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Energia solar e solidariedade intergeracional ambiental.

Um recorte contemporâneo ao acesso à energia solar a partir de um viés humanístico

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02/02/2014 às 12:05
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Cinge o presente a analisa a energia solar como um bem jurídico dotado de relevância na contemporaneidade, sendo dispensada uma abordagem calcada no diálogo entre solidariedade intergeracional e meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Resumo: Ao esmiuçar o corolário da solidariedade intergeracional, também denominado de princípio da equidade ou princípio do acesso equitativo dos recursos naturais, salta aos olhos sua íntima relação com a temática dos espaços protegidos, eis que configura um dos baldrames robustos para a sua estruturação. Assim, a atual geração, ao instituir os espaços protegidos, furta-se à sua utilização normal (aqui considerada aquela utilização encontradiça fora desses espaços) para garantir as presentes gerações e, sobretudo, às futuras, o equilíbrio do meio ambiente, mediante a manutenção da biodiversidade. Logo, a adoção do termo “solidariedade intergeracional” busca, justamente, destacar esse elo de responsabilidade da atual geração pela existência das futuras. Verifica-se, neste cenário, a concreção dos valores característicos dos direitos de terceira geração, na qual a solidariedade é aspecto preponderante, notadamente em razão dos influxos que incidem sobre a toda a coletividade, na condição de unidade. Observar-se-á a existência de duas espécies de solidariedade intergeracional, tais sejam: uma pautada na atual geração, denominada, em razão disso, de sincrônica; e, outra voltada para as futuras gerações, chamada anacrônica. Neste aspecto, a solidariedade intergeracional, na condição de elemento caracterizador do meio ambiente e o seu acesso, no que se refere às futuras gerações, afigura-se como bastião orientador dos direitos acampados pela terceira dimensão, consagrando o ideário de solidariedade e fraternidade. 

Palavras-chaves: Meio Ambiente. Energia Solar. Solidariedade Intergeracional. Valores de Terceira Dimensão.

Sumário: 1 A Construção do Direito Ambiental: A Mutabilidade como Aspecto Renovador da Ciência Jurídica; 2 Análise do Meio Ambiente a partir de uma feição conceitual; 3 A Solidariedade Intergeracional no Direito Ambiental: O Fortalecimento dos Ideários de Fraternidade nos Direitos de Terceira Dimensão; 4 Energia Solar e Solidariedade Intergeracional Ambiental: Um recorte contemporâneo ao acesso à Energia Solar a partir de um viés humanístico


1 A Construção do Direito Ambiental: A Mutabilidade como Aspecto Renovador da Ciência Jurídica

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Nestes termos, o Direito não mais ostenta a feição engessada da interpretação dos elementos que estruturam suas balizas.  Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios apresentados pela população, suplantados em uma nova sistemática.

Com escora em tais premissas, cuida desfraldar, com bastante pertinência, como estandarte de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[2]. Deste modo, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas cravadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não estejam maculados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[3]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica apoia-se, justamente, na constante e cogente mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados, moldando-se às nuances e particularidades caracterizadoras da situação concreta.

Ainda neste substrato de exposição, é possível realçar, com grossos traços, que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma sedimentada independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[4]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, compreende-se que o ponto nodal da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica.  Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas”[5]. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas, primacialmente as culturais.

 Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade[6]·. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária” [7].


2 Análise do Meio Ambiente a partir de uma feição conceitual

Ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[8], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de Silva, considera-se meio ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[9].

Nesta senda, ainda, Fiorillo[10], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029, salientou, com bastante pertinência, que:

[...] o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal[11].

É verificável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Constituição Cidadã, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225 amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”[12]. Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[13]está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que:

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A preocupação com o meio ambiente - que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras [...] tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade[14].

     O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma.

     Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga mones, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

     Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

     Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio ambiente com sua ação. Ao lado do pontuado, cuida anotar que, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

Em tom de arremate, é possível destacar que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresarias nem manter dependência de motivações de âmago essencialmente econômico, notadamente quando estiver presente a atividade econômica, considerada as ordenanças constitucionais que a norteiam, estando, dentre outros corolários, subordinadas ao preceito que privilegia a defesa do meio ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. O corolário do desenvolvimento sustentável, além de estar impregnando de aspecto essencialmente constitucional, encontra guarida legitimadora em compromissos e tratados internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro, os quais representam fator de obtenção do justo equilíbrio entre os reclamos da economia e os da ecologia, porém, a invocação desse preceito, quando materializada situação de conflito entre valores constitucionais e proeminentes, a uma condição inafastável, cuja observância não reste comprometida nem esvaziada do aspecto essencial de um dos mais relevantes direitos fundamentais, qual seja: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.


3 A Solidariedade Intergeracional no Direito Ambiental: O Fortalecimento dos Ideários de Fraternidade nos Direitos de Terceira Dimensão

Em sede de comentários introdutórios, ao volver um olhar analítico para o tema colocado em debate, forçoso é reconhecer que o corolário da solidariedade intergeracional apresenta-se como reflexo de direitos de terceira dimensão, denominados direitos de solidariedade ou fraternidade. Com destaque, os direitos, encampados pela denominação supra, encontra como alicerce de sustentação o ideário de fraternidade e tem como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do consumidor, além de outros direitos considerados como difusos. “Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo”[15]ou mesmo de um Ente Estatal especificamente.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com efeito, está-se diante de valores transindividuais, eis que os direitos abarcados pela dimensão em comento não estão restritos a determinados indivíduos; ao reverso, incidem sobre a coletividade. Ao lado disso, os direitos de terceira dimensão são considerados como difusos, porquanto não têm titular individual, sendo que o liame entre os seus vários titulares decorre de mera circunstância factual. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível[16].

Nesta feita, importa acrescentar que os direitos de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer restrições a grupos específicos. Ora, o ideário de solidariedade alberga justamente um sucedâneo de direitos que contemplam a coletividade enquanto unidade, não se atendendo a característicos diferenciadores ou mesmo particularidades segregadoras. Neste sentido, pautaram-se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas ponderações, que “os direitos de terceira geração possuem natureza essencialmente transindividual, porquanto não possuem destinatários especificados, como os de primeira e segunda geração, abrangendo a coletividade como um todo”[17]. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou, ainda, de difícil determinação. Nesta esteira de exposição, os direitos em comento estão vinculados a valores de fraternidade ou solidariedade, sendo traduzidos de um ideal intergeracional, que liga as gerações presentes às futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.

Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores, percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a valorização destes é de extrema relevância. “Têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[18]. A respeito do assunto, com bastante pertinência, Motta e Barchet[19], em seu magistério, ensinam que os direitos de terceira dimensão surgiram como “soluções” à degradação das liberdades, à deterioração dos direitos fundamentais em virtude do uso prejudicial das modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica vigente entre as diferentes nações.

Tecidos estes comentários, ao esmiuçar o corolário da solidariedade intergeracional, também denominado de princípio da equidade ou princípio do acesso equitativo dos recursos naturais, salta aos olhos sua íntima relação com a temática dos espaços protegidos, eis que configura um dos baldrames robustos para a sua estruturação. Afora isso, é possível verificar a materialização do dogma em comento no caput do artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[20].  Assim, a atual geração, ao instituir os espaços protegidos, furta-se à sua utilização normal (aqui considerada aquela utilização encontradiça fora desses espaços) para garantir as presentes gerações e, sobretudo, às futuras, o equilíbrio do meio ambiente, mediante a manutenção da biodiversidade. Logo, a adoção do termo “solidariedade intergeracional” busca, justamente, destacar esse elo de responsabilidade da atual geração pela existência das futuras. Neste sentido, é possível trazer à colação o paradigmático entendimento jurisprudencial construído, no qual acena, com clareza solar, que:

