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A construção de poços individuais sob a óptica da Lei 11.445/07

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29/01/2014 às 17:12
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CONCLUSÕES

  A Lei 11.445/07 teve inegáveis avanços no tratamento da questão do saneamento básico no Brasil. O estabelecimento de diretrizes e objetivos claros e definidos, o estabelecimento de um órgão controlador, com participação popular, a instituição de direitos do consumidor, o tratamento do saneamento básico como política pública intimamente relacionada com a questão da saúde e do meio ambiente são apenas alguns destes avanços.

A Lei 11.445/07 não poderá ser interpretada de maneira isolada, devendo-se estabelecer um diálogo com outros dispositivos legais – como o Código de Defesa do Consumidor, a lei 9.605/98, por exemplo – bem como dispositivos constitucionais, como a repartição de competências, o estabelecimento da dignidade humana como fundamentado do Estado, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais como objetivos da República Federativa do Brasil assim como no tocante ao direito fundamental à vida, à saúde e ao meio ambiente equilibrado.

Apesar de aplaudida pela – ainda deficiente – doutrina que trata do assunto, um tema específico ainda é questionado, que é a possibilidade da construção de poços segundo a nova lei de saneamento básico. Uma leitura apressada do art. 45 pode levar à conclusão que fica vedado o abastecimento de água por fontes alternativas naqueles prédios que utilizam a rede pública.

Tal premissa esvai-se com um estudo mais aprofundado da lei, especialmente seus princípios, elencados pelo art. 2º, em especial o da universalidade.

A imposição do art. 45 provém de uma hermenêutica do Estado ambiental, fundada em princípios como do desenvolvimento sustentável bem como o princípio da prevenção. Em especial, a prevenção alerta para o fato de que se existirem indícios de que uma atividade poderá ser lesiva ao meio ambiente, esta não poderá ser autorizada pelo Poder Público, que tem a obrigação de protegê-lo e preservá-lo. Não se trata de uma vedação ao desenvolvimento, mas sua mitigação com as preocupações ambientais – este é o cerne da problemática do desenvolvimento sustentável.

É de ressaltar que, ao contrário do que alguns pregam, o art. 45 não prevê uma impossibilidade total da construção de poços. O §1º prevê – e a constitucionalidade deste dispositivo reside especificamente na exceção prevista por este parágrafo – que, nas localidades onde inexistir o serviço público de abastecimento de água e destinação final dos esgotos sanitários, o usuário pode usar soluções alternativas para o suprimento deste serviço essencial.

Outro princípio que confere sustentabilidade axiológica à lei 11.445/07 é o da eficiência, que poderá ser traduzido não somente com a universalização do serviço de saneamento básico, bem como sua prestação em níveis adequados, cumprindo regulamentos e parâmetros dos órgãos próprios. De nada adianta universalizar a distribuição da água, se ela não se encontra própria para o consumo.

Assim, entendemos que a exceção prevista pelo art. 45 §1º abrange não somente a falta de acesso naquela determinada região, bem como sua prestação de maneira deficiente, com parâmetros inferiores aos estabelecidos pelos órgãos reguladores. A constatação desta inadequação aos parâmetros técnicos dar-se-á facilmente com os relatórios periódicos sobre a qualidade da prestação dos serviços, previsto pelo art. 27, IV.

Ademais, a universalização da prestação do serviço de saneamento básico é tarefa hercúlea, que demanda vultosos gastos estatais para a consecução, o que possibilitará a aplicação do art. 45 §1º ainda por muitos anos, para aqueles que não tiverem acesso à rede pública de esgotamento sanitário e distribuição de águas.

A Lei 11.445/07 mostrou-se um avanço não só pela consolidação do saneamento básico como política pública, bem como pela integração definitiva deste com o meio ambiente. É baseado em princípios caros ao Direito ambiental, como o princípio da responsabilidade, desenvolvimento sustentável e da prevenção que concluímos pela constitucionalidade do art. 45 e parágrafos da novel lei de saneamento básico.


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Notas

[1] Discurso do Senador Valmir Amaral, do PTB/DF. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Pronunciamento/detTexto.asp?t=362499>. Acesso em: 14 out. 2008.

[2] GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

[3] SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

[4] MOTA, Francisco Suetônio Bastos. Conhecimentos para promoção do saneamento, saúde e ambiente. in PHILIPPI Jr., Arlindo. Saneamento, Saúde e Ambiente: Fundamentos para um desenvolvimento sustentável. Barueri: Manole, 2005.

[5] Revista de Águas subterrâneas. Ano 1. n. 4º Março-Abril 2008. Disponível em: <http://www.abas.org/imagens/revista4.pdf>. Acesso em 17 out. 2008.

[6] Ibidem.

[7] Disponível em: <http://www.snis.gov.br>. Acesso em: 18 out. 2008. Os dados relativos ao ano-base de 2007 ainda não estão disponíveis para consulta.

[8] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 73

[9] Entendemos, aqui, que parte da falta de juridicidade e de aplicação do princípio da prevenção e da precaução dá-se, exatamente, pela tentativa de diferenciação, por parte da doutrina, entre eles. Apenas firmando posicionamento acerca do assunto, entendemos que o princípio da precaução é englobado pelo da prevenção que, por seu turno, deve ser entendido no âmbito de a) prevenção de danos mais graves do que os cometidos; b) prevenção de danos, havendo riscos efetivos; c) prevenção de danos, havendo riscos potenciais.

[10] NOGUEIRA, Ana Carolina Casagrande. O conteúdo jurídico do princípio de precaução no Direito Ambiental brasileiro. in FERREIRA, Heline Silvini e LEITE, José Rubens Morato. orgs. Estado de Direito Ambiental:Tendências. Aspectos constitucionais e diagnósticos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

[11] Apelação Cível n. 01000141661/DF. Rel. Assusete Magalhães. 8 ago. 2000. Disponível em: <www.trf1.gov.br> . Acesso em: 19 out. 2008.

[12] Há uma deficiência crônica no sistema de esgotos na cidade de Natal. Recentemente, obras no bairro turístico de Ponta Negra chegaram a ser suspensas por ser deficiente o sistema de esgotamento sanitário no bairro. Disponível em: < http://tribunadonorte.com.br/noticia.php?id=69499>. Acesso em: 19 out. 2008.

[13] SMETS, Henri apud MACHADO, Paulo Affonso Leme. op. cit. p. 53.

[14] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo apud MUKAI, Toshio. org. Saneamento Básico: Diretrizes gerais. Comentários à Lei 11.445/07. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 94.

[15] MUKAI, Toshio. op. cit. p. 96.


ABSTRACT: The Law n. 11.445/07 treated distinctly the sanitation issue in Brazil, stablishing principles and goals and treating it as public policies, among environmental, districtal and healthy themes. In order to accumplish the universalization of the acess to sanitation as well as the secutiry of the service, this law banned a common practice in Brazil, that is the use of individual solutions for the water supply and final destination of the sewer. The present paper intends to explain the new juridical regulatory framework of the sanitation as well as propose solutions to this apparent contradiction created by the law itself.

KEYWORDS: Sanitation; Principles; Universalization of the acess; Individual solutions; Contradiction.

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Sobre o autor
Rafael Diogo Diógenes Lemos

Advogado. Professor da Universidade Potiguar. Mestrando em Direito Constitucional (UFRN).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS, Rafael Diogo Diógenes. A construção de poços individuais sob a óptica da Lei 11.445/07. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3864, 29 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26544. Acesso em: 25 abr. 2024.

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