que alguns votos comprados tenham força total sobre os demais votos conferido de forma lícita, livre e democrática.
Daí surge a invocação do Princípio da Insignificância, amplamente aplicado no direito penal, para analisar e mensurar o valor das condutas ante a ofensa ao bem jurídico tutelado, dosando assim a aplicabilidade das penas.
Aplicar tal princípio não significa deixar de dar importância a atos fraudulentos, como é o caso de compra de voto. O que se espera é que haja uma maior ponderação, no sentido de fazer uma análise profunda da influência do fato, fazendo com que uma quantia mínima de “votos comprados” não prejudique todos os demais, depositados de livre e espontânea vontade pelo cidadão.
Isso não impede que o eleito seja punido com rigor pela prática de crimes eleitorais, o que se defende é uma mudança do momento da aplicabilidade da pena.
Analisando-se o sistema eleitoral brasileiro pode-se encontrar como uma das penalidades imposta a quem pratica tal manobra eleitoral a perda temporária dos direitos políticos, e isso importa em permanecer anos afastados da candidatura a cargos públicos.
Assim, uma maneira apropriada que o Estado dispõe para punir o infrator seria aplicar a pena após o termino do mandato eleitoral para o qual foi eleito, uma vez que devidamente outorgado nas urnas. Isto porque, retirar o mandato nesse momento seria o mesmo que extrapolar os limites do poder estampado no texto constitucional.
Agindo desse modo, o poder do Estado não interferirá no poder do cidadão. Além do mais, a segurança jurídica prevaleceria não apenas no conjunto de leis e na separação dos três poderes, mas principalmente na aplicação da lei eleitoral, de modo que a escolha popular prevaleça, soberana e imaculada.