Ementa: Arguição de descumprimento de preceito fundamental: adequação. Observância do princípio da subsidiariedade. Arts. 170, 196 e 225 da Constituição da República. Constitucionalidade de atos normativos proibitivos da importação de pneus usados. Reciclagem de pneus usados: ausência de eliminação total de seus efeitos nocivos à saúde e ao meio ambiente equilibrado. Afronta aos princípios constitucionais da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Coisa julgada com conteúdo executado ou exaurido: impossibilidade de alteração. Decisões judiciais com conteúdo indeterminado no tempo: proibição de novos efeitos a partir do julgamento. Arguição julgada parcialmente procedente. 1. Adequação da arguição pela correta indicação de preceitos fundamentais atingidos, a saber, o direito à saúde, direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (arts. 196 e 225 da Constituição Brasileira) e a busca de desenvolvimento econômico sustentável: princípios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade de comércio interpretados e aplicados em harmonia com o do desenvolvimento social saudável. Multiplicidade de ações judiciais, nos diversos graus de jurisdição, nas quais se têm interpretações e decisões divergentes sobre a matéria: situação de insegurança jurídica acrescida da ausência de outro meio processual hábil para solucionar a polêmica pendente: observância do princípio da subsidiariedade. Cabimento da presente ação. [...] 4. Princípios constitucionais (art. 225) a) do desenvolvimento sustentável e b) da equidade e responsabilidade intergeracional. Meio ambiente ecologicamente equilibrado: preservação para a geração atual e para as gerações futuras. Desenvolvimento sustentável: crescimento econômico com garantia paralela e superiormente respeitada da saúde da população, cujos direitos devem ser observados em face das necessidades atuais e daquelas previsíveis e a serem prevenidas para garantia e respeito às gerações futuras. Atendimento ao princípio da precaução, acolhido constitucionalmente, harmonizado com os demais princípios da ordem social e econômica. [...] Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental julgada parcialmente procedente. (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADPF Nº 101/ Relatora: Ministra Cármem Lúcia/ Julgado em 24.06.2009/ Publicado no DJe em 04.06.2012, p. 001).

Observar-se-á a existência de duas espécies de solidariedade intergeracional, tais sejam: uma pautada na atual geração, denominada, em razão disso, de sincrônica; e, outra voltada para as futuras gerações, chamada anacrônica. Com destaque, assinalar faz-se imprescindível, consoante entendimento explicitado por Andréia Minussi Facin[21], que é possível enumerar três formas distintas de acesso a bens materiais, quais sejam: acesso visando o consumo do bem, tal como ocorre com a captação de água e instrumentos predatórios de caça e pesca; acesso causando poluição ao meio ambiente, a exemplo do que se denota no acesso à água ou ao ar, lançando, para tanto, poluentes ou emitindo poluição sonora; e, acesso ao meio ambiente para a contemplação de seus elementos e paisagem.

Verifica-se, deste modo, a existência do meio ecologicamente equilibrado não se traduz somente na preservação para a geração atual, mas, também, para as gerações futuras. Logo, se o pavilhão desfraldado tremula em direção ao desenvolvimento sustentável, patente faz-se que a concepção albergue o crescimento econômico como garantia paralela e superiormente respeitada da saúde da população, cujo acervo de direito devem ser observados, tendo-se em vista não apenas as necessidades atuais, contudo, também, as que são passíveis de prevenção para as gerações futuras. Neste sedimento de exposição, cuida apontar, com ênfase, que está diretamente vinculado ao corolário em comento o preceito da precaução, já que a necessidade de afastamento de perigo, tal como a adoção de instrumentos que busquem a promoção da segurança dos procedimentos adotado para a garantia das gerações futuras, efetivando-se apenas por meio da sustentabilidade ambiental das ações humanas.

Denota-se, destarte, que o princípio em comento torna efetiva a busca incansável pela proteção da existência humana, seja tanto pela proteção do meio ambiente como pela estruturação de condições que salvaguardem a saúde e a integridade física, considerando-se o indivíduo em sua inteireza. Gize-se que tal fato decorre da nova visão reinante, na qual há que se adotar, como política pública, o que se faz imprescindível para antecipar os riscos de danos que sejam passíveis de materialização em relação ao meio ambiente, tanto quanto o impacto que as ações ou as omissões possam produzir. Ora, o artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[22], ao estabelecer o ônus em relação à coletividade e ao Poder Público, na condição de dever, de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, inaugura um dever geral arrimado na prevenção de riscos ambientais, no patamar de um ordem normativa objetiva de antecipação de futuros danos ambientais, os quais encontram como sustentáculos os dogmas da prevenção, quando tratar de riscos concretos, e da precaução, quando estiver diante de riscos abstratos.

No mais, cuida colocar em destaque que a reserva dos bens ambientais, com a sua não utilização atual, passaria a ser equitativa se fosse demonstrado que ela ocorrera com o escopo de evitar o esgotamento dos recursos, com a guarda desses bens para as futuras gerações. Neste passo, ao se considerar a densidade da moldura de fraternidade e solidariedade que reveste o acesso ao meio ambiente, em especial devido ao status de elemento que assegura o alcance da dignidade da pessoa humana, considerando o indivíduo em todas as suas potencialidades e complexidades, não é possível suprimir que a manutenção da preservação dos bens ambientais refoge ao ideário ingênuo de meio ambiente intocável, mas sim lhe confere à contemporaneidade ao tema. “A equidade no acesso aos recursos ambientais deve ser enfocada não só com relação à localização especial dos usuários atuais, como em relação aos usuários potenciais das gerações vindouras”[23]. Com efeito, um posicionamento equânime não é fácil de ser construído, vindicando considerações dotadas de ordem ética, científica e econômica das gerações atuais e uma avaliação prospectiva das necessidades futuras, nem sempre possíveis de serem conhecidas e medidas no presente.

Neste aspecto, é possível colocar em destaque que o aspecto intergeracional que tende a caracterizar o discurso de proteção e preservação ambiental ambiciona conferir concreção ao ideário de solidariedade que caracteriza o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado enquanto direito de terceira dimensão. Supera-se, com efeito, a essência de individualidade que caracterizou os direitos humanos, adotados uma ótica na qual a preocupação com o semelhante, mesmo em se tratando de uma geração futura, é dotada de grande proeminência, analisando-se a coletividade na condição de unidade, na qual cada um dos indivíduos é dotado de relevância e substancial atenção. Tal fato decorre, notadamente, do superprincípio da dignidade da pessoa humana, o qual só alcança sua materialização por meio da conjunção de inúmeros, porém carecidos, direitos, os quais, em um fim último, proporcionam a realização de todas as complexidades encerradas no ser humano. Mais que um conceito jurídico-filosófico, a dignidade da pessoa humana, na condição de superprincípio orientador do ordenamento jurídico, reclama a conjunção de sucedâneo de esforços para a sua concretude.

Ademais, um aspecto característico proeminente da sociedade contemporânea está assentado na sua paradoxal capacidade de controlar e produzir indeterminações. Entrementes, a forma como esse dever será atendido constitui tarefa inafastável dos órgãos estatais, os quais dispõem de ampla liberdade de conformação, atentando-se para os limites constitucionais consagrados. Com efeito, as mencionadas determinações constitucionais objetivam evitar riscos, encontrando assento, para tanto, no próprio Texto Constitucional, o que autoriza o Estado a atuar de modo a evitar riscos para o cidadão em geral, por meio da adoção de medidas de proteção ou de prevenção da saúde e do meio ambiente, notadamente em relação ao desenvolvimento técnico ou tecnológico e suas consequências para as presentes e futuras gerações. No controle judicial de políticas públicas do meio ambiente, a atuação do Poder Judiciário deve buscar a garantia, inclusive, o mínimo existencial-ecológico dos indivíduos atingidos diretamente e indiretamente em seu patrimônio de natureza material e imaterial, neste sentido, visando garantir a inviolabilidade do direito fundamental à sadia qualidade de vida, bem assim a defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, em busca do desenvolvimento sustentável para as presentes e futuras gerações.

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Sobre o autor
Tauã Lima Verdan Rangel

Mestre (2013-2015) e Doutor (2015-2018) em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especialista Lato Sensu em Gestão Educacional e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) (2017-2018). Especialista Lato Sensu em Direito Administrativo pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Direito Ambiental pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Direito de Família pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Práticas Processuais Civil, Penal e Trabalhista pelo Centro Universitário São Camilo-ES (2014-2015).. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil e Direito Ambiental.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RANGEL, Tauã Lima Verdan. Energia solar e solidariedade intergeracional ambiental.: Um recorte contemporâneo ao acesso à energia solar a partir de um viés humanístico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3868, 2 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26540. Acesso em: 26 abr. 2024.

